Processo nº 0024 11 200 738-0

Ação: COMINATÓRIA C/C REPARAÇÃO DE DANOS

Autor: ANDRÉ JUVENAL DA SILVA

Ré: CONSTRUTORA TENDA S/A

 

COMARCA DE BELO HORIZONTE/MG

 

Vistos, etc.

 

I – RELATÓRIO

 

ANDRÉ JUVENAL DA SILVA ajuíza a presente AÇÃO ORDINÁRIA COMINATÓRIA C/C REPARAÇÃO DE DANOS em face de CONSTRUTORA TENDA S/A, ambos qualificados, alegando que celebrou com a ré um contrato de compromisso de compra e venda referente ao apartamento 302 do Bloco 02 do Residencial Betim Life e que, apesar de ter sido prevista sua entrega para 30 de janeiro de 2010 e de ter pontualmente realizado o pagamento das parcelas a que estava obrigado, não o foi até o ajuizamento desta ação, fazendo jus, portanto, a indenizações pelos danos material e moral sofridos.

Sustenta que a multa prevista no §2º da Cláusula 9ª para o atraso na entrega em 0,5% do valor a vista do imóvel não se mostra adequado e equilibrado, sendo nitidamente abusivo e prejudicial ao consumidor, visto que, em caso de atraso no pagamento das prestações, ficará este obrigado ao pagamento de correção monetária, juros de 0,07% ao dia, correspondentes a 2,1% ao mês, e multa de 2%, conforme se verifica da Cláusula 21ª do contrato.

Assevera que também deve ser declarada nula a cláusula 9ª, caput que prevê o prazo de tolerância de 180 dias, visto que trata-se de um privilégio que não foi concedido ao consumidor no que tange ao cumprimento de suas obrigações e que causa desequilíbrio contratual, além de configurar cláusula restritiva de direitos que, inclusive, não foi devidamente destacada, consoante exige o §4º do art. 54 do CDC.

Argumenta que, tendo sido previsto no contrato que a maior parte do valor do imóvel adquirido seria pago através de financiamento habitacional, o atraso na entrega do referido imóvel trouxe-lhe sério prejuízo, visto que não pode mais receber o benefício governamental porque casou-se e sua renda somada com sua esposa representa óbice ao referido benefício, devendo, por conseguinte, ser indenizado no valor de R$15.250,00 devidamente corrigido e acrescido de juros de mora, ambos a partir de 30/01/2010 (data do ilícito).

Assinala que a não entrega oportuna do imóvel o levou a contratar o aluguel de um imóvel para a sua residência, conforme comprovam os contratos de locação e recibos inclusos, devendo ser indenizado pelos valores correspondentes em virtude do prejuízo experimentado.

Arremata, defendendo o direito à indenização por danos morais.

Requer, em sede de tutela antecipada, a entrega do imóvel no prazo de 30 dias sob pena de multa diária de R$500,00.

Ao final, pleiteia a procedência dos pedidos, para que seja declarada nula a Cláusula 9ª, caput do contrato que prevê o prazo de tolerância de 180, modificada a Cláusula 9ª, §2º para que a multa seja fixada em 4,1% ao mês, incidente sobre o valor a vista e atualizado do imóvel e a ser paga a partir de 30/01/2010 até a efetiva entrega da unidade habitacional, condenada a ré ao pagamento de uma indenização, a título de danos materiais, de R$15.250,00 referente à perda do subsídio governamental do financiamento e de todos os valores gastos com aluguel desde o início da locação até a efetiva entrega das chaves, bem como ao pagamento de indenização, a título de danos morais, em valor que sugere seja fixado em 100 salários mínimos.

Formula pedido de assistência judiciária.

Instrui a inicial com os documentos de fls. 10/83.

À fl. 85 foi deferido o pedido de assistência judiciária.

Citada, a construtora requerida apresentou contestação às fls. 91/109, alegando que não entregou o imóvel por motivos alheios a sua vontade, não se furtando a sua obrigação, até mesmo porque que as obras já estão em estado avançado, com finalização da fachada e acabamento interno dos blocos do Residencial Betim Life.

Pontua que, além do fato de o imóvel não estar pronto, o autor não efetuou o pagamento da parcela referente à entrega das chaves que corresponde a 70% do preço pactuado, não sendo, assim, possível o cumprimento da liminar pretendida, mormente por não restarem preenchidos os seus requisitos autorizadores, quais seja, a negativa da entrega do imóvel e o pagamento do preço ajustado.

Argumenta que não deve ser declarada a nulidade de quaisquer das cláusulas do contrato, visto não serem abusivas e por terem sido aceitas pela parte autora quando da assinatura do instrumento contratual.

Afirma que, considerando o prazo de tolerância de 180 dias, o prazo para entrega do imóvel findou em julho de 2010, sendo previsto, em casos tais, o pagamento de multa, conforme Cláusula 9ª, §2º, que, in casu, deve incidir a partir do mês de agosto de 2010.

Pondera que “não há que se falar em alteração do valor da multa por atraso, uma vez que o Autor sabia os exatos termos da cláusula, caso houvesse atraso na entrega do imóvel” (fl. 96).

