Processo nº 0024.12.300.536-5

Autor: Valéria Rosa dos Santos

Réu: Santa Rita Transportes Urbanos e Rodoviários Ltda e outros

Ação de indenização

 

 

 

 

 

SENTENÇA

I – RELATÓRIO



Trata-se de ação indenizatória proposta por Valéria Rosa dos Santos em face de Santa Rita Transportes Urbanos e Rodoviários Ltda (SARITUR), ambas qualificadas nos autos, pela qual aduziu a autora, que, em 02.10.2011, viajava como passageira em um ônibus de propriedade da ré, quanto este, repentinamente, envolveu-se em um acidente.

Relatou, que em decorrência do referido acidente sofreu diversas lesões graves, vindo, inclusive, a ter seu membro superior esquerdo instantaneamente amputado.



Sustentou que não se adaptou com a prótese nacional, fornecida pela previdência social e que não tem como custear a aquisição de outra importada, que é mais leve e não prejudica a cicatrização do coto.

Diante disso, requereu a condenação da requerida ao pagamento de indenização por danos materiais, morais e estéticos, que aduziu sofridos, bem como seja, ainda, compelida a custear a aquisição de uma prótese importada, nos termos da recomendação da equipe fisioterapeuta, responsável pelo seu tratamento. Rogou pelos benefícios de gratuidade de justiça.



A inicial (f. 02/07) veio acompanhada de procuração e outros documentos (f. 08/64).



Decisão deferindo o pedido de justiça gratuita (f. 65).



Citada, a ré apresentou contestação (f. 69/84) promovendo, de início, a denunciação da lide em desfavor da Ace Seguradora, com a qual, sustentou, que possuía contrato de seguro relativo ao veículo envolvido no acidente. No mérito, alegou, em resumo: que a culpa do condutor do veículo não restou devidamente demonstrada; que o Boletim de Ocorrência colacionado pela autora constitui prova unilateral; que o acidente narrado ocorreu logo após o motorista do ônibus de sua propriedade se desviar de um terceiro veículo, tratando-se a hipótese em análise de culpa exclusiva de terceiro; ausência de comprovação do dano material; inexistência de prescrição médica que autorize a prótese requerida; impossibilidade de cumulação dos danos morais e estéticos arguidos. Por fim, pleiteou pela improcedência dos pedidos autorais.



Impugnação à contestação, f. 104/111.



O pedido de denunciação da lide foi acolhido, conforme decisão de f. 129.

Citada, a denunciada ACE Seguradora S/A apresentou contestação às f. 136/147, na qual aduziu, em relação à lide principal: ausência de prova de culpa, pelo acidente, do veículo segurado; culpa exclusiva de terceiro. Pediu pela improcedência da demanda. No que concerne à lide secundária, aceitou a denunciação promovida, pugnando pela condenação dentro do limite de responsabilidade contratado.

Impugnação apresentada pela autora à contestação da ré/denunciada (f. 189/190).



Em sede de especificação de provas a produzir, ambas as rés - denunciante e denunciada – requereram a produção de prova oral, sendo que a ré/denunciante pugnou, ainda, pela realização de perícia médica (f. 191, 193 e 196).



Indeferimento das provas requeridas, através das decisões de f. 197 e 209, as quais foram mantidas em grau de recurso, conforme o v. acordão juntado à f. 256/258.

Autos conclusos para sentença.

 

É o relatório, em síntese.



II – DA FUNDAMENTAÇÃO

DO MÉRITO



À falta de preliminares processuais a se apreciar, passa-se ao exame do mérito.

Trata-se de ação ordinária proposta por Valéria Rosa dos Santos, pela qual pretende seja a empresa Santa Rita Transportes Urbanos e Rodoviários Ltda (SARITUR) condenada ao pagamento de indenização pelos danos materiais, morais e estéticos, que aduziu ter sofrido em razão de acidente ocorrido dentro do ônibus de propriedade da ré.

A referida ré promoveu a denunciação da lide em desfavor de Ace Seguradora, instaurando contra esta a lide secundária, que será oportunamente analisada nesta decisão.

No que se refere à lide principal, cinge-se a controvérsia à aferição do direito da autora à reparação pelos danos decorrentes de um acidente envolvendo um ônibus de propriedade da parte ré, que aduziu sofridos, na qualidade de passageira e usuária do serviço público de transporte.

A Ré/denunciante é empresa de transporte que possui responsabilidade objetiva por se tratar de pessoa jurídica prestadora de serviço público – art. 21, XII, 'e' c/c art. 37, §6º da CF/88 e, também, por se enquadrar no conceito de fornecedor previsto na Lei nº. 8.078/90, art. 3º e art. 14.

