Autos nº 0693.16.000770-6

 

DECISÃO

 

1- Trata-se de ação civil pública em defesa do meio ambiente proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS contra o ESTADO DE MINAS GERAIS, na qual requer a concessão de liminar compelir o réu, no prazo de 90 (noventa) dias a: adotar medidas necessárias para redução do contingente carcerário presente na Penitenciária do Município de Três Corações, reduzindo o número de presos do estabelecimento prisional para patamar aceitável, constante do projeto originário, com a consequente diminuição da população carcerária para o máximo estimado em ferido projeto, que era de 500 (quinhentos) presos; adotar medidas necessárias para a reparação do sistema de tratamento de esgoto sanitário da Penitenciária do Município de Três Corações, dando a destinação adequada aos efluentes sanitários respectivos, mediante o cumprimento das exigências legais e de todas as condicionantes fixadas pelo órgão ambiental competente; interromper o lançamento de efluentes sanitários, sem tratamento prévio, no solo e nos cursos d’água; tudo sob pena de multa diária no valor de R$ 5.000,00 limitada a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) a ser revertida para o FUNDIF.

Sustenta que através do Inquérito Civil nº. 0693.15.00006-7, apurou-se que a Penitenciária do Município de Três Corações encontra-se com superlotação carcerária, uma vez que sua capacidade é de aproximadamente 500 presos, e, atualmente, a lotação supera em amais de o dobro a capacidade mencionada.

Esclarece que o contingente carcerário atual é inadequado para o atendimento dos supremos objetivos da execução penal, não havendo condições de garantir aos presos o mínimo de dignidade necessária à sua reinserção social, em flagrante desrespeito aos artigos 85 e 88 da Lei 7.210/84.

Além da superlotação, apurou-se também, que a Penitenciária em referência não possui equipamentos suficientes ao tratamento do esgoto sanitário, em razão, inclusive, da superlotação, haja vista que a estação de tratamento de esgoto foi construída para suportar um contingente de mais ou menos 500 detentos. E mesmo diante da mudança desse quadro, pois do cotejo das informações prestadas pela COPASA-MG e Direção da Penitenciária, o número de usuários se aproxima de 1500, computando-se reeducandos, presos provisórios e aqueles que prestam serviços no estabelecimento prisional, nada foi feito para que houvesse a necessária adequação, ensejando rompimento da estação de tratamento de esgoto, com esgoto não tratado a céu aberto, contaminando o solo e em risco iminente de contaminação dos lençóis freáticos.

Afirma que o quadro em questão poderia ter sido evitado se o réu se mostrasse sensível à questão da insuficiência dos equipamentos instalados no estabelecimento prisional, sendo mais criterioso quando da disponibilização de vagas no sistema prisional atual. E alega que, ao contrário, o réu vem sendo desidioso quanto ao gerenciamento de vagas para presos no sistema estadual respectivo, demonstrando descaso com o controle do contingente carcerário da Penitenciária do Município de Três Corações.

E conclui que necessário se faz a adequação do convênio de concessão de serviço público de tratamento de esgoto à demanda do estabelecimento prisional, com a construção de novos aparatos. No entanto, afirma que tal adequação não é juridicamente viável, haja vista que tal adequação estaria a perpetuar a ilegalidade existente, qual seja, a superlotação. Por esta razão, sustenta que a solução correta, do ponto de vista jurídico-processual, e da própria razoabilidade, deve-se atacar a causa do problema, a superlotação carcerária.

Aduz que com tal medida, afastar-se-iam duas ilicitudes, a ilicitude na causa (superlotação carcerária) e a ilicitude nos efeitos (degradação ambiental por lançamento de efluentes sem tratamento no meio ambiente).

Fundamenta sua pretensão na proteção aos direitos dos detentos da Penitenciária de Três Corações, que estão vivendo em ambiente insalubre, sem respeito ao mínimo de dignidade, bem como na proteção ao meio ambiente natural.

