COMARCA DE BELO HORIZONTE
SENTENÇA
Vistos, etc.
ANDRÉ NOVAIS MACHADO ajuizou AÇÃO POPULAR, com pedido de tutela antecipada, em face do ESTADO DE MINAS GERAIS e do MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, noticiando que o autor reside em uma casa localizada em frente a um viaduto onde, à noite, transitam pessoas nômades que vivem em situação de rua. Alegou que indignou-se ao testemunhar os réus, por meio da Polícia Militar, Guarda do Município e agentes públicos municipais da limpeza urbana, abordarem os ditos moradores em situação de rua e apreenderem ilegalmente todos os seus pertences pessoais, como cobertores, roupas, alimentos, remédios e, inclusive, documentos de identificação. Destacou que os cidadãos que se encontram em situação de rua vivem num contexto de extrema vulnerabilidade, expostos aos diversos riscos inerentes à sua condição precária e con sérias dificuldades para sobreviver, haja vista serem pobres, estarem excluídos da dinâmica laboral e não possuírem moradia adequada. Ressaltou que lhes falta um mínimo de cidadania, uma vez que não dispõem de uma alimentação adequada tampouco qualquer proteção das intempéries da natureza e da violência que assola a cidade. Afirmou que a conduta dos réus agride a legislação administrativa, os princípios e as normas constitucionais concernentes à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais, que fere tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário, e que afrontam valores éticos e morais. Asseverou que os agentes públicos atuam à margem do estrito cumprimento de um dever legal e incorrem em comportamento contrário à legislação e às normas constitucionais, contendo verdadeiro roubo institucionalizado. Salientou que o caso dos autos não se trata de desalojamento forçado que implique a retirada de bens e utensílios, quando verificado o apossamento de bem público dominial, sendo os pertences surrupiados pelos réus de uso pessoal, não estando os moradores de rua turbando ilegalmente a posse do Município, apto a justificar a ação tão covarde e cruel. Requereu a concessão da tutela antecipada, para determinar aos réus que se abstenham de atos que violem os Direitos Fundamentais dos moradores em situação de rua, notadamente a paralisação de atos de apreensão ilegal de pertences pessoais e de documentos de identificação, realizados pelos Agentes dos Réus. Pugnou pela procedência do pedido, para confirmar a tutela concedida, tornando seus efeitos definitivos, bem como para declarar a ilegalidade do ato de apreensão dos pertences pessoais e dos documentos de identificação dos moradores em situação de rua.
O pedido de tutela foi indeferido às fls. 85/89, tendo o autor interposto agravo de instrumento às fls. 90/116, sendo provido pelo E. TJMG, conforme decisão monocrática de fls. 128/131.
O Estado de Minas Gerais apresentou contestação às fls. 154/163, arguindo preliminares de inadequação da via eleita e de ilegitimidade passiva do Estado de Minas Gerais. No mérito, destacou que a atuação do Estado de Minas Gerais deriva diretamente de seu dever de exercer regularmente o poder de polícia e de garantir aos órgãos de fiscalização municipal e à população em geral a segurança necessária para manutenção da ordem pública. Explicou que o poder de polícia destina-se a assegurar o bem estar geral, impedindo, através de ordens, proibições e apreensões, o exercício antissocial dos direitos individuais, o uso abusivo da propriedade, ou a prática de atividades prejudiciais à coletividade. Afirmou que a atuação do Estado, por intermédio de seus agentes policiais, pauta-se no estrito cumprimento do dever legal. Asseverou que os locais indicados na petição inicial são bens de uso comum, competindo ao Poder Público a sua vigilância. Reiterou que a Polícia Militar agiu dentro dos estritos limites de suas atribuições legais, limitando-se ao acompanhamento da fiscalização municipal, a fim de cumprir seu ofício de manutenção da ordem e da segurança. Requereu que fossem acolhidas as preliminares suscitadas. Pugnou, no mérito, pela improcedência dos pedidos.
