O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal. 3. Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato - tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. 4. No caso dos autos, em que o delito foi praticado com rompimento de obstáculo e em concurso com menor, percebe-se o descomprometimento do Paciente com os valores tutelados pelo direito

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http://jus.com.br/artigos/20140/furto-famelico-natureza-juridica#ixzz3gAB2sYXl

O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal. 3. Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato - tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. 4. No caso dos autos, em que o delito foi praticado com rompimento de obstáculo e em concurso com menor, percebe-se o descomprometimento do Paciente com os valores tutelados pelo direito

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O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal. 3. Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato - tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. 4. No caso dos autos, em que o delito foi praticado com rompimento de obstáculo e em concurso com menor, percebe-se o descomprometimento do Paciente com os valores tutelados pelo direito

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Autos: 0672.2020.005482-9

Autor: Ministério Público do Estado de Minas Gerais

Réu: Renan de Carvalho Nunes

Natureza: Art.121, §2º, incisos II e VI c/c artigo 14, II, ambos do Código Penal

 

 

SENTENÇA

 

Vistos, etc.

 

I – RELATÓRIO

 

O Ministério Público Estadual, por sua representante em exercício perante este Juízo, ofereceu denúncia em desfavor de Renan de Carvalho Nunes, brasileiro, brasileiro, nascido em 24/12/1984, em Sete Lagoas/MG, filho de Iracema Dias Nunes e Benvindo Soares Nunes, portador do RG n.12208692, residente à Rua Papoulas, n.586, bairro Montreal, Sete Lagoas/MG, pela prática, em tese, do crime tipificado no art.121, §2º, inciso II e VI, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal.

Narra a denúncia que no dia 05 de setembro de 2020, por volta das 22h, na rua Papoulas, próximo ao n.622, bairro Montreal, em Sete Lagoas/MG, o denunciado, com animus necandi e por motivo fútil, tentou ceifar a vida da sua companheira P.F.S.C.

Relata que nas circunstâncias de tempo, lugar e modo acima descritos, o denunciado estava em um bar quando começou uma discussão com a vítima pois a mesma comentou com uma amiga que alguns homens do seu trabalho haviam oferecido bebida para ela, fato que deixou o autor enciumado.

Exaltado, o autor começou a agredir a vítima com socos na região da boca e da cabeça, enforcando-a e puxando seus cabelos. Após graves ameaças, o autor saiu do local.

Não satisfeito, o acusado voltou ao local na posse de uma arma de fogo e realizou diversos disparos para cima. Ato contínuo, o réu arrombou o portão da casa e efetuou um disparo de arma de fogo contra a vítima, não consumando o crime por circunstâncias alheias à sua vontade, visto que a mãe da vítima chegou naquele momento e conseguiu tirar a arma das mãos do autor.

Assevera que o crime foi praticado por motivo torpe, vez que o denunciado tentou matar a vítima, imbuído por um sentimento de ciúmes somente pelo fato de alguns rapazes terem-lhe oferecido bebida.

Destaca que o delito foi praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em situação de violência doméstica e familiar. O denunciado era namorado da ofendida e já havia agredido a vítima fisicamente outras vezes e, nesse dia, atentou contra a sua vida, tendo ela conseguido se salvar porquanto sua mãe impediu a ação do agressor.

APFD, fls.02/05.

Boletim de ocorrência, fls.08/15.

Conversão do flagrante em preventiva às fls.58/59.

A denúncia foi ofertada em 29 de setembro de 2020, e recebida em 30/09/2020 (fls.68).

O acusado foi citado à fl.77.

Resposta à acusação às fls.102/108.

Em audiência de instrução e julgamento (fls.123/131), foram colhidos os depoimentos de 03 (três) testemunhas comuns às partes e da vítima, bem como procedido o interrogatório do acusado.

Em sede de alegações finais (fls.132/136), a IRMP pugnou pela improcedência da pretensão punitiva estatal, com a desclassificação do crime imputado, para lesão corporal.

A I. Defesa do acusado, por sua vez, em suas alegações finais (fl.144) requereu o mesmo que o IRMP, acrescentando que a pena seja fixada no mínimo legal; regime inicial aberto e; seja considerada a confissão espontânea do réu.

Vieram os autos conclusos.

Decido, motivadamente.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

Trata-se de ação penal pública incondicionada na qual o Ministério Público do Estado de Minas Gerais imputa ao acusado Renan de Carvalho Nunes, qualificado, a prática do crime tipificado no art.121, §2º, incisos II e VI, c/c art.14, II, ambos do CP.

