COMARCA DE BELO HORIZONTE-MG

JUÍZO SUMARIANTE DO II TRIBUNAL DO JÚRI

 

Processo nº 0024.16.091.114-5

II Tribunal do Júri – Sumariante

Réu: GUSTAVO HENRIQUE BELLO CORREA

 

ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA

 

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, no uso de suas atribuições legais, ofereceu denúncia contra GUSTAVO HENRIQUE BELLO CORREA, brasileiro, casado, empresário, nascido em 14/02/1977, filho de Maria Helena Bello Correa e Gustavo Henrique de Almeida Correa, residente na rua Cajaíba, nº 655, bairro Pompeia, São Paulo/SP, apontando-o como incurso nas sanções do art. 121, caput, do Código Penal.

 

Narra a exordial, que no dia 21 de maio de 2016, por volta das 14:00 horas, no interior do quarto nº 912, do Hotel Ceasar Business, situado na Av. Luiz Paulo Franco, nº 421, bairro Belvedere, nesta Capital, o denunciado, com vontade de matar, efetuou disparos de arma de fogo contra a vítima Rodrigo Augusto de Pádua, produzindo-lhe as lesões corporais descritas no relatório de necropsia de f. 111/127, que por sua natureza e sede, foram a causa eficiente da sua morte.

 

De acordo com o Ministério Público, a vítima era fã da apresentadora ANA HICKMANN, por quem nutria uma espécie de amor platônico”. Certa feita, incomodada com as insistentes mensagens enviadas por Rodrigo, por intermédio de mídias sociais, ANA decidiu bloqueá-lo, fato que o deixou revoltado, sentindo-se menosprezado, e decidiu “tirar satisfações” com a artista.

 

Sabedor de que a apresentadora viria a Belo Horizonte para participar de um evento de divulgação, Rodrigo deslocou-se para a Capital mineira e hospedou-se no Hotel Ceasar Business, onde toda a equipe da artista ficaria, inclusive GUSTAVO e sua esposa, GIOVANA ALVES DE OLIVEIRA.

 

Assevera a inicial, que no dia dos fatos, a vítima Rodrigo, munida de um revólver calibre 38, abordou, ameaçou e obrigou o réu GUSTAVO a conduzí-lo até o quarto onde estavam ANA HICKMANN e GIOVANA. Já no interior do aposento, a vítima ordenou a GUSTAVO, ANA e GIOVANA que se sentassem na cama, de costas para ele, passando a proferir insultos contra a apresentadora, com quem afirmava ter mantido um caso amoroso.

 

Em dado momento, ainda segundo o Ministério Público, ANA HICKMANN teve uma vertigem, vindo a tombar sobre os braços de GIOVANA. Tal fato, insuflou ainda mais os ânimos de Rodrigo, que efetuou um disparo em direção à apresentadora, que por erro na execução, veio a atingir GIOVANA, causando-lhe as lesões descritas no exame de corpo de delito de f. 204/206. De imediato, GUSTAVO entrou em luta corporal com a vítima, tentando desarmá-la, momento em que ANA HICKMANN e GIOVANA conseguiram fugir do quarto.

 

Consta da denúncia, que ocorreu intenso embate físico entre a vítima e o réu que durou, aproximadamente, 08 (oito) minutos. No decorrer da luta, GUSTAVO mordeu o braço esquerdo de Rodrigo, e em seguida, desferiu-lhe uma rasteira, jogando-o no chão, ocasião em que este último lesionou o supercílio direito.

 

Relata o parquet, que nessa ocasião, GUSTAVO apoderou-se da arma e desferiu 01 (um) disparo na nuca de Rodrigo e, mesmo após a vítima estar desfalecida no chão, impossibilitada de oferecer qualquer resistência, GUSTAVO prosseguiu na empreitada, desferindo outros 02 (dois) disparos em sua nuca, vindo a causar-lhe os ferimentos descritos no relatório de necropsia de f. 111/124, que foram a causa eficiente de sua morte.

