Juízo da 4ª Vara Criminal de Belo Horizonte/MG

Proc. Nº:0024 17 017 338 9

Autor: Órgão de Execução do Ministério Público de Minas Gerais.

Réu: Diego Aloísio da Silva Mendes

Espécie: Art. 250, §1°, II, “b”, c/c art. 14, II, ambos do CPB.

 

 

 

 

 

S E N T E N Ç A.

 

 

 

Vistos etc.

 

 

O órgão de execução do Ministério Público de Minas Gerais ofereceu denúncia crime contra:

 

Diego Aloísio da Silva Mendes, brasileiro, natural de Belo Horizonte/MG, nascido aos 27/08/1990, filho de Geraldo Aloísio Mendes e Roselene Marques da Silva, residente na Rua Tabatinga, n° 508, Bairro João Pinheiro, como incurso nas penas dos art. 250, §1°, II, “b”, c/c art. 14, II, ambos do CPB

 

Narra a denúncia que, no dia 20 de janeiro de 2017, por volta das 12h30min, o denunciado, agindo livre, voluntária e conscientemente, tentou causar incêndio em um edifício público (centro de saúde João Pinheiro, situado na Rua Frei Luiz de Souza, nº 292, no bairro João Pinheiro, nesta Capital) e, com o incêndio expor a perigo patrimônio público ali existente, a vida e a integridade física das pessoas que ali se encontravam (cidadão e funcionários) e o patrimônio particular de tais pessoas (pertences privados que referidos pessoas eventualmente portavam na ocasião), somente não se consumando o delito por circunstâncias alheias à vontade do denunciado, uma vez que o início de incêndio provocado pelo acusado foi debelado a tempo.

 

Denúncia às f. 01d/02d.

 

Portaria à f. 02.

 

Boletim de Ocorrência às f. 03/04.

 

Auto de Reconhecimento à f. 09.

 

Laudo de f. 19/24.

 

Certidão de Antecedentes Criminais do acusado à f. 31.

 

Denúncia recebida à f. 34, em 29 de maio de 2017.

 

Resposta à acusação à f. 37.

 

Durante a instrução, termos de f. 56/59, foram ouvidas duas testemunhas arroladas na defesa e na acusação. Ao final, o réu foi interrogado.

 

Em alegações finais de f. 63/64, a i. Representante do Ministério Público requereu a condenação do acusado nos exatos termos da denúncia.

 

A defesa, por sua vez, em sede de alegações finais de f. 79/83, requereu a absolvição do acusado pelo crime a ele imputado em face da ausência de materialidade. Subsidiariamente, requereu a fixação da pena-base no mínimo legal e o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea prevista no art. 65, III, “d”, do CPB. Por fim, pleiteou o reconhecimento da tentativa, diminuindo a pena em seu patamar máximo.

 

Eis o relatório. Passo a decidir.

 

Não ocorreu, no presente caso, a prescrição da pretensão punitiva. Não existem preliminares a serem decididas, tampouco nulidades a serem declaradas.

 

Trata-se de ação penal pública incondicionada movida pelo órgão de execução do Ministério Público contra o acusado, imputando-lhe a prática das condutas tipificadas nos art. 250, §1°, II, “b”, c/c art. 14, II, ambos do CPB.

 

A materialidade dos fatos narrados na peça acusatória restou devidamente comprovada nos autos, conforme se extrai da Portaria, Boletim de Ocorrência, Laudo Pericial, bem como da confissão do acusado e da prova testemunhal, que demonstram, de maneira uníssona e coerente, a ocorrência do crime.

 

Da mesma forma, a autoria do crime delineado na denúncia restou incontroversa.

