TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

JUIZADO ESPECIAL DA COMARCA DE MURIAÉ-MG

 

 

 

 

Autos. n.: 0052043-54.2019.8.13.0439

Autora: MAX WILLIAN ALVES BARBOSA.

Réu: CASA DE SAÚDE DE CARIDADE DE MURIAÉ HOSPITAL SÃO PAULO.

 

 

SENTENÇA

 

 

Vistos etc.

Dispensado o relatório, art. 53 da Lei 9.099/95.

MAX WILLIAN ALVES BARBOSA, já qualificado, ajuizou demanda indenizatória em face do réu, também qualificado, aduzindo que sofreu embaraços no exercício de seu direito de acompanhar sua mulher, por ocasião do nascimento de seu primeiro filho. Aduziu que os prepostos do réu informaram haver uma preferência por acompanhantes femininos em razão de suposta exposição de outros pacientes, já que todas as parturientes ficam em uma mesma sala. Aduz que no balcão de atendimento, na enfermaria, e em diálogo com a médica plantonista, todos explicaram que, embora fosse um direito, o réu orientaria que fosse dada preferência a acompanhantes femininos. Após muito dialogar, a médica teria aberto uma exceção para que ele pudesse assistir ao parto e acompanhar sua esposa. Acrescentou que também foi impedido de filmar e fotografar o parto. Nesse ponto, afirmou que o réu faz distinção entre partos particulares e partos pagos pelo SUS. Pede a condenação do réu em quantia reparatória do dano moral.

Não havendo outras questões prévias ou nulidades a serem reconhecidas de ofício, passo ao exame do mérito.

O autor comprovou que o réu fez restrições indevidas no seu direito de acompanhar sua mulher por ocasião do nascimento de seu primeiro filho.

O réu embaraçou o exercício de tal direito. Tal fato restou sobejamente comprovado pelos documentos juntados pelo próprio réu. Com efeito, no depoimento prestado pela médica Carla, ff. 126, colhido na sindicância do CRM, assim se manifestou, verbis:

...relatei a ela que como rotina instituída pela administração e coordenação do hospital, solicitávamos preferencialmente acompanhantes do sexo feminino… Ela insistiu (que o marido a acompanhasse) e expliquei que conversaria com o seu acompanhante assim que terminasse de olhar todas as pacientes internadas...” (grifos nossos)

 

A mesma testemunha, em sua planilha sobre as intercorrências de seu plantão, destacou que tentou demover a autora do pedido de que seu marido a acompanhasse. Destaco, verbis:

...9:00h paciente refere que deseja que seu parceiro a acompanhe durante todo o período de TP, parto e puerpério. Tento explicar que por lei isso está correto mas que não temos infraestrutura para acolher homens na maternidade…”(Carla, ff. 162)(grifos nossos)

 

Já a cartilha juntada pelo próprio réu veicula norma diferente da exposta pela mesma médica,f. 174, destaco:

 

“… A Lei Federal n. 11.108, de 7 de abril de 2005 determina que toda a gestante tem direito à acompanhante durante o período de pré-parto, parto e pós parto. O mesmo é de escolha da mãe, podendo ser o pai do bebê, o parceiro atual, a mãe, um amigo, ou outra pessoa...”

(...)

...no caso de acompanhantes do sexo masculino, não permanecer na enfermaria no momento do exame obstétrico das pacientes...”

 

Para poder exercer seu direito de acompanhar o nascimento de seu filho, o autor teve de transpor três barreiras. Na chegada, a atendente do balcão já informou que havia uma “política do Hospital” de só permitir acompanhantes mulheres.

Em seguida, na enfermaria, novamente foi advertido de que embora tivesse direito de acompanhar o parto, não seria “conveniente” ter um homem na mesma sala que outras parturientes.

Diante da insistência do autor de acompanhar sua esposa, a médica responsável tentou novamente demovê-lo em razão da “ausência de infraestrutura” para que homens fossem admitidos como acompanhantes.

Por fim, o autor foi admitido como acompanhante, mas teria de trocar a farda por roupas civis.

Tentou-se, portanto, embaraçar o direito de escolha do acompanhante que pertence exclusivamente a parturiente, o que corrobora a importância da referida norma.

Lado outro, o autor comprovou, ainda, que não pode registrar o nascimento de seu primeiro filho. Juntou uma fotografia na qual vê-se uma placa afixada no estabelecimento do réu vedando registro fotográfico, ff. 107.

Também comprovou a proibição juntando relato de outra parturiente informando que foi impedida de registrar o parto, ff. 43.

No mesmo diapasão, a médica Carla, esclareceu em seu depoimento que não permite sejam feitos registros na sala de parto e que tal vedação é aplicada por todos os médicos que trabalham para o réu.

O art. 19-J da Lei 8.080/90, com a redação determinada pela Lei 11.108/2005, garante a parturiente o direito de se fazer acompanhar por um familiar ou amigo. Tal fato é de conhecimento do réu, tanto que juntou a cartilha na qual esse direito é informado às parturientes.

O art. 5, X da CRFB/88 dispõe sobre o direito de dispor da própria imagem.

O art. 22 dispõe que a privacidade é inviolável. Tal violação pode ocorrer desrespeitando a norma ou restringindo indevidamente a referida garantia.

Verifico que os prepostos do réu, primeiro os que atendem no balcão, depois os que trabalham na enfermaria e, em seguida a médica plantonista, tentaram convencer a mulher do autor de que seria mais “conveniente” que o acompanhante fosse do sexo feminino.

A conduta abusiva do réu, de tentar restringir um direito assegurado por lei e pela própria cartilha distribuída às parturientes, causa perplexidade.

A alegação de que o local em que ficam as parturientes não assegura privacidade não pode impedir o exercício de um direito assegurado pela lei e pela cartilha do próprio hospital. Com efeito, caberia ao réu providenciar as alterações necessárias (biombos?cortinas?) para garantir a privacidade das parturientes.

No mesmo sentido da preservação da privacidade, a solicitação de que os acompanhantes deixem a enfermaria para que as parturientes sejam examinadas é medida suficiente para garantir tal direito. Assim, a restrição em razão da privacidade na enfermaria em que aguardam o parto não é de ser acolhida.

A cartilha apresentada pelo réu assegura um direito que, na prática, é restringido pelo mesmo réu por razões de “conveniência” ou de “falta de estrutura” para acolher acompanhantes do sexo masculino.

Tenho que caberia ao réu reorganizar o ambiente da enfermaria para fazer valer um direito da maior importância. Trata-se de um momento único na vida de uma mulher e cabe a ela, EXCLUSIVAMENTE a ela, escolher quem fará parte desse momento. É disso que trata a norma que, aliás, inclui a possibilidade de quem não seja parente acompanhar o parto, caso seja essa a escolha da parturiente.

Examinada a violação do direito de escolher o acompanhante, resta resolver a questão envolvendo o direito de registrar o próprio parto, que foi negado pelo réu conforme placa afixada na enfermaria e o relato da médica que realizou o parto.

Ouvida em juízo, a médica que assistiu a mulher do autor esclareceu não ser possível o registro do momento do parto porque exporia os demais pacientes e a própria parturiente, que estaria em uma posição “vulnerável”. É dizer, a pretexto de tutelar a privacidade da própria parturiente e de outras pessoas que eventualmente transitassem na sala de parto, é vedado qualquer registro. Tal norma suprime o direito ao registro da própria imagem, bem como da imagem do neonato.

Tal justificativa para proibição do registro do parto também não é de ser acolhida.

Sobre a eficácia objetiva dos direitos fundamentais, tenho que a matéria já está pacificada nos tribunais superiores a partir do leading case Recurso Extraordinário 201.819-8.

A tutela da privacidade é instituída em benefício do tutelado, que pode preferir seja feito o registro, como é comum nesses casos, afinal, trata-se do registro do nascimento do primeiro filho, que não foi feito em razão da proibição dos prepostos do réu.

Releva notar que há outros meios menos drásticos e mais adequados para a tutela da privacidade da parturiente e dos circunstantes. Com efeito, bastaria um controle do acesso ao ambiente em que se realiza o ato médico para que a preservação da imagem de todos fosse efetivada.

Nesse sentido, poderia o médico opor-se à gravação de sua imagem, bem como outros circunstantes, mas não poderia impedir a gravação da imagem da própria parturiente, já que cabe a ela dispor de tal direito.

Lado outro, a assertiva de que no local do parto não há privacidade já que outras pessoas transitam pelo local não afasta o direito de registrar o próprio parto.

Reitere-se, a supressão de tal direito mostra-se desproporcional, já que o réu poderia melhor tutelar a privacidade da parturiente, controlando o acesso das pessoas que transitam pelo local no momento do parto.

Com efeito, trata-se da comezinha obrigação de que o ambiente em que são realizados procedimentos médicos, ainda que simples, sejam controlados pelos prepostos que assistem ao obstetra. Caso tal controle seja feito de forma adequada, a privacidade da parturiente e dos demais circunstantes restará preservada.

Releva nota que no momento do parto não há mais de uma parturiente no local e a dificuldade apresentada para o ambiente da enfermaria não se aplica nesse outro ambiente.

Em suma, por representar medida desproporcional e violadora da garantia do registro da imagem da parturiente, tenho que o réu não poderia vedar o registro dos partos que ocorrem em suas dependências.

O embaraço ao direito de escolher o acompanhante e a vedação ao registro do nascimento do primeiro filho, além de serem medida ilegal e inconstitucional, trouxe sério abalo e frustração para o autor, que perdeu uma oportunidade única na vida de um pai. Deverá o réu reparar o dano moral causado ao autor.

Conforme recente entendimento do STJ acerca da fixação do dano moral por meio de um procedimento bifásico, fixo o valor do dano moral, em um primeiro momento, em R$ 2.000,00 (dois mil reais) tendo em vista o porte econômico da ré, sua situação de insolvabilidade, e o caráter pedagógico da reparação. Em um segundo momento, considerada a enorme frustração provocada no autor, aumento a verba reparatória em R$ 1.000,00 (mil reais), perfazendo um valor final de R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de reparação dos danos morais.

Por fim, um registro: a multicitada médica que assistiu a mulher do autor teve uma conduta médica digna de encômios e o parto transcorreu sem anomalias. Assim, tenho que prestou a melhor assistência possível, diante das circunstâncias. Quando errou, errou em razão da equivocada interpretação da norma por parte dos administradores do réu. Por esse motivo, a representação, corretamente arquivada pelo CRM, não poderia ter outro desfecho.

Pelo exposto e com fulcro no art. 487, I do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido para condenar o réu a pagar ao autor, a título de reparação dos danos morais, a quantia de R$ 3.000,00 (cinco mil reais), corrigida monetariamente pelos índices da Corregedoria do TJMG a contar da fixação do dano, s. 362 do e. STJ, acrescida de juros de 1 % ao mês, conforme art. 406 do Código Civil de 2002 a contar da publicação desta, no prazo de quinze dias do trânsito em julgado, sob pena de incidir a multa constante do art. 523 do CPC.

Dispensadas custas e honorários, nesta fase, conforme art. 55 da Lei 9.099/95.

Defiro a gratuidade judiciária ao réu em razão de sua insolvabilidade.

Após o trânsito em julgado, aguarde-se o cumprimento da sentença. Depois, nada sendo requerido, ao arquivo com baixa.

P.R.I.

Muriaé, 10 de julho de 2019.

 

Andre Ladeira da Rocha Leão.

Juiz de Direito.