O Município de Belo Horizonte contestou às fls. 174/183, arguindo preliminar de inépcia da inicial. No mérito, informou que o Poder de Polícia é a atividade da Administração Pública que regula a prática ou abstenção de determinados atos, em razão da supremacia do interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Afirmou que pode o Estado, no uso de suas atribuições, restringir direitos e prerrogativas individuais, entre outros, para que haja paz social na vida em coletividade. Discorre sobre o Decreto nº 14.098/10 que instituiu o Grupo Executivo Intersetorial sobre População em Situação de Rua, com o objetivo de fomentar e promover a articulação e o fortalecimento da polícia municipal para a população em situação de rua. Ressaltou que em nenhum momento nos autos restou demonstrado a apreensão de pertences pessoais de moradores em situação de rua. Esclarece que o que ocorre é a ocupação irregular de espaço público por moradores em situação de rua, ocasionando a obstrução da passagem de pedestres com papelões, caixas, colchões, lonas, sucatas, móveis velhos e muito lixo. Salienta que, quando há necessidade de recolher tais materiais, a pessoa em situação de rua é orientada a se retirar do local juntamente com seus objetos pessoais, bem como convidada a procurar o setor social da Prefeitura Municipal para a devida assistência. Requreu o acolhimento da preliminar arguida. Pugnou, no mérito, pela improcedência dos pedidos.
O autor requereu que fosse realizada audiência de conciliação, às fls. 226/228.
O Ministério Público se manifestou às fls. 236/241.
Acórdão de fls. 246/267, deferindo o pedido de tutela antecipada.
O autor impugnou as contestações às fls. 270/278 e juntou os documentos de fls. 279/308.
Somente a parte autora requereu a produção de novas provas, pugnando pela juntada de novos documentos, prova testemunhal e inspeção judicial.
Decisão de fls. 323, deferindo, em parte, as provas pugnadas pela parte autora e indeferindo a realizaçaõ de audiência de conciliação. Fora indeferida, também, a inspeção judicial.
O Estado de Minas Gerais juntou os documentos de fls. 326/332 e fls. 337/341.
Fora realizada audiência de instrução e julgamento, na qual foram ouvidas as testemunhas arroladas (fls. 344/349).
O Município de Belo Horizonte apresentou alegações finais, às fls. 356/365 e juntou os documentos de fls. 366/466.
O autor e o Estado de Minas Gerais também apresentaram alegações finais às fls. 467/473 e 474/476 e o Ministério Público às fls. 480/495, juntando os documentos de fls. 496/594.
Manifestação do autor às fls. 595/596, juntando os documentos de fls. 597/606.
Os autos vieram conclusos.
Fundamentação
Inicialmente, ressalte-se que, a despeito da previsão contida no art. 12 do CPC/2015, segundo a qual os juízes deverão, preferencialmente, obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir a sentença, por se tratar de julgamento de processos com objeto e teses semelhantes, em respeito ao princípio da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF/88 e art. 5º do CPC/2015), da eficiência (art. 37 da CF/88 e art. 8º do CPC/2015) e, visando à ampliar a prestação jurisdicional, esta regra será excepcionada no caso em tela.
Cumpre frisar, ainda, que, nos termos do Enunciado nº 07 do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, serão apreciados somente os argumentos feitos pelas partes que são relevantes e pertinentes ao deslinde do feito.
Antes de apreciar o meritum causae, cumpre-me analisar as preliminares arguidas pelos réus.
Defende, o Estado de Minas Gerais, a inadequação da via eleita, aduzindo que a fiscalização realizada pelos agentes municipais ou que a segurança pública fornecida pelos policiais que acompanham a fiscalização sejam atos imorais, passíveis de impugnação pela via eleita.