O feito seguiu seu trâmite regular, com observância do devido processo legal e das garantias a ele inerentes (contraditório e ampla defesa), inexistindo nulidades a serem declaradas de ofício, ou irregularidades a serem sanadas.

Ademais, não há preliminares a serem enfrentadas e não se implementou o prazo prescricional.

 

Do mérito

Nos termos do art.413 do Código de Processo Penal, a decisão de pronúncia deve ser proferida, caso o juiz se convença da existência de provas da materialidade do crime e de indícios suficientes da autoria do acusado, posto que se trata de mero juízo de admissibilidade para remessa do caso à apreciação do Tribunal do Júri.

In casu, a materialidade restou demonstrada através do AFPD de fls.06/09; do Boletim de ocorrência de fls.12/15; Auto de apreensão de fl.17, coadjuvados com a prova oral produzida.

Por sua vez, os fortes indícios de autoria restaram lastreados através dos mencionados APFD e Boletim de ocorrência, aliados à prova oral judicializada.

De início, insta salientar que em virtude de a decisão de pronúncia encerrar mero juízo de admissibilidade da acusação, é desnecessária a certeza jurídica que se exige para uma condenação, atentando-se que em caso de dúvida, deve o juiz pronunciar o réu, para que não seja subtraída a apreciação da causa do Tribunal do Júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, competente para realizar o aprofundado exame das provas e acolher a versão que lhe pareça ser mais verossímil.

Pois bem.

Em Juízo, o acusado Renan de Carvalho Nunes, negou que tenha tido o dolo de matar a vítima, alegando que a arma disparou sem sua intenção, dizendo ainda, que o que houve foram agressões mútuas, conforme de segue:

 

Que entendeu a acusação que pesa sobre ele; que fez um churrasco na casa dele no dia dos fatos; que no final da tarde saiu e foi pra um barzinho; que a filha de criação foi com ele; que por volta das 20h ele foi embora; que ligou pra vítima avisando que chegou; que pediu pra ela voltar pra casa; que a vítima disse que estava na casa do irmão dele; que ele pediu pra vítima voltar pra casa para dar banho na criança; que quando voltou no carro pra pegar o celular, viu que a vítima não tinha desligado o celular; que foi até ela pra avisar que tinha deixado o celular ligado e pedir pra voltar pra casa; que ela estava alterada; que ele e a vítima tinham bebido; que começaram a discutir verbalmente; que entraram em luta corporal; que ela o empurrou e ele a empurrou; que ela arranhou seu rosto; que ela disse que ele não era homem e ele saiu exaltado; que retornou para casa, tomou água e tentou se acalmar; que Priscila não retornou; que não gosta que Priscila e a criança vão até a casa do seu irmão e Maria Helena porque os dois são usuários de crack; que por isso voltou ao local pedindo que ela voltasse para casa; que quando ele voltou, discutiram de novo; que nesse momento a mãe da vítima já estava no local; que teve uma discussão e a vítima entrou para dentro da casa; que a casa tem dois cômodos e um banheiro; que entrou para pedir para ela conversar com ele, mas ela estava alterada; que a mãe da vítima chamou atenção dela pedindo para ela entrar e não “fazer isso”; que a mãe da vítima olhou para ele e viu que ele estava armado; que quando ele foi sacar a arma, disparou sem sua intenção; que ele tinha a intenção de dar um tiro pra cima; que quando ele foi sacar a arma, disparou e pegou na porta; que não lembra de ter disparado a arma na rua; que a mãe da vítima pegou a arma e ficou conversando com ele do lado de fora, pedindo para ele acalmar; que ele viu o pé da vítima pela porta; que quando ele abriu a porta, viu Priscila no chão, ensanguentada; que disse “olha Priscila o que aconteceu, olha que ponto que chegou”; que pediu perdão e falou que ela não ia embora; que ainda são casados; que ela escreveu uma carta para ele no presídio, avisando que tinha feito a carteirinha para visita mas não foi em razão da pandemia; que a mãe da vítima não tinha visto ela caída e ele a avisou; que quando ela viu, se desesperou; que ligou para o SAMU mas já estavam a caminho; que foi até a casa do pai dele.