 

Narra, por fim, o órgão ministerial, que através de anexo fotográfico de f. 118, verificou-se que a lesão descrita como “entrada 1”, possui área avermelhada peri-lesional sugestiva de sinal de WERKGAERTNER, ou seja, “desenho da boca do cano sobre a pele em tiros encostados”.

 

Foram juntados aos autos: APFD (f. 02/11); despacho não ratificador da prisão (f. 12/14); boletim de ocorrência (f. 15/25); exame de pesquisa toxicológica (f. 109); exame de necropsia (f. 111/127); laudo de reconhecimento e identificação do cadáver (f. 128/129); CAC’S e FAC’S da vítima (f. 130/131); comunicação de serviço com degravação de celular (f. 134/137); relatório circunstanciado de investigações (f. 140/171); laudo de pen-drive (f. 172/186); exame de lesão corporal do acusado (f. 182/185); exame de lesão corporal de GIOVANA ALVES DE OLIVEIRA (f. 203/205); laudo de eficiência e prestabilidade de armas e ou munição (f. 210/213); análise de DNA para comparação de amostras referentes ao local do crime (f. 214/218); laudo residuográfico (f. 219/220); análise químico-metalográfico e identificação veicular (f. 221/226); levantamento pericial de objeto – arma de fogo (f. 227/234); laudo de levantamento do local (f. 237/300); relatório final da Autoridade Policial sem indiciamento do acusado (f. 301/358) e CAC e FAC do réu (f. 362/363; f. 367/368); exame indireto de documentação médica de GIOVANA (f. 392/623) e resposta a quesitos postos pelas partes (f. 777/786).

 

A denúncia foi recebida em 08 de julho de 2016 (f. 364/365).

 

Deferimento de pedido de reprodução simulada formulado pela Defesa (f. 634).

 

GUSTAVO foi validamente citado (f. 723/724) e apresentou resposta à acusação (f. 683/721).

 

Manifestação do Ministério Público às f. 728/731.

 

Ratificação do recebimento da denúncia (f. 732/733) e designada audiência de instrução e julgamento (f. 762).

 

AIJ realizada em 20 de outubro de 2017, com a oitiva de 03 (três) informantes e 01 (uma) testemunha (f. 769/772, CD-R).

 

Redesignada AIJ para o dia 18 de dezembro de 2017, com a oitiva de 01 (um) informante, 01 (uma) testemunha e interrogatório do réu (f. 789/792, CD-R).

 

Devolvida precatória da Comarca de São João Nepomuceno, com oitiva da testemunha WAGNER LADEIRA CLAUDINO (f. 795/802).

 

Encerrada a instrução processual, o parquet, em alegações finais, pugnou pela pronúncia do réu (f. 803/815).

 

Da mesma forma, o Assistente de Acusação sustentou a pronúncia do acusado (f. 816).

 

Já a Defesa requereu sua absolvição sumária em virtude da excludente da legítima defesa (f. 817/861).

 

É o relatório. DECIDO.

 

A materialidade do crime encontra-se consubstanciada no relatório de necropsia (f. 111/127), onde consta que a causa mortis de Rodrigo Augusto de Pádua foi “traumatismo raquimedular (cervical) por ação pérfuro-contusa”.

 

Os indícios de autoria também estão presentes, o quanto bastam nessa fase sumariante.

 

Contudo, encerrada a instrução processual, entendo que o réu GUSTAVO agiu sob o amparo da excludente de ilicitude da legítima defesa. Fundamento:

 

É fato incontroverso que GUSTAVO disparou 03 (três) tiros em Rodrigo Augusto de Pádua, que provocaram a sua morte.

 

Da mesma forma, são fatos incontroversos, narrados inclusive pelo Ministério Público na denúncia, que GUSTAVO, ANA HICKMANN e GIOVANA estavam a trabalho nesta Capital; Que Rodrigo, fã da apresentadora ANA HICKMANN com quem acreditava ter um caso amoroso, se instalou no mesmo hotel em que ela se encontrava; Que Rodrigo adentrou o quarto da apresentadora com uma arma de fogo em punho; Que Rodrigo fez GUSTAVO, ANA HICKMANN e GIOVANA reféns por mais de 20 (vinte) minutos, enquanto apontava a arma e proferia ameaças contra os três; Que Rodrigo efetuou um disparo de arma de fogo na direção de ANA HICKMANN, que acabou atingindo GIOVANA, causando as lesões descritas no ECD de f. 203/205; Que GUSTAVO reagiu e entrou em luta corporal com Rodrigo e após cerca de 08 (oito) minutos de contenda, desferiu 03 (três) disparos, propelidos da própria arma de fogo que a própria vítima portava.