O transporte de passageiros é um contrato gravado com cláusula de incolumidade, ou seja, o transportador responsabiliza-se em levar o passageiro ao destino contratado de forma incólume, sem qualquer dano.

Nos termos do art. 734 do Código Civil, esta responsabilidade é objetiva, o que quer dizer, que não se investiga a culpa pelo acidente, bastando comprovar o nexo de causalidade entre o evento e os danos.

In casu, ambas as rés (denunciante e denunciada) sustentaram a inexistência da responsabilidade, que lhes foi atribuída pelo autor, sob o argumento de que houve culpa exclusiva de terceiro.

Entretanto, quanto a existência de culpa de terceiro, já é ponto pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, a não elisão de responsabilidade do transportador por acidente envolvendo o seu passageiro, nos termos da Súmula Nº 187.

Súmula 187, STF: A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.

Em análise ao conjunto probatório dos autos, restou comprovado pelo Boletim de Ocorrência de f. 12/37 - lavrado no local por autoridade policial, bem como pelos relatórios médicos juntados às f. 38/53, a ocorrência do acidente no dia 02.10.2011 envolvendo o ônibus da ré/denunciante, e que em decorrência deste a autora sofreu diversas lesões de natureza grave (f. 38/40), vindo, inclusive a suportar amputação do membro superior esquerdo.

Provada, portanto, a existência da conduta, do dano e o nexo causal, a responsabilidade da ré principal é objetiva, nos termos do artigo 37, §6º, da Constituição da República de 1988.

Nestes termos, passa-se à análise dos danos reclamados.



DO DANO MATERIAL

 

Os danos materiais são os que atingem diretamente o patrimônio das pessoas físicas ou jurídicas.

 

Eventuais prejuízos materiais devem ter a sua ocorrência devidamente comprovada para ensejar o dever de indenizar. Tratando-se de indenização por danos materiais, o prejuízo deve ser certo para propiciar ressarcimento, uma vez que o dano hipotético não justifica o pedido indenizatório.

 

A parte requerente pleiteia o ressarcimento de todas as despesas decorrentes do acidente, o que inclui os valores despendidos a título de transporte às clínicas médicas (f. 61 e 64), aquisição de novos óculos de grau em substituição àqueles que sustentou haverem extraviados na ocasião do acidente (f. 64), cópias xérox (f. 62/63), serviços médicos (f. 60), além da quantia paga em processo de habilitação para direção veicular, que teria sido interrompido devido às consequências do sinistro.

 

Em análise detida das provas dos autos, tenho que a autora se desincumbiu apenas parcialmente do seu ônus de comprovar os danos materiais arguidos.

 

Nesse aspecto, merece acolhida a pretensão inicial em relação às despesas efetuadas pela autora com autoescola, posto que devidamente comprovado o nexo de causalidade entre a ocorrência do acidente e a interrupção do processo de habilitação para direção veicular, conforme recibos de f. 56/57, comprovantes de aprovação em exames realizados à f. 58 e declaração do Centro de Formação de Condutores juntada à f. 59.

 

Também merece prosperar a pretensão de ressarcimento de valores despendidos pela autora com o serviços médicos/ambulatoriais, demonstrados através da nota fiscal eletrônica juntada à f. 60.

 

Além da comprovação dos gastos, nos moldes acima aludidos, registro, ainda, que a ré não refutou tais provas de modo contundente, isto é, apresentando fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito autoral, consoante dispõe o art. 373, II, do CPC.

 

O mesmo, entretanto, não se pode concluir em relação aos danos materiais atinentes aos custos efetuados com transportes de táxi e pagamento de estacionamento rotativo, e extração de cópias xérox, vez que a demandante não demonstrou em sua narrativa a existência de nexo causal entre eles e o acidente, do qual foi vítima. Ressalta-se, quanto a isso, que os recibos juntados também não expressam, por si só, tal correlação.

 

O aduzido extravio dos óculos da autora no momento do acidente é fato, que igualmente não restou comprovado nos autos, motivo pelo qual não deve ser acolhido o pedido de ressarcimento do valor gasto com a compra outros para substituição.

 

Diante de tais considerações, impõe-se o ressarcimento a título de danos materiais sofridos pela demandante apenas os custos por ela efetuados com os serviços médicos/ambulatoriais, demonstrados através da nota fiscal eletrônica juntada à f. 60, e com o processo de habilitação para direção veicular, nos valores dos recibos de f. 56/57. Sobre tais importâncias deverão incidir correção monetária com base nos índices da CGJ do TJMG, a partir do efetivo desembolso, e juros de mora de 1%, a contar da citação.