Requer, ao final, a confirmação da liminar pretendida, bem como o ressarcimento dos danos ambientais com o pagamento de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais) ao FUNEMP.

É o breve relato. Decido.

Passo à análise do pedido de antecipação de tutela conforme a tutela provisória de urgência prevista no art. 300 do NCPC.

Para sua concessão necessária a existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano.

Afirma o Ministério Público que a Penitenciária do Município de Três Corações encontra-se superlotada e que, em razão deste quadro, a estação de tratamento de esgoto, não comportando o aumento de usuários está com tubulação rompida, lançando esgoto a céu aberto, contaminando o solo e sob risco iminente de contaminação dos lençóis freáticos.

Da analise da documentação acostada, verifica-se a probabilidade do direito, uma vez que o boletim de ocorrência de ff. 34/38, o relatório emitido pela COPASA (ff. 61/67), o ofício do Diretor Geral da Penitenciária em questão (ff. 71/73), o laudo técnico emitido pela COPASA (ff.92/95), e o laudo pericial de ff. 97/103) são no sentido de que a Penitenciária conta, atualmente, com aproximadamente 1500 (mil e quinhentos) usuários, dentre reeducandos, presos provisórios e os prestadores de serviço, e que a estação de tratamento de esgoto não comporta referido numerário, estando, por conseguinte, com tubulação rompida, lançando efluentes a céu aberto.

O perigo de dano resta demonstrado diante da natureza do bem protegido, o meio ambiente, seara iluminada pelo princípio da precaução, até mesmo diante da impossibilidade de reversão/recuperação de determinados danos.

Não se pode deixar de ressaltar que também a saúde dos presos e, por conseguinte, sua dignidade, encontra-se malferida, diante das condições de superlotação com esgoto a céu aberto.

Por certo que a Administração Penitenciária tem discricionariedade para a transferência de presos, sendo do conhecimento deste Juízo de que o Estado vem adotando medidas para minimizar o problema carcerário, dentre dos seus limites financeiros.

Entretanto, diante da inadequação das instalações, haja vista as condições insalubres decorrentes do esgoto a céu aberto, e superlotação, necessária a intervenção do Judiciário para que se salvaguardem os direitos dos detentos e dos profissionais que na Penitenciária trabalham. Tudo com fulcro na proteção ao fundamento da nossa Constituição Federal, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Em casos de tal jaez, diante da inércia ou mesmo falha do Estado em garantir direitos consagrados constitucionalmente e amparados em lei infraconstitucional, cabe ao Judiciário, uma vez provocado, compelir o Executivo ao cumprimento de suas obrigações, com fundamento no princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV, da CF).

Nesse sentido, o E.TJMG:


AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA DEFERIDA - INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS ADMINISTRATIVA, CÍVEL E CRIMINAL - ART. 2º DA LEI 8.437/92 - MITIGAÇÃO DA REGRA - REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC - DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO EM RELAÇÃO À TRANSFERÊNCIA DE PRESOS - INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO - RISCO A INTEGRIDADE FÍSICA E MENTAL DOS DETENTOS - VIOLAÇÃO A NORMAS DE SEGURANÇA E SAÚDE - SUPERLOTAÇÃO DO PRESÍDIO DE SÃO LOURENÇO - DEMONSTRAÇÃO - REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC - PRESENÇA - MULTA DIÁRIA PARA O CASO DE DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO - POSSIBILIDADE - LIMITAÇÃO DO VALOR - DECISÃO PARCIALMENTE REFORMADA. 1. A regra geral é de independência entre as instâncias administrativa, cível e criminal, não havendo vinculação entre as decisões proferidas nestas esferas. 2. O procedimento previsto no art. 2º da Lei 8.437/92 vem sendo mitigado pela jurisprudência e a doutrina, tendo em vista a urgência do caso concreto e a importância do bem jurídico tutelado. 3. O instituto da antecipação de tutela, consagrado pelo art. 273, do Código de Processo Civil, apresenta como requisitos para sua concessão a ocorrência cumulativa dos seguintes elementos: prova inequívoca do direito subjetivo alegado, verossimilhança das alegações, fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou caracterização do abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. 4. A Administração presidiária possui discricionariedade com relação à transferência de presos. Todavia, diante de inadequação das instalações e superlotação, justifica-se a intervenção do Judiciário sob pena de colocar em risco a Instituição e as pessoas que nela se encontram ou trabalham, evitando violação à integridade física e moral destes, além de prejuízos a segurança da coletividade. 5. Presentes os requisitos previstos no art. 273 do CPC, diante da comprovação de superlotação do Presídio de São Lourenço, além d e descumprimento a normas de segurança e saúde, que acarretam a violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, deve ser mantida a decisão que defere o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para que o Estado de Minas Gerais sane as irregularidades existentes, abstenha-se de transferir presos de outras unidades da Federação sem prévia autorização do Juízo da Execução Penal local, bem como promova a transferência daqueles que se encontram nesta situação. 5. A impossibilidade de fixação de multa cominatória em face de entes estatais já foi afastada inclusive pelo Eg. STJ que decidiu pela possibilidade de fixação de astreintes contra o Poder Público em casos semelhantes, em prol da dignidade da pessoa humana (Vide AgRg no REsp Nº 950.725 - Relator. Min. Luiz Fux), devendo ocorrer, porém, limitação do seu valor, em observância ao princípio da proporcionalidade.  (TJMG -  Agravo de Instrumento-Cv  1.0637.15.000308-4/001, Relator(a): Des.(a) Afrânio Vilela , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 25/08/2015, publicação da súmula em 08/09/2015)

 


EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO - CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER - ABSTENÇÃO DA UTILIZAÇÃO DAS DEPENDÊNCIAS DO PRESÍDIO DE LAVRAS - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - TRANSFERÊNCIA DOS PRESOS - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DO PRESO - SEGURANÇA DA COLETIVIDADE - FIXAÇÃO DE MULTA PECUNIÁRIA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO - RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 
1. O Ministério Público detém legitimidade ativa para propor ação civil pública em que pretende a interdição de presídio com a consequente transferência de presos para outros estabelecimentos prisionais, por se cuidar não apenas de interesses individuais indisponíveis atinentes tanto à dignidade da pessoa humana bem como a interesses coletivos, no caso, a segurança da sociedade. 
2. Impõe-se manter a condenação do Estado de Minas Gerais em se abster de utilizar as dependências do Presídio de Lavras se o robusto acervo probatório produzido nos autos comprova a precariedade das instalações estruturais do prédio, as péssimas condições de higiene, a reiterada ocorrência de fugas e tráfico de drogas, situações que além de submeter os presos a situação desumana e degradante coloca em risco a sociedade instalada no entorno do local. 
3. Considerados o relevante valor social da demanda e a urgência no cumprimento da decisão, a fixação da multa diária em caso de descumprimento da sentença se deu com observância da proporcionalidade e da razoabilidade. 

REEXAME NECESSÁRIO-CV Nº 1.0382.07.071580-2/001 - COMARCA DE LAVRAS - REMETENTE.: JD 2 V CV COMARCA LAVRAS - AUTOR(ES)(A)S: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - RÉ(U)(S): ESTADO DE MINAS GERAIS  (TJMG -  Ap Cível/Reex Necessário  1.0382.07.071580-2/001, Relator(a): Des.(a) Edgard Penna Amorim , 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/01/2015, publicação da súmula em 09/02/2015)

 

Evidente que a concessão do pedido liminar visa à tutela do direito da própria coletividade, diante do iminente risco de contaminação dos lençóis freáticos, ante a contaminação do solo, nas imediações da Penitenciária, em razão do lançamento do efluentes a céu aberto.

Repise-se que, buscando a preservação de direitos de tal monta, possível a atuação do Poder Judiciário buscando resguardar o processo democrático.