 

Portanto, a questão a ser analisada é: 1) se houve dolo de matar por parte do acusado GUSTAVO, que justificaria a pronúncia, encaminhando-se o processo ao plenário de julgamento; 2) se o reú agiu sob a excludente da legitima defesa; 3) ou ainda que tenha agido amparado pela legítima defesa, se houve ou não excesso.

 

GUSTAVO, em interrogatório, disse que: “...lutou pela sua vida e que só está presente nesse momento porque Rodrigo está morto...”.

 

Sem pretender transcrição literal do que foi dito, pois, trata-se de depoimento colhido em vídeo, o réu, sobre os fatos, resumidamente, relatou:

 

Que Rodrigo disse que iria fazer uma 'roleta russa' e puxou o gatilho, quando ANA desfaleceu e caiu, tremendo muito. Que Rodrigo então falou: 'acabou para você sua vadia' e atirou. Que nesse instante “pulou em cima” de Rodrigo e ocorreu outro tiro. Que posteriormente soube que esse outro tiro atingiu o ar condicionado. Que pulou com as duas mãos na arma e gritou para ANA e GIOVANA saírem do quarto. Que empurrou Rodrigo na parede e lhe pediu para parar. Que Rodrigo não soltava o gatilho e por isso deu uma mordida muito forte em seu braço. Que continuaram a se debater e conseguiu dar uma rasteira em Rodrigo e com a queda houve um corte bem profundo em sua cabeça. Que caiu meio atrás de Rodrigo que gritava 'ai minha cabeça, eu vou te matar', no que respondia pedindo que ele soltasse a arma. Que Rodrigo tentava lhe acertar e “contornou” a arma para atingí-lo. Que também segurava a arma e nesse momento deu os 03 (três) tiros. Que acreditava ter desferido 02 (dois) tiros apenas. Que Rodrigo desfaleceu. Que então pegou a arma, ainda sem acreditar no que estava acontecendo, e desceu descalço. Que ao chegar ensanguentado no hall do hotel, um segurança apareceu e jogou a arma em um saco plástico. Que em nenhum momento a luta corporal cessou, apenas depois dos tiros que efetuou. Que Rodrigo não soltou a arma após a mordida, nem após a queda que lhe feriu a cabeça. Que o dedo de Rodrigo estava a todo tempo no gatilho. Que se debateu com Rodrigo até os momentos dos disparos. Que Rodrigo era uma pessoa forte. Que em nenhum momento Rodrigo abaixou a arma (f. 789/792 – CD-R).

 

A única testemunha dos fatos, e que apenas ouviu o que ocorria no interior do quarto, foi JÚLIO CÉSAR FIGUEIREDO DA SILVA, cabeleireiro da apresentadora, que estava no corredor do hotel, do lado de fora do dormitório.

 

As demais oitivas (ANA HICKMAN e GIOVANA) somente esclareceram o que ocorreu até o momento em que foram efetuados os dois disparos por Rodrigo (e que são fatos incontroversos, sem necessidade de apreciação) e não o que aconteceu depois, entre autor e vítima, com resultado morte.

 

As duas informantes, ANA e GIOVANA sustentaram todo o relato de tensão e medo vivenciados antes do desenrolar dos acontecimentos.

 

Tais assertivas foram comprovadas pela degravação do áudio feito através do celular da testemunha JÚLIO, anexada às f. 134/137.

