Processo nº 0024.13.354.896-6

Ação de Indenização

Autora: Priscila Melo Cândido Evangelista

Réu : Azul Linhas Aéreas Brasileiras S/A

 

 

 

 

 

Ementa: Passageiro de voo doméstico deficiente visual. Impedimento de embarque após check in, sob alegação de trazer risco de segurança para aeronave ou tripulação. Invocação dos artigos 49 e 50 da Norma Operacional da Aviação Civil – NOAC – Interpretação equivocada. Pretensa passageira que ostentava status de xadrezista, com completa independência de locomoção, evidência efetiva desse fato, já que competidora de modalidade esportiva que exige concentração intelectual, agilidade motora e raciocínio rápido acima da média comum e até superior aos não portadores de nenhuma deficiência visual. Ausência de mínimo indício de que a autora poderia comprometer segurança do voo. Não tem ela deficiência motora, até porque a atividade esportiva que pratica anula qualquer insinuação neste sentido. Relevância moral da questão. Pedido acolhido.

 

 

 

 

Vistos, etc.

 

Trata-se de Ação de Indenização a título de danos morais, proposta por Priscila Melo Cândido Evangelista em desfavor de Azul Linhas Aéreas Brasileiras S/A, dizendo a requerente que na data de 19.05.2013, por volta das 15 horas, se dirigiu ao guichê da ré no aeroporto de Ribeirão Preto/SP e realizou o check in para embarcar no voo 4473 com saída prevista para 18 horas, destino BH, após ter participado de Taça Brasil Xadrez no interior paulista. No entanto, ao se constatar que a autora era deficiente visual, foi impedia de embarcar, porque na sua situação tinha outros passageiros, e segundo comandante do voo somente um deficiente visual poderia embarcar, e foi dado preferência a outro passageiro de nome Rodrigo Souza Silva que faria voo em escala. Assim, se sentiu ofendida, e o fato teve ampla repercussão, inclusive no Senado e na Secretaria de Direitos Humanos da República. Pede reparação moral.

 

Citada, a ré contestou ás fls. 54/65, dizendo que não cometeu ilícito algum, contando a evolução história da ré, e quanto ao fato reporta-se ao art. 2º da norma NOAC Resolução 09. Assim, por questão de segurança e face número de tripulantes, somente um passageiro com deficiência pode viajar naquele voo, sendo que eram 4 pessoas na condição da autora, e foi feita opção para apenas Rodrigo Souza Silva seguir a viagem. Assim, sua conduta teve suporte legal, sem excesso, não havendo ilícito, impugnado ainda valor reclamado. Junta documentos.

 

Replicou a autor, fls. 79 e seguintes.

 

Em pedido de outras provas.

 

É o relatório, em síntese. Segue DECISÃO:

 

Processo em ordem. Nada a sanear.

 

Sem preliminares, e sem pedido de outras provas, passando-se diretamente ao mérito.

Trata-se de relação de consumo, mas não há necessidade de inversão do ônus da prova, já que a situação fática está devidamente documentada nos autos, merecendo apenas interpretação de toda situação debatida.

 

A alegação da ré, para justificar a recusa da passageira, não convence, isto baseado na própria legislação invocada na contestação.

 

É que a autora apesar de deficiente visual, é pessoa independente, participante de atividade esportiva, competidora em campeonato de Xadrez, que só por si, já evidencia ser cidadã com inteligência e concentração acima da média dos seus pares.

 

Segundo o artigo 49 da Resolução 09 – NOAC, o passageiro com deficiência visual não pode ser impedido de viajar, salvo se não conseguir se movimentar sem ajuda de terceiros, como se vê, textualmente, fls. 58:

 

''Art. 49. As empresas aéreas ou operadoras de aeronaves NÃO PODERÃO LIMITAR em suas aeronaves o numero de passageiros portadores de deficiência que possam movimentar-se sem ajuda ou que estejam acompanhadas''.

 

Não há mínimo indício de que a autora poderia comprometer segurança do voo. Não tem ela deficiência motora, até porque a atividade que exerce ou modalidade esportiva que pratica anula qualquer insinuação neste sentido.

