Comarca de Alto Rio Doce - MG

Vara Única

Processo nº : 0021 16 000709-8

Natureza : Ação Civil Pública

Autor : Ministério Público do Estado de Minas Gerais

Réu : Município de Alto Rio Doce



S E N T E N Ç A



Vistos, etc.





MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS ajuizou a presente AÇÃO CIVIL PÚBICA contra o MUNICÍPIO DE ALTO RIO DOCE, qualificado, alegando, em síntese, que o réu, desde o ano de 2009, contratou diretamente, sem realização de prévio concurso público ou processo seletivo, inúmeros servidores por tempo determinando (mais precisamente oitenta, conforme narra a exordial), para que desempenhassem funções permanentes e contínuas nos quadros da Administração, sem justificada necessidade e/ou urgência. Argumenta que o Município vem invertendo as normas contidas no artigo 37, incisos II e IX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, para fazer da contratação temporária a regra, excepcionando-se, pois, o concurso público. Assevera que referidas contratações, ainda, em números tão vultuosos, vêm vilipendiando a Lei Municipal n. 502/09 e o artigo 37, inciso IX, da Carta Política. Tece considerações quanto aos princípios que norteiam a Administração Pública, tais como a impessoalidade e a eficiência. Assevera que as contratações temporárias não podem ser fundadas em cargos essenciais à Administração, de caráteres, portanto, permanentes, mas sim a cargos de caráteres transitórios e excepcionais, o que, segundo sustenta, não se vislumbra no caso (posto que o Município vem entabulando contratos temporários para atender a atividades corriqueiras, ou seja, do dia a dia da Administração Pública). Sustenta que a Lei Orgânica do Município de Alto Rio Doce, em seu artigo 83, em simetria a Constituição Federal, prevê a obrigatoriedade de concurso para o acesso a cargo público, salientando, ainda, que o mandatário, Wilson Teixeira Gonçalves Filho, se encontra no cargo de Prefeito há mais de três anos e meio, não tendo feito, até a presente data, certame público para os cargos que admite serem necessários, se olvidando, assim, às normas constitucionais e infraconstitucionais, objetivando contratar pessoal de modo temporário (e irregular). Pede a concessão de liminar para que o réu seja compelido a se abster de efetuar contratações temporárias sem a presença dos requisitos previstos no artigo 37, inciso IX, da Carta Maior, e da Lei Municipal n. 502/09, sob pena de multa diária, e a realizar, dentro do prazo de 06 (seis) meses, concurso público para o preenchimento dos cargos vagos e necessários ao regular andamento dos serviços administrativos. Ao final, requer, em definitivo: (I) que o réu seja compelido a promover a realização de concurso público, no prazo de 06 (seis) meses, para os cargos ilegalmente ocupados; (II) a proceder a nomeação dos aprovados, em 12 meses; (III) a se abster de firmar novos contratos temporários em expressa violação ao artigo 37, incisos I, II e IX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; (IV) a realizar concurso público para o preenchimento dos cargos ocupados por funcionários contratados, assim como daqueles vagos como outros criados por lei; e (V) a condenação do réu ao pagamento das custas, despesas processuais e demais encargos de sucumbência, inclusive honorários periciais.

Instruiu a inicial com o inquérito civil de ff. 24/1238, dos autos.

A decisão de ff. 1239/1245 concedeu a liminar requerida, determinou a citação do réu e a sua intimação para audiência de conciliação, oportunidade em que foi delineado, peremptoriamente, que o seu não comparecimento ou a eventual intransigência, ensejaria, a partir daquela (audiência), o início do prazo para oferecer defesa, sob pena de revelia.



O Município requereu a autorização para a contratação de três funcionários (ff. 1249/1259), o que, após prévia oitiva do Parquet (ff. 1287/1288), foi rechaçado, eis que não incumbe a este Juízo autorizar ou não a prática de atos pela Administração, mas sim aferir se o ato praticado está ou não em desacordo com a liminar concedida, nos termos da decisão de f. 1289.

Foi interposto agravo de instrumento ao Egrégio Tribunal Mineiro (ff. 1260/1280), em face da decisão liminar concedida, o qual teve o efeito suspensivo negado (f. 1283) e se encontra em pauta para julgamento (naquele Sodalício).

Audiência de conciliação realizada (f. 1291), iniciou-se o prazo para oferecimento da defesa, o que não ocorreu, conforme certidão de f. 1297, dos autos.

Em face o silêncio do réu, opinou o Parquet pelo julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 355, incisos I e II, do Código de Processo Civil Brasileiro (ff. 1299/1300 – sem marcação).

É o relatório. FUNDAMENTO E DECIDO.

Cuidam os autos de ação civil pública que, com base nos artigos 1º, inciso VIII, e 3º, da Lei n. 7.347/85, visam compelir o réu a obrigações de fazer e não fazer, em defesa do patrimônio público e social.

Inicialmente, tenho relevante questão a aclarar.