Arremata, aduzindo ser incabível indenização por danos morais por não ter sido estes comprovados, tampouco devida a indenização por perdas e danos do valor correspondente ao financiamento e também dos alugueis por já estar previsto no contrato o pagamento da multa penal, implicando o pagamento destes valores com a multa verdadeiro bis in idem.

Pugna, ao final, pela improcedência dos pedidos iniciais.

Instrui a defesa com os documentos de fls. 110/121.

Tutela antecipada deferida às fls. 123/125.

A parte autora apresentou impugnação à contestação às fls. 126/128, rechaçando as alegações da defesa e infirmando as razões da inicial.

A ré informou a interposição de agravo de instrumento contra a decisão de fls. 123/125, juntando documentos de fls. 134/153.

Mantida a decisão agravada à fl. 160, ocasião em que foi determinada a suspensão do andamento do feito até julgamento do agravo.

O autor peticionou à fl. 168 requerendo o prosseguimento do feito e às fls. 163/65 a concessão da tutela antecipada sob pena de multa diária de R$1.000,00.

Intimadas a especificarem suas provas (fl. 247), a parte autora requereu a produção de prova testemunhal e o depoimento pessoal do representante da ré e a requerida protestou pelo julgamento antecipado da lide (fl. 253).

Homologada a desistência da prova testemunhal pelo autor (fl. 284) e apresentadas alegações finais pelo autor às fls. 294/298 e pela ré às fls. 300/317.

É o Relatório. DECIDO:

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação. O processo encontra-se regular e não há nulidades a sanar. Ausentes preliminares, passo à análise do mérito.

Cinge-se a controvérsia à análise da configuração de responsabilidade da construtora ré pelo atraso na entrega do imóvel, bem como ao direito da parte autora ao recebimento dos danos materiais e dos danos morais reclamados.

Consoante se afere do contrato particular de promessa de compra e venda de fls. 13/17 e 58/76, celebrado entre as partes em 23/03/2008, a conclusão das obras e a entrega da unidade restou estipulada para a data de 30 de janeiro de 2010, (item 5 do Quadro Resumo), com prazo de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias (Cláusula 9ª, caput).

Registra-se, outrossim, que a referida unidade habitacional somente foi entregue em 20/05/2015, consoante Termo de Recebimento de Imóvel de fl. 282.

Força maior e caso fortuito

Sustenta a construtora ré que o atraso na entrega do imóvel decorreu por fatos alheios a sua vontade, sem mesmo precisar quais seriam.

Nos termos do art. 393 do Código Civil, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado, sendo certo que o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Registra-se que o caso fortuito e a força maior tratam-se de excludentes da responsabilidade civil do devedor pelo seu inadimplemento, sendo necessário, para a sua configuração, que o evento impossibilite o cumprimento da obrigação, assim como seja inevitável, ou seja, deve advir de circunstâncias alheias à vontade do devedor.

Acrescentam-se os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves:

(…) exige-se, para a configuração do caso fortuito ou força maior, a presença dos seguintes requisitos: a) o fato deve ser necessário, não determinado por culpa do devedor, pois, se há culpa, não há caso fortuito; reciprocamente, se há caso fortuito, não pode haver culpa, na medida em que um exclui o outro; b) o fato deve ser superveniente e inevitável; c) o fato deve ser irresistível, fora do alcance do poder humano.” (in Direito das Obrigações, Parte Geral, 12ª Ed., ano 2011, pág. 122)

 

Certo é que a construtora ré sequer precisou quais foram os fatos alheios a sua vontade que impossibilitaram a entrega do imóvel ao autor, não restando comprovado, portanto, o requisito de inevitabilidade para a configuração de caso fortuito ou força maior. Nesse passo, resta incólume a responsabilidade da requerida pelo atraso injustificado na entrega do imóvel.

Nesse contexto, é a lição de Arnaldo Rizzardo:

(...) apresenta-se com inevitável o evento se aponta uma causa estranha à vontade do obrigado, irresistível e invencível, o que só irá acontecer caso não tenha concorrido culposamente o agente. Não agindo precavidamente, desponta culpa, o que leva deduzir não ter sido inevitável” (in Responsabilidade Civil, 6ªedição, Rio de Janeiro: Forense, 2013, pág. 87).

Nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. ALEGAÇÃO DE OFENSA A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. DESCABIMENTO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. INTERESSE RECURSAL. AUSÊNCIA. SUSPENSÃO DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. DECADÊNCIA DO DIREITO AUTORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. PRETENSÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL POR DESCUMPRIMENTO DO PRAZO DE ENTREGA. INCORPORADORA E CONSTRUTORA QUE NÃO TOMARAM TODAS AS CAUTELAS NECESSÁRIAS E POSSÍVEIS PARA A REGULARIZAÇÃO AMBIENTAL DO EMPREENDIMENTO. CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR. NÃO CARACTERIZAÇÃO.

CULPA DE TERCEIRO. NÃO AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE DO AUTOR DIRETO DO DANO.

(…)

5. O atraso na entrega das unidades ao promitente comprador, para ser considerado caso fortuito ou força maior, deve decorrer de fato inevitável e imprevisível, o que não ocorreu na hipótese em tela.