 

Ora, a autora é xadrezista, competidora em nível nacional, estava ali sozinha, e não precisava da ajuda de ninguém para se movimentar ou de embarcar em voo da ré, e não pediu nenhuma ajuda à requerida neste sentido, sendo assim, senão manifestamente arbitrária ou discriminatória a forma de agir da ré, no mínimo equivocada.

 

O artigo 50 da referida norma (fls. 58) para fins de aviso prévio em caso de embarque de grupo de deficientes visuais somente pode ser exigido quando o passageiro tem dificuldade motora, é dependente de terceiro para se locomover, etc., o que não é absolutamente o caso em exame.

 

Certo ainda que a ré, então, deveria demonstrar objetivamente, onde o embarque autora lhe criaria um efetivo risco de dano ou de segurança para a aeronave, tripulação ou outros passageiros, fato não provado, tanto que instada a indicar outras provas a produzir, pediu julgamento antecipado, fls. 99.

 

A questão em exame tem relevância moral, conforme precedente análogo abaixo colacionado:

 

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. RECUSA IMOTIVADA DE EMBARQUE EM VOO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. SÚMULA Nº 7/STJ. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 7/STJ. RECURSO DESPROVIDO. 1. Uma vez constatada pelo Tribunal a quo a ocorrência de falha na prestação de serviço, rever tal entendimento demanda a revisão de fatos e provas, o que é inviável em sede de recurso especial (Súmula nº 7/STJ). 2. A revisão de indenização por danos morais só é viável em recurso especial quando o valor fixado nas instâncias locais for exorbitante ou ínfimo a ponto de ofender o art. 159 do Código Civil de 1916. Salvo essas hipóteses, incide a Súmula nº 7/STJ, impedindo o conhecimento do recurso. 3. A modificação do entendimento firmado pelo Tribunal de origem quanto à existência de litigância de má-fé demandaria a incursão no acervo fático-probatório dos autos (Súmula nº 7/STJ). 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 185.568/SP (2012/0113486-7), 3ª Turma do STJ, Rel. João Otávio de Noronha. j. 18.02.2014, unânime, DJe 05.03.2014).

 

Quanto ao valor, entendo que deve ser arbitrado, observando-se princípios de razoabilidade e proporcionalidade.

 

Apesar de inexistir orientação uniforme e objetiva na doutrina ou na jurisprudência de nossos tribunais para a fixação dos danos morais, é ponto pacífico que o Juiz deve sempre observar as circunstâncias fáticas do caso, examinando a gravidade objetiva do dano, seu efeito lesivo, natureza e extensão, as condições socioeconômicas da vítima e do ofensor, visando com isto que não haja enriquecimento indevido do ofendido e que a indenização represente verdadeiramente um desestímulo a novas agressões.

 

A "quantificação" do dano sofrido por alguém é sempre uma árdua tarefa que se afigura aos magistrados. É necessário ter em mente a sua função "educadora/corretiva/punitiva", imposta ao ofensor, no sentido de evitar que novos danos se concretizem. Por outro lado, na visão do ofendido, é impossível que se estabeleça uma compensação aritmética, ou matematicamente mensurável. O que se busca é tão somente uma contrapartida ao mal sofrido, daí denominar-se "compensação por danos morais".

 

Assim, arbitro o valor em R$ 12.000,00, que entendo atender aos requisitos acima alinhavados.

 

Posto isso,

 

Nos termos do artigo 269, I do CPC, julgo procedente o pedido inicial, condenando a ré

em indenizar a autora em R$ 12.000,00 a título de danos morais, com juros de 12% ao

ano e mais correção monetária pelos índices adotados pelo TJMG, ambos a partir da

publicação desta sentença no DJE. Condeno a ré ainda nas custas processuais e mais

15% de honor´rios, sobre o valor da condenação, sendo que a requerente não foi

sucumbente, ex vi Súmula 326 do STJ.

 

P. R. I.

 

Belo Horizonte, 17 de julho de 2014.

 

 

 

GERALDO DAVID CAMARGO

Juiz de Direito – 30ª Vara Cível