Impende destacar que o pedido do autor encontra amparo no artigo 5º, inciso LXXIII da Constituição Federal de 1988, constituindo a ação popular importante medida de controle da Administração, em que qualquer cidadão é parte legítima para propô-la, com o objetivo de expelir aqueles atos praticados com ilegalidade, lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico-cultural.
Outrossim, a legitimidade ad causam, por ser uma das condições da ação (art. 485, VI, CPC), deve ser conhecida, inclusive de ofício pelo juiz (art. 337, § 5º, CPC), em qualquer fase, tempo e grau de jurisdição (art. 485, § 3º, CPC), acarretando a extinção do feito quando declarada a ilegitimidade da parte que não está vinculada aos fatos elencados.
Nesse sentido:
Acerca dos pressupostos processuais e das condições da ação, não há preclusão para o juiz, a quem é lícito, a qualquer tempo e grau de jurisdição, reexaminá-los, não estando exaurido seu ofício na causa (RSTJ 54/129).
Em análise dos autos, entendo que não se pode afastar a legitimidade do Estado de Minas Gerais, uma vez que os atos impugnados nesta ação foram praticados por agentes de ambos os requeridos – a Guarda Municipal de Belo Horizonte e a Polícia Militar do Estado de Minas Gerais – configurando litisconsórcio passivo necessário.
Lado outro, não deve ser acolhida a preliminar de inépcia da inicial porquanto a peça de ingresso preenche os requisitos exigidos pelo art. 319 e não contraria o art. 330, especialmente itens I a III, ambos do Código de Processo Civil. Estão perfeitamente identificados a causa de pedir e o próprio pedido, cuja autorização jurídica é patente. Presentes, ainda, todos os documentos que fundamentam a pretensão da parte autora.
Rechaçadas as preliminares arguidas pelos réus, passo a análise do mérito.
O ponto central da questão posto sob a apreciação do Judiciário, consiste em decidir sobre a existência ou não de ilegalidade nos atos praticados pelo Estado de Minas Gerais e pelo Município de Belo Horizonte, ao recolher os pertences pessoais dos moradores “em situação de rua”.
Os direitos e garantias fundamentais e os princípios que restringem a atividade administrativa do Estado e, concomitantemente, protegem os indivíduos de atos arbitrários advindos do Poder Estatal, advieram de gradativa evolução social, durante os séculos XVIII, XIX e XX.
O famoso brocardo l’etat c’est moi (O Estado sou eu), de Luís XIV, Rei da França do final do século XVII e início do século XVIII, ilustra, com perfeição, o Estado absolutista e totalitário existente antes das revoluções sociais dos séculos XVIII e XIX; o Estado, pois, fazia o que queria e não existia garantia individual e nem direitos sociais e coletivos. Época em que não se cogitava em liberdade e cidadania.
O declínio do Estado totalitário e a eclosão de um modelo de República Democrática, fundada em direitos e garantias individuais, começou com Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia e a Declaração de Independência (1776), a Constituição dos Estados Unidos (1787) e com a Revolução Francesa (1789-1799), período este que ficou caracterizado como uma intensa agitação social em França, que teve um impacto em todo o Continente Europeu e, posteriormente, em todo o “Mundo Ocidental”.
Durante as agitações sociais, fundadas no tripé liberdade – igualdade – fraternidade, surgiram ideias fincadas nos direitos individuais, com o intuito de proteger os cidadãos das atrocidades e arbitrariedades cometidas pelo Estado Monarca, ideias principalmente advindas da população ordinária e pouco abastada da época, chamados, pelos aristocratas, de sans-culottes.
Foi nesse contexto social que foi elaborada uma das mais importantes cartas legislativas internacionais, em 29 de agosto de 1789, denominada “Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão”, assegurando, em seu artigo 1º que “os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.” e no artigo 2º que “a finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão.”
