COMARCA DE BELO HORIZONTE-MG

JUÍZO SUMARIANTE DO II TRIBUNAL DO JÚRI

 

Processo nº 0024.19.108.222-1

II Tribunal do Júri – Sumariante

Réu: ANDRÉ CARVALHO SOARES PENA

 

PRONÚNCIA

 

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, no uso de suas atribuições legais, ofereceu denúncia contra ANDRÉ CARVALHO SOARES PENA, brasileiro, nascido em 17 de agosto de 1998, filho de Renato Soares Pena e Maria Gislene Carvalho Idalgino, natural de Belo Horizonte/MG, residente na Rua Engenheiro Zoroastro Torres, nº 461, apartamento 102, bairro Santo Antônio, Belo Horizonte/MG, apontando-o como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, do Código Penal.

 

Consta da exordial, que no dia 14 de outubro de 2019, por volta das 23h00min, na Av. Barão Homem de Melo, nº 4.520, apartamento 505, o denunciado, com dolo homicida, matou a vítima Agne Soares Figueiredo Dias.

 

Sustenta o parquet, que vítima e denunciado haviam acertado um programa sexual. Na noite dos fatos, o réu se dirigiu ao local e, durante o ato sexual, além de estrangular a vítima com as mãos, utilizou um cabo de áudio e vídeo, provocando-lhe lesões corporais que por sua natureza e sede, foram a causa de sua morte, e estão descritas no relatório de necropsia (f. 72/75).

 

Que o crime foi praticado mediante asfixia.

 

De acordo com a denúncia, o crime foi cometido por motivo torpe, pois o acusado resolveu matar a vítima para satisfazer a sua vontade pessoal de matar alguém.

 

Segundo o Ministério Público, a vítima, colhida de surpresa durante o ato sexual, teve consideravelmente diminuídas suas chances de defesa.

 

Foram juntados aos autos:

 

- portaria (f. 01A/01Av);

- relatórios circunstanciados de ocorrência (f. 02/09 e f. 183/186v);

- boletins de ocorrência (f. 36/45, f. 128/134, f. 156/157, f. 173/176, f. 191/199, f. 319/320 e f. 323/326);

- relatório de necropsia (f. 72/121);

- autos de apreensão (f. 152, f. 177, f. 205 e f. 328);

- exame corporal em ANDRÉ (f. 203/203v);

- pesquisa toxicológica para exame de BETA HCG (f. 221);

- levantamentos do local (f. 222/228, f. 238/258 e f. 341/357);

- pesquisa de espermatozoide (f. 229);

- relatórios de investigação (f. 259/287e f. 291/296);

- laudo papiloscópico (f. 338/340);

- análise de conteúdo em registros audiovisuais (f. 477/479);

- CAC’s e FAC’s do denunciado (f. 68/69, f. 148/149, f. 158/159, f. 212/213v e f. 304/306v).

 

A Autoridade Policial representou pela decretação da prisão temporária do acusado (f. 135/136v), com manifestação favorável do Ministério Público (f. 138/140).

 

Foi decretada a prisão temporária em desfavor do réu (f. 141/142) e cumprido o mandado de prisão em seu desfavor no dia 17 de outubro de 2019 (f. 160).

 

A Autoridade Policial pugnou pela conversão da prisão temporária do réu em preventiva (f. 291/296), o que foi deferido aos 11 de novembro de 2019 (f. 297/298).

 

A denúncia foi recebida em 21 de novembro de 2019 (f. 307).

 

Foi impetrado Habeas Corpus em favor do acusado, sendo indeferida a liminar (f. 308/309).

 

ANDRÉ foi devidamente citado (f. 331/332) e apresentou resposta à acusação, se reservando no direito de apreciar o mérito em fase processual oportuna (f. 368/412).

 

A Defesa pugnou pelo relaxamento da prisão do acusado (f. 415/416), tendo o parquet ofertado parecer contrário (f. 417/419).

 

Indeferido o pedido de revogação da prisão preventiva de ANDRÉ (f. 420/421).

 

AIJ realizada em 05 de março de 2020, com a oitiva de 02 (duas) testemunhas e o interrogatório do réu (f. 445/447). Na oportunidade, foi deferido o pedido da Defesa para a instauração de incidente de insanidade mental do réu, sendo suspensos os presentes autos.

