Ação de Obrigação de Fazer c/c Dano Moral

Processo nº. 0024.06.019.315-8

Autor: Regina Márcia Guerra Lustosa Lage

Réu: UNIMED

 

SENTENÇA

 

 

I. RELATÓRIO

 

 

Vistos, etc.

 

 

Regina Márcia Guerra Lustosa Lage, qualificado na inicial, ajuizou a presente ação de obrigação de fazer c/c dano moral em face de UNIMED, também qualificada. Alega que aderiu ao plano de saúde fornecido pela ré em 25/06/2003, como vinculada de seu cônjuge. Após a rescisão do contrato de trabalho de seu cônjuge, a autora aderiu a um contrato particular com a ré, em 17/12/2004, mantendo o mesmo número da carteira, qual seja, 0 193 1700 000 330 00 0. Sustenta que em 18/02/2006 foi constatada na autora alterações cardíacas, assim, teve que ser internada na CTI. Assevera que a autora teve que ser transferida do hospital de Itabira para o Biocor, onde foram realizados novos exames e constatada a urgência de se realizar os procedimentos cirúrgicos, como cateterismo, angioplastia e cirurgia cardiovasculares, que foram negados pela requerida. Afirma que a ré negou os procedimentos com a justificativa que a doença era preexistente e que estava dentro do prazo de carência. Alega desnecessidade de carência em casos de urgência, bem como afirma que não há carência, uma vez que apenas mudou do plano vinculado ao seu cônjuge para um plano particular, sem alterar o número da carteira. Requer a tutela antecipada a fim de determinar que a ré seja obrigada a autorizar a internação da autora pelo tempo necessário ao seu tratamento, bem como a autorizar a realização de todos os tratamentos e procedimentos cirúrgicos. Pede, ao final, que os pedidos sejam julgados procedentes para confirmar a tutela antecipada e a condenação da ré em indenização por danos morais Juntou documentos.

A tutela antecipada foi deferida, conforme decisão de fls. 54/57.

Às fls. 68/72, a ré nomeou à autoria Unimed Itabira Cooperativa de Trabalho Médico, que foi rejeitada, conforme decisão de fls. 130.

Regularmente citada, a requerida apresentou contestação alegando, preliminarmente, vício de representação, ilegitimidade passiva e denunciação a lide. No mérito, alega inexistência de relação jurídica e que a autora não trouxe aos autos elementos caracterizadores da culpa, ou seja, atividade ilícita, existência de dano e o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano causado. Sustenta, ainda, que não há como garantir à autora algo que não foi contratado. Requer, por fim, caso ultrapassadas as preliminares, que sejam julgados totalmente improcedentes os pedidos.

Contestação impugnada às fls. 157/169.

A denunciação a lide foi deferida às fls. 184.

A denunciada a lide, Unimed Itabira Cooperativa de Trabalho Médico, apresentou contestação às fls. 209/212 alegando que o fato da autora apresentar doenças preexistentes, faz com que a negativa tenha sido correta. Sustenta que a autora utilizou de dois contratos distintos. Afirma que a autora firmou contrato com a Unimed Itabira e que a Unimed BH não se furtou ao cumprimento da tutela antecipada. Requer a improcedência da ação.

Contestação da denunciada impugnada pela autora às fls. 257/262.

Contestação da denunciada impugnada pela ré às fls. 271/275.

Decisão saneadora exarada às fls. 290/293, em que as preliminares suscitadas em contestação foram afastadas.

As partes requereram prova oral e prova pericial. Laudo pericial apresentado às fls. 427/432.

Audiência realizada às fls. 514.

Vieram-me os autos conclusos para sentença. Em síntese, era o que tinha a relatar. Decido.

 

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

 

Trata-se de ação de obrigação de fazer c/c danos morais em que a autora requer, em caráter de urgência, a autorização do plano de saúde para realização de procedimentos, quais sejam, cateterismo, angioplastia e cirurgia cardiovasculares. Ainda, pede indenização em danos morais.

 

Preliminares analisadas e rejeitadas às fls. 290/293.