Respondendo às perguntas da Juíza, disse: que quando discutiram ele empurrou a vítima; que acha que foi um soco; que pegou a arma em um local onde traficantes “vão direto” cobrar drogas do seu irmão; que pegou a arma na intenção de defender a vítima;

 

A ofendida Priscila F.S.C, em juízo, assim afirmou:

 

[…] que morava com o acusado há aproximadamente dez anos; que não estão mais juntos; que ligou pra ele perguntando onde ele estava; que percebeu que ele estava alterado e desligou o telefone; que aproximadamente quinze minutos depois ele chegou com a criança que eles criam; que ele estava alterado e começou a discutir com a vítima; que ele saiu e quando retornou todos que estavam lá começaram a correr e ela se escondeu atrás da porta; que sentiu o tiro “entrando” e depois disso não se lembra de mais nada; que as pessoas correram porque ouviram tiro na parte de fora da casa; que estava em um bar com uma amiga antes de ir para casa; que ela começou a discutir com o acusado; que ele disse que ia levar a criança embora; que ele retornou chamando no portão e a vítima pediu a cunhada dele que fosse abrir o portão; que na discussão que tiveram, o acusado a empurrou em cima de uma bicicleta, lhe deu um murro e ela caiu no chão; que ele não a ameaçou; que após a agressão ele saiu; que quando retornou, ele já estava armado; que a vítima estava segurando a porta para ele não entrar e foi quando sentiu o tiro; que ela sabia que ele possuía a arma; que ela não sabia onde ele guardava a arma; que a mãe dela segurou o acusado; que foi socorrida pelo SAMU; que levou o tiro no pescoço e ficou sete dias no hospital; que não ficou impossibilitada de exercer suas atividades; que não sabe o motivo pelo qual ele fez isso; que o acusado não é muito ciumento; que acredita que ele discutiu com ela porque estava no bar com a amiga; que ele levou a criança para sair e ela o avisou que ia sair com a amiga; que ele efetuou um disparo de arma de fogo nela; que ficou sabendo que ele disparou a arma outras vezes, do lado de fora da casa. Respondendo às perguntas do IRMP disse: que começaram a discutir e ele saiu; que a mãe dela chegou desesperada; que estavam dizendo que ele estava dando tiros “lá fora”; que todo mundo começou a correr; que ela ficou segurando a porta para ele não entrar; que nesse momento ele efetuou o disparo contra ela; que acha que ele não tinha intenção de matá-la; que acha que ele não tinha noção que ela estava atrás da porta; que não sabe o porquê ele estava insistindo em abrir a porta.

Em juízo, a testemunha Raquel Paulo da Silva de Carvalho, mãe da vítima corroborou com as declarações da ofendida, nos seguintes termos:

 

[…] que estava no local dos fatos; que mora nos fundos da casa; que é casada com o irmão do Renan; que na hora ouviu os gritos e a confusão; que quando foi ver o que era, viu que era a filha que estava brigando com Renan; que ela tentou amenizar a discussão; que logo depois dessa discussão o acusado voltou com uma arma; que chegou atirando; que antes de sair o acusado disse “espera aí que você vai ver”; que pediu que a filha fosse para casa dela, mas não deu tempo; que o acusado retornou muito exaltado; que quando eles discutiam eles entraram em luta corporal; que viu que ele tinha bebido e ele estava alterado; que Renan efetuou disparos do lado de fora da casa; que ele foi entrando na direção da vítima; que a vítima se fechou no banheiro; que ele disparou e acertou a filha dela; que ela tentou impedir pedindo pra ele não fazer isso; que lido seu depoimento na delegacia, a testemunha confirmou todo o teor e acrescentou: que implorou para que ele não matasse a sua filha; que Renan e sua filha tinha uma relação de muitas discussões; que quando ele bebia ficava alterado; que não sabe se ele agrediu sua filha anteriormente.

 

A informante Maria Helena, em juízo, declarou:

 