O réu, ciente de que, após a realização da audiência de conciliação (f. 1291), se iniciaria o prazo para apresentar sua defesa, quedou-se silente, conforme certidão de f. 1297, dos autos.

Em que pese ter requerido redesignação de audiência, tal circunstância não suspende ou interrompe o prazo para resposta, que deveria ter sido apresentada tal como determinado na decisão que recebeu a petição inicial. Ademais, não foi requerida a suspensão do processo ou do prazo para apresentar contestação.

Nos termos do artigo 344, do Código de Processo Civil, se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor.

Sobre a presunção de veracidade oriunda da revelia, valho-me das lições de Marcus Vinicius Rios Gonçalves, in verbis:

 

Sendo a presunção de veracidade dos fatos consequência assaz gravosa, o juiz deve aplicá-la com cuidado. Tal presunção não é absoluta, mas relativa, e sofre atenuações, que devem ser observadas.

Ela só pode dizer respeito aos fatos, nunca ao direito: fará o juiz, em princípio, concluir que eles ocorreram na forma como o autor os narrou, mas não o obrigará a extrair as consequências jurídicas pretendidas por ele.

Disso decorre que a falta de contestação não levará sempre e automaticamente à procedência do pedido do autor. Há casos, por exemplo, em que a questão de mérito é exclusivamente de direito, e a falta de contestação não repercutirá diretamente no resultado.

Além disso, é preciso que os fatos sejam verossímeis, possam merecer a credibilidade do juiz e não estejam em contradição com a prova constante dos autos. Ele não poderá, ao formar sua convicção, dar por verdadeiros os que contrariam o senso comum, ou que são inverossímeis.1

 

Portanto, a revelia não induz, necessariamente, à procedência dos pedidos exordiais, devendo o magistrado analisar, com parcimônia, o mérito. Neste sentido alerta Humberto Theodoro Júnior, in verbis:

 

Isto, porém, não quer dizer que a revelia importe automático julgamento de procedência do pedido. Pode muito bem estar a relação processual viciada por defeito que torne impraticável o julgamento de mérito, e ao juiz compete conhecer de ofício as preliminares relativas aos pressupostos processuais e às condições da ação (art. 337, § 5º). A revelia, por si, não tem força para sanar tais vícios do processo.

De mais a mais, embora aceitos como verídicos os fatos, a consequência jurídica a extrair deles pode não ser a pretendida pelo autor. Nesse caso, mesmo perante a revelia do réu, o pedido será julgado improcedente.2

 

Neste diapasão, questões que se perfazem exclusivamente de direito, como, in casu, não ocasionam, de per si, o efeito da presunção de veracidade.

Feitas tais ponderações, declaro a revelia do réu.

O Novo Código de Processo Civil, inovando, trouxe em seu primeiro capítulo normas fundamentais do processo civil. Ali, nada mais fez que abraçar a Constituição, reproduzindo, em alguns artigos, imprescindíveis direitos fundamentais processuais.

Dentre eles se encontra o artigo 3º, que dispõe:

 

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.



Tal disposição encontra respaldo em nossa Magna Carta, no seu rol de direitos e garantias fundamentais (artigo 5º, inciso XXXV), estando assim consignado:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

 

Em contrapartida, o artigo 4º, do Novo Código de Processo Civil, conclama:

 

Art. 4ºAs partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

 

Tal disposição se encontra espelhada no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, que assim prescreve, in verbis:

 

Art. 5º (...) LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

 

Porquanto, como cediço, os direitos e garantias fundamentais não são absolutos, encontrando, entre suas principais características, a limitabilidade.

Destarte, os artigos acima elencados revelam, muitas das vezes, o conflito concorrente de direitos fundamentais, sendo que, para resolver a celeuma, utiliza-se a técnica da ponderação, partindo o julgador da ótica da máxima observância dos direitos com a sua mínima restrição.

Neste desiderato, não se pode excluir do Judiciário ameaça ou lesão a direito, da mesma forma que não se pode deixar de atentar o magistrado à razoável duração do processo.

Assim, pode o juiz, se entender que o caso prescinde da produção de outras provas, senão aquelas já consignadas nos autos (suficientes, pois), julgar antecipadamente o pedido, conforme artigo 355, inciso I3, do NCPC.

Ora, com isso, busca-se dar ao processo maior celeridade, sem, contudo, excluir a satisfatória apreciação do mérito. Neste sentido asseveram Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, in verbis:

 

O art. 355, CPC, prevê a possibilidade de julgamento antecipado do mérito. Porém, trata-se na realidade de julgamento imediato do mérito. Não há propriamente julgamento antecipado, mas sim julgamento imediato diante da desnecessidade do prosseguimento do feito para instrução em audiência. O mérito da causa é julgado no momento devido. Sendo o caso de julgamento imediato, qualquer demora em examinar o mérito importa em violação do direito fundamental à duração razoável do processo (art. 5.º, LXXVIII, CF, e 4.º, CPC), porque implica dilação indevida na resolução da causa.4



Data vênia, só é possível a aplicabilidade do instituto em decisão fundamentada pelo julgador, em atenção aos princípios do devido processo legal (art. 5º, inciso LIV5, CRFB/88) e da motivação das decisões judiciais (art. 93, inciso IX6, da CRFB/88), posto que é ele (o juiz) o destinatário final da prova, sendo, portanto, o único a saber quais serão ou não necessárias para formar o seu convencimento.

