8ª Vara Criminal de Belo Horizonte/MG
Autor: Ministério Público do Estado de Minas Gerais
Acusado: Geraldo Fernandes de Souza
Sentença
Vistos etc.,
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS promoveu ação penal em face de GERALDO FERNANDES DE SOUZA, brasileiro, nascida em Porteirinha/MG, em 30/06/1968, filho de Elza Maria de Jesus, residente na Rua Grande Celita, n.º 110-B, Bairro Petrópolis, nesta urbe, como incurso na sanção do artigo 121, §3º, e art. 129, §6º, por duas vezes, na forma do art. 70, todos do Código Penal, já que no dia 24/05/2006, nas proximidades da residência do réu, ele teria dado causa ao óbito da vítima Sérgio Augusto Ferreira e causado lesões em Vanderley Ferreira Dourado e Cláudio Elias da Fonseca.
A dinâmica narrada na proemial indica que três cachorros da raça pitbull de propriedade do réu fugiram de seu canil e atacaram as vítimas, causando-lhes lesões.
Com o recebimento da denúncia (fls. 143/144), o acusado foi citado (fls. 145/146) e respondeu à acusação (fls. 148/154).
Na fase instrutória foram ouvidas oito testemunhas (fls. 210/215 e 226/228) e interrogado o réu (fl. 284).
A Promotoria de Justiça, após analisar a prova colhida, requereu a condenação do réu nos termos da denúncia (fls. 270/276).
A defesa, por sua vez, pleiteou que não há representações das vítimas lesionadas e, quanto ao homicídio culposo, a absolvição pela culpa exclusiva da vítima (fls. 289).
É o breve relatório, decido.
Preliminarmente, o fato de ressentirem-se os autos de termos formais de representação não enseja na decadência, uma vez que, pelos depoimentos extrajudiciais das vítimas Cláudio e Vanderlei, pode-se perceber a clara intenção de verem os fatos apurados.
Considerando que os três delitos teriam sido praticados em um mesmo contexto fático, passam-se às suas análises, em conjunto:
No mérito, vê-se que a materialidade dos delitos está presente no boletim de ocorrência de fls. 08/12, nas comunicações de serviço de fls. 25/26 e 121, no documento de fl. 92, nos ACDs das vítimas Cláudio e Vanderlei, concluindo pelas lesões sofridas (fls. 109, 125 e 127), no laudo de análise do local dos fatos (fls. 34/79) e no ACD da vítima Sérgio, que constatou as lesões que causaram seu óbito (fls. 85/90).
Da autoria.
Em sede policial, o acusado alegou ser o proprietário dos três cães da raça pitbull. Esclareceu que as residências da região estavam sendo assaltadas e que então adquiriu os cães. Informou ser zeloso com seus cães, que havia arame farpado em volta de sua propriedade e que os cães permaneciam em um canil, com tapumes. O cão filhote permanecia solto durante a noite, sendo que os cães adultos permaneciam com enforcador e presos na corrente, sendo que posteriormente teve ciência que seus cães atacaram as vítimas. O réu aduziu, ainda, que a cerca foi rompida pelos cães (fls. 13).
Em juízo, por sua vez, o réu confirmou a versão inquisitorial e observou, na realidade, que a cerca de sua residência havia sido cortada por uma pessoa e não rompida pelos cães (fl. 284).
Por sua vez, as testemunhas Valdete, Simone e Edson confirmaram a dinâmica dos fatos e viram as vítimas feridas e os cães soltos na rua (fls. 14/16 e 210/213).
Já os filhos e a esposa do acusado confirmaram que os cães ficavam presos e que no dia dos fatos, os cães foram localizados na rua. A testemunha Thiago destacou que os cães ficavam soltos por diversas vezes e que já haviam fugido, da mesma forma que fugiram no dia dos fatos, por um espaço entre a cerca e o arame farpado (fls. 17/19 e 214/215).
Além disso, a testemunha Adalgiso, irmão da vítima Vanderlei, destacou que o réu era extremamente cauteloso com a segurança de seus cães e que estavam ocorrendo furtos nas redondezas do Bairro (fl. 228).
Já o policial ouvido confirmou o constante no boletim de ocorrência (fl. 226).
Por outro lado, as vítimas Vanderlei e Cláudio confirmaram que estavam transitando em via pública, nas proximidades da residência do réu, quando foram atacadas, de inopino, pelos cães do acusado, que os morderam e lhes causaram lesões (fls. 20, 99/100 e 227).
Pois bem.
Após analisar cuidadosamente as provas colhidas ao longo de toda a instrução, vê-se que existem nos autos elementos de convicção mais do que suficientes a responsabilizar o réu pelo delito de homicídio culposo da vítima Sérgio e pelas lesões corporais sofridas por Cláudio e Vanderlei.