Incorporadora e construtora que não tomaram todas as cautelas necessárias e possíveis para o regular licenciamento ambiental de empreendimento de grande porte em local de notório interesse ambiental.

6. A culpa de terceiro não exime o autor direto do dano do dever jurídico de indenizar, mas tão somente lhe assegura o direito de ação regressiva contra o terceiro que criou a situação determinante do evento lesivo.

7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido.

(REsp 1328901/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/05/2014, DJe 19/05/2014)

 

Logo, não há que se falar em exclusão da responsabilidade da construtora pela conclusão das obras fora do prazo acertado com base na excludente de responsabilidade caso fortuito ou força maior.

Cláusula de tolerância

Sustenta a construtora requerida a legalidade da cláusula 9ª, caput do contrato firmado entre as partes, que prevê um prazo de 180 dias de carência para a entrega do imóvel, contado a partir da data prevista para a conclusão das obras e entrega da unidade.

Consoante já mencionado, as partes celebraram um contrato de compromisso de compra e venda de bem imóvel, com previsão de entrega do bem em 30 de janeiro de 2010, estando prevista, em sua cláusula 9ª, caput (fl. 60), um prazo de tolerância de 180 dias, in verbis:

CLÁUSULA 9ª – A unidade será entregue na data descrita no item 5 do Quadro Resumo, e poderá ser antecipada, observado o disposto nos parágrafos 6º e 7º desta cláusula. Ficará a entrega, entretanto, sujeita à tolerância de 180 (cento e oitenta) dias, contados do dia de sua expiração, e, além disso, na hipótese de ocorrência de caso fortuito ou força maior, nos termos do Artigo 393 do Código Civil, fica pactuado que a TENDA não poderá ser responsabilizada por eventuais atrasos na entrega das unidades, cujo prazo ficará automaticamente prorrogado pelo mesmo número de dias em que permanecer o evento que lhes deu causa. As partes estão cientes e concordam que são consideradas hipótese de caso fortuito ou força maior, por exemplo, a fiscalização ou ato praticado por órgãos municipais, estaduais ou federais e ambientais, que impeçam a continuidade da obra, ou causem sua interrupção, incluindo eventual demora ou atraso, ocasionado pelo Poder Público, nas diligências necessárias para concessão da baixa de construção e Habite-se do empreendimento onde se localiza a unidade adquirida pelo COMPRADOR”.

 

Percebe-se que mencionada cláusula restou redigida de forma clara e compreensível, em consonância com o determinado no art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, não configurando desequilíbrio entre as partes contratantes.

Frise-se que o interregno de 180 dias não se apresenta exorbitante, revelando-se razoável para adequação de eventuais transtornos cuja incidência não é incomum no âmbito da construção civil.

Ademais, o autor teve prévio conhecimento dos termos do contrato firmado entre as partes e, por conseguinte, da possibilidade de prorrogação do prazo de entrega do imóvel, tendo, inclusive, aceitado as estipulações, consoante se afere da rubrica de todas as páginas do instrumento.

Nesse sentido:

 

APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO. ATRASO ENTREGA DE IMÓVEL. LEGITIMIDADE PASSIVA DO GARANTIDOR DA OBRA. CULPA DAS RÉS PELO ATRASO. CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA. LEGALIDADE. MULTA PELA DEMORA. FIXAÇÃO. LUCROS CESSANTES. PRESUNÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. COMISSÃO DE CORRETAGEM. COBRANÇA ABUSIVA. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. REPARAÇÃO INDEVIDA. SENTENÇA REFORMADA.

(…)

II - Não é abusiva a cláusula contratual que, fixada de forma clara e compreensível, prevê a prorrogação do prazo previsto para entrega do imóvel em 180 dias, ainda que sem justificativa específica.
III - A estipulação de cláusula penal em desfavor de apenas uma das partes configura desequilíbrio contratual, possibilitando sua fixação pelo Judiciário, sobretudo, com base na regra disposta no art.6º do Código de Defesa do Consumidor. Constatado o descumprimento contratual por parte das rés, que não entregaram o imóvel no prazo convencionado, ultrapassando, inclusive, o limite de prorrogação entabulado, deve arcar com a multa contratual em razão do atraso.
IV - A multa por atraso não afasta o direito ao ressarcimento dos prejuízos materiais do consumidor, sendo certo que a penalidade tem caráter autônomo e não se destina a tarifar de forma prévia as perdas suportadas pelo consumidor.
(…)

VII - O mero descumprimento contratual, por si só, não gera obrigação de reparar por danos morais, devendo ser analisados os desdobramentos da inadimplência, a fim de se aferir a existência (ou não) de lesão à honra de um dos contratantes. Ausente demonstração de ofensa à honra ou à integridade do comprador, decorrente do atraso de 03 meses na entrega de imóvel, objeto de contrato de compra e venda firmado entre as partes, descabe imposição de obrigação de indenizar por danos morais.
(TJMG -  Apelação Cível  1.0024.12.082952-8/001, Relator(a): Des.(a) João Cancio , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/11/2014, publicação da súmula em 07/11/2014)

Com efeito, a cláusula 9ª, caput do contrato, ao dispor sobre a prorrogação do prazo para entrega da unidade, não se afigura desproporcional ou abusiva a ponto de comprometer sua eficácia, refletindo, na verdade, uma cautela e um compromisso da construtora, haja vista a possibilidade de eventuais atrasos na concretização do empreendimento.