que é cunhada do Renan; que no dia dos fatos a vítima e Renan estavam bebendo o dia inteiro; que à tarde a vítima chamou Naiara, sua filha, para beber; que as duas retornaram e sentaram na mesa da sua casa; que o Renan ligou para a vítima perguntando onde ela estava; que a vítima respondeu que estava na casa do marido da informante; que Renan chegou batendo no portão; que ele já chegou perguntando onde a vítima estava; que quando ele a encontrou já lhe deu um soco e ela caiu no chão; que começou a bater muito na vítima; que a mãe da vítima escutou os gritos e foi tentar separar a briga; que a informante e a mãe da vítima ficaram tentando tirar o acusado de cima da vítima; que o acusado pegava o cabelo da vítima e batia a cabeça dela na parede; que Renan bateu muito nela; que ele saiu jurando “espera aí Priscila, que vou em casa e volto”; que quando ele retornou, todos correram e a vítima estava atrás da porta; que ele só apontou para a porta e deu o tiro; que o tiro pegou no pescoço da vítima e ela caiu; que nesse momento os policiais militares chegaram; que a vítima pediu para ela que não a deixasse morrer; que Renan correu mas os policiais conseguiram abordá-lo; que a vítima foi socorrida; respondendo às perguntas do Ministério Público disse: que o acusado não disse que ia matá-la; que antes do acusado sair ele disse à vítima “você vai ver como é que homem faz”; que ele saiu e quando voltou, já escutaram tiros na rua; que ele abriu o portão, foi entrando na casa, apontou pra porta e disparou; que da porta da sala ele já disparou; que a vítima estava atrás da porta da sala; que quando ela caiu, a cabeça dela ficou caída no banheiro; que os cômodos são bem próximos; que a porta estava encostada e ele atirou no meio da porta; que depois de efetuar o disparo contra a vítima, o acusado apontou a arma para ela; que ela pediu “pelo amor de Deus” e disse que a vítima já estava morta; que quando o acusado viu a vítima no chão, ensanguentada, ele ajoelhou, colocou a mão na barriga dela e disse “mas você não vai morrer não Priscila”; que a mãe da vítima tomou a arma da mão dele; que o acusado depois de proferir as palavras à vítima, saiu chorando; que acha que ele tinha arrependido; que quando ele atirou ele não viu a vítima; que a vítima estava atrás da porta; que ele sabia que Priscila estava dentro da casa, mas não sabia que ela estava atrás da porta.

 

O Policial Militar Adriano Vinícius, em juízo, disse:

 

Que faz parte da quarta viatura que chegou no local; que quando chegaram, o acusado já estava preso; que ajudou a socorrer a vítima que estava baleada próximo ao pescoço; que tentou fazer contato com a vítima posteriormente, pois faz parte do apoio à violência doméstica, mas teve notícias de que a vítima já tinha ido para São Paulo; que sobre os fatos teve notícia de que o acusado efetuou um disparo contra ela; a primeira guarnição localizou o acusado numa garagem próximo ao local; que ele atirou na vítima por motivo fútil; que foi discussão de casal.

 

Pelas provas dos autos, junto às declarações colhidas em juízo, resta comprovada a materialidade e os indícios suficientes de autoria. Necessário reafirmar que nesse momento, não se exige a certeza da prática do crime imputado ao acusado, a dúvida milita em prol da sociedade – in dubio pro societate – e não sobre o réu.

Afim de realizar o juízo de admissibilidade, cabe o apontamento das seguintes questões.

A priori, apesar de a vítima dizer para o Ilmo. Promotor que acha que o acusado não tinha a intenção de matá-la, com a devida vênia, o contexto dos fatos faz crer o contrário. Além disso, vítimas de crimes como esse, praticados no âmbito doméstico, especialmente por ex companheiro, gera um sofrimento psicológico muito grande, afetando a emoção da vítima e dos que estavam presentes.

Ora, o acusado discutiu com a vítima, aparentemente por ela não ter voltado para casa e a agrediu, com socos e empurrões. Não satisfeito, ele saiu, buscou uma arma de fogo e retornou na casa onde a vítima estava. Segundo os relatos colhidos, ele disparou a arma de fogo, do lado de fora da casa – o que pode ser corroborado pelo auto de apreensão que constata a coleta de 03 (três) cartuchos deflagrados – amedrontando todos que estavam lá. A vítima fechou a porta para que o acusado não entrasse na casa e ele disparou um tiro contra a porta, atingindo o pescoço da vítima.

Na oportunidade da instrução, Renan explicou que o motivo pelo qual pegou a arma era para defender a vítima, declaração esta que, a meu ver, não encontra qualquer respaldo nas provas dos autos. Alegou ainda que a arma disparou sem sua intenção, entretanto, já havia disparado outras vezes, do lado de fora da residência. Cabe ressaltar que o acusado, em tese, sabia que a vítima estava no interior da casa, junto com outras pessoas e tinha conhecimento também de que a casa era bem pequena, explicando inclusive, em juízo, o tamanho do lugar. E mesmo assim, efetuou disparo de arma de fogo quando não conseguiu abrir a porta.

Não há no presente caso como fazer um juízo de certeza absoluto que se pode excluir o dolo do denunciado e impronunciar o réu, excluindo a apreciação do Tribunal do Juri. Cumpre lembrar que o Tribunal do Juri é competente para julgamento de crimes dolosos contra a vida, seja dolo direto ou dolo eventual.

Neste diapasão, examinando o acervo probatório constante dos autos, não vislumbro prova contundente acerca de configurar a alegada intenção exclusiva do acusado de lesionar a vítima, capaz de gerar uma desclassificação do delito, nesta fase processual.