Inicialmente, cumpre ressaltar que inexiste dúvida quanto à autoria delitiva, mormente pelas declarações do próprio acusado e pelos demais depoimentos constantes, não havendo que se falar na absolvição por ausência ou insuficiência de provas.
Restou provado que os três cães eram de propriedade do réu e foram localizados sujos de sangue logo após os fatos, sendo que as lesões sofridas pelas vítimas são compatíveis com mordidas de cachorros.
No entanto, a questão a ser analisada refere-se a imputação de responsabilidade penal pelo de homicídio culposo e lesão corporal culposa.
Para a caracterização do crime culposo é necessário: a) uma conduta humana; b) prática da conduta com inobservância do dever objetivo de cuidado, manifestado nas formas de imperícia, imprudência ou negligência; c) um resultado naturalístico; d) a existência de nexo causal entre a conduta e o resultado; e) previsibilidade objetiva do sujeito e; f) previsão legal expressa da conduta culposa.
Veja a lição de Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangelli:
"O estudo da culpa a partir do resultado e da causalidade desviou a ciência jurídico-penal do caminho correto acerca da compreensão do problema. A causação do resultado e a previsibilidade podem ocorrer - e de fato ocorrem - em numerosíssimas condutas que nada têm de culposas. Todo sujeito que conduz um veículo sabe que introduz um certo perigo para os bens jurídicos alheios, a ponto de contratar seguros 'por danos a terceiros'. Sem embargo, isto é absolutamente insuficiente para caracterizar a culpa. O entendimento correto do fenômeno da culpa é recente na doutrina, surgindo a partir da focalização da atenção científica sobre a violação do dever de cuidado, que é o ponto de partida para a construção dogmática do conceito". (ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELLI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro - Parte Geral, 3.ª ed., rev., e atual., São Paulo: RT, 2001, p. 518.)
Ora, é na previsibilidade dos acontecimentos e na ausência de precaução que reside a conceituação da culpa penal, pois é a omissão de certos cuidados nos fatos ordinários da vida, perceptíveis à atenção comum, que configuram as modalidades culposas da imprudência e negligência.
No caso em apreço, as provas amealhadas aos autos são suficientes a demonstrar que o réu omitiu-se em seu dever objetivo de cuidado, dando causa ao evento trágico do óbito e lesões das vítimas.
Certo é que a prova produzida autoriza a conclusão de que o réu foi negligente na guarda de cães ferozes, que fugiram pelo espaço existente entre a grade e o arame farpado, por falta de manutenção adequada. O laudo de fls. 34/79 confirma as características físicas do canil.
Além disso, o réu apresentou duas versões distintas, inicialmente alegando que os cães romperam a cerca e, posteriormente, que esta foi cortada por Sérgio e não pelos cães.
No entanto, a prova pericial de fls. 34/79 e o filho do réu confirmou por qual local os cães muito provavelmente teriam escapado.
Assim, caracterizada a morte da vítima Sérgio e as lesões de Cláudio e Vanderlei, a omissão do réu no cuidado dos cães e o nexo de causalidade entre a omissão e os resultados, caracterizados os delitos do art. 121, §3º, e 129, §6º, ambos do CP.
A tese de culpa exclusiva da vítima Sérgio merece ser rechaçada, uma vez que sua CAC/FAC mostra sua primariedade, bem como das demais vítimas (fls. 294/300). O fato de Sérgio jogar pedras nos cães e “ter fama de mão leve” no bairro em que residia não eximem o réu de sua culpa, uma vez que não há quaisquer indícios de que Sérgio tenha tentado ingressar da residência do acusado.
Registre-se, nesta esteira, que as declarações de Cláudio em sede policial foram judicializadas por todo o conjunto testemunhal, restando inequívoco que foi atacado pelos cães.
Os delitos restaram consumados na medida em que a omissão do réu gerou as lesões das vítimas.
Considerando que em razão da omissão do réu foram praticadas três condutas delitivas, reconheço em favor do acusado o concurso formal (3x), nos termos do art. 70, do CP
Portanto, existem nos autos provas suficientes para afirmar que a negligência do réu causou o óbito da vítima Sérgio e lesionou gravemente as vítimas Cláudio e Vanderlei, eis que não observou os cuidados básicos na guarda de seus cães, configurada as condutas previstas nos arts. 121, § 3º, c.c. o art. 129, §6º, por duas vezes, na forma do art. 70, todos do CP.
DIANTE O EXPOSTO, julgo parcialmente procedente a denúncia para CONDENAR GERALDO FERNANDES DE SOUZA, já qualificado na sentença, como incurso nas sanções do art. 121, § 3º, c.c. o art. 129, §6º, por duas vezes, na forma do art. 70, todos do CP.