 

A testemunha JÚLIO, em AIJ, esclareceu o seguinte (também sem pretender a transcrição literal do que foi falado, uma vez que o depoimento foi gravado em vídeo):

 

Que chegou ao hotel e subiu para o quarto de ANA. Quando o elevador abriu, se deparou com GUSTAVO e um outro rapaz. Que escutou o rapaz que estava com GUSTAVO dizer: “Vamos lá”, conforme expressou. Que GUSTAVO estava à frente, seguido por Rodrigo. Que ficou atrás dos dois. Que ao chegarem em frente à porta do quarto, ANA a abriu. Que apenas Rodrigo e GUSTAVO entraram. Que Rodrigo empurrou a porta com o pé, fechando-a, e, por isso, não conseguiu entrar. Que ficou ouvindo o que eles estavam conversando, porque permaneceu esperando em frente ao quarto. Que num primeiro momento, achou que a vítima estava fazendo alguma cobrança referente a algum trabalho. Que ouviu ANA dizendo “Se você não quer matar ninguém, por que você está armado?”. Que a vítima começou a falar palavras de baixo calão. Que então resolveu gravar a conversa.

 

JÚLIO continuou relatando que percebeu a gravidade da situação, quando ouviu Rodrigo mandando as pessoas que estavam no quarto ficarem de costas. Que ouviu Rodrigo dizendo que não era bandido e que não iria matar ninguém, mas oscilava e se alterava muito. Que a vítima mandou ANA ficar calada, proferia palavrões, e ela começou a chorar. Que depois disso, percebeu um tom ameaçador por parte de Rodrigo. Que desceu até a recepção e alertou os funcionários acerca do que estava acontecendo. Que voltou para a porta do quarto e continuou ouvindo. Que nesse momento, Rodrigo já estava bem mais alterado e falando mais alto. Que após uns 05 (cinco) minutos de seu retorno ao local, ouviu 02 (dois) disparos. Que resolveu sair do corredor, até por medo, junto com um funcionário do hotel que havia chegado, quando ouviu ANA pedindo socorro. Que voltou e falou para ANA ir para as escadas. Que viu GIOVANA caída na porta do quarto e resolveu puxá-la para prestar socorro. Que ficou esperando o elevador e, nesse momento, ouviu mais disparos, que ocorreram de forma seguida “pá, pá”, conforme expressou.

 

Às perguntas desta Julgadora, JÚLIO esclareceu que antes da porta do quarto se abrir, ouviu 02 (dois) disparos. Que quando estava prestando socorro à GIOVANA e esperando o elevador, ouviu mais disparos. Que entre os primeiros 02 (dois) disparos (antes da porta se abrir e antes de prestar socorro à GIOVANA) e os outros 02 (dois) últimos disparos (depois que ANA já havia saído do quarto e o depoente estava socorrendo GIOVANA) passaram-se, aproximadamente, 04 (quatro) ou 05 (cinco) minutos. Que durante esse tempo continuou ouvindo barulho de luta corporal, como se um estivesse agredindo o outro. Que, com certeza, havia uma luta intensa entre os dois. Que eles ficaram lutando o tempo todo, sem pausas, sem qualquer momento de calmaria. Que em nenhum momento pareceu que um estava dominando o outro, pois parecia que havia uma luta ininterrupta. Que ocorreu um atracamento e de repente ouviu os disparos. Que “não teve esse negócio de parar não. Não teve. Estavam brigando e barulho, barulho e pá pá”, conforme expressou.

 

Portanto, a única testemunha dos fatos, sustentou todo o relato do réu, tanto em inquérito, como em Juízo.

 

Ou seja, no momento dos disparos efetuados pelo acusado GUSTAVO, a luta corporal pela posse da arma de fogo ainda era intensa, demonstrando que quem conseguisse pegá-la iria utilizá-la.

 

Ficou demonstrado durante a instrução do feito, que os disparos efetuados pelo réu foram sequenciais e não efetuados da forma como narrado na denúncia, qual seja: “Mesmo com a vítima já desfalecida no solo, impossibilitada de oferecer qualquer resistência, GUSTAVO prossegui na empreitada, desferindo outros dois disparos na nuca da vítima...” (f. 2D).

 

Nesse contexto, afastada a pronúncia pretendida pelo Ministério Público e fundamentada a legítima defesa como condutora da atitude do acusado.