In casu, verifico que a presente ação civil pública versa sobre burla ao concurso público, tendo réu, desde o ano de 2012, realizado inúmeros contratos por tempo determinado, de forma direta e sem o empenho de concurso ou processo seletivo, para o preenchimento de cargos permanentes nos quadros da Administração Pública, indo ao arrepio do que dispõe a Constituição Federal, a Constituição Estadual, a Lei Orgânica do Município de Alto Rio Doce e a Lei Municipal n. 502/09.

O objeto do litígio, se trata, pois, de questão exclusivamente de direito, o que, por si só, já autoriza o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, eis que é despiciendo a produção de outras provas.

Contudo, o réu ainda se fez revel, o que, somado à prescindibilidade de provas, torna necessário o julgamento imediato da lide, conforme artigo 355, inciso II, do CPC, motivo pelo qual, passo a decidir.

Processo em ordem, vou ao mérito.

Cinge-se a lide a análise da imprescindibilidade de concurso público para o preenchimento de cargos públicos, de caráteres permanentes, ordinários e essenciais, os quais, habitualmente, vêm sendo preenchidos com irregularidade, eis que o réu, na pessoa de seu alcaide, firmou inúmeros contratos por tempo determinado para o desempenho de tais funções, em completa burla a Constituição Federal, a Constituição Estadual, a Lei Orgânica do Município de Alto Rio Doce e a Lei Municipal n. 502/09.

O autor, acertadamente, defende que o acesso a quaisquer cargos e empregos junto à administração direta e indireta deve ser precedido de prévia aprovação em concurso público, nos termos do art. 37, inciso II, da Constituição da República, ressalvadas as contratações por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX, do referido artigo.

A Lei Municipal nº 502/2009 estabelece regras a serem seguidas pela Administração Pública do Município de Alto Rio Doce para as hipóteses de contratação temporária de excepcional interesse público, dentre as quais a prévia aprovação dos candidatos em processo simplificado de seleção, nos termos do parágrafo único, do artigo 2º, da referida Lei Municipal.

Contudo, a referida regra tem sua aplicabilidade restrita às hipóteses nela especificadas. É certo que em direito administrativo impera o princípio da legalidade. Logo, de acordo com a referida norma o processo seletivo simplificado de seleção se restringe a contratação temporária para: (a) atendimento de situações de calamidade pública; (b) atendimento a termos de convênio, de duração inferior a seis meses; (c) atendimento de situações excepcionais na área de educação, tais como abertura de novas turmas, havendo inviabilidade da realização imediata de concurso público; (d) atendimento de situações excepcionais na área de saúde, em especial nos casos de urgência nos quais seja necessária a contratação de profissionais da saúde, havendo inviabilidade da realização imediata de concurso público; (e) atendimento a programas federais ou estaduais de duração temporária, especialmente o Programa de Saúde da Família – PSF e o PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde; (f) substituição de servidores em gozo de férias, licenças ou afastamentos previstos no Estatuto dos Servidores.

Nada obstante, a par dos contratos acostados às ff. 25/1204, dos autos, vislumbro que em nenhum deles foram obedecidos os ditames preconizados na Lei Municipal n. 502/09 (ff. 1231/1236), bem como não há, em nenhum deles, repise-se, nenhum deles, justificativa quanto a imprescindibilidade de cada contratação.

Ademais, todos se encontram em desconformidade com o comando do artigo 13, inciso I, da referida Lei Municipal n. 502/09, que exige a solicitação fundamentada do órgão interessado para que sejam celebrados os contratos por tempo determinado.

De todos os contratos acostados aos autos constam apenas a finalidade de atender necessidade temporária de excepcional interesse público, inexistindo, portanto, em todos eles, real justificativa que demonstre a efetiva necessidade de cada contratação.

Ao dissertar sobre os princípios do direito administrativo a Professora Fernanda Marinela prescreve que 'o princípio da motivação implica para a administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que lhe deram causa, a providência tomada, a sua compatibilidade com a previsão legal e, quando necessário, o juízo de valor, as razões de conveniência e oportunidade que justificam a prática desses atos' (in Direito administrativo. 5ª ed.. Niterói: Ímpetus, 2011. ff. 62).

O que se depreende é que não existem quaisquer motivações para as contratações efetuados pelo Município ao longo dos anos (desde 2009, conforme consta dos autos).