 

Analisando os autos, vê-se que o contrato objeto da presente demanda é de adesão. Isso porque, aquele que contrata o plano de saúde não detém o conhecimento técnico para que se admita estar excluído do atendimento deste ou daquele procedimento médico, sendo que no seu entendimento, ao contratá-lo tem a legitima expectativa de que todos os procedimentos médicos que se fizerem necessários serão cobertos. Caso contrário, o plano de saúde perderia o seu sentido.

Dessa forma, por se tratar de contrato de adesão, é cediço que a interpretação dos contratos devem ser feitas de maneira mais favorável possível ao consumidor, conforme nos traz o Art. 47 do CDC.

Nesse sentido, o entendimento jurisprudencial é pacífico. Veja-se:

(...) As cláusulas contratuais devem ser interpretadas sempre de forma a extrair a máxima utilidade ao consumidor, motivo pelo qual, inexistindo no contrato de seguro-saúde disposição expressa excluindo da cobertura todos os procedimentos que não estiverem especificados em determinada Resolução Normativa expedida pela Agência Nacional de Saúde, o simples fato de o instrumento contratual fazer referência à cobertura básica fixada pela Autarquia Especial indica o mínimo e não o máximo da cobertura de que desfruta o contratante. Não é permitido aos planos de saúde frustrar as legítimas expectativas dos consumidores ao tratamento adequado, situação que por óbvio inclui o correto tratamento do câncer, no esquema em que receitado pelo médico do segurado, quando referida doença se encontra abrangida pela cobertura do plano.” (TJMG. Rel. Selma Marques. Data do Julgamento: 04/11/2009. Data da Publicação: 23/11/2009).

 

Primeiramente, verifica-se que a autora é usuária do plano de saúde contratado com a requerida e que encontra-se adimplente com as mensalidades do plano (fls. 30/52).

Além disso, certo é que a autora era vinculada ao plano desde 25/06/2003, através do plano coletivo empresarial de seu cônjuge, de acordo com o documento de fls. 23, como também, o sumário de alta hospitalar de fls. 24 comprova que a suplicante foi atendida em 17/07/2004, à época da vigência do plano de saúde empresarial, antes da assinatura do contrato particular com a requerida em 17/12/2004.

Dito isso, razão não assiste à ré ao negar o atendimento a autora, alegando doença preexistente e prazo de carência, já que trata-se, no caso, de planos sucessivos, de vínculo contratual único, tendo recebido a autora o mesmo número de associada.

Assim, entendo que mostra-se abusiva a cláusula que exige o cumprimento de novas carências, contrariando a legislação consumerista.

Ademais, compulsando os autos, verifica-se que o procedimento submetido pela autora é considerado de urgência. O laudo pericial às fls. 429 corrobora com a alegação de urgência, na medida que afirma que o quadro clínico apresentado pela autora em 18/02/2006 exigia a adoção de medidas propedêuticas e terapêuticas em caráter de urgência, a fim de evitar a progressão e piora da função cardíaca da suplicante, sendo que se ela não fosse submetida aos procedimentos recomendados pelo médico à época, poderia correr risco de morte (item “c” de fls. 430).

Desse modo, sendo atendimento de urgência, não pode-se falar em carência normal de 24 meses, pelo fato de ser doença preexistente, restando ainda mais evidente a recusa injustificada da ré.

Nesse sentido, também é o entendimento jurisprudencial:


EMENTA: APELAÇÃO - AÇÃO DE REPERAÇÃO DE DANO C/C CANCELAMENTO DE CONTRATO - MIGRAÇÃO DE PLANO DE SAÚDE - DOENÇA PREEXISTENTE - SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA - PERÍODO DE CARÊNCIA - DESCONSIDERAÇÃO - LEI Nº 9.656/98 - DEVER DE RESSARCIR DESPESAS - FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO - DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE - RECURSO ADESIVO - AUSÊNCIA DE PREPARO - DESERÇÃO - RECURSO NÃO CONHECIDO. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para a paciente. Comprovado que a beneficiária do plano de saúde buscou o atendimento em situação de emergência enquadrada nas hipóteses de que trata o art.35-C, da Lei nº 9.656/98, deve-se exigir para efeito de cobertura, somente o prazo máximo de 24 horas de carência previsto em lei, desconsiderando-se a carência prevista para a hipótese de doença preexistente, pois deve ser assegurado ao máximo o acesso ao direito fundamental à saúde e à vida, devendo prevalecer as garantias contratuais condizentes à finalidade do contrato, qual seja: a prestação dos serviços médicos necessários à manutenção da saúde da beneficiária do plano de saúde, sobretudo quando se trata de relação de consumo, na qual o contrato deve ser visto em razão de sua função social. A apelação adesiva desprovida de preparo e sem pedido de justiça gratuita não pode ser conhecida em razão da deserção.  (TJMG -  Apelação Cível  1.0105.12.013868-7/001, Relator(a): Des.(a) Alberto Diniz Junior , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 13/11/2014, publicação da súmula em 25/11/2014)