Desse modo, comprovada a materialidade delitiva e diante dos indícios de autoria amealhados, a pronúncia é medida de rigor, sobretudo por tratar-se de decisão de admissibilidade da acusação para que os denunciados sejam submetidos a julgamento pelo Juízo natural da causa, a saber o Egrégio Tribunal do Júri.

Em outros termos, não encontrou este Juízo segurança bastante para declarar, acima de qualquer dúvida, que ocorreu uma circunstância que desclassifique a conduta denunciada, razão pela qual, referida matéria há que ser submetida ao Conselho de Sentença.

Quanto às qualificadoras, é sabido que o afastamento, na presente fase, somente pode ser realizado em caso de integral inconsistência, com flagrante desamparo nas provas colhidas. Não é o caso. Seria precoce afastar as qualificadoras (motivo torpe e feminicídio – crime praticado contra a mulher por razões da condição do sexo feminino), recomendando a hipótese sejam elas apreciadas pelo Tribunal Popular. Nesse ínterim, registre-se que, a teor da Súmula 64 do TJMG: deve-se deixar ao Tribunal do Júri a inteireza da acusação, razão pela qual não se permite decotar qualificadoras na fase de pronúncia, salvo quando manifestamente improcedentes.

No que diz respeito às qualificadoras articuladas na denúncia, é de se dizer, inicialmente, que, conforme entendimento consolidado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, somente devem ser decotadas na fase de pronúncia qualificadoras manifestamente improcedentes, não sendo essa a hipótese dos autos.

A propósito:

Na fase de pronúncia basta que a acusação seja admissível para ser submetida ao Tribunal do Júri. Na fase, pois, do ‘iudicium accusationis’, não se pode exigir de forma alguma prova plena ou ampla elucidação da qualificadora que, em verdade, se não for manifestamente improcedente deve continuar integrando a ‘imputatio’(TJF – Recurso Especial n 176.855 – MG – Rel Min. Felix Fischer)



De semelhante teor, a Súmula 64, aprovada à unanimidade pelo Grupo de Câmaras Criminais do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, orienta, verbis:



Deve-se deixar ao Tribunal do Júri a inteireza da acusação, razão pela qual não se permite decotar qualificadoras na fase de pronúncia, salvo quando manifestamente improcedentes.



Com efeito, no caso concreto há indícios de que o crime foi praticado por motivo fútil, em razão de ciúmes e da irresignação do acusado quanto à “desobediência” da sua companheira Priscila, que não queria retornar para casa. Foi praticado também contra mulher, em razão dessa condição, considerando que foi praticado em âmbito doméstico e familiar.

Sob tal enfoque, as qualificadoras insertas na inicial acusatória encontram, ainda que em princípio, sustentação no acervo probatório.

Logo, recomendável que se deixe ao Tribunal do Júri a incumbência de analisar a inteireza da acusação, com todas as qualificadoras constantes da denúncia.

Com efeito, as versões sustentadas pelo Ministério Público e pelas defesas deverão ser confrontadas perante o Tribunal do Júri, por ser o Juízo competente para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, tendo em vista que não vislumbro, nesta ocasião, a presença dos requisitos que conduzam à absolvição sumária do réu.

 

III – CONCLUSÃO

Ante ao exposto, com fundamento no art. 408 do Código de Processo Penal, PRONUNCIO o acusado RENAN DE CARVALHO NUNES, qualificado nos autos, como incurso na descrição típica do art.121, §2º, incisos I e VI, §2º-A, inciso I, do CP, na forma do art.14, II, ambos do CP, para que se submeta a julgamento pelo Tribunal do Júri.

O pronunciado deverá aguardar o julgamento preso, eis que não houve alteração fática que justifique a revogação da prisão preventiva alhures decretada, permanecendo a imprescindibilidade desta para a garantia da ordem pública e proteção da integridade física e psíquica da ofendida, nos termos já fundamentados.

Outrossim, conforme disposto no verbete nº 04 do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais: “Mesmo primário e de bons antecedentes, o réu que se encontrava preso, por força de flagrante ou preventiva, deve permanecer preso após a pronúncia, salvo casos especiais e justificados”.

Intime-se, pessoalmente, o acusado.

Intimem-se o I. Defensor.

Notifique-se o MP.

Transitada em julgado a decisão, remetam-se os autos ao Ministério Público para os fins do art. 421, §1º e art.422, ambos do Código de Processo Penal.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Sete Lagoas, 15 de Março de 2020

 

ELISE SILVEIRA DOS SANTOS

Juíza de Direito