 

O acusado, interrogado em juízo, confessou a prática do delito narrado na denúncia. Senão vejamos:

 

são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; colocou fogo no posto de saúde porque o pessoal que poderia fazer o seu atendimento estava conversando fiado e mexendo no celular; pegou a gasolina que tinha em casa e derramou no posto tendo colocado fogo em seguida; depois que ateou fogo saiu do local; foi embora para casa. Dada a Palavra ao Órgão de Execução do Ministério Público, depois que ateou fogo, não foi procurar atendimento médico. Dada a Palavra ao Defensor Público, nada foi perguntado. E, para constar, lavrei e assinei o presente documento. NADA MAIS..(Interrogatório do acusado, f. 63). (Grifamos)

 

De se ver, a confissão levada a cabo pelo acusado encontra-se amparada pelas demais provas que a corrobore.

 

Nesse mesmo sentido, a testemunha Maria Rosa Alves, robustecendo o arcabouço probatório, reconheceu o acusado e confirmou o inteiro teor das suas declarações prestadas extrajudicialmente. É o que se extrai:

 

pode reconhecer o acusado, esclarecendo “que as pessoas mudam”, que o acusado estava de boné mas que a fisionomia dele não é estranha; trabalhava no Centro de Saúde João Pinheiro; pediu para ser transferida de lá depois do fato noticiado na denúncia; facultada a Leitura ao depoimento prestado por ocasião do APFD de fls.18/18v disse que o confirmava. Dada a Palavra ao Defensor Público, às suas perguntas respondeu: nada foi perguntado. E, para constar, lavrei e assinei o presente termo. NADA MAIS. (Depoimento da testemunha Maria Rosa Alves, f. 57). (Grifo nosso)

 

Outrossim, a testemunha Moisés Freitas Pereira, apesar de não reconhecer o acusado, devido ao extenso lapso temporal transcorrido entre a data do fato e a sua oitiva, confirmou o histórico do Boletim de Ocorrência de f. 03/04. É o que extraí:

 

não pode reconhecer o acusado; facultada a leitura ao histórico do Boletim de Ocorrências de fls.03/04 disse que o confirmava. Dada a Palavra ao Defensor Público, às suas perguntas respondeu: nada foi perguntado. E, para constar, lavrei e assinei o presente termo. NADA MAIS. Belo Horizonte (Depoimento da testemunha Moisés Freitas Pereira, f. 57). (Grifo nosso)

 

Ainda, robustecendo mais o conjunto probatório, está o Boletim de Ocorrência de f. 03/07, confirmado em juízo, que corrobora inteiramente os fatos narrados na denúncia, comprovando a ocorrência do crime de incêndio delineado na peça acusatória e os danos por ele provocados.

 

Veja-se que a prova testemunhal produzida em juízo confirma o Histórico do Boletim de Ocorrência, sendo certo que este narrou o incêndio com clareza e riqueza de detalhes, destacando o acusado ao ser informado que não poderia ser atendido no centro de saúde e que deveria procurar uma UPA, deixou o local, mas retornou poucos minutos depois com um galão de gasolina e um caixa de fósforos, exigindo ser atendido naquele momento. Como a exigência não foi atendida, o acusado derramou a gasolina no balcão, daquele posto de saúde e ateou fogo.

 

Acrescente-se que o Laudo de f. 19/24 confirmou que teve início de um incêndio, desencadeado através de uma ação proposital, com o lançamento de um líquido inflamável e uso de uma fonte ígnea qualquer.

 

Portanto, ao contrário do que salientado pela defesa, restaram devidamente comprovadas nos autos a materialidade e autoria do crime de incêndio delineado na peça acusatória, importando ressaltar que ele se deu em um edifício público, conforme se extrai da confissão do acusado, das provas documentais e das declarações das testemunhas, motivo pelo qual, a despeito do que sustentado pela defesa, não há que se falar em absolvição por insuficiência probatória, sendo o decreto condenatório medida que se impõe.

 

Desse modo, a conduta do acusado que consistiu em causar incêndio, expondo a perigo o patrimônio de outrem, em um edifício público, amolda-se perfeitamente àquela tipificada no art. 250, caput, com a incidência da causa de aumento prevista no art. §1º, II, “b”, do CPB, razão pela qual também não merece acolhida o pedido absolutório.