Sendo assim, é válida a cláusula contratual que prevê prazo de tolerância de 180 dias para entrega do imóvel.

Da multa contratual

Pugna o autor pela aplicabilidade da multa contratual no percentual de 4,1% ao mês, incidente sobre o valor a vista e atualizado do imóvel, devida a partir de 30/01/2010 até a efetiva entrega das chaves, sob o argumento de ser a fixada em 0,5% abusiva e desproporcional às obrigações estabelecidas para o consumidor. Lado outro, sustenta a ré que inexiste qualquer abusividade ou desequilíbrio contratual na redação da referida cláusula, mormente por ter tido prévio conhecimento dela o autor e a ela aderido livremente.

Da análise dos autos, verifica-se que o termo final para a conclusão e entrega do imóvel foi previsto para 30 de janeiro de 2010, que, acrescido do prazo de tolerância de 180 dias, prorrogou-se para 30/07/2010.

Assim, diante da notícia de que o referido imóvel somente foi entregue em 20/05/2015 (fl. 282), resta configurada a mora da mora da ré entre o prazo compreendido entre 30/07/2010 e esta data.

Consoante se afere da cláusula 9ª, §2º do contrato firmado entre as partes, ficou estabelecido que “se a TENDA não concluir a obra no prazo fixado, observada a tolerância descrita no caput desta cláusula, pagará a TENDA ao COMPRADOR, a título de pena convencional, a quantia equivalente a 0,5% (meio por cento) do preço à vista da unidade, por mês ou fração de mês de atraso, sendo este valor exigível desde o 1º (primeiro) dia de atraso até a data da entrega do apartamento pela TENDA ao COMPRADOR” (fl. 60).

Registre-se, por oportuno, que a multa, tal como foi estabelecida no contrato, não se revela abusiva, tampouco resulta em desequilíbrio contratual, na medida em que o valor que foi fixado é capaz de cumprir a finalidade para a qual foi proposta de compelir a construtora a entregar o imóvel na data aprazada.

Percebe-se, ainda, que mencionada cláusula restou redigida de forma clara e compreensível, em consonância com o determinado no art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, não configurando desequilíbrio entre as partes contratantes.

O autor teve prévio conhecimento dos termos do contrato firmado entre as partes e, por conseguinte, do valor da multa previso para o atraso na entrega do imóvel pela construtora, tendo, inclusive, aceitado as estipulações, consoante se afere das rubricas firmadas em todas as páginas do instrumento. Ora, em observância ao princípio do pacta sunt servanda, não se pode desconsiderar o conteúdo deste normativo particular.

Ademais, em que pese a tese defensiva no sentido de impossibilidade de cumulação entre o pagamento de alugueis e a pena convencional, certo é que mencionadas condenações possuem natureza e origem distintas e, via de consequência, a sua incidência de forma conjunta não configura bis in idem.

A imposição de multa por atraso na conclusão da obra tem a finalidade de restabelecer o equilíbrio entre as partes, sendo uma forma de compelir a construtora do empreendimento ao cumprimento da obrigação de entregar a unidade habitacional adquirida pelo autor no prazo estabelecido. Lado outro, a indenização por danos de ordem material e moral objetiva o ressarcimento dos prejuízos de tal natureza sofridos pelo adquirente, em decorrência do descumprimento contratual.

Trata-se, repita-se, de institutos de natureza distintas, não existindo qualquer óbice à aplicação cumulativa da multa e da condenação ao ressarcimento dos danos materiais, sem que haja bis in idem.

Nesse sentido:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO - AÇÃO COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - ATRASO NA ENTREGA DA OBRA PELA VENDEDORA - CONFIGURAÇÃO - RECURSO PRINCIPAL: FORTUITO INTERNO - EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL - INEXISTÊNCIA - COMPENSAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - CABIMENTO - SÚMULA 306 DO STJ - RECURSO ADESIVO: CLÁUSULA CLARA DE TOLERÂNCIA DO PRAZO PARA ENTREGA DA OBRA - VALIDADE - DANOS MORAIS - NÃO CONFIGURAÇÃO - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DE INDENIZAR - ART. 14 DO CDC - PRESENÇA - ARBITRAMENTO DE MULTA MORATÓRIA NÃO CONTRATADA PARA A MORA DA CONSTRUTORA PELO ATRASO DA OBRA E RESSARCIMENTO DO VALOR DO ALUGUEL MENSAL NÃO AUFERIDO - CABIMENTO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - ARBITRAMENTO CONFORME ART. 20, §3º, DO CPC - RECURSO PRINCIPAL PROVIDO EM PARTE. RECURSO ADESIVO PROVIDO EM PARTE.

-A eventual escassez material e de profissionais capacitados no ramo da construção civil não constitui força maior mas, sim, fortuito interno, que não exime a responsabilidade civil da construtora, em tese.