 

Por todo o exposto, a ré tem a obrigação de autorizar o tratamento da autora, sendo a recusa totalmente injustificada, conforme explicitado.

 

No que tange à indenização por danos morais, tenho que a reparação por danos morais e materiais é assegurada pelo art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, visando amenizar o dano sofrido, dando algum conforto material ao ofendido.

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”

Assim, a responsabilidade civil sintetiza uma “obrigação de reparar os danos sofridos por alguém. Trata-se de indenizar os prejuízos de que esse alguém foi vítima. Fala-se de indenizar porque se procura tornar o lesado indene dos prejuízos ou danos, reconstituindo a situação que existiria se não tivesse verificado o evento causados destes.”1

Em se tratando de danos morais, Professor Antonio Chaves, citado por Clayton Reis, assim expressa: “o dano moral é a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado sem repercussão patrimonial. Seja dor física, (...) seja dor moral”2.

E, para que exista o dever de reparar o dano, é cediço que no ordenamento jurídico brasileiro, tal obrigação, decorre da conjugação de três elementos fundamentais que informam a responsabilidade civil: 1 - Ato ilícito causado pelo agente; 2 - Dano; 3 - Nexo de causalidade entre um e outro (art. 927 c/c art. 186/187, todos do CC/02).

No caso em questão, de início, é bom salientar que o mero inadimplemento contratual não enseja a existência de danos morais. Entretanto, as peculiaridades da relação jurídica regida pelo contrato de plano de saúde demandam tratamento diferenciado no que concerne à existência de danos morais em decorrência da negativa de cobertura.

É o entendimento do STJ:

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. NEGATIVA INJUSTA DE COBERTURA SECURITÁRIA MÉDICA. CABIMENTO. (...) Conquanto geralmente nos contratos o mero inadimplemento não seja causa para ocorrência de danos morais, a jurisprudência do STJ vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura securitária médica, na medida em que a conduta agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, o qual, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada. ( STJ. REsp 1190880 / RS Ministra NANCY ANDRIGHI. J. 19/05/2011)

 

PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PLANO DE SAÚDE. RECUSA INJUSTIFICADA DE COBERTURA DE TRATAMENTO MÉDICO. DESCUMPRIMENTO DE NORMA CONTRATUAL A GERAR DANO MORAL INDENIZÁVEL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO ACERCA DA NÃO APROVAÇÃO DO MEDICAMENTO PELA ANVISA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A recusa injustificada de Plano de Saúde para cobertura de procedimento médico a associado, configura abuso de direito e descumprimento de norma contratual, capazes de gerar dano moral indenizável. Precedentes. ( STJ. AgRg no REsp 1253696 / SP Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. J.18/08/2011 )

 

A requerida pratica ato ilícito quando nega a cobertura de procedimentos cobertos pelo plano de saúde da segurada, procedimentos estes necessários ao tratamento de doenças cardíacas, aumentando ainda mais sua angústia e sua dor, tendo a autora que buscar apoio no judiciário, mesmo tendo cumprido com suas obrigações contratuais, pagando regularmente a mensalidade referente ao plano contratado. Assim, há nexo de causalidade entre o ato ilícito praticado pela ré e o dano sofrido pela autora, cabendo a indenização em danos morais, a fim de reparar os prejuízos sofridos.

