Juízo da 5ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte

Processo nº 0024.13.346.523-7



















SENTENÇA



Vistos etc.



I RELATÓRIO



LEANDRO RODRIGUES PINHEIRO ajuizou AÇÃO ORDINÁRIA com pedido liminar, em face da FUMARC e ESTADO DE MINAS GERAIS, noticiando que prestou concurso público para o cargo de Perito Criminal (Edital n° 02/13), integrante da série inicial da carreira do Quadro de Pessoal da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais. Afirma que esse edital considerou para efeitos de verificação de deficiência a lei 7.853/89, Decreto Federal n° 3.298/99, Decreto Federal n° 5.296/04 e a Súmula 377 do STJ, estabelecendo 10% das vagas destinadas aos portadores de deficiência conforme Lei 11.867/95. Aduz que durante a realização do exame para verificação da compatibilidade da deficiência com atribuições do cargo, apesar de o candidato deixar bem claro que não concorria na categoria de deficiência mental, mas como pessoa com Síndrome compatível com os Transtornos do Espectro Autista (ID – 10 F8.5), foi avaliado conforme a primeira categoria. Destaca que concorreu às vagas reservadas baseando-se no que dispõe o art. 1°, §2° da lei estadual n° 11.867/95 em consonância com a lei 12.764/12, que apesar de estar em vigência, não foi considerada na avaliação por não constar de forma expressa no edital. Pede a procedência do pedido, declarando-se ilegal o ato impugnado, e concedendo-lhe o direito de concorrer as vagas destinadas aos deficientes.

Pede gratuidade de justiça.

O pedido de antecipação de tutela foi indeferido às f. 45/46 e deferida a justiça gratuita, tendo sido interposto Agravo de Instrumento pelo autor às f. 50/59.

Citado o Estado de Minas Gerais, apresentou contestação às f. 61/71, alegando que os documentos de f. 40/41 dão conta que o autor possui aptidão profissional plenamente compatível com o exercício do cargo a que se habilitou, revelando, ainda, que não foi constatada deficiência que autorizasse sua participação no certame na condição de deficiente. Afirma que se a Junta Médica concluiu que o autor não é portador de deficiência, por óbvio, e sobretudo em atenção aos princípios que regem a Administração Pública, alusivos à legalidade a que deve se submeter, como rigor, e ao de sua vinculação ao instrumento convocatório nos Concursos Públicos, não há como prosperar a pretensão do autor deduzida neste feito. Pede a improcedência dos pedidos.

A Fundação Mariana Resende Costa – FUMARC apresentou contestação às f. 99/106, alegando, preliminarmente, ilegitimidade passiva. No mérito, sustentou que as regras do edital se consubstanciam em comandos equânimes e imparciais, aplicados para todos os candidatos, inclusive em relação à correção das provas. Aduz que ficou constatada a inexistência da deficiência do autor, retirando-lhe, pois, a condição de deficiente físico apta a ensejar a sua habilitação para concorrer às vagas reservadas. Puga pela improcedência dos pedidos.

A parte autora apresentou impugnação às f. 145/150 e requereu a produção de prova documental e pericial às f. 152.

Foram juntados documentos pelo autor às f. 157/187 e apresentado Laudo Médico Pericial à f. 221/229.

As partes apresentaram alegações finais, f. 264/267, 269/271, 272.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório. DECIDO.

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

Analisando os autos verifico a existência de pendências, bem como, a arguição de preliminar, ainda sem decisão.

É o que passo a fazê-lo.

 

DA HOMOLOGAÇÃO DO LAUDO PERICIAL

 

Homologo o laudo pericial apresentado pelo expert para que surta os efeitos legais.

Deverá ser liberado os honorários periciais, conforme requerido.

 

DA ILEGITIMIDADE PASSIVA

 

A Fundação Mariana Resende Costa alega, em sua contestação, a preliminar de ilegitimidade passiva, sob o argumento de não ser a responsável pela edição das normas do concurso.

Contudo, a FUMARC é a responsável pela execução das regras contidas no edital, pela aplicação das provas e supervisão do certame. Nesse sentido:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO - AGENTE FUNERÁRIO - LEGITIMIDADE PASSIVA DA COMISSÃO ORGANIZADORA - PROVA DE APTIDÃO FÍSICA - PREVISÃO EM LEI E NO EDITAL - REPROVAÇÃO DO CANDIDATO - PUBLICIDADE DO RESULTADO.
1 - O IBFC - Instituto Brasileiro de Formação e Capacitação, por ser o responsável pela execução das regras contidas no edital, bem como pela aplicação da prova de aptidão física, está legitimado para figurar no polo passivo de mandado de segurança contra ato que reprovou candidato.
2- É cabível a exigência de prova de aptidão física de caráter eliminatório, desde que haja previsão na lei ou no edital, e que exista razoabilidade entre a prova e às funções a serem desempenhadas. Precedentes.
3 - Os embaraços ao candidato para impugnação do ato administrativo devem ser cabalmente demonstrados.  (TJMG -  Agravo de Instrumento-Cv  1.0000.18.079435-6/001, Relator(a): Des.(a) Carlos Henrique Perpétuo Braga , 19ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/01/2019, publicação da súmula em 07/02/2019)

 

 

Dessa forma, patente sua legitimidade para figurar no polo passivo da presente demanda.

Dando-se prosseguimento ao feito.

Passo à análise de mérito.

 

NO MÉRITO

 

O ponto central da questão posta sob a apreciação do Judiciário consiste em decidir sobre o alegado direito do autor de concorrer as vagas destinadas aos deficientes.

Compete ressaltar que ao Judiciário é permitido verificar a regularidade do processo, a legalidade do ato administrativo. Isto sem tolher a discricionariedade da Administração quanto à sua conveniência e oportunidade, sob pena de invasão de Poderes. Somente quando constatada irregularidade contrária ao próprio ordenamento jurídico é cabível a intervenção do Poder Judiciário nos atos praticados pela Administração.

É certo também que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei, sendo que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão. É o que determina o art. 37 da Constituição da República.

Trata-se de meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se a moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, nos termos do art. 37, II, da Constituição da República.

Em análise dos autos, verifica-se que o autor prestou concurso público para o cargo de Perito Criminal (Edital n° 02/13), optando por concorrer na classe de deficiente físico.

Contudo, durante a realização do exame para verificação da compatibilidade da deficiência com as atribuições do cargo, foi observado que sua deficiência não compromete o desempenho da função.

O Edital n° 02/13 do Concurso Público de Provas para o cargo PERITO CRIMINAL, integrante da série inicial da carreira do Quadro de Pessoal da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, reservou o percentual de 10% (dez por cento) do total de vagas oferecidas a candidatos portadores de deficiência.

Nesse sentido, definiu quais candidatos poderiam concorrer a essas vagas, determinando que (f. 24):

 

2.4.2. Em conformidade com o §2° do art. 1° da Lei Estadual n° 11.876/95, pessoa portadora de deficiência ‘é aquela que apresenta, em caráter permanente, disfunção de natureza física, sensorial ou mental, que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro de um padrão considerado normal para o ser humano.

2.4.3. Para fins de identificação de cada tipo de deficiência, adotar-se-á a definição contida no artigo 4° do Decreto Federal n° 3.298 de 1999 que regulamentou a Lei n° 7.853 de 1989, com a redação dada pelo Decreto Federal n° 5.296 de 2004, bem como a súmula 377 do STJ”.

 

 

Cumpre ressaltar que o fato da deficiência mental apresentada pelo autor não estar prevista no rol das deficiências elencadas na supracitada Lei não importa, necessariamente, que o candidato ao concurso público não possa ser considerado deficiente mental enquadrado no sistema especial de reserva de vagas previstas no certame.

O Decreto Federal n° 3.298 de 1999, estabelece em seu artigo 4° que:

É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

(...)

IV - deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:

a) comunicação;

b) cuidado pessoal;

c) habilidades sociais;

d) utilização da comunidade;

d) utilização dos recursos da comunidade; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

e) saúde e segurança;

f) habilidades acadêmicas;

g) lazer; e

h) trabalho;

 

(..)”.

 

Nesse sentido, concluiu-se que para o candidato ser considerado portador de deficiência mental é necessário que possua funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos 18 (dezoito) anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, requisitos nos quais o autor se enquadra.

Constata-se do Laudo Médico Pericial (f. 221/229) que o autor possui diagnóstico de Síndrome de Asperger, que é um transtorno de espectro do autismo (CID 10: F84.5). Sua condição médica manifesta-se desde a infância, tendo sido diagnosticado em junho/2012.

Verifica-se que sua condição médica determina uma disfunção neuro-comportamental com dificuldade de comunicação e nas habilidades sociais.

Dessa forma, concluiu-se que o autor se enquadra no conceito de pessoa portadora de deficiência mental, devendo concorrer à vaga reservada.

Por fim, destaca-se que a intenção do legislador foi a de propiciar que aqueles cidadãos que apresentem alguma deficiência física ou mental possam competir com os demais candidatos em um determinado certame em igualdade de condições para com aqueles, não sendo razoável o entendimento de que o autor não concorra a vaga destinada aos deficientes.

Portanto, a procedência do pedido é medida que se impõe.

III - CONCLUSÃO

Posto isso, JULGO PROCEDENTE, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC/2015, o pedido formulado por LEANDRO RODRIGUES PINHEIRO em face da FUMARC e ESTADO DE MINAS GERAIS, para declarar ilegal o ato impugnado e conceder ao autor o direito de concorrer às vagas destinadas aos deficientes.

Condeno os réus, solidariamente, ao pagamento dos honorários advocatícios, os quais fixo em R$2.000,00 (dois mil reais), nos termos do art. 85, §8º c/c §4º, III do CPC/2015.

Custas, isento nos termos do art. 10, inciso I da Lei 14.939/03, em relação ao Estado de Minas Gerais.

Expeça-se alvará a favor do perito, intimando-o para vir recebê-lo, em 05 (cinco) dias.

Transitado em julgado, cobradas as custas finais, ARQUIVE-SE.

Cumpra-se o art. 496, I, do CPC/2015.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Belo Horizonte, 26 de agosto de 2019.

 

Rogério Santos Araújo Abreu

Juiz de Direito

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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