DO DANO MORAL

No caso em tela, vislumbro estar nítida a ocorrência do dano moral, que se consubstancia não só na gravidade do acidente ocorrido, como também, no próprio trauma sofrido e suas consequências, entre elas a amputação de membro.

É mister sobrelevar, nessa perspectiva, que o quantum debeatur na indenização por danos morais é pautado, precipuamente, pelos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, sem se descurar de sopesar a tríplice funcionalidade do instituto, vale dizer, pedagógica, punitiva e compensatória. Ressalta-se, igualmente, que deve guardar perfeita correspondência com a gravidade objetiva do fato e de seu efeito lesivo, bem como com as condições sociais e econômicas da vítima.

In casu, são intuitivos e evidentes o abalo psíquico, o sofrimento, a dor e a tristeza de uma mulher, que sofre lesões graves em acidente de trânsito, e é submetida a cirurgia grave, submetendo-se a tratamento médico extenso e doloroso – f. 38/50 e 52, passando a ser portadora de deficiência física limitante.

Destarte, em observância ao conjunto probatório dos autos, aos princípios supra, à jurisprudência, bem como às funcionalidades que balizam sua aplicabilidade, fixo em R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) a indenização a título de danos morais.

DO DANO ESTÉTICO

A possibilidade de cumulação das indenizações por dano estético e dano moral já está pacificada com a edição da Súmula nº. 387 do STJ; os danos morais visam indenizar infortúnio e sofrimento distinto da indenização que se busca pelos danos estéticos; estes visam à reparação e compensação pelo sofrimento e convivência permanente com a deformidade, o aleijão, e a com a própria imagem que lhe provoca inúmeros sentimentos negativos e de profundo sofrimento.

No caso em análise, o dano estético também está caracterizado, pois as lesões sofridas pela autora são ostensivas, evidentes e com sequelas permanentes, causando constrangimento inquestionável, em virtude da ausência do braço esquerdo (f. 38/51 e 53/55).

Desse modo, mostra-se adequada e justa a fixação do valor da indenização devida pela parte requerida à parte requerente, a título de danos estéticos, em R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).

DO CUSTEIO DA PRÓTESE IMPORTADA

Em relação ao pedido de fornecimento de prótese de membro superior esquerdo formulado pela autora, entendo que sendo a ré/denunciante a responsável pelos danos decorrentes do acidente, deverá, também, responsabilizar-se por tal custo (assim como a ré/denunciada, nos limites da apólice firmada), especialmente diante do documento de f. 117, que comprova a dificuldade de adaptação da demandante à prótese fornecida pelo SUS.

Sem razão a demandante, contudo, quanto à exigência que o material a ser fornecido seja de natureza estrangeira (importado), haja vista não haver elementos nos autos que demonstrem a superioridade destas em relação a outra eventualmente produzida neste país.

Desse modo, observados os termos da respectiva prescrição médica, deverá a demandada custear o fornecimento de prótese que melhor atenda às necessidades e adaptação da demandante - seja o equipamento nacional ou importado – devendo arcar, ainda com todas as despesas médicas, laboratoriais e de protético que se fizerem necessárias até que o referido equipamento esteja devidamente instalado na paciente e em perfeito funcionamento.

A indicação da prótese mais adequada à autora será aferida em fase de liquidação de sentença, conforme anteriormente decidido nos autos (f. 209) e mantido em sede recursal (f. 257v.).

DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE

Em relação ao pedido de denunciação da lide realizado pela ré, revela-se cabível, pois restou incontroversa, diante da concordância da denunciada, a obrigação desta em arcar com pagamento de seguro por danos, nos limites dos valores contratados, conforme disposto nas Condições Gerais e Certificado do Seguro.

A responsabilidade da seguradora pelo pagamento da condenação é solidária com a ré, denunciante, observando-se os limites dos valores contratados. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça cristalizou-se, no Recurso Especial Repetitivo nº 925.130/SP, de que foi relator o Ministro Luis Felipe Salomão (DJe de 20/04/2012), no sentido de que na “ação de reparação de danos movida em face do segurado, a Seguradora denunciada pode ser condenada direta e solidariamente junto com este a pagar a indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice.”

Em relação aos ônus sucumbenciais da lide secundária, vale ressaltar o fato de que a denunciação da lide não era obrigatória. Embora o inciso III do artigo 70 do CPC/73, aplicável ao caso por ser fato consumado na vigência da lei anterior, dispunha da obrigatoriedade da denunciação da lide, o entendimento jurisprudencial e doutrinário é de que o inciso III não se reveste de obrigatoriedade, uma vez que a ausência da denunciação não importa na perda do direito de regresso.

Outrossim, registre-se que este entendimento foi sedimentado pelo Novo Código de Processo Civil que, ao dispor sobre a denunciação da lide em seu art. 125 e parágrafos, retirou o caráter obrigatório da denunciação da lide, corroborando com a situação aqui demonstrada.

Assim, diante da ausência de pretensão resistida da seguradora, bem como pelo fato de a denunciação da lide ser facultativa, havendo a ré/denunciante se antecipado e instaurado a lide secundária sem a solução da principal, deverá esta arcar com os encargos sucumbenciais, porquanto ajuizou a ação incidental, por ato voluntário, visto que não teria nenhum prejuízo em aguardar o trânsito em julgado da lide proposta contra ela para, se fosse o caso, promover a ação regressiva contra o terceiro.

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido principal, e PROCEDENTE o pedido de denunciação da lide resolvendo-se, assim, o mérito, em conformidade com o disposto no art. 487, I do Novo Código de Processo Civil para:



A) CONDENAR as rés, solidariamente, Santa Rita Transportes Urbanos e Rodoviários Ltda e ACE Seguradora S/A (denunciante e denunciada), sendo certo que a ré/denunciada deverá responder apenas quanto aos valores que estejam dentro dos limites contratados na apólice de seguros, ao ressarcimento a título de danos materiais sofridos pela demandante dos custos por ela efetuados com os serviços médicos/ambulatoriais, demonstrados através da nota fiscal eletrônica juntada à f. 60, e com o processo de habilitação para direção veicular, nos valores dos recibos de f. 56/57. Sobre tais importâncias deverão incidir correção monetária com base nos índices da CGJ do TJMG, a partir do efetivo desembolso, e juros de mora de 1%, a contar da citação.



B) CONDENAR as rés, solidariamente, Santa Rita Transportes Urbanos e Rodoviários Ltda e ACE Seguradora S/A (denunciante e denunciada), sendo certo que a ré/denunciada deverá responder apenas quanto aos valores que estejam dentro dos limites contratados na apólice de seguros, a indenizarem a autora, a título de danos morais, ao pagamento da quantia de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), corrigida monetariamente pelos índices da Corregedoria-Geral de Justiça e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, tudo a contar do arbitramento;



C) CONDENAR as rés, solidariamente, Santa Rita Transportes Urbanos e Rodoviários Ltda e ACE Seguradora S/A (denunciante e denunciada), sendo certo que a ré/denunciada deverá responder apenas quanto aos valores que estejam dentro dos limites contratados na apólice de seguros, a indenizarem a autora, a título de danos estéticos, ao pagamento da quantia de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), corrigida monetariamente pelos índices da Corregedoria-Geral de Justiça e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, tudo a contar do arbitramento;



D) CONDENAR as rés, solidariamente, Santa Rita Transportes Urbanos e Rodoviários Ltda e ACE Seguradora S/A (denunciante e denunciada), sendo certo que a ré/denunciada deverá responder apenas quanto aos valores que estejam dentro dos limites contratados na apólice de seguros, a indenizarem a autora com o custeio de prótese que melhor atenda às necessidades e adaptação desta – seja o equipamento nacional ou importado – devendo arcar, ainda com todas as despesas médicas, laboratoriais e de protético que se fizerem necessárias até que o referido equipamento esteja devidamente instalado na paciente e em perfeito funcionamento. A indicação da prótese mais adequada à autora será aferida em fase de liquidação de sentença, conforme anteriormente decidido nos autos (f. 209) e mantido em sede recursal (f. 257v.).



Diante da sucumbência, condeno as rés a arcarem, solidariamente, ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios, que fixo em R$2.000,00 (dois mil reais) atenta ao disposto no art. 85, §§ 2º e 8º, do Novo Código de Processo Civil.



Em relação à lide secundária – denunciação da ACE Seguradora S/A, diante do princípio da causalidade, condeno a ré/denunciante a arcar com as custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$800,00 (oitocentos reais), atenta ao disposto no art. 85, §§ 2º e 8º, do Novo Código de Processo Civil.



Belo Horizonte, 27 de novembro de 2018.





Juliana Beretta Kirche Ferreira Pinto

Juíza de Direito (em cooperação)