Para fixação da indenização por danos morais, deve-se levar em consideração a extensão do dano, nos termos do art. 944 do CC, tendo-se em conta que a reparação do dano moral tem duplo caráter: compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor, bem como o valor arbitrado deverá atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de modo que não enseje o enriquecimento ilícito.

Vejamos:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - REQUERIMENTO DE REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO MÉDICO - PLANO DE SAÚDE - RECONHECIMENTO JUDICIAL DO DEVER DE REALIZÁ-LO - DANO MORAL - PRESENÇA - CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. Os danos morais são cabíveis, mormente provada a violação aos direitos da personalidade da parte, que merecem ser estabelecidos de forma justa e razoável, revelando-se ajustado ao princípio da equidade e à orientação pretoriana segundo a qual a eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em justa medida. (Apelação Cível 1.0145.12.002533-6/001, Relator(a): Des.(a) Otávio Portes , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/02/2014, publicação da súmula em 17/02/2014)

 

Por todo o exposto, a procedência do pedido de indenização por danos morais é medida que se impõe.

Fixo o valor indenizatório em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), montante suficiente para reparar os danos morais sofridos pela autora, sem caracterizar enriquecimento ilícito.

 

Denunciação a lide.

 

Foi deferida a denunciação a lide da Unimed Itabira, sendo que a decisão saneadora (fls. 293) constatou que a Unimed BH deveria permanecer no polo passivo pela negativa e a Unimed Itabira deveria responder por eventual descumprimento contratual.

Verifica-se, também, que o contrato de plano de saúde firmado pela autora deu-se realmente com a Unimed Itabira e que o contrato de prestação de serviços firmado entre o conglomerado Unimed prevê que o beneficiário do plano possui direito de atendimento na área onde ocorra eventual sinistro.

Ainda, conforme item 10 na contestação da litisdenunciada, ela mesma afirma que os documentos acostados aos autos comprovam de forma inequívoca que a autora firmou contrato foi com a Unimed Itabira e que a Unimed BH não se furtou ao cumprimento do determinado na decisão que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela.

Sendo assim, e por tudo já exposto, observa-se que a negativa foi injustificada e que, consequentemente, houve descumprimento contratual por parte da denunciada, quando houve a negativa, por meio da Unimed BH (fls. 27/29), tendo em vista que a autora estava internada em Belo Horizonte, em realizar os procedimentos de urgência.

Portanto, a Unimed Itabira deverá restituir à Unimed BH o valor da condenação da lide principal, bem como os gastos efetuados com os procedimentos cirúrgicos de urgência, deferidos em sede de antecipação de tutela, realizados na autora em área da Unimed BH, nos termos do art. 70, III do CPC, devendo a denunciação a lide ser julgada procedente.

 

 

 

 

III. CONCLUSÃO

 

Posto isso, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais, nos termos do art. 269, I, CPC para determinar que a requerida cumpra o contrato, autorizando os procedimentos cirúrgicos necessários à manutenção da vida e saúde da autora, quais sejam, cateterismo, angioplastia e cirurgia cardiovasculares, confirmando a tutela antecipada anteriormente deferida.Ainda, condeno a ré em indenização a título de danos morais no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), valor esse que deverá ser corrigido monetariamente a contar desta decisão, levando-se em conta os índices da tabela do TJMG e acrescido de juros legais de 1% ao mês, desde a citação, até a data do efetivo pagamento.Condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios aos patronos da autora, que fixo em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação.JULGO PROCEDENTE A DENUNCIAÇÃO A LIDE, para determinar que a denunciada proceda ao ressarcimento à denunciante de todos os valores gastos com os procedimentos cirúrgicos da autora, bem como restitua o valor da condenação em danos morais.Condeno a denunciada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios em favor dos advogados da denunciante, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.Transitada em julgado a presente decisão, e nada requerendo as partes, no prazo de 15 dias, ao arquivo com baixa.

 

P.R.I.

 

Belo Horizonte, 03 de fevereiro de 2015.

 

 

 

Jorge Paulo dos Santos

Juiz de Direito

1 Galvão Telles citado por Direito, Carlos Alberto Menezes. Comentários ao Novo Código Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2004. Pág. 47.

2 Reis, Clayton. Dano Moral. Rio de Janeiro: Forense, 1997. pág.5.