 

Ainda, cabe salientar que o perigo provocado pela conduta do réu é patente, já que a situação demonstrada colocou em risco a incolumidade pública, além de ter efetivamente causado danos ao patrimônio do Estado, conforme demonstrado no conjunto probatório.

 

Portanto, em face dos elementos probatórios colhidos nos autos tem-se que a conduta do acusado se amolda perfeitamente ao tipo legal previsto no art. 250, §1º, II, “b”, do CPB, vez que causou incêndio em um edifício público.

 

Nesse sentido, destaca-se que o delito restou consumado, sendo certo que o agente logrou êxito em iniciar o incêndio, sendo certo que este só não gerou mais danos, face a rápida ação dos funcionários do estabelecimento que conseguiram conter rapidamente o fogo. Senão vejamos:


EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE INCÊNDIO - ART. 250, §1º, II, 'B' e 'F' DO CP - PRELIMINARES - NULIDADE POR AUSÊNCIA DE ASSINATURA NA DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - IMPERTINENCIA - NULIDADE POR AUSÊNCIA DE ALEGAÇÕES FINAIS - NÃO CABIMENTO - MÉRITO - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - DOLO CONFIGURADO - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - RECONHECIMENTO DA TENTATIVA - IMPOSSIBILIDADE - CONDENAÇÃO MANTIDA - REDUÇÃO DA PENA APLICADA - NECESSIDADE - INÍCIO IMEDIATO DA EXECUÇÃO DA PENA DIANTE DA CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA PELO ÓRGÃO COLEGIADO - POSSIBILIDADE - DESNECESSIDADE DE TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO - DECISÃO DO STF PELO JULGAMENTO DO ARE 964246. 
- O primeiro ato judicial superveniente ao oferecimento da denúncia confirma o recebimento da mesma, tratando-se a ausência de assinatura de mera irregularidade processual, mesmo porque o referido recebimento pode ocorrer de forma tácita. - Se a Defesa foi intimada para apresentar alegações finais e, ainda assim, optou por, tão somente, suscitar questões preliminares arguindo nulidades, não há que se falar em qualquer desrespeito ao devido processo legal, eis que se configura como mera faculdade do profissional de Direito, que, em momento algum, se encontra vinculado a pleitos padronizados. - Restando comprovadas a autoria e a materialidade do delito, a condenação é medida que se impõe. 
- Sendo incontroverso que o incêndio foi intencional e acabou por gerar riscos à incolumidade pública, perigo concreto à vida, à integridade física e ao patrimônio de outrem, impossível se mostra o reconhecimento da atipicidade da conduta. 
- Não há que se falar na forma tentada do delito se o agente logrou êxito em causar o incêndio e, em razão disto, expor a perigo a vida, a integridade física e o patrimônio de outrem. - (...) (TJMG -  Apelação Criminal  1.0040.05.036753-7/001, Relator(a): Des.(a) Jaubert Carneiro Jaques , 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 19/09/2017, publicação da súmula em 29/09/2017)

 

Por fim, forçoso é o reconhecimento da incidência da atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do CPB, uma vez que o acusado confessou a autoria do delito narrado na exordial acusatória.

 

No entanto, ressalto que não pode ser a atenuante sopesada para reduzir a pena base aquém do mínimo legal, atento ao que estabelece a Súmula nº 231 do STJ.

 

Assim, sem mais delongas, devem prevalecer as teses invocadas nas alegações finais do Ministério Público, haja vista que o decreto condenatório, in casu, em cotejo com as provas trazidas para os autos, é medida que se impõe.

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A DENÚNCIA para CONDENAR o réu DIEGO ALOÍSIO DA SILVA MENDES, qualificado ao início desta, como incurso nas sanções previstas no art. 250, §1°, II, “b”, do CPB, a quem, em consequência, passo a aplicar a respectiva pena.