Atento às diretrizes traçadas no artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal e no disposto no artigo 59 do Código Penal Brasileiro, passo a dosar e aplicar-lhe as penas, separadamente:
Homicídio culposo
1. quanto a sua culpabilidade, verifico que o réu é penalmente imputável e tinha conhecimento da ilicitude de seus atos;
2. o réu não possui antecedentes criminais (fl. 293);
3. sua conduta social não restou esclarecida;
4. a personalidade é normal;
5. não há motivos do crime, já que resultaram de negligência do acusado;
6. as circunstâncias a serem consideradas no caso em tela são desfavoráveis, posto que a vítima foi atacada brutalmente por três cães e não teve oportunidade de se defender, conforme se extrai das lesões constantes no laudo de fls. 34/79;
7. o delito não trouxe maiores conseqüências do que as prevista no tipo penal;
8. a vítima contribuiu para a prática do delito ao criar memória negativa nos cães, jogando pedras e incomodando os cachorros quando passava pelo canil.
Assim, seguindo as diretrizes do artigo 59 do Código Penal e considerando especialmente as circunstâncias dos delitos, fixo a pena-base em 01 (um) ano e 03 (três) meses de detenção.
Inexistem atenuantes ou agravantes serem consideradas ou causas de diminuição ou aumento de pena, resultando as sanções, em definitivo, no importe de 01 (um) ano e 03 (três) meses de detenção.
Lesão corporal de Cláudio
1. quanto a sua culpabilidade, verifico que o réu é penalmente imputável e tinha conhecimento da ilicitude de seus atos;
2. o réu não possui antecedentes criminais (fl. 293);
3. sua conduta social não restou esclarecida;
4. a personalidade é normal;
5. não há motivos do crime, já que resultaram de imprudência e negligência do acusado;
6. as circunstâncias a serem consideradas no caso em tela são desfavoráveis, posto que a vítima foi atacada e teve lesões graves em seu corpo;
7. o delito não trouxe maiores conseqüências do que as prevista no tipo penal;
8. a vítima não contribuiu para a prática do delito.
Assim, seguindo as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, fixo a pena-base em 04 (quatro) meses de detenção.
Inexistem atenuantes ou agravantes serem consideradas.
Asim, inexistindo causas de diminuição ou aumento de pena, resultam as sanções, em definitivo, no importe de 04 (quatro) meses de detenção.
Lesão corporal de Vanderlei.
1. quanto a sua culpabilidade, verifico que o réu é penalmente imputável e tinha conhecimento da ilicitude de seus atos;
2. o réu não possui antecedentes criminais (fl. 293);
3. sua conduta social não restou esclarecida;
4. a personalidade é normal;
5. não há motivos do crime, já que resultaram de imprudência e negligência do acusado;
6. as circunstâncias a serem consideradas no caso em tela são desfavoráveis, posto que a vítima foi atacada e teve lesões graves em seu corpo;
7. o delito não trouxe maiores conseqüências do que as prevista no tipo penal;
8. a vítima não contribuiu para a prática do delito.
Assim, seguindo as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, fixo a pena-base em 04 (quatro) meses de detenção.
Inexistem atenuantes ou agravantes serem consideradas.
Asim, inexistindo causas de diminuição ou aumento de pena, resultam as sanções, em definitivo, no importe de 04 (quatro) meses de detenção.
Do concurso formal.
Considerando que os cães atacaram as vítimas em razão da omissão do réu, aumento a pena mais grave de um quinto, eis que praticados três delitos, resultando as sanções nos cômputos finais de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção.
O regime prisional poderá ser o aberto.
Substituo a pena privativa de liberdade por 02 (duas) restritivas de direitos, mais precisamente pela prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, à razão de uma hora para cada dia de condenação, ficando as condições a serem impostas a critério do d. Juízo da Execução, e de limitação de final de semana, pelo tempo da condenação.
O réu poderá recorrer em liberdade, uma vez que respondeu ao processo solto.
O réu fica isento do pagamento das custas processuais (fl. 146).
Considerando que o documento de fl. 92 é um fax, extraia a secretaria fotocópia do documento, que está se desgastando com o tempo.
Oficie-se a Secretaria Municipal de Saúde, por meio do Centro de Controle de Zoonoses (Serviço de Defesa Sanitária Animal) para que proceda avaliação e controle de higidez dos animais, com fundamento nas Lei n.º 569/48 e 24548/34.
Transitada em julgado a presente decisão ou v. acórdão da Superior instância de 2º grau:
procedam-se as anotações e comunicações apropriadas;
proceda-se o lançamento do nome do réu no rol do culpados;
comunique-se o Instituto de Identificação do Estado;
comunique-se o TRE, para os fins do artigo 15, III, da CF;
expeça-se guia de execução definitiva à Vara de Execuções Criminais desta comarca.
Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se.
Belo Horizonte, 30 de junho de 2015.
Luís Augusto César Pereira Monteiro Barreto Fonseca