Vale dizer, ainda, que mera menção a dispositivos de lei, como, in casu, não constitui fundamentação idônea.

Com a devida vênia, a Lei Municipal nº 502/2009, em vigor na época dos fatos, não autoriza contratações temporárias fora das hipóteses do seu art. 2º.

A meu sentir, as contratações efetuados pelo réu são ilegais, haja vista que padecem de embasamento. Em que pese a disposição do art. 37, inciso XI, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a Lei Municipal nº 502/2009 autoriza a contratação temporária apenas nas hipóteses de seu art. 2º, dentre as quais não se enquadram nenhum dos contratos acostados aos autos.

Portanto, não constam dos contratos administrativos quaisquer justificativas que autorizem as contratações diretas para cargos públicos no município, o que deveria ter sido suprido mediante abertura de vaga através de concurso público.

Consta expressamente no inciso II, do artigo 37, da Constituição da República, como regra geral, a necessidade de realização de concurso público para o acesso a determinados cargos. E, excepcionalmente, dispensar-se-á o certame, nos casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público previstos em lei, consoante disposto no inciso IX do mesmo dispositivo constitucional.

Senão, vejamos:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

[...]

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;



A mesma regra e exceção previstas na Constituição da República foram repetidas nos artigos 21, § 1º, e 22 da Constituição do Estado de Minas Gerais:

Art. 21 – Os cargos, funções e empregos públicos são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei.

§ 1º- A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

Art. 22 A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.



Não é outro também o verbete incutido na Lei Orgânica do Município de Alto Rio Doce, in verbis:



Artigo 83: A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes do Município obedecerá aos princípio de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoalidade e, também o seguinte:

II. a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração;

IX. a lei estabelecerá os cargos de contratações por tempo determinado para atender as necessidades temporárias e de excepcional interesse público;



Cumpre deixar consignado que tais comandos constitucionais não

conferem ao legislador ordinário ampla liberdade para incluir em lei os casos que entende suscetíveis de contratação temporária.

Sobre o tema, leciona Hely Lopes Meirelles, verbis:

 

Obviamente, essas leis deverão atender aos princípios da razoabilidade e da moralidade. Dessa forma, só podem prever casos que efetivamente justifiquem a contratação. Esta, à evidência, somente poderá ser feita sem processo seletivo quando o interesse público assim permitir.7



Calha também transcrever os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello, in verbis:

 

A Constituição prevê que a lei (entende-se: federal, estadual, distrital ou municipal, conforme o caso) estabelecerá os casos de contratação para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX). Trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em circunstâncias incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos). A razão do dispositivo constitucional em apreço, obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo que não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, “necessidade temporária”), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse comum que se tem de acobertar.8



Quanto à obrigatoriedade do concurso público, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante n.º 43, do seguinte teor:

 

É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.



É cediço que as contratações temporárias (arts. 37, IX, da Constituição Federal, 22, caput, da Constituição Estadual, e 83, IX, da LOM) somente admitem uma interpretação que as aceite mediante o atendimento de três pressupostos, sendo eles: a determinabilidade temporal, a temporariedade e a excepcionalidade.

A determinabilidade temporal condiciona a vigência dos contratos temporários a prazo certo e determinado, vedadas, pois, múltiplas prorrogações. Tal pressuposto não restou satisfeito nas contratações discutidas nestes autos, haja vista que foram celebrados contratos por tempo determinado, mas, posteriormente, na maioria deles, ocorreram múltiplas prorrogações.

O pressuposto da temporariedade guarda relação com a natureza temporária da necessidade que gerou a formação dos vínculos. A contratação temporária, de acordo com tal pressuposto, está adstrita a uma necessidade efêmera do vínculo especial, independentemente da eventual natureza permanente da função pública. Ora, no caso dos autos, tenho que tal pressuposto não restou preenchido, sendo que, como muito bem alinhavado pelo Parquet e admitido pelo próprio réu (ff.1213/1229), foram entabulados cerca de 80 contratos por tempo determinado para atender atividades permanentes do órgão público, de modo que referidas contratações não atendem a exigência constitucional.

Por último, tem-se o pressuposto da excepcionalidade da contratação temporária, que se caracteriza como a situação atípica, a hipótese fática prevista em lei. No caso, não há lei autorizando a contratação temporária para tais cargos, haja vista que não embasadas (e nem justificadas) em nenhum dos incisos do art. 2º, da Lei nº 502/2009.

Quanto a este pressuposto, convém deixar consignado que o ato da contratação deve ser devidamente fundamentado, expondo motivos de fato e de direito que justificam a contratação temporária. No caso, não resta demonstrada nenhuma situação atípica, excepcional e urgente que autorizassem as contratações realizadas, paulatinamente, ao longo de todos esses anos.