 

Além disso, o laudo do perito oficial, corrobora as assertivas do acusado GUSTAVO quando esclarece, respondendo aos quesitos subsequentes (f. 777/786):

 

CONSIDERAÇÃO 3:

No item ‘DINÂMICA DOS FATOS E CONCLUSÃO” do laudo de local, no décimo parágrafo foi dito:

A dinâmica até agora corrobora a hipótese de que dois disparos seguintes foram efetuados quando Rodrigo não mais segurava a arma, já caído no piso.”

- É possível que tenha havido equívoco no entendimento do sentido do verbo SEGURAR, empregado no corpo do laudo. Seria perfeitamente possível que a vítima estivesse segurando de forma passiva a arma durante os 3 disparos, se a(s) mão(s) do autor estivesse(m) envolvendo a(s) mão(s) da vítima.(f. 777v – grifei.)

 

É possível que a vítima, estivesse segurando a arma com a mão direita e com o dedo indicador direito apoiado no gatilho do revólver quando foram desferidos os 3 (três) disparos em sua nuca? Justifique.

- É possível que tenha havido equívoco no entendimento do sentido do verbo SEGURAR, empregado no corpo do laudo – conforme ponderado na “CONSIDERAÇÃO 3”. SERIA PERFEITAMENTE POSSÍVEL QUE A VÍTIMA ESTIVESSE SEGURANDO DE FORMA PASSIVA A ARMA DURANTE OS 3 DISPAROS, SE A MÃO (OU AMBAS AS MÃOS) DO AUTOR ESTIVESSE(M) ENVOLVENDO A MÃO” - (f. 784 – grifei.)

 

Ainda, ao contrário do que afirma o parquet, o perito oficial entendeu que não houve o fenômeno do WERKGAERTNER, como se vê na resposta aos quesitos subsequentes (f. 777/786):

 

3 – O sinal de WERKGAERTNER identificado no cadáver de Rodrigo sugere que ao menos um dos tiros foi dado com a arma encostada em sua nuca. Acerca dos outros dois orifícios de entrada, as suas características também sugerem que os tiros foram dados à curta distância ou com a arma encostada ao seu corpo?

- Ao exame perinecroscópico realizado no local NÃO foi percebido o sinal de WERKGAERTNER (facilitado na necropsia pela tricotomia), entretanto, os três ferimentos observados apresentavam bordas irregulares e sem elementos secundários em seu contorno. Tais achados são compatíveis com disparo encontado em partes moles, como na nuca, mecanismo similar ao de Hoffman.

A presença de resíduos do disparo no tecido interno perilesional poderiam confirmar essa hipótese, análise que é dá competência da medicina legal, responsável pelo exame interno no cadáver...’” (f. 782 – grifei.)

 

Em derradeiro, o perito oficial, também respondendo aos quesitos subsequentes (f. 777/786), esclareceu que há indícios de que os tiros foram sequenciais e imediatos:

 

4 – Há algum elemento colhido pela perícia que leve a crer que os três disparos não foram sequenciais? Justifique.

- A GRANDE PROXIMIDADE DOS FERIMENTOS DE ENTRADA OBSERVADOS NA NUCA DA VÍTIMA SÃO UM INDÍCIO DE QUE FORAM SEQUENCIAIS. Outro indício disso é o de que, tendo havido entrave corporal entre autor e vítima, os tiros na nuca só poderiam ter ocorrido após este entrave, haja vista o grande comprometimento orgânico provocado na vítima por um disparo efetuado na nuca. Entretanto, tendo em vista que o primeiro disparo ocorreu com a vítima nas condições descritas no laudo pericial e anteriormente discutidas neste documento, algum lapso temporal poderia ter ocorrido entre o primeiro disparo e os demais, mesmo que efetuados na mesma região. Portanto, não há elementos suficientes para tal determinação, haja vista as duas possibilidades serem plausíveis neste caso...”(f. 784 – grifei.)

 

E, registre-se, novamente, que pelo depoimento da testemunha JÚLIO, ficou claro que não houve qualquer interrupção na luta e que os tiros foram dados de forma sequencial.