A partir daí, grande parte dos Estados Ocidentais, inclusive o Brasil – desde a primeira Constituição: a do Império de 1824, principalmente em seu artigo 179 –, começaram a assegurar, em suas constituições, os direitos e garantias individuais e, mais tarde, sociais, adotando mecanismos de controle da atividade estatal, para evitar possíveis arbitrariedades do Estado contra os direitos individuais conquistados depois de longo período histórico.
De se salientar que foram surgindo outros tratados internacionais sobre direitos humanos, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e o Pacto de San Jose da Costa Rica, ambos ratificados pelo Brasil, reiterando os direitos individuais, sociais e os mecanismos de controle da atividade estatal.
Não muito diferente, após longo período de ditadura militar no Brasil, foi promulgada a atual Constituição, em 1988, na qual assegurou os mesmos direitos individuais e sociais já expressos em tratados e convenções internacionais, como a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a propriedade, a igualdade, dentre outros, além de adotar diversos mecanismos de controle da atividade estatal, tais como a divisão tripartite dos poderes – legislativo, executivo e judiciário – e a adoção de princípios reguladores da atividade administrativa, tais como a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência, previstos expressamente no artigo 37 da CR/88, além de outros de extrema importância.
Objetivou-se, ainda, (art. 3º da CR/88) a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e a marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, bem como promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Pois bem. Argumentou a parte autora que testemunhou os réus, através da Polícia Militar de Minas Gerais, da Guarda Patrimonial do Município e dos Agentes Públicos Municipais da Limpeza, abordarem os moradores “em situação de rua” e apreenderem ilegalmente todos os seus pertences pessoais, como cobertores, roupas, alimentos, remédios e, inclusive, documentos de identificação.
Asseverou que “os cidadãos em situação de rua possuem exercício pleno dos poderes inerentes ao direito de propriedade” e que esse direito é violado pelos atos praticados pelos réus, causando-lhes danos materiais e psíquicos irreparáveis.
Fundamentou, ainda, que tais atos violam os princípios e direitos fundamentais assegurados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, bem como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e o Pacto de San Jose da Costa Rica, tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Afirmou que os réus violaram os princípios da juridicidade e da moralidade administrativa, ao recolherem os pertences dos moradores “em situação de rua”.
Por outro lado, a Parte Ré defendeu que as suas atuações derivam de seu poder de polícia e que objetivam assegurar o bem-estar geral, impedindo, através de ordens, proibições e apreensões, o exercício antissocial dos direitos individuais, o uso abusivo da propriedade e a prática de atividades prejudiciais à coletividade.
Em uma análise das discussões arduamente expostas nos autos, verifico que há aparente conflito entre normas e princípios constitucionais.
Conforme a clássica formulação de Hans Kelsen, o ordenamento jurídico estaria escalonado com normas de diferentes valores, ocupando, cada uma, uma posição intersistemática, formulando um todo harmônico, com interdependência de funções e diferentes níveis normativos de forma que “uma norma para ser válida é preciso que busque seu fundamento de validade em uma norma superior, e assim por diante, de tal forma que todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa”1.
Nessa esteira, os princípios jurídicos são normas e que estas seriam escalonadas, segundo a concepção de KELSEN, seria fácil atribuir a um uma valoração superior à de outro. Em caso de eventual colisão entre princípios e normas, utilizar-se-ia uma interpretação sistemática, pressupondo que o Ordenamento Jurídico é um todo unitário, levando em consideração a hierarquia entre as normas, em que as normas infraconstitucionais deveriam ser interpretadas levando-se em consideração aquelas de matéria constitucional (hierarquicamente superiores).
No entanto, considerando que os princípios jurídicos levantados pelas partes nestes autos são princípios constitucionais, é forçoso admitir que não há hierarquia entre eles. Nesses casos, cabe ao julgador utilizar-se de um critério axiológico, analisando caso a caso, para se chegar a uma maior efetividade e um maior balanceamento entre as normas e/ou princípios em colisão.