 

Pleito defensivo pela concessão da prisão domiciliar ao acusado (f. 449/453), também com manifestação contrária do Ministério Público (f. 454/455).

 

Foi deferido o pedido e concedida prisão domiciliar, com imposição de medida cautelar de monitoração eletrônica (f. 456/457).

 

Foram cadastrados Assistentes de Acusação (f. 484).

 

Anexado laudo de sanidade mental de ANDRÉ (f. 490/494v), que concluiu por sua semi-imputabilidade, com subsequente decisão que o homologou (f. 495).

 

Encerrada a instrução processual, o parquet, em memoriais, pugnou pela pronúncia do acusado, nos termos da denúncia (f. 496/498v).

 

A Assistente de Acusação, em alegações finais, pugnou, preliminarmente, pela inclusão da qualificadora do feminicídio, além da pronúncia do acusado (f. 499/507).

 

A Defesa (f. 508/521) alegou, de forma preliminar, a inimputabilidade do acusado. Além disso, sustentou a aplicação de medida de segurança, a fim de que o réu seja submetido a tratamento ambulatorial, e o descabimento da inclusão da qualificadora do feminicídio. Requereu, ainda, o decote das qualificadoras.

 

É o relatório. DECIDO.

 

PRELIMINARES.

 

 

I. Da inclusão da qualificadora do feminicídio

 

 

A assistente de acusação, em memoriais (f. 499/507), requereu, em sede preliminar, a inclusão da qualificadora do art. 121, inciso VI, do CP, que encontra embasamento fático nas provas produzidas durante o inquérito e instrução processual.

 

Em análise minuciosa aos autos, verifica-se que a qualificadora do feminicídio, pretendida pela assistente de acusação, não foi devidamente narrada na denúncia, tampouco, aditada na forma do art. 384 do Código de Processo Penal.

 

Como sabido, não se desconhece a possibilidade de o Magistrado impor ao fato definição jurídica diversa da constante na denúncia. Todavia, mostra-se imprescindível que a nova capitulação se adapte aos fatos nela narrados, dos quais se defende o acusado, conforme preceitua o art. 383 do Código de processo Penal. Sobre o assunto, leciona Paulo Rangel:

 

É a correlação que deve existir entre o que se pediu e o que foi concedido. Trata-se de uma garantia processual decorrente do princípio constitucional da ampla defesa visando impedir surpresas desagradáveis ao réu comprometendo sua dignidade enquanto pessoa humana.

O princípio em epígrafe vem ao encontro dos direitos de ampla defesa, do contraditório e dos poderes de cognição do juiz (limitado que é pelo objeto do processo). Nesse caso, todos os pedaços do fato que não constam do objeto do processo, porém que mudam a acusação e dos quais o réu não se defendeu, somente poderão ser conhecidos pelo juiz, em sua sentença, se houver o aditamento a denúncia e, mesmo assim, se surgirem através de provas, substancialmente, novas a fim de evitar o arquivamento implícito do inquérito policial. Do contrário, a sentença será manifestamente nula. (O garantismo penal e o aditamento à denúncia. Jus Navigandi: Teresina, dez. 2000)”.

 

Por outro lado, é defeso ao julgador decidir fora dos estritos termos da narrativa contida na exordial, como é o caso em questão, pois, o Ministério Público tão somente mencionou que o acusado resolveu matar a vítima para satisfazer vontade pessoal, sem qualquer menção de ter sido o crime cometido contra mulher em razão da condição do sexo feminino, nem mesmo implicitamente, tornando-se patente a obstrução ao exercício de ampla defesa do réu. Nesse sentido:

 

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. PRELIMINAR DA DEFESA DE NULIDADE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA REJEITADA. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. LEI No 11.343/06. PRELIMINAR DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ACOLHIDA. CONDENAÇÃO EMBASADA EM FATO NÃO NARRADO NA DENÚNCIA. SENTENÇA "EXTRA PETITA". ABSOLVIÇÃO. RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA Nº 160 DO STF. - Ausentes provas de prejuízos à parte, afasta-se a alegação de nulidade do processo suscitada pela defesa. - Fere o princípio da correlação e, consequentemente, a ampla defesa e o contraditório, a prolação de condenação por fato diverso do exposto na denúncia, contra o qual se defende o réu, por inobservância do art. 384 do Código de Processo Penal. - Não tendo o órgão ministerial aditado a petição inicial, inviável é a este Tribunal de Justiça reconhecer a nulidade em prejuízo do réu, haja vista que o recurso em análise é exclusivo da defesa, impondo-se, por consequência, a improcedência da denúncia e absolvição do acusado, em consonância com o teor da Súmula nº 160 do STF.  (TJMG- Apelação Criminal1.0301.08.042191-2/001, Relator(a): Des.(a) Catta Preta, 2ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 23/06/2016, publicação da súmula em 04/07/2016).