Sobre os pressupostos aqui defendidos tenho por bem transcrever as lições de José dos Santos Carvalho Filho, in verbis:



O primeiro deles é a determinabilidade temporal da contratação, ou seja, os contratos firmados com esses servidores devem ter sempre prazo determinado, contrariamente, aliás, do que ocorre nos regimes estatutário e trabalhista, em que a regra consiste na indeterminação do prazo da relação de trabalho. Depois, temos o pressuposto da temporariedade da função: a necessidade desses serviços deve ser sempre temporária. Se a necessidade é permanente, o Estado deve processar o recrutamento através dos demais regimes. Está, por isso, descartada a admissão de servidores temporários para o exercício de funções permanentes; se tal ocorrer, porém, haverá indisfarçável simulação e a admissão será inteiramente inválida. Lamentavelmente, algumas Administrações, insensíveis (para dizer o mínimo) ao citado pressuposto, tentam fazer contratações temporárias para funções permanentes em flagrante tentativa de fraudar a regra constitucional. Tal conduta, além de dissimular a ilegalidade do objetivo, não pode ter outro elemento senão o de favorecer a alguns apaniguados para ingressarem no serviço público sem concurso, o que caracteriza inegável desvio de finalidade. O último pressuposto é a excepcionalidade do interesse público que obriga ao recrutamento. Empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial. Algumas vezes o Poder Público, tal como sucede com o pressuposto anterior e em regra com o mesmo desvio de poder, simula desconhecimento de que a excepcionalidade do interesse público é requisito inafastável para o regime especial.9



Outro não é o entendimento do Pretório Excelso:

 

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 17.882/2012 DO ESTADO DE GOIÁS. SERVIÇO DE INTERESSE MILITAR VOLUNTÁRIO (SIMVE). INOBSERVÂNCIA DA REGRA CONSTITUCIONAL IMPOSITIVA DO CONCURSO PÚBLICO. VIOLAÇÃO AOS ART. 37, II, E 144, § 5°, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PREVISÃO GENÉRICA E ABRANGENTE DE CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA: OFENSA AOS ARTS. 37, II, IX, E 144, CAPUT, DA CRFB/88. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. LEI ESTADUAL QUE CONTRARIA NORMAS GERAIS EDITADAS PELA UNIÃO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. O postulado do concurso público traduz-se na necessidade essencial de o Estado conferir efetividade a diversos princípios constitucionais, corolários do merit system, dentre eles o de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (CRFB/88, art. 5º, caput). 2. A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, conquanto instituições públicas, pressupõem o ingresso na carreira por meio de concurso público (CRFB/88, art. 37, II), ressalvadas as funções administrativas para trabalhos voluntários (Lei nº 10.029/2000), restando inconstitucional qualquer outra forma divergente de provimento. 3. À luz do conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição da República e da jurisprudência firmada por esta Suprema Corte em sede de Repercussão Geral (RE 658.026, Relator Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 31.10.2014), a contratação temporária reclama os seguintes requisitos para sua validade: (i) os casos excepcionais devem estar previstos em lei; (ii) o prazo de contratação precisa ser predeterminado; (iii) a necessidade deve ser temporária; (iv) o interesse público deve ser excepcional; (iv) a necessidade de contratação há de ser indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração, mormente na ausência de uma necessidade temporária. 4. No caso sub examine, não há qualquer evidência de necessidade provisória que legitime a contratação de policiais temporários para o munus da segurança pública, mercê de a lei revelar-se abrangente, não respeitando os pressupostos básicos de norma que almeja justificar a sua excepcionalidade frente à regra da Carta Magna (CRFB/88, art. 37, II e IX). 5. A competência legislativa concorrente entre a União e os Estados-membros (CRFB/88, art. 24), nos casos em que cabe àquela estabelecer normas gerais (§ 1º) e a estes normas suplementares (§ 2º), submete-se ao exame de constitucionalidade em sede de fiscalização normativa abstrata quando configurada inconstitucionalidade direta, imediata e frontal. Precedentes do Plenário:; ADI 1366 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJe 20-09-2012; ADI 2656/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 01.08.2003; ADI 311 MC, Rel. Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJ 14-09-1990. 6. É que afronta o texto maior lei estadual que regule fora das peculiaridades locais e de sua competência suplementar, atentando contra as normas gerais de competência da União em manifesta usurpação de competência (CRFB/88, arts. 22, XXI, e 24, § 2º). 7. É inconstitucional, por vício formal, lei estadual que inaugura relação jurídica contraposta à legislação federal que regula normas gerais sobre o tema, substituindo os critérios mínimos estabelecidos pela norma competente. 8. In casu, a Lei nº 17.882, de 27 de dezembro de 2012, do Estado do Goiás, ao instituir o Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual (SIMVE) na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás, instituiu uma classe de policiais temporários, cujos integrantes, sem o indispensável concurso público de provas e títulos, passam a ocupar, após seleção interna, função de natureza policial militar de maneira evidentemente inconstitucional. 9. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. 10. Proposta a modulação temporal pelo Relator, não se obteve, no Plenário, o quorum necessário para a sua aprovação.10



Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do Estado de Minas Gerais que repete texto da Constituição Federal. Recurso processado pela Corte Suprema, que dele conheceu. Contratação temporária por tempo determinado para atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público. Previsão em lei municipal de atividades ordinárias e regulares. Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal. Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso provido. Declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos efeitos. 1. O assunto corresponde ao Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata, “à luz dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição Federal, [d]a constitucionalidade de lei municipal que dispõe sobre as hipóteses de contratação temporária de servidores públicos”. 2. Prevalência da regra da obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As regras que restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na Constituição Federal e devem ser interpretadas restritivamente. 3. O conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se, dessa forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração. 4. É inconstitucional a lei municipal em comento, eis que a norma não respeitou a Constituição Federal. A imposição constitucional da obrigatoriedade do concurso público é peremptória e tem como objetivo resguardar o cumprimento de princípios constitucionais, dentre eles, os da impessoalidade, da igualdade e da eficiência. Deve-se, como em outras hipóteses de reconhecimento da existência do vício da inconstitucionalidade, proceder à correção da norma, a fim de atender ao que dispõe a Constituição Federal. 5. Há que se garantir a instituição do que os franceses denominam de la culture de gestion, a cultura de gestão (terminologia atualmente ampliada para ‘cultura de gestão estratégica’) que consiste na interiorização de um vetor do progresso, com uma apreensão clara do que é normal, ordinário, e na concepção de que os atos de administração devem ter a pretensão de ampliar as potencialidades administrativas, visando à eficácia e à transformação positiva. 6. Dá-se provimento ao recurso extraordinário para o fim de julgar procedente a ação e declarar a inconstitucionalidade do art. 192, inciso III, da Lei nº 509/1999 do Município de Bertópolis/MG, aplicando-se à espécie o efeito ex nunc, a fim de garantir o cumprimento do princípio da segurança jurídica e o atendimento do excepcional interesse social.11



Como bem assevera Hely Lopes Meirelles, o ato administrativo – vinculado ou discricionário – deve ser praticado sempre com observância formal e ideológica da lei. Exato na forma e inexato no sentido, nos motivos ou nos fins, haverá sempre ilegalidade, por violação da lei ou por desvio de poder. O poder discricionário da Administração não vai ao ponto de encobrir arbitrariedade, capricho, má-fé, ou imoralidade administrativa, por ação ou omissão do agente do Poder12.

Porquanto, in casu, ao firmar contratos temporariamente sem embasamento legal, então, a Administração, na figura de seu administrador, foi ao arrepio de seus próprios atos, dantes fornecidos pela Constituição Federal, pela Constituição Estadual, pela Lei Orgânica do Município de Alto Rio Doce e pela Lei Municipal n. 502/2009, encontrando óbice na vedação do venire contra factum proprium.

Não é outro o posicionamento jurisprudencial, mutatis mutandis:



CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES POR DOIS MANDATOS ELETIVOS SEM A REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO - EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO NÃO DEMONSTRADO - VIOLAÇÃO DO ART. 37, 'CAPUT', INCISOS II E IX, DA CF - OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E IMPESSOALIDADE - CONDUTA QUE SE AFASTA DE MERA GESTÃO INEFICAZ - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CARACTERIZADA - SENTENÇA REFORMADA. Os atos do agente político devem ser orientados pelo princípio da boa-fé objetiva, através de um comportamento leal e honesto, de acordo com um modelo objetivo de conduta aceitável na sociedade, sob pena de restar caracterizado ato de improbidade administrativa. A realização de diversas contratações temporárias nos 8 (oito) anos em que o Prefeito esteve à frente do Poder Executivo Municipal, com sucessivas e imotivadas renovações do vínculo precário entre servidores e administração pública, não constitui mera gestão ineficaz do gestor público, restando evidenciada clara ofensa ao disposto no artigo 37, incisos II e IX da Constituição Federal, bem como aos princípios da moralidade, da impessoalidade, e da boa-fé objetiva, situação que torna imperioso o reconhecimento de ato de improbidade nos termos do artigo 11 da Lei 8.429/92.13

 

 

Da mesma forma, tenho que o réu, ao entabular insofismável número de contratos por tempo determinado, em vez de cumprir o que determina o ordenamento jurídico e realizar concurso público, por tantos anos, feriu por completo o princípio constitucional da eficiência.

Ora, além de realizar inúmeras contratações ilegais, o réu, ao não deflagrar concurso público, vilipendiou a norma de essência, que é colocar no exercício de função pública servidores qualificados, empregando, pois, pessoas que não prestaram qualquer tipo de avaliação para exercer cargos ordinários nos quadros da Administração.

Como salienta Gilmar Ferreira Mendes, não apenas a perseguição e o cumprimento dos meios legais e aptos ao sucesso são apontados como necessários ao bom desempenho das funções administrativas mas também o resultado almejado14.