-A cláusula de tolerância, prevista no contrato de compra e venda, para a entrega de imóvel, não pode ser considerada abusiva se fixada de forma clara.

-A teor do art. 14, do CPC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, em tese.
-Inexiste danos morais para o atraso na entrega de imóvel adquirido para fins de locação, se os locativos não auferidos já foram objeto de condenação.

-Restando comprovado o descumprimento do contrato de promessa de compra e venda, em razão do injustificado atraso na conclusão da obra e entrega do imóvel pela vendedora, deve ser reconhecido o direito da adquirente ao recebimento alugueis não auferidos no período em que o imóvel deveria ter sido entregue.

-Inexistindo previsão no contrato de multa moratória pelo atraso na entrega do imóvel pela construtora, mostra-se possível a fixação de tal multa em percentual equivalente à fixada para o caso de atraso no pagamento das parcelas, em decorrência do princípio do equilíbrio contratual, ínsito nas relações de consumo.

-É cabível a condenação da ré no pagamento de aluguéis e de multa moratória, não se tratando de cumulação indevida nem de duplicidade.

(…)

-Recurso principal provido em parte. Recurso adesivo provido em parte.  (TJMG -  Apelação Cível  1.0024.11.342240-6/003, Relator(a): Des.(a) Márcia De Paoli Balbino , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/03/2014, publicação da súmula em 08/04/2014)

Logo, diante do não cumprimento da obrigação no prazo fixado, computando-se o prazo de carência, compete à ré efetuar o pagamento, a título de pena convencional, de quantia equivalente a 0,5% (meio por cento) do preço da unidade à vista, por mês ou por fração de mês de atraso, até a data da entrega do apartamento.

Sendo assim, considerando que o empreendimento imobiliário deveria ser entregue em 30.01.2010, restando, contudo, efetuado tão somente em 16.05.2011, fazem jus os autores ao recebimento de uma indenização mensal correspondente a 0,5% sobre o preço da unidade à vista.

Acrescenta-se que, considerando a culpa da requerida pelo atraso na entrega do imóvel, que deixou de cumprir a obrigação no prazo estipulado, ultrapassando, também, tolerância pactuada, necessária a sua responsabilização civil pelos danos ocasionados aos autores.

 

Certo é que, configurada a mora da requerida diante do não cumprimento da obrigação no prazo fixado, computando-se, inclusive, o prazo de carência, estaria ela obrigada ao pagamento mensal, a título de pena convencional, de quantia equivalente a 0,5% (meio por cento) do preço a vista da unidade, por mês ou fração de mês de atraso, desde 30/07/2010 até 20/05/2015, quando assinou o Termo de Recebimento do Imóvel (fl. 282).

Todavia, verifica-se que a parte autora firmou acordo extrajudicial com a ré em 11 de maio de 2015 sobre a multa convencional pelo atraso na entrega do imóvel (fl. 289), recebendo a quantia de R$ 9.052,09 (nove mil e cinquenta e dois reais e nove centavos), em parcela única, e dando “plena, geral e irrevogável quitação ao objeto do presente instrumento, para nada mais reclamar ou exigir em tempo algum, em juízo ou fora dele” (fl. 289).

Ainda que não seja devido valor algum a título de multa convencional pelo acordo extrajudicial firmado no curso do processo, faz-se necessária a responsabilização civil da ré pelos danos ocasionados ao autor, em virtude da culpa pelo atraso na entrega do imóvel, que deixou de cumprir a obrigação no prazo estipulado, ultrapassando, também, a tolerância pactuada.

Isso porque, na esteira de entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça, os documentos nos quais constem quitação geral e plena devem ser interpretados de forma restritiva, tendo repercussão apenas aos danos a que se referem, in casu, à multa convencional pelo atraso na entrega do imóvel.

Nesse sentido:

"AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CIVIL E PROCESSO CIVIL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACORDO EXTRAJUDICIAL. QUITAÇÃO GERAL E PLENA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. DANO MORAL NÃO PACTUADO. POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO INDENIZATÓRIA. ALTERAÇÃO DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULAS 05 E 07/STJ.

1. Para a demonstração do dissídio pretoriano, na forma exigida pelos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ, são necessários a similitude fática e o cotejo analítico entre os acórdãos confrontados.

2. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional nos embargos de declaração, se o Tribunal de origem enfrenta a matéria posta em debate na medida necessária para o deslinde da controvérsia, ainda que sucintamente. A motivação contrária ao interesse da parte não se traduz em maltrato ao art. 535 do CPC.

3. O Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que os documentos nos quais constem quitação geral e plena devem ser interpretados de forma restritiva, tendo repercussão apenas aos danos a que se referem.

4. Esbarra no óbice da Súmula 05 do STJ a pretensão de modificação, em sede de recurso especial, da exegese dada pelo Tribunal estadual às cláusulas contratuais contidas na transação extrajudicial firmada entre os litigantes, no sentido de que o acordo somente abrangeu os danos de natureza material, pelo que os de índole moral poderiam ser buscados por meio de ação de indenização.

5. Se o Tribunal de origem, com base no acervo fático-probatório dos autos, consignou a existência dos elementos da responsabilidade civil, como o dano, a ação ou omissão e o nexo de causalidade, chegar a conclusão diversa demandaria o reexame de fatos e provas, o que é vedado na via especial, a teor da Súmula 07 do STJ.