 

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - RECEPTAÇÃO - INOBERVÂNCIA DA CORRELAÇÃO ENTRE ACUSAÇÃO E SENTENÇA - DENÚNCIA QUE NARRA O DELITO DE ROUBO MAJORADO - SENTENÇA QUE DESCLASSIFICA A CONDUTA PARA RECEPTAÇÃO - AUSÊNCIA DE ADITAMENTO DA PEÇA ACUSATÓRIA - OFENSA AO ART. 384 DO CPP - CIRCUNSTÂNCIAS DA NOVA DEFINIÇÃO JURÍDICA NÃO NARRADAS E ADITADAS NA EXORDIAL - ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE - SÚMULAS 160 E 453 DO STF - DE OFÍCIO, ABSOLVER O APELANTE. RECURSO PREJUDICADO . - Considerando que o réu se defende dos fatos narrados na inicial acusatória, é defeso ao julgador decidir fora dos estritos termos da narrativa contida na denúncia. - Verificado que o réu fora inicialmente denunciado pela prática do delito de roubo majorado e que durante a instrução criminal houve produção de novas provas a eximi-lo do envolvimento na subtração da res, mas, ao mesmo tempo, a imputar-lhe a prática do delito de receptação, o aditamento da inicial, com as novas circunstâncias devidamente delineadas é medida imperativa para autorizar a condenação do réu pela prática do delito disposto no art. 180 do CP. - Ausente a necessária mutatio libeli a descrever a nova conduta delitiva atribuída ao réu nas conformidades do art. 41 do CPP, a absolvição do apelante é medida que se impõe, por nítida ausência de correlação entre denúncia e sentença. - Ante a inexistência de recurso interposto pela acusação, a anulação da sentença torna-se inviável, uma vez que tal medida configuraria nítida reformatio in pejus, consoante o que preconizam as súmulas n.º 160 e 453, ambas do STF. (TJMG- Apelação Criminal 1.0024.13.177076-0/001, Relator(a): Des.(a) Nelson Missias de Morais, 2ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 11/06/2014, publicação da súmula em 30/06/2014).

 

APELAÇÃO - ART.243 DO ECA - PENAL E PROCESSO PENAL - DENÚNCIA - INÉPCIA - OCORRÊNCIA - SENTENÇA CONDENATÓRIA PROFERIDA - ABSOLVIÇÃO EM GRAU DE RECURSO - POSSIBILIDADE. Sendo a inicial acusatória imprecisa e lacônica, não descrevendo ainda que forma sucinta as circunstâncias do dolo do acusado, reconhecida deve ser a sua inépcia, com base no preconizado no art.41, CPP. Se a denúncia inepta foi recebida pelo Juiz singular, chegando-se o mesmo “a prolatar nos autos sentença condenatória, em grau de recurso, a única solução possível é a absolvição, por não se poder aplicar na segunda instância a regra do art. 384 e parágrafo único, do CPP.  (TJMG - Apelação Criminal 1.0451.05.002822-9/001, Relator(a): Des.(a) Vieira de Brito, 5ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 24/06/2008, publicação da súmula em 16/07/2008)”.

 

Por tudo isso, rejeito a preliminar suscitada pela assistente de acusação e mantenho inalterada a capitulação da exordial acusatória.

 

 

II. Da inimputabilidade do acusado

 

 

A Defesa do acusado, às f. 508/521, requereu, preliminarmente, a absolvição do acusado pelo reconhecimento de sua semi-imputabilidade.

 

Razão não lhe assiste, vez que o laudo de f. 490/494v concluiu pela sua semi-imputabilidade, atestando que “havia redução da capacidade de determinação em razão de perturbação da saúde mental”.