 

A conduta do réu é censurável, porque ele agiu dolosamente. Observa-se que, se por um lado, o dolo não integra a culpabilidade, faz-se necessária uma consideração sobre ela, para se aferir sua intensidade e o grau de reprovabilidade da conduta do réu, cuja culpabilidade decorre do fato de que ele é imputável, tanto que foi processado e não se trouxe aos autos nenhum elemento de prova em sentido contrário; daí sua condenação; ele tinha a potencial consciência da ilicitude de sua conduta, pois trata-se de pessoa esclarecida sobre a convivência social e a necessidade de se preservar a incolumidade pública.

 

O acusado não possui maus antecedentes já que a certidão de f. 31 não noticia a existência de uma sentença condenatória com trânsito em julgado contra a sua pessoa antes dos fatos narrados na denúncia.

 

A conduta social não pode ser analisada minuciosamente, haja vista inexistirem nos autos dados suficientes, motivo pelo qual deve ser tida como boa.

 

A sua personalidade, também, à míngua de dados suficientes, não pode ser analisada minuciosamente, e, em razão disso, não pode ser afirmada ruim.

 

O motivo do crime é a ele inerente.

 

As circunstâncias não ultrapassaram a esfera do próprio tipo.

 

O crime deixou consequências, vez que o edifício público foi danificado. No entanto, são consequências inerentes ao crime.

 

O comportamento da vítima em nada contribuiu para a conduta do réu.

 

Assim, consideradas as circunstâncias judiciais inteiramente favoráveis, em atendimento ao disposto no art. 59 do Código Penal e, ainda, ao que dispõe o verbete n1 43 da Súmula do egrégio TJMG, imponho ao réu a pena base de 03 (três) anos de reclusão e multa de 10 (dez) dias-multa, sendo que cada dia-multa equivale a 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo ao tempo do fato, atento às condições econômicas do acusado.

 

Presente a atenuante prevista no art. 65, III, já reconhecida alhures, deixo de reduzir a pena aquém do mínimo legal, nos termos da Súmula 231 do STJ.

 

Não existem, no presente caso, agravantes, circunstâncias gerais e especiais de redução de pena a serem cotejadas.

 

Considerando a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 250, §1º, II, “b”, do CPB, conforme reconhecido alhures, aumento a pena em 1/3 (um terço), CONCRETIZANDO-A em 04 (QUATRO) ANOS DE RECLUSÃO E MULTA DE 13 (TREZE) DIAS-MULTA, sendo que cada dia-multa equivale a 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo ao tempo do fato, atento às condições econômicas do acusado.

 

A pena deverá ser cumprida em regime ABERTO, desde o início, nos termos do art. 33, §3º, c/c art. 59, ambos do CPB.

 

Deixo de substituir a pena imposta ao acusado, em face do que dispõe o art. 44, III, do CPB, vez que tal benefício, in casu, em face do quantum da pena, em razão do que também deixo de conceder o sursis, atento ao disposto no art. 77, III, do CPB.

 

Deixo de decretar a prisão preventiva do acusado, por não vislumbrar os seus requisitos, na forma do art. 312 do CPP.

 

Deixo de fixar a reparação mínima de danos, nos termos do art. 387, IV, do CPP, por não haver nos autos dados que permitam a mensuração do seu quantum.

 

Intimem-se, pessoalmente, o MP, o réu e a Defensoria Pública.

 

Do mesmo modo, intime-se a vítima, em observância ao disposto no art. 201, §2º, do CPP.

 

Com o trânsito em julgado, lance-se o nome do acusado no rol dos culpados.

 

Ainda após o trânsito em julgado, oficie-se ao TRE-MG, para os fins previstos no artigo 15, III, da Constituição da República e comunique-se esta decisão à DD Autoridade Policial.

 

Conforme o disposto no artigo 10, II, da Lei Estadual nº 14.939/03, isento o acusado das custas processuais.

 

Publicar. Registrar. Intimar.

Belo Horizonte, 27 de novembro de 2018.

 

 

 

Milton Lívio Lemos Salles

Juiz de Direito da 4º Vara Criminal

Comarca de Belo Horizonte/MG.