 

Emoldurado todo o cenário em que estavam GUSTAVO e Rodrigo, o fato de terem sido efetuados 03 (três) disparos e não apenas 01 (um), não descaracteriza ou desqualifica a legítima defesa, nem mesmo dá ensejo ao excesso. Passo a fundamentar:

 

Entendo que está afastada a questão do excesso do uso dos meios, pois, na situação fática, descrita e comprovada nesses autos, não era exigível comportamento diferente do acusado GUSTAVO, isto é, o réu utilizou do meio que dispunha para se defender (a arma trazida pela própria vítima).

 

Ainda deve ser ressalvado que, se o acusado GUSTAVO efetuou 01 (um) ou 03 (três) tiros, tal questão é resolvida com o conhecimento pacífico e indiscutível de que a legítima defesa não se mede objetivamente, pois, a pessoa que luta por sua vida, desfere tantos tiros quanto sua emoção no momento, ou mesmo seu instinto de preservação, demonstram ser necessários. Nenhum de nós, em momento de contenda física incessante, como comprovado, consegue ter discernimento se se está efetuando os disparos estritamente necessários para resguardar sua vida, ou não.

 

Portanto, o número de disparos efetuados (três), não serve, nesse caso, para sustentar o alegado excesso na legítima defesa.

 

É o que diz a jurisprudência de nossos Tribunais, que se amolda ao feito:

 

APELAÇÃO CRIME. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. LEGÍTIMA DEFESA RECONHECIDA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA MANTIDA. Há comprovação plena da tese apresentada pela defesa, de que o acusado não teria a intenção de matar a vítima, agindo em legítima defesa. O contexto probatório demonstra que foi a vítima que, inicialmente, interpelou o réu no interior do ônibus. Fartamente demonstrado, também, que Bryan provocou o confronto fora do coletivo. Não se verifica, ainda, excesso nos meios utilizados (golpes de canivete pelo réu) dadas as peculiaridades do caso e dos envolvidos, sendo a vítima lutador de Jiu-Jitsu praticamente profissional. RECURSO DESPROVIDO. (...)

Ao cabo, em relação ao excesso do uso dos meios necessários, colaciono trecho da decisão do Dr. Maurício Ramires, que se mostra irretocável na análise da dinâmica dos fatos: “A vítima afirma que era lutadora de Jiu-Jitsu, pelo menos por 4 anos, chegou a ter patrocínio para exercer esse esporte, e viajava para lutar e competir em campeonatos, ganhava bolsas para lutar. Ou seja, que ele ia seguir carreira de lutador, de modo que ele era, se não era já profissional de artes marciais, estava próximo de ser profissional de artes marciais. O réu aqui se hoje viu, um homem pequeno. Então, está muito claro que o réu ao utilizar o canivete ou qualquer tipo de arma branca que detivesse, utilizou o meio que tinha no momento para se defender de uma agressão que de outro maneira era bastante ameaçadora para sua integridade física, pelo menos. De modo que se ele se excedeu, se deu uma, duas, três facadas a mais do que deveria, isto fica naquilo que se sabe há muito tempo, de que a legítima defesa não se mede milimetricamente, não se pode depois de passados os fatos, se dizer que o réu deveria ter dado uma ou duas, ou qualquer tantas facadas a menos. Ele deu tantas quanto a sua emoção no momento ou o seu instinto de preservação da sua vida demonstraram no momento ser indicado. De modo que aqui, um eventual excesso, não é um excesso culpável. Não é um excesso que poderia ser atribuído ao acusado, se vendo numa situação de desconforto físico, que se não fosse pela reação, seria, como eu disse, bastante desigual em relação a ele, lutando de mãos limpas contra um lutador profissional ou semi-profissional de Jiu-Jitsu. Então, que, porque estava além disto irritado, e que o confronto, e que portanto de modo a que não deixasse escolha para o acusado”(...) (fl. 176 e v). (TJRS; Apelação Criminal Nº 70074279407; 1ª Câmara Criminal - Relator Desembargador JAYME WEINGARTNER NETO – 2017)