 

Diante disso, resta demonstrada a adequação do quadro clínico do réu ao parágrafo único do art. 26, do CP, que estabelece, como causa de redução de pena, o estado de perturbação de saúde mental.

 

Assim, a redução da capacidade de determinação do acusado não é causa para absolvição, como alegado pela Defesa. Nesse sentido, tem-se entendimento do E. Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

 

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - SENTENÇA DE PRONÚNCIA - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – SEMI-IMPUTABILIDADE - PRETENSÃO INVIÁVEL - PROVA DA MATERIALIDADE DO DELITO E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA - MATÉRIA AFETA AO TRIBUNAL DO JÚRI. Não demonstrado que o acusado padecia de perturbação mental que o tornasse inteiramente incapaz de compreender o caráter ilícito de sua ação ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, incabível sua absolvição sumária pela inimputabilidade. A semi-imputabilidade revela-se como causa de diminuição da pena (art. 26, parágrafo único, do CP) e não enseja, portanto, por si só, a absolvição sumária.

 

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. PRONÚNCIA. PRELIMINAR DE NULIDADE. AUSÊNCIA DE APRECIAÇÃO DE TESE DEFENSIVA. INOCORRÊNCIA. REJEIÇÃO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. INADMISSIBILIDADE. INIMPUTABILIDADE NÃO COMPROVADA. PRELIMINAR REJEITADA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. (...) 3. Para ser acolhida a tese de exclusão da culpabilidade - inimputabilidade - as provas devem ser seguras e incontroversas, do contrário, reserva-se ao crivo do Tribunal do Júri a análise da questão. 4. A semi-imputabilidade, por se tratar de mera causa de diminuição de pena (art. 26, parágrafo único, do CP), não exclui a culpabilidade do acusado e não enseja, portanto, por si só, a absolvição sumária. 5. Preliminar rejeitada. Negado provimento ao recurso. Grifei.

 

Dessa maneira, como sabido, tal condição do acusado deve ser analisada apenas na terceira fase da aplicação da pena, o que não ocorre nesse momento procedimental.

 

Assim, afasto a preliminar suscitada pela Defesa.

 

MÉRITO

 

A materialidade do crime praticado contra Agnes Soares Figueiredo Dias encontra-se consubstanciada no relatório de necropsia (f. 72/121), onde consta que o óbito se deu em virtude de asfixia mecânica por constricção cervical extrínseca.

 

Os indícios de autoria também estão demonstrados, o quanto bastam nessa fase sumariante.

 

O réu ANDRÉ CARVALHO SOARES PENA, em interrogatório (f. 445/447), disse que os fatos são verdadeiros. Que durante a relação sexual teve vontade de matar a ofendida. Que não tinha planejado isso, mas que já tinha sentido vontade de matar alguém anteriormente. Que nunca fez tratamento a respeito disso, nem comentou sobre o assunto com algum familiar ou amigo, por ser mais reservado. Que está arrependido dos fatos. Que a vítima atrasou um pouco para realizar o programa, o que o chateou um pouco. Que não conversou com a vítima antes do ato sexual.

 

Da mesma forma, na fase inquisitorial (f. 200/202), o réu confessou a prática do crime:

 

“…Que o declarante por livre e espontânea vontade, sem nenhum motivo que desse causa, decidiu esganar Agne (Maitê) com as próprias mãos; que em relação ao momento do crime o declarante esclarece que Agne estava na cama, na posição sexual “de quatro” e o declarante estava por trás dela; que num dado momento o declarante posicionou as mãos no pescoço de Agne (Maitê) e disse a ela: “vou te matar!”, conforme se expressa; que então Agne (Maitê) virou o rosto para trás e sorriu para o declarante; que então o declarante começou a apertar o pescoço de Agne com toda a força possível, sendo que num dado momento ambos caíram da cama; (…) e voltaram para a cama, onde o declarante finalmente conseguiu esgá-la e ela perdeu os sentidos; (…) que depois de perceber que Agne estava inconsciente o declarante foi até a televisão e retirou um fio, o qual enrolou no pescoço de Agne, deu duas voltas, e apertou ainda mais para ter a certeza que ela estava morta; que após verificar que Agne estava morta o declarante foi até o banheiro, abriu a torneira e fez uma concha com as duas mãos para pegar água do quarto e levar até a cama onde o corpo de Agne estava, para de uma forma precária, tentar lavar o corpo dela, e retirar resquícios de saliva do declarante, pois ele havia beijado o corpo dela, e dificultar o trabalho da polícia, conforme se expressa; que o declarante informa que depois de lavar, precariamente, o corpo de Agne, o declarante secou com uma toalha e então carregou nos braços o corpo dela até o banheiro e a colocou sentada no vaso sanitário, posição na qual a vítima foi encontrada, fechando a porta...” f. 201 – grifei.

 

VANDERSON LOPES, em Juízo (f. 445/447), esclareceu que é síndico do prédio onde se deram os fatos e que, a respeito do crime, ficou sabendo que a amiga de Agnes, de nome SABRINA, encontrou-a no banheiro e foi até a portaria falar com o porteiro, que então, ligou para o depoente. Que o porteiro lhe disse que Agnes tinha passado mal, mas quando chegou no prédio, a médica do SAMU, por telefone, lhe pediu para ir até a vítima para verificar se ela tinha pulso. Que a vítima já havia falecido. Que, logo após, chegou a equipe do SAMU e, em seguida, a polícia. Que verificou as imagens do sistema de câmeras de segurança e o registro dos cadastros da portaria e constatou que a última pessoa que tinha ido até o apartamento de Agnes havia sido ANDRÉ. Que, ao se deparar com o nome do réu, o policial percebeu se tratar de pessoa que estava desaparecida desde a noite anterior. Que de acordo com as imagens das câmeras, o acusado ficou exatamente 60 (sessenta) minutos dentro do prédio. Que o réu, ao chegar no condomínio, se identificou com o porteiro, conforme procedimento padrão do edifício. Que pelas imagens, ANDRÉ aparentava estar normal, não demonstrava qualquer emoção. Que não tem contato com os moradores do prédio e que existe movimentação suspeita no condomínio de pessoas que, possivelmente, poderiam realizar programas, mas que não pode atestar esse fato. Que foram implementadas medidas no edifício a fim de inibir essa prática. Que SABRINA, amiga de Agnes, também era moradora do condomínio.

 

JONATAS AUGUSTO DA SILVA MOURA, policial civil, ouvido sob o crivo do contraditório (f. 445/447), afirmou que participou ativamente nas investigações do homicídio em questão. Que a autoria foi apurada através das informações fornecidas pela portaria. Que os registros de entrada e saída do prédio e as imagens da câmera de segurança apontavam ANDRÉ como um dos suspeitos e, assim, foram até a residência dele. Que a mãe do réu lhe disse que ele estava desaparecido. Que conversou com a família e amigos do acusado, e relataram que o réu lhes confidenciou que tinha feito alguma coisa, e que não poderia retornar para casa por causa disso. Que foi até a rodoviária, e lá verificou que ele tinha viajado para Curitiba. Que após, o réu se apresentou na Delegacia e, na companhia de seu advogado, confessou a prática do delito. Que o réu disse que foi ao encontro da vítima sem a intenção de matá-la, mas que, durante o programa, surgiu tal vontade. Que o acusado disse que desde a morte de seu pai, passou a querer matar alguém e que, durante o ato sexual, a vontade veio à tona e que, por isso, começou a estrangulá-la.

 

Relatou ainda a testemunha, que o réu disse que apertou o pescoço da vítima até ela desmaiar e que, depois, pegou o cabo de televisão para matá-la, arrastou o corpo para o vaso. Que posteriormente o réu arrumou o quarto, pegou o preservativo e o celular da vítima e desceu calmamente para a portaria. Que jogou fora o preservativo e o celular da ofendida, foi para casa, procurou uma passagem para fora de Belo Horizonte e pegou o ônibus para Curitiba. Que conversou com colegas do réu, e que todos disseram que ele era uma pessoa reservada, bom aluno e trabalhador. Que ANDRÉ disse que nunca namorou, porque era muito tímido e tinha dificuldade de se portar com as mulheres, tem impotência sexual e que teve relações sexuais com outras garotas de programa. Que o acusado relatou não possuir nenhum problema mental, disse não ter escutado vozes ou qualquer outra coisa, e que somente teve vontade de matar.

 

Foram anexadas as imagens (f. 259/287), contidas no relatório de investigação, referentes ao circuito interno de câmeras de segurança do edifício onde ocorreu o crime, com as sequências de atos como narrado pela testemunha e pelo próprio réu.

 

Além disso, consta do feito o bem confeccionado relatório de investigação às f. 291/296, apontando a possível autoria, dinâmica e motivação do delito.

 

Dessa forma, considerando que os indícios de autoria, inclusive diante da confissão do réu, somados à comprovada materialidade, restam preenchidos os requisitos necessários para a pronúncia que, por consequência, aqui se impõe, nos exatos termos do art. 413, caput, do CPP, cabendo ao Conselho de Sentença, Juiz Natural da causa, apreciar de forma mais aprofundada o conjunto probatório e proferir decisão sobre a questão.

 

Importa ressaltar que a decisão de pronúncia, por sua natureza, não exige prova plena da autoria delitiva, pois, reveste-se de simples juízo de probabilidade, o que torna dispensável um juízo de certeza que é necessário apenas para a condenação.

 

Quanto às qualificadoras do crime, é lição doutrinária e jurisprudencial que o seu reconhecimento ou não se submete ao exame crítico da prova em ambos os sentidos, com o acréscimo de que, a não ser em casos bastante claros, a faculdade para tal apreciação comunica-se com a soberania do Júri Popular.

 

A propósito, o Tribunal de Justiça Mineira já sumulou o tema: “Deve-se deixar ao Tribunal do Júri a inteireza da acusação, razão pela qual não se permite decotar qualificadoras na fase da pronúncia, salvo quando manifestamente improcedentes” (TJMG – Súmula 64).

 

Em razão disso, as qualificadoras articuladas na denúncia somente devem ser afastadas quando manifestamente improcedentes e de todo descabidas.

 

Com relação à qualificadora do motivo torpe (“ANDRÉ resolveu matar Agne para satisfazer a sua vontade pessoal de matar alguém” - f. 01D), entendo sustentável sua manutenção, considerando o depoimento do próprio réu, e da testemunha, ambos ouvidos em AIJ (f. 445/447), supramencionados, sem necessidade de novas transcrições.

 

No que se refere a qualificadora do art. 121, § 2°, inciso III, do Código Penal, emprego de asfixia (“…durante o ato sexual, além de estrangular a vítima com as mãos, terminou de matá-la com um cabo de áudio e vídeo…” - f. 01D), entendo sustentável, considerando os depoimentos de ANDRÉ em sede de Inquérito Policial (f. 200/202) e do levantamento de local (f. 238/258):

 

“… Diante do exposto, concluem os Peritos Criminais, signatários do presente laudo, que ocorreu no local em tela uma morte violenta (homicídio), perpetrada mediante asfixia mecânica (estrangulamento por cabo RCA), precedida de luta corporal…” f. 240.

 

Já a qualificadora do art. 121, § 2º, inciso IV do CP, recurso que dificultou a defesa da vítima (“…a vítima, colhida de surpresa durante o ato sexual, teve consideravelmente diminuídas suas chances de defesa…” - f. 01D), também é sustentável, com base no depoimento da testemunha JONATAS AUGUSTO DA SILVA MOURA, em Juízo (f. 445/447), como anteriormente citado.

 

Pelo exposto e por tudo mais que dos autos consta, PRONUNCIO o acusado ANDRÉ CARVALHO SOARES PENA, já qualificado, nas sanções dos art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, do Código Penal, para submetê-lo a julgamento perante o soberano Tribunal do Júri.

 

Analisando o feito e considerando o que está disposto no art. 413, § 3º do CPP, MANTENHO a monitoração eletrônica de ANDRÉ CARVALHO SOARES PENA, já qualificado, pelos fundamentos expostos nas decisões de f. 297/298 (que decretou a prisão preventiva do acusado), f. 420/421 (que manteve a prisão), pois, ainda que encerrada a instrução processual, estão presentes os requisitos necessários à sua manutenção.

 

Preclusa a decisão, remetam-se estes autos ao Juiz Presidente do II Tribunal do Júri, com nossas homenagens.

 

Belo Horizonte, 16 de março de 2021.

 

 

Âmalin Aziz Sant’Ana

Juíza Sumariante

II Tribunal do Júri