Ora, ao invés de optar contratar e renovar contratos administrativos, como visto, in casu, deveria o administrador fazer publicar edital de concurso público, haja vista defender a necessidade do cargo. Contudo, seu comportamento contraditório evidencia patente afronta aos valores morais da administração.

Portanto, foram vilipendiados valores constitucionais, como a moralidade, impessoalidade, eficiência e a boa-fé objetiva na administração pública.

Nos termos da Lei n. 7.347/85, a ação civil pública visa apurar a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao patrimônio público e social (art. 1º, inciso VIII), podendo ter como objeto, como, in casu, a obrigação de fazer ou não fazer (art. 3º).

Cabe salientar ainda que, desde que assumi a titularidade desta Comarca, diversas foram as vezes que julguei ações populares que tinham por objeto a contratação irregular de servidores para o desempenho de funções permanentes do Município, o que demonstra a recalcitrância e insistência da administração municipal em burlar a Constituição Federal, a Constituição Estadual, a Lei Orgânica do Município e a Lei Municipal n. 502/09, quebrando em muito o princípio da impessoalidade, eis que mesmo sendo de seu conhecimento a irregularidade de tais contratações, permanece deixando no ostracismo o concurso público.

Ora, como declarado pelo próprio Município, o último concurso público realizado foi no ano de 2007 (f. 837), sendo evidente que, de lá pra cá, se faz necessário, e em muito, o preenchimento de determinados cargos públicos.

Nada obstante, é exatamente isso o que se extrai dos inúmeros contratos irregulares entabulados pelo Município (e, acostados nos autos às 25/1204), por tempo determinado, para que os contratantes exercessem funções permanentes nos quadros da Administração.

Para ilustrar o tema, trago, por oportuno, trecho do voto expendido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, proferido na ocasião do julgamento do RE n. 658.026/MG, in verbis:



A Constituição Federal traz, em seu art. 37, inciso II, uma regra impositiva de que todas as admissões de pessoas na Administração Pública sejam precedidas, obrigatoriamente, de concurso público. As autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista estão sujeitas, nesse ponto, às mesmas regras da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Cuida-se, em verdade, de uma regra – eis que não se admite sua ponderação -, a qual se traduz no dever fundamental da Administração Pública de garantir acesso, sob critérios igualitários, imparciais, e de forma eficiente, aos cargos e empregos públicos. (…). embora a natureza da atividade pública, por si só, não afaste, de plano, a autorização constitucional para contratar servidores destinados a suprir demanda eventual ou passageira, não há dúvida de que a nossa Carta Magna não permite que a Administração se utilize da contratação temporária para suprir, de forma artificial, atividades públicas de natureza permanente. É sabido que a omissão de alguns gestores públicos, ou mesmo a má gestão dos entes da Administração Pública direta e indireta, vêm criando artificialmente as necessidades, que de temporárias não se tratam. É também notório que o interesse público, que deveria ser excepcional para a contratação temporária, muitas vezes acaba por se tornar permanente, em razão das contingências já descritas, em especial pela omissão abusiva da Administração Pública.15



Neste diapasão, em face a importância e, como, in casu, a imprescindível necessidade de concurso público para o preenchimento de cargos essenciais, habituais e permanentes do Município, tenho como patente a obrigação de promover o certame.

Esse, aliás, é o entendimento emanado pelo Egrégio Tribunal Mineiro, mutatis mutandis, in verbis:


AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PRELIMINARES - INCOMPETÊNCIA - LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO - REJEIÇÃO - MÉRITO - OBRIGAÇÃO DE FAZER -CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE FUNCIONÁRIOS PELA ADMINISTRAÇÃO - HABITUALIDADE - SERVIÇOS ORDINÁRIOS E PERMANENTES - APLICAÇÃO DO JULGADO DO STF RE Nº 658.026-MG - INDÍCIOS - RESCISÃO DOS CONTRATOS DE TRABALHO - REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO - POSSIBILIDADE - DILATAÇÃO DO PRAZO PARA CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO - NECESSIDADE - ESGOTAMENTO DA AÇÃO - RISCO DE IRREVERSIBILIDADE DA MEDIDA - AUSÊNCIA - FIXAÇÃO DE ASTREINTES EM FACE DO AGENTE PÚBLICO - POSSIBILIDADE - ENTENDIMENTO CONSOLIDADO DO COL. STJ - PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE - REDUÇÃO - POSSIBILIDADE - RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
1. Não cabe conexão entre ação executiva e de conhecimento, em razão da primeira não possuir mérito, inexistindo, portanto, perigo de decisões de mérito conflitantes, mormente a se considerar que a ação civil pública de origem possui objeto mais amplo, englobando, além de obrigação de fazer, o reconhecimento de prática de ato de improbidade administrativa.
2. Não se verifica a legitimidade dos servidores para defender a legalidade da forma de provimento utilizada pela Administração municipal, cabendo tão somente a esta última a defesa do ato administrativo da contratação.
3. As lides acerca do direito dos servidores contratados, eventualmente lesados em razão da rescisão dos contratos, se restringe a esfera das relações jurídicas entre os referidos servidores e a Administração.
3. -
Havendo elementos que indiquem a habitualidade das contratações, bem como o preenchimento de serviços ordinários prestados por funcionários contratados sem a prévia aprovação em concurso público, em violação ao art. 37, II da Constituição da República, cabível a determinação de rescisão dos contratos e realização de concurso público para preenchimento dos cargos. Necessidade de observância das balizas estabelecidas pelo col. Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE Nº 658.026-MG.
4. Cabível a dilatação do prazo assinalado para rescisão dos contratos firmados e da realização de concurso público, tendo em vista a amplitude dos provimentos de cargos públicos, através das contratações impugnadas, sob pena de se criar o risco de inviabilizar-se a prestação dos serviços públicos aos munícipes.
5. Não há que se falar em esgotamento da ação já que, além da obrigação de fazer concernente a rescisão dos contratos administrativos e realização de concurso público, há pedido de reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa.
6. Inexiste risco de irreversibilidade da medida, uma vez que caso, ao final, se evidencie a legalidade das contratações, ou de algumas delas, e pela desnecessidade do concurso público, os contratos podem ser reimplementados a qualquer tempo pela Administração, seguidos os parâmetros legais e constitucionais.
7. Recurso parcialmente provido.
16