 

PENAL. PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO SIMPLES. ART. 121, CAPUT, DO CP. LEGÍTIMA DEFESA DE POLICIAL FEDERAL NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO. EXCESSO DOLOSO OU CULPOSO. INOCORRÊNCIA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 411 DO CPP. RECURSO EX OFFOCIO IMPROVIDO. 1. O réu agiu dentro dos limites das causas de exclusão de ilicitude previstas no art. 23, II e III, do CP, uma vez que utilizou o único meio de que dispunha (arma de fogo) para conter seu agressor – terceiro portador de arma branca (espeto de churrasco com duas pontas) e em conta as circunstâncias nas quais se materializou o ataque – dentro de estabelecimento policial, durante a madrugada e na ausência de iluminação elétrica – não há falar-se em excesso doloso ou culposo na legítima defesa, sendo hipótese de absolvição sumária, nos termos do art. 411 do CPP. 2. Recurso ex-officio improvido.(...)” (TRF1 – 2ª Turma – Rec Criminal Nº 00147277219954010000 - Relator Juíza IVANI SILVA LUZ – 2002)

 

Sobreleva notar, que no momento antes dos fatos, GUSTAVO se encontrava, juntamente com sua mulher e sua cunhada, sob a mira de um revólver, há quase 20 (vinte) minutos, sob forte tensão, sendo atacados por uma pessoa que se mostrava desequilibrada e com o risco iminente de ser baleado.

 

Ainda assim, GUSTAVO somente reagiu, conforme demonstrado pelas testemunhas ouvidas, após Rodrigo ter atirado em ANA e o tiro ter atingido sua esposa GIOVANA, agindo em legítima defesa própria e de terceiros.

 

De igual modo, está comprovado que após sua reação, na tentativa de tirar a arma das mãos de Rodrigo, autor e vítima permaneceram em luta corporal incessante, que durou cerca de 08 (oito) minutos, sem que a vítima cedesse ou largasse a arma.

 

Ao revés, não há nenhum fato demonstrando que GUSTAVO esteve no controle da situação e deflagrou os dois últimos tiros quando a vítima já não oferecia perigo ou resistência.

 

Portanto, diante do conjunto probatório, entendo que a ação do acusado gravita na órbita da legitima defesa, uma vez que, diante da situação supramencionada, o réu se deparou com uma situação que colocava em risco a sua própria vida e a vida de terceiros que estavam presentes no local.

 

Além disso, há que se concluir que não foi comprovada a existência de excesso culpável na legítima defesa, posto que a legítima defesa não pode ser medida de forma milimétrica e nem tampouco, em casos como o dos autos, há que se mensurar quantos disparos bastariam para o acusado se sentir seguro, dada a emoção do momento e seu instinto de preservação da vida.

 

Isso posto, e considerando tudo o mais que dos autos consta, com fundamento no art. 23, inciso II, do Código Penal, c/c o art. 415, inciso IV do Código de Processo Penal, ABSOLVO SUMARIAMENTE o denunciado GUSTAVO HENRIQUE BELLO CORREA, já qualificado, da imputação contra ele dirigida, por ter agido em legítima defesa.

 

Havendo documentos pessoais apreendidos, os titulares deverão ser intimados, no prazo de 90 (noventa) dias. Ultrapassado tal período, sem manifestação da parte, os documentos deverão ser juntados e remetidos para o arquivo, conforme provimento 24/2012, art. 12, A.

 

Se existirem objetos apreendidos, certifique-se, a Sra. Escrivã, se esses encontram-se depositados junto à Administração deste Fórum. Em caso positivo, após o trânsito em julgado da presente decisão, dê-se destinação aos mesmos na conformidade do Provimento Conjunto nº 24/2012. Caso tenha arma de fogo ligada ao delito, encaminhe-se a arma ao Exército Brasileiro, como de praxe.

 

Publicar. Registrar. Intimar.

 

Belo Horizonte, 03 de abril de 2018.

Âmalin Aziz Sant'Ana

Juíza Sumariante

II Tribunal do Júri