O eminente Ministro e Professor Luís Roberto Barroso, em suas obras doutrinárias, se posicionou:

"O papel do Judiciário e, especialmente, das Cortes Constitucionais e Supremos Tribunais deve ser resguardar o processo democrático e promover os valores constitucionais, superando o déficit de legitimidade dos demais Poderes, quando seja o caso;" (in Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 1 ed. 2009. Saraiva. p. 317).

 

No mesmo sentido, em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal decidiu "ser possível ao Judiciário, em situações excepcionais, determinar ao Poder Executivo a implementação de políticas públicas para garantir direitos constitucionalmente assegurados, sem que isso implique ofensa ao princípio da separação dos Poderes" (AI 692541 AgR, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, j. 25/08/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-187 DIVULG 18-09-2015 PUBLIC 21-09-2015).

Diante do exposto, presente a probabilidade do direito e o perigo de dano, ao menos em sede de cognição sumária, DEFIRO o pedido liminar para determinar ao réu, no prazo de 120 (cento e vinte dias): a) a adoção de medidas necessárias para redução do contingente carcerário presente na Penitenciária do Município de Três Corações, reduzindo o número de presos do estabelecimento prisional para patamar aceitável, constante do projeto originário, com a consequente diminuição da população carcerária para o máximo estimado em ferido projeto, que era de 500 (quinhentos) presos; b) adoção de medidas necessárias para a reparação do sistema de tratamento de esgoto sanitário da Penitenciária do Município de Três Corações, dando a destinação adequada aos efluentes sanitários respectivos, mediante o cumprimento das exigências legais e de todas as condicionantes fixadas pelo órgão ambiental competente; c) interrupção do lançamento de efluentes sanitários, sem tratamento prévio, no solo e nos cursos d’água; tudo sob pena de multa diária no valor de R$ 5.000,00 limitada a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), a ser revertida para o FUNDIF.

2- Designo audiência de conciliação para o dia ______/______/_____, às __________ horas, a ser realizada na Central de Conciliação.

3- Cite-se e intime-se o réu.

O prazo para contestação (de quinze dias úteis) será contado a partir da realização da audiência. A ausência de contestação implicará revelia e presunção de veracidade da matéria fática apresentada na petição inicial. Fiquem as partes cientes de que o comparecimento na audiência é obrigatório (pessoalmente ou por intermédio de representante, por meio de procuração específica, com outorga de poderes para negociar e transigir). A ausência injustificada é considerada ato atentatório à dignidade da justiça, sendo sancionada com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa. As partes devem estar acompanhadas de seus advogados.

4- Decorrido o prazo para contestação, intime-se a parte autora para que no prazo de quinze dias úteis apresente manifestação (oportunidade em que: I – havendo revelia, deverá informar se quer produzir outras provas ou se deseja o julgamento antecipado; II – havendo contestação, deverá se manifestar em réplica, inclusive com contrariedade e apre­sentação de provas relacionadas a eventuais questões incidentais; III – em sendo formulada reconvenção com a contes­tação ou no seu prazo, deverá a parte autora apresentar resposta à reconvenção).

5- Após, manifestem-se as partes quanto às questões previstas no art. 357 do NCPC (fatos controversos, provas que pretendem produzir, distribuição do ônus da prova, etc.), haja vista que nos termos dos artigos 9º e 10 do mesmo Diploma Legal, possuem o direito de influenciar a decisão judicial. Prazo: 10 dias.

6. Por fim, venham os autos conclusos para saneamento e organização do processo ou julgamento antecipado.

Cite-se. Intimem-se.

Cumpra-se.

Três Corações, 05 de abril de 2016.

 

Patrícia Vieira Cellis Arraes

Juíza de Direito Substituta

 

TERMO DE RECEBIMENTO

Nesta data, ________________________, recebi estes autos em Secretaria. Eu, ______________________,  o subscrevo.

 

CERTIDÃO

CERTIFICO que o despacho retro foi disponibilizado no DJE do dia _________________e considerado publicado em ___________________ (§3º, art. 4º, L. 11.419/06) para ciência e intimação das partes. O referido é verdade e dou fé. Três Corações, _______________________. Eu, ________________