Ou seja, para a coexistência das normas constitucionais levantadas, há de se acolher um balanceamento de direitos, conjugando-se o direito à propriedade com os da higiene, saúde, moralidade, sossego, conforto público e ética urbana.
É sabido que o Estado deve atuar conforme o princípio da supremacia do interesse público, o que significa que o interesse coletivo se sobrepõe ao interesse particular, sob pena de se instalar o caos na sociedade. Trata-se de uma mitigação daqueles direitos e garantias individuais assegurados na Constituição e nos tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário.
José dos Santos Carvalho Filho (2015, p. 34) leciona que “as atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade.” e que “o fim último de sua atuação deve ser voltado para o interesse público.” Asseverou, ainda, que “o Estado passou a caracterizar-se como o Welfare State (Estado/bem-estar), dedicado a atender ao interesse público.”
No entanto, a despeito da supremacia do interesse público que deve nortear a atuação da Administração, não se negando o poder de polícia administrativo, a documentação acostada aos autos demonstra a existência de abusos por parte dos agentes dos réus, com o recolhimento, sem justa razão, de seus pertences, “como cobertores, mochilas, celular e mesmo uma bíblia apreendidos”, conforme parecer emitido pelo Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População, discorrendo sobre denúncia recebida no dia 02.01.2013 (fls. 141/142).
É salutar o entendimento do autor, exposto em recurso de agravo de instrumento, ao dizer que “para quem tem onde dormir, com conforto e segurança, é compreensível caracterizar as roupas velhas e sujas, cobertores baratos distribuídos em regra por religiosos e outros pertences de população de rua como entulho” (fl. 97) e que “considerar a propriedade dos pobres como bens de segundo escalão revela uma concepção elitista que nega o princípio da igualdade, pois pressupõe que o direito à propriedade é aplicável em diferentes níveis, conforme a classe social” (fl. 98).
A retirada de cobertores, roupas, alimentos, objetos de estudos religiosos e até medicamentos dos moradores “em situação de rua”, população altamente vulnerável, constitui grave ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, este visto como valor supremo a servir de base para todos os direitos fundamentais, além de refletir um Estado totalitário e arbitrário característico dos séculos passados.
De se salientar que, apesar de serem recolhidos materiais como papelão, sucatas, panelas e sucatas, como bem salienta a Ilustre Promotora de Justiça Cláudia do Amaral Xavier (fl. 241), “’papelões’, panelas e sucatas, para quem vive em situação de rua, privado de tudo, sem dúvida, possui a qualificação de itens necessários à própria sobrevivência, vez que ‘papelões’ se prestam para esquentar o corpo da friagem das ruas e ‘panela’ para aquecer os parcos alimentos.”
Demais disso, as reportagens jornalísticas juntadas aos autos, denunciam que os moradores de rua vêm sofrendo violências diversas, com abordagens truculentas por parte dos agentes da Polícia Militar e da Guarda Municipal, com recolhimento à força de pertences pessoais, inclusive de documentos de identificação.
Nessa esteira, ante todo o arcabouço probatório constante nos autos, não há como negar a procedência dos pedidos.
Conclusão
POSTO ISSO, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial formulado por ANDRÉ NOVAIS MACHADO, para declarar a ilegalidade do ato de apreensão dos pertences pessoais e dos documentos de identificação dos moradores em situação de rua.
Custas ex lege.
Publique-se. Intime-se. Registre-se.
Belo Horizonte, 10 de outubro de 2017.
Cláudia Costa Cruz Teixeira Fontes
Juíza de Direito
5ª Vara de Fazenda Pública e Autarquias
T:\FazE\5 Fazenda\Gabinete\RUPE\Setembro - 2017\Sentenças\0024.12.135.523-4.odt
CERTIDÃO Certifico e dou fé que o Diário do Judiciário publicou a decisão em ___/___/___ A Escrivã,_____________________ |
1KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4ª ed. Martins Fontes, São Paulo, 1995, p. 248.