Desta feita, não só é imprescindível a realização de certame para o preenchimento dos cargos permanentes que vêm sido preenchidos ilegalmente por servidores com contratos temporários, sem, ainda, justificada necessidade e urgência excepcional, como também compelir o réu de se abster em preencher referidos cargos permanentes, habituais e ordinários por contratados com tempo determinado, posto que ilegal e inconstitucional.

Isso posto, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais e, com supedâneo nos artigos 3º e 11, da Lei n. 7.347/85, condeno o réu, MUNICÍPIO DE ALTO RIO DOCE, a promover a realização de concurso público para o preenchimento dos cargos ilegalmente ocupados por contratados, bem como aqueles vagos ou criados por lei (efetivos), no prazo estabelecido na decisão liminar de ff. 1239/1245, bem como a se abster de firmar novos contratos temporários para admissão ilegal de pessoal para funções permanentes nos quadros da Administração, em completa burla ao artigo 37, inciso II, da Carta Política, e a proceder a nomeação dos aprovados no certame dentro do prazo de 12 (doze) meses, após a sua realização.

Ratifico a liminar de ff. 1239/1245, convolando-a em definitiva.

Em via de consequência, condeno o réu ao pagamento das custas, com abatimento das isenções legais, nos termos da Lei Estadual n. 14.939/03. Sem honorários por se tratar de ação intentada pelo Ministério Público.

P.R.I., transitada em julgado, pagas as custas e nada sendo requerido, autos ao arquivo, com baixa na distribuição.

De Barbacena para Alto Rio doce, 20 de outubro de 2016.



ALEXANDRE VERNEQUE SOARES

Juiz de Direito



1Gonçalves, Marcus Vinicius Rios / Direito processual civil esquematizado; coordenador Pedro Lenza - 6. ed.- São Paulo: Saraiva, 2016; p. 450.

2Theodoro Júnior, Humberto / Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I. 56. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015; p. 816, epub.

3Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I - não houver necessidade de produção de outras provas;

4Marinoni, Luiz Guilherme; Arenhart, Sérgio Cruz; Mitidiero, Daniel / Novo código de processo civil comentado – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015; p. 378.

5Art. 5º (...) LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

6Art. 93 (...) IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

7MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998. p. 364/365.

8MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

9CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2005, p. 544-5.

10ADI 5163, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 08/04/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-091 DIVULG 15-05-2015 PUBLIC 18-05-2015.

11RE 658026, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 09/04/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-214 DIVULG 30-10-2014 PUBLIC 31-10-2014.

12Pietro, Maria Zanella Di; Sundfeld, Carlos Ari – organizadores / Fundamentos e princípios do direito Administrativo (Coleção doutrinas essenciais: direito administrativo; v. 1). - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012; Texto: Os poderes do administrador público; por Hely Lopes Meirelles; p. 345.

13 TJMG - Apelação Cível 1.0672.06.200836-8/001, Relator(a): Des.(a) Edilson Fernandes, 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 20/10/2009, publicação da súmula em 11/12/2009.

14Mendes, Gilmar Ferreira; Branco, Paulo Gustavo Gonet / Curso de direito constitucional. - 1. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2015; p. 864.

15RE 658026, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 09/04/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-214 DIVULG 30-10-2014 PUBLIC 31-10-2014 . Voto do Relator: p. 4 e 20/21.

16TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0309.15.004390-4/001, Relator(a): Des.(a) Sandra Fonseca, 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/09/2016, publicação da súmula em 19/09/2016.