6. Agravo regimental a que se nega provimento."

(AgRg no Ag 637.975/RJ, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2009, DJe 16/12/2009)

 

E também este Eg. Tribunal de Justiça:

 

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO. ATRASO ENTREGA DE IMÓVEL. CULPA DA RÉ PELO ATRASO. FATO INCONTROVERSO. MULTA PELA DEMORA. ACORDO EXTRAJUDICIAL. POSSIBILIDADE DE RESSARCIMENTO DOS PREJUÍZOS MORAIS E MATERIAIS. RESSARCIMENTO DE ALUGUÉIS. POSSIBILIDADE. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA. I -Constatado o descumprimento contratual por parte da ré, que não entregaram o imóvel no prazo convencionado, ultrapassando, inclusive, o limite de prorrogação entabulado, deve arcar com a multa contratual em razão do atraso. II - O acordo extrajudicial em relação a multa por atraso não afasta o direito ao ressarcimento dos prejuízos materiais e morais do consumidor, sendo certo que a penalidade tem caráter autônomo e não se destina a tarifar de forma prévia as perdas suportadas pelo consumidor. III - Remansosa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, nos casos de atraso na entrega do imóvel, por fato atribuível à construtora, como no caso dos autos, o promitente comprador poderá pleitear, indenização correspondente aos lucros cessantes pela não fruição do imóvel, durante o período da mora da promitente vendedora, prejuízo que se considera presumível nessa situação. IV - O atraso por mais de 03 anos, sem qualquer justificativa e por culpa da construtora, configura ofensa à honra ou à integridade, que enseja obrigação de indenizar por danos morais. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.14.147892-5/001, Relator(a): Des.(a) João Cancio , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 13/09/2016, publicação da súmula em 19/09/2016)

EMENTA: APELAÇÃO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS - ATRASO INJUSTIFICADO NA ENTREGA DE IMÓVEL - MORA DA CONSTRUTORA - COMPROVAÇÃO - ACORDO EXTRAJUDICIAL PARA PAGAMENTO DE MULTA PELO ATRASO - MANUTENÇÃO DO DIREITO DA PARTE AO RESSARCIMENTO DOS DANOS MATERIAIS E MORAIS - DANO MORAL - OCORRÊNCIA - DANO MATERIAL - RESSARCIMENTO DO VALOR CORRESPONDENTE AOS ALUGUÉIS MENSAIS DO IMÓVEL RESIDENCIAL ATÉ A ENTREGA DO BEM ADQUIRIDO - CABIMENTO -HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - COMPENSAÇÃO - POSSIBILIDADE

- O termo de acordo referente ao valor da multa pelo atraso para a entrega das chaves do imóvel adquirido pela parte autora, por sua natureza moratória, não isenta a parte devedora de ressarcir eventuais prejuízos materiais e morais decorrentes do atraso em questão, porque a indenização por estes danos possui natureza compensatória.

- Há dano moral se a construtora, de modo injustificado, atrasa, por longo período, a entrega de imóvel, impedindo a promissária-compradora de quitar o saldo devedor final e, por conseguinte, de tomar posse desse bem na data aprazada.

- A promissária compradora tem direito ao ressarcimento do valor correspondente aos aluguéis mensais do imóvel onde residia durante o período do inadimplemento contratual pela parte ré, porque essa despesa decorre tão somente da demora na entrega da unidade habitacional adquirida, da qual foi privada da posse.

- Em razão da sucumbência recíproca, é permitida a compensação dos honorários de sucumbência, porque assim estabelece o art. 21 do CPC. (TJMG - Apelação Cível 1.0672.14.033514-8/001, Relator(a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa Teixeira , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/07/2016, publicação da súmula em 19/07/2016)

Assim sendo, o fato de o autor ter firmado acordo em maio de 2015 (fl. 289) não o impede de discutir em juízo, à exceção da multa convencional, outras verbas devidas pelo atraso na entrega do imóvel por inequívoca culpa da construtora com quem contratou.

Nos termos do art. 14, §3º, do Código de Defesa do Consumidor, para afastar a sua responsabilidade, a prestadora de serviços deve demonstrar que o fato ocorreu por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, ou que o defeito na prestação de serviços não ocorreu, rompendo o nexo de causalidade, in verbis:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”

 

Acrescenta-se, ainda, que o Código de Defesa do Consumidor determina que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, assim como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos (art. 14 c/c art. 17).

Na espécie, é claro o direito do autor de pleitear o ressarcimento dos gastos com o aluguel de outro imóvel, que se revelou necessário face ao descumprimento pela construtora ré da obrigação de promover a entrega do imóvel no prazo limite previsto na contratação posta em exame.

É que, se o imóvel tivesse sido entregue na data ajustada, o autor estaria nele residindo, não sendo necessária a locação de outro bem, de forma que deve ser reconhecido o direito do adquirente ao ressarcimento de despesas com alugueis pagos no período em que a obra deveria ter sido entregue.

Nesse sentido:

"APELAÇÃO - ATRASO INJUSTIFICADO NA ENTREGA DE IMÓVEL - MORA DA CONSTRUTORA - COMPROVAÇÃO - PAGAMENTO DE MULTA PELO ATRASO - CABIMENTO - DANO MORAL - OCORRÊNCIA - DANO MATERIAL - RESSARCIMENTO DO VALOR CORRESPONDENTE AO ALUGUEL MENSAL DO IMÓVEL RESIDENCIAL ATÉ A ENTREGA DO BEM ADQUIRIDO - CABIMENTO.

(...)

- A promissária compradora tem direito ao ressarcimento do valor correspondente ao aluguel mensal do imóvel onde reside, porque essa despesa decorre tão somente da demora na entrega da unidade habitacional adquirida, da qual é privada da posse." (Apelação Cível 1.0024.11.290080-8/005, Relator(a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa Teixeira, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/09/2013, publicação da

súmula em 17/09/2013).

 

"PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - CONSTRUÇÃO - ATRASO DE OBRA -- ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - PRESENÇA DE REQUISITOS - POSSIBILIDADE - PAGAMENTO DE ALUGUEL PELA CONSTRUTORA - POSSIBILIDADE - RECURSO DESPROVIDO.

(...)

II - Não sendo a obra entregue na data pactuada, o comprador faz jus ao recebimento de aluguel, a ser pago pela Construtora, até a efetiva entrega das chaves do imóvel." (Agravo de Instrumento Cv 1.0024.13.117802-2/001, Relator(a): Des.(a) Leite Praça, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/08/2013, publicação da súmula em 10/09/2013).

 

Acrescenta-se que, ao contrário do alegado pela construtora ré, o autor comprovou devidamente as despesas decorrentes de locação de imóvel para residir a partir de setembro de 2010 através da juntada dos recibos de fls. 77/79.

Sendo assim, faz jus o autor ao ressarcimento das despesas com alugueis pagos no período em que a obra deveria ter sido entregue, ou seja, a partir de 30 de julho de 2010 até 20/05/2015 quando recebeu as chaves (fl. 282).

Lado outro, não é devido o pagamento do valor referente ao “financiamento governamental” que o autor afirma fazer jus sob o argumento de que, em virtude do atraso na entrega da obra, casou-se e sua renda familiar não está mais na faixa de concessão do benefício, porquanto o financiamento habitacional foi previsto no contrato com uma forma de pagamento de parte do preço de venda e compra, que poderia ser realizado através de financiamento oferecido pela requerida ou através de instituição financeira de sua livre escolha, responsabilizando-se, todavia, por todas as providências necessárias para viabilizar e concretizar o referido financiamento, conforme restou previsto no item 4.6 do instrumento contratual firmado entre as partes (fl. 13).

Danos morais

Pugna o autor pela condenação da construtora ré ao pagamento de uma indenização a título de danos morais.

O dano moral é a reação psicológica à agressão à dignidade da pessoa humana, não lesando o seu patrimônio, mas sua personalidade, honra, dignidade, intimidade, bom nome, e acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação, pelo que dispensa prova em concreto, eis que se passa no interior da personalidade do ofendido.

Sobre o tema, são os ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira:

O fundamento da reparabilidade pelo dano moral está em que, a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se a ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos.” (in Responsabilidade civil, 9. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2.001, p. 54)

 

Certo é que, em que pese o entendimento no sentido de que o mero descumprimento contratual não enseja a ocorrência de efetivo dano moral, em acórdãos mais recentes, o c. STJ tem relativizado tal entendimento, permitindo, diante das peculiaridades do caso concreto, a condenação da parte inadimplente à reparação moral.

No caso dos autos, entendo que o atraso na entrega do imóvel é capaz de causar efetivo dano moral indenizável, em decorrência da notória frustração, angústia, revolta e abalo psicológico sofridos pelo autor, notadamente pelo excessividade da demora, ensejando, via de consequência, o dano moral.

Nesse sentido:

AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL - CULPA EXCLUSIVA DA CONSTRUTORA - MULTA POR DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL CUMULADA COM DANOS MATERIAIS - POSSIBILIDADE - NATUREZA DISTINTA - DANOS MORAIS - COMPROVAÇÃO - QUANTUM INDENIZATÓRIO - OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - SENTENÇA REFORMADA PARCIALMENTE.

-A incidência da multa contratual por descumprimento e a indenização por danos materiais, são cumuláveis, eis que possuem naturezas distintas.

-A indenização por danos materiais se revelou devida, em razão de estarem presentes os requisitos ensejadores ao dever de indenizar, quais sejam, ato ilícito (mora na entrega do imóvel), dano (despesas com alugueis) e nexo de causalidade (o aluguel do imóvel foi devido ao atraso na entrega do bem adquirido pelos autores da ré). Já a incidência da multa, de caráter compensatório, encontra previsão no próprio contrato firmado.

-A ausência de entrega de um imóvel residencial em tempo hábil por certo que gera uma justa expectativa de uso pelos adquirentes, mormente quando se há filhos menores.

-Toda esta situação familiar somada à demora de mais de um ano na entrega, que não pode ser considerado como pouco tempo, sem dúvida gera mais do que meros dissabores à parte, mas efetivo abalo suscetível de indenização.

-A fixação da indenização por danos morais pauta-se pela aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

-A finalidade da indenização é a de compensar o ofendido pelo constrangimento indevido que lhe foi imposto e, por outro lado, desestimular o ofensor a, no futuro, praticar atos semelhantes.” (AC nº 1.0024.10.206989-5/001 da 11ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Wanderley Paiva, j. 25.05.2011)

 

AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUTAL C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - RECURSO ADESIVO - AUSÊNCIA DE CORRELAÇÃO COM A MATÉRIA VERSADA NO RECURSO PRINCIPAL - DESNECESSIDADE - CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - ATRASO NA ENTREGA - CULPA DA PROMISSÁRIA VENDEDORA - RESCISÃO CONTRATUAL - POSSIBILIDADE - RESTITUIÇÃO INTEGRAL DAS PARCELAS PAGAS - DANOS MORAIS - VERIFICAÇÃO - EXTRAPOLAÇÃO DA MATÉRIA RECURSAL EM RECURSO ADESIVO - POSSIBILIDADE - SENTENÇA REFORMADA PARCIALMENTE.

-Apesar de o recurso adesivo ser subordinado ao recurso principal, referida subordinação se refere apenas aos pressupostos extrínsecos de admissibilidade recursal, e não a matéria ventilada pelos recursos.

-Tendo em vista o inadimplemento contratual da construtora mediante o atraso na entrega do imóvel na data avençada, podem os compradores rescindir o contrato, recebendo a integralidade dos valores pagos, sem qualquer retenção por parte da promissária vendedora.

-A ausência de entrega de um imóvel residencial em tempo hábil, por certo que gera uma justa expectativa de uso pelos adquirentes, mormente visto que estes esperavam a aquisição de fato deste para a concreção do matrimônio. Esta situação familiar, somada à demora de tempo considerável na entrega do imóvel, sem dúvida que gera mais do que meros dissabores à parte, mas efetivo abalo, suscetível de indenização. (AC nº 1.0024.09.676264-6/001 da 11ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Wanderley Paiva, j. 11.01.2012)

 

É cediço que a indenização deve ser medida pela extensão do dano, devendo o magistrado objetivar a compensação da lesão, considerando as peculiaridades de cada caso e, principalmente, o nível sócio-econômico das partes, a gravidade da lesão, evitando-se, no entanto, o enriquecimento ilícito da parte lesada.

Sobre essa matéria, Humberto Theodoro Júnior observa:

"Nunca poderá, o juiz, arbitrar a indenização do dano moral, tomando por base tão somente o patrimônio do devedor. Sendo, a dor moral, insuscetível de uma equivalência com qualquer padrão financeiro, há uma universal recomendação, nos ensinamentos dos doutos e nos arestos dos tribunais, no sentido de que 'o montante da indenização será fixado eqüitativamente pelo Tribunal' (Código Civil Português, art. 496, inc. 3). Por isso, lembra, R. Limongi França, a advertência segundo a qual 'muito importante é o juiz na matéria, pois a equilibrada fixação do quantum da indenização muito depende de sua ponderação e critério' (Reparação do Dano Moral, RT 631/36)" (in Dano Moral, Ed. Oliveira Mendes, 1998, São Paulo, p. 44).

 

Portanto, considerando a condição econômica dos autores, o potencial econômico da ré, além das peculiaridades do caso em concreto, sem perder de vista o princípio que veda o enriquecimento ilícito da parte lesada, entendo que a requerida deve pagar ao requerente uma indenização no valor de R$10.000,00 (dez mil reais).

O referido valor atende à dupla finalidade da indenização, que é servir de lenitivo à dor sofrida e servir de intimidação para que a ré passe a adotar os cuidados objetivos necessários em suas prestações de serviços.

 

III – DISPOSITIVO

DIANTE DO EXPOSTO, e o mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais para condenar a ré ao pagamento de:

a) indenização, a título de danos morais, na importância de R$10.000,00 (dez mil reais), devidamente corrigida pelos índices publicados pela Eg. Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, a partir da data desta sentença, por se tratar de valor atual, nos termos da Súmula nº. 362 do STJ, acrescido de juros de mora de 1% ao mês, estes a partir da citação, até a data do efetivo pagamento;

b) indenização, a título de danos materiais, dos valores despendidos com aluguel do imóvel que contratou no importe de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais) mensais para residir no período compreendido entre setembro de 2010 até 20/05/2015, devidamente corrigidos pelos índices publicados pela Eg. Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais desde o desembolso de cada aluguel, e acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, desde a citação, até a data do efetivo pagamento.

Em face da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento, na proporção de 50% para cada uma, das custas, das despesas processuais e dos honorários advocatícios,que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, com fulcro no artigo 85, §1º do CPC/2015, vedada a compensação destes, nos termos do artigo 85, §14, do CPC/2015 e suspensa a exigibilidade de tais verbas em relação à parte autora por litigar sob o pálio da justiça gratuita.

 

Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se.

Belo Horizonte, 13 de dezembro de 2016.

 

 

 

Moema Miranda Gonçalves

Juíza de Direito

 

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