COMARCA DE BOM DESPACHO/MG

2ª VARA

 

Autos nº: 0074.11.004444-8

Ação: Indenização por Danos Morais

Requerente: Haroldo de Sousa Queiroz

Requeridos: Imagem Editora Ltda e Fernando José Castro Cabral

 

SENTENÇA.

 

Vistos etc.

I - RELATÓRIO

Haroldo de Sousa Queiroz, devidamente qualificado, ajuizou a presente ação de indenização por danos morais em face do Jornal de Negócios (Imagem Editora Ltda) e Fernando Cabral (Fernando José Castro Cabral). Sustenta o autor (então prefeito municipal) que os réus feriram explicitamente sua dignidade, honra e imagem através de charges divulgadas no jornal da primeira requerida, sendo que esta possui uma coluna assinada pelo segundo requerido, que segue a mesma linha agressiva e leviana, produzindo clara ofensa à honra e imagem do autor. Alega também que o segundo requerido possui um blog onde costuma desferir ofensas e calúnias contra o autor, sendo que aquele também, em entrevistas à rádio local, desmoralizou o autor com termos agressivos e desonrosos. Ao final, requereu a condenação dos réus no pagamento de indenização pelos danos morais causados pelas ofensas praticadas. Instruiu a petição inicial com a procuração e documento de fls. 12/13.

A requerida Imagem Editora Ltda apresentou contestação às fls. 20/44, instruída com os documentos de fls. 45/65, alegando preliminares de: a) litispendência, visto que corre na 1ª Vara da Comarca os autos 0026346-40.2011.8.13.0074, idêntica ação de indenização por danos morais, em face dos mesmos requeridos, com mesmos fatos e mesmos pedidos; b) conexão de ações, na forma do art. 103 do Código de Processo Civil. Arguiu preliminar de mérito, requerendo que seja aplicada a exceção da verdade, na forma do direito penal e, no mérito propriamente dito, requer a improcedência do pedido indenizatório, visto que agiu sempre no estrito cumprimento do dever legal de informar e, quem age no exercício de um direito, não pratica ilícito. Requer, ainda, o sobrestamento do feito até o julgamento de ações civis públicas e execuções que correm contra o autor.

Por sua vez, o requerido Fernando José Castro Cabral apresentou contestação às fls. 66/125, instruída com os documentos de fls. 126/ 4.809, arguindo preliminares de: a) litispendência, aos argumentos de que corre na 1ª Vara da Comarca os autos 0026346-40.2011.8.13.0074, idêntica ação de indenização por danos morais, em face dos mesmos requeridos, com mesmos fatos e mesmos pedidos; b) continência de ação, visto que se trata de ação continente que tramita na 1ª Vara da Comarca; c) conexão de ações, porque esta ação é idêntica a que tramita na 1ª Vara; d) carência de ação, pois é vereador e a Constituição da República, em seu artigo 29, VIII, lhe garante a inviolabilidade por suas opiniões palavras e votos. Argui preliminar e mérito de exceção da verdade, como aplicada no direito penal. No mérito propriamente dito, em apertada síntese, requer a improcedência do pedido indenizatório, alegando que agiu no exercício regular de um dever-poder, não praticando ilícito. Afirma que as charges não são de sua responsabilidade, não devendo falar sobre elas; que não praticou calúnia ou difamação contra o autor, visto que agiu sob a égide da Constituição da República; que o autor é tudo que o vereador (segundo réu) lhe imputou, ou seja, estelionatário, chefe de quadrilha, fraudador de licitações, concussionário e muito mais. Requer, ainda, o sobrestamento do feito até o julgamento de ações civis públicas que tramitam na Comarca contra o autor.

Impugnação às fls. 4812/4825, onde ou autor reiterou os pedidos iniciais.

Intimadas as partes para especificação de provas, manifestaram às fls. 4830, 4831/4832 e 4903/4904.

Pela decisão de fls. 4908/4912, foram rejeitadas as preliminares e indeferida produção de prova pericial, designando-se audiência de instrução e determinando-se a oitiva de testemunhas não residentes na Comarca.

Em face da decisão de fls. 4908/4912, foi interposto agravo retido pelo segundo requerido, sendo que, após contraminuta do autor (fls. 4930/4931), a decisão foi mantida por seus próprios fundamentos (fl. 4936).

Realizada audiência de instrução e julgamento (fl. 4974), foi tomado depoimento pessoal do segundo requerido (fl. 4975) e ouvidas 04 (quatro) testemunhas (fls. 4976/4981).

Suscitado conflito negativo de competência entre a Justiça Comum e a Justiça Eleitoral (fls. 4995/4996 e 4999/5000), foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, que declarou a competência deste juízo para o julgamento da presente demanda (fls. 5022/5030).

Alegações finais apresentadas pelos requeridos às fls. 5045/5047 e 5065/5066.

É o relatório. Decido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação e não havendo nulidades a serem declaradas de ofício, tampouco outras preliminares a serem enfrentadas, visto que já analisadas na decisão de fls. 4908/4912, passo ao exame do mérito.

Trata-se de pedido de indenização por danos morais, sustentando o autor que os requeridos publicaram charges e matérias ofensivas à sua honra e imagem.

Cumpre consignar que as liberdades de manifestação do pensamento, expressão e informação são consideradas direitos fundamentais, conforme art. 5º, incisos IV, IX e XIV, da Constituição Federal.

Do mesmo modo, também constitui direito fundamental da pessoa humana a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem, sendo assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, conforme art. 5º, inciso X, da Constituição Federal.

Como se sabe, os direitos fundamentais não são absolutos, sendo a relatividade ou limitabilidade uma de suas características, ou seja, tais direitos devem ser interpretados e aplicados levando-se em consideração os limites fáticos e jurídicos existentes, sendo que tais limites são impostos pelos outros direitos fundamentais.

Ressalte-se também que, de acordo com as características da indivisibilidade e interdependência, os direitos fundamentais estão vinculados uns aos outros, compondo um único conjunto de direitos, devendo coexistirem no lugar de se anularem.

Pode-se, destarte, concluir que o exercício de um direito fundamental não pode ser utilizado como escudo para a prática de atos ilícitos, que agridam outros direitos de igual envergadura.

Assim, aquele que, no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar os danos morais e materiais.

Com relação à situação específica da presente demanda, de acordo com o autor, se sentiu afrontado em sua honra pelas matérias e charges divulgadas no “Jornal de Negócios”, páginas 3, 5 e 8, edição nº 1.165, datado de 28 de agosto a 3 de setembro de 2011, conforme exemplar juntado à fl. 13, de propriedade do primeiro requerido, onde o segundo requerido era colunista.

As matérias que, segundo o autor, ofenderam sua honra, são aquelas constantes das páginas 3 e 5 do aludido jornal, com os títulos “Prefeito na corda bamba” e “Cidade comemora: MP pede afastamento imediato do prefeito Haroldo Queiroz”, nos seguintes trechos:

Bom Despacho está na expectativa diante do pedido de afastamento do prefeito Haroldo Queiroz e seu assessor Acir Parreiras, feito à Justiça pelo Ministério Público Estadual. O motivo são os documentos obtