Autos nº: 0003781-82.2016.8.13.0470

 

SENTENÇA

 

Vistos, etc.

Dispenso o relatório ante a permissão do art. 81, § 3º da Lei 9.099/95.

Fundamento e decido.

Não há nulidades a serem sanadas e estão presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, razão pela qual passa-se à análise do mérito.

A materialidade encontra-se comprovada pelo BO de ff.08/13 e Auto de Depósito de ff.18.

Por sua vez, a autoria restou comprovada pelo próprio interrogatório do acusado, o qual, embora tenha negado os maus tratos aos animais e tenha informado possuir licença para tanto, afirmou manter em cativeiro as espécies de aves “canário” “colerinha” e “baiano”, além de ser o dono de 15 (quinze) dos galos encontrados na sua residência.

Ademais, a testemunha Roberto Matheus Barbosa, ouvida em audiência de instrução e julgamento, afirmou que “eles (galos) estavam colocados em locais bem apertados e apresentavam sinais realmente de maus tratos (…) tinham os locais para rinha montados para a prática de briga mesmo”.

No que se refere ao delito previsto no art. 29, §1º, III, da Lei nº 9.605/98, é importante ressaltar que os artigos 1º a 3º, da Instrução Normativa nº 10/2011, do IBAMA, impõem que a manutenção e a comercialização de passeriformes da fauna silvestre brasileira imprescindem de cadastro e autorização, o que não foi comprovado no caso em apreço. Assim, é inconteste o enquadramento da conduta do acusado no tipo penal supracitado.

Quanto ao crime de maus tratos, o Decreto nº 24.465/1934 trazia no art. 3º a definição de maus tratos, in verbis:

Art. 3º Consideram-se maus tratos:

(…)

II – manter animais em lugares anti higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz;

(…)

IV – golpear, ferir ou mutilar, voluntariamente, qualquer órgão ou tecido de economia, exceto a castração, só para animais domésticos, ou operações outras praticadas em benefício exclusivo do animal e as exigidas para defesa do homem, ou no interesse da ciência;

(…)

XXIII – ter animais destinados à venda em locais que não reunam as condições de higiene e comodidades relativas;

(…)

XXIX – realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécie diferente, touradas e simulacros de touradas, ainda mesmo em lugar privado;

 

Pelo depoimento da testemunha Roberto Matheus Barbosa, conclui-se que os quinze galos apreendidos na residência do acusado encontravam-se em condições convergentes com as hipóteses de maus tratos supracitadas, haja vista que claramente eram mantidos em condições degradantes de higiene e comodidade, a fim de serem utilizados em rinhas

Malgrado tal dispositivo legal tenha sido revogado, é certo que estas disposições ainda se enquadram no conceito de maus tratos, notadamente se interpretadas em conjunto com o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça, que reconhece a sensibilidade dos animais, conforme trecho que abaixo colaciono, do acórdão proferido no Recurso Especial nº 1.115.916/MG:

Não há como se entender que seres, como cães e gatos, que possuem um sistema nervoso desenvolvido e por isso sentem dor, que demonstram ter afeto, ou seja, que possuem vida biológica e psicológica, possam ser considerados como coisas, como objetos materiais desprovidos de sinais vitais. Essa característica dos animais mais desenvolvidos é a principal causa da crescente conscientização da humanidade contra a prática de atividades que possam ensejar maus tratos e crueldade contra tais seres.”

 

De mais a mais, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade 1856/RJ, determinou que a prática da chamada “rinha de galo” contraria as disposições do art. 225, §1º, inciso VII, da Constituição Federal, que veda a submissão dos animais a crueldade.

Há de se ressaltar que, no referido julgamento, o Ministro Ayres Britto chegou a mencionar que “da tortura de um galo para a tortura de um ser humano é um passo”, sendo que tal conduta demonstra de maneira clara os traços psicopáticos da personalidade de quem a pratica.

Por todo exposto, as condutas perpetradas pelo acusado enquadram-se nos tipos penais constantes na exordial acusatória, inexistindo alternativa senão a sua condenação.

Com tais razões, julgo procedente a pretensão punitiva contida na denúncia e CONDENO o acusado Willian Pereira, pela prática dos crimes descritos nos arts. 29, §1º, III e 32, da Lei nº 9.605/98.

Verifica-se que as condutas praticadas pelo acusado incorrem no mesmo juízo de reprovabilidade, razão pela qual passo a dosar a pena conjuntamente para ambos os delitos, em estrita observância ao disposto no artigo 68, caput, do Código Penal, a fim de se evitar repetições desnecessárias.

1ª Fase: Culpabilidade – normal para a prática específica do crime; Antecedentes – o réu não possui maus antecedentes; Conduta social – inexistem elementos para valorá-la; Personalidade do agente – conforme já fundamentado acima, a prática de maus tratos contra animais demonstra um sério desvio de personalidade do agente. Contudo, tal prática é inerente ao próprio tipo penal do art. 32, da Lei nº 9.605/68, razão pela qual deixo de considerá-la, a fim de evitar o bis in idem; Motivos – não existem motivos específicos para o crime; Circunstâncias – é pertinente levar-se em conta a quantidade de animais encontrados na residência do acusado, haja vista que haviam 05 (cinco) aves silvestres sem a devida licença e 15 (quinze) galos em situação de maus-tratos, o que agrava a reprovabilidade da conduta; Consequências – não há, senão aquelas naturais da prática do tipo penal ora tratado; Comportamento da vítima – os delitos em apreço tratam-se de crimes vagos, inexistindo vítima determinada. Sendo assim, fixo a pena base em 6 (seis) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção, e 11 (doze) dias-multa para o delito do art. 29, e 3 (três) meses e 11 (onze) dias de detenção, e 11 (onze) dias-multa detenção para o delito do art. 32.

2ª Fase: Infere-se do interrogatório do acusado, que este visava vantagem pecuniária das condutas praticadas, incorrendo na circunstância agravante do art. 15, II, a, da Lei nº 9.605/98. Portanto, agravo a pena para 7 (sete) meses e 25 (vinte e cinco) dias de detenção, e 12 (doze) dias-multa para o delito do art. 29 e 3 (três) meses e 27 (vinte e sete) dias, e 12 (doze) dias-multa detenção para o delito do art. 32.

3ª Fase: Não há causas de aumento ou diminuição.

Considerando que o acusado praticou com duas ações distintas, dois crimes diversos, aplica-se ao caso as regras do concurso material (art. 69, CP). Fixo, portanto, a pena final em 11 (onze) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção, e 24 (vinte e quatro) dias-multa.

Fixo o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

O Regime inicial é o aberto, de acordo com o art. 33, §2º, alínea c do CP.

Nos termos do art. 7º, inciso II, da Lei 9.605/98, e art. 77, II, do Código Penal, a suspensão da pena privativa de liberdade e a suspensão condicional da pena devem ser determinadas quando “a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do crime indicarem que a substituição seja suficiente para efeitos de reprovação e prevenção do crime”, o que não é o caso dos autos, eis que a personalidade do agente e as circunstâncias do delito incorrem em um elevado grau de reprovabilidade. Ademais, verifico que o acusado encontra-se em cumprimento de pena por um crime de homicídio, de forma que não se mostra socialmente recomendável a concessão de tais benefícios, razão pela qual deixo de concedê-los.

Faculto ao acusado o direito de recorrer em liberdade, diante da ausência dos pressupostos ensejadores de quaisquer das modalidades de prisão processual.

Após o trânsito em julgado da sentença: a) preencha-se o boletim individual estatístico, encaminhando-o ao Instituto de Identificação do Estado de Minas Gerais; b) oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral para os fins do disposto no artigo 15, III, da Constituição da República; c) expeça-se carta de guia de execução à Vara de Execução Penal; d) cumpridas todas as diligências, dê-se baixa e arquive-se.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.

Paracatu, 28 de Março de 2019.

 

 

RODRIGO DE CARVALHO ASSUMPÇÃO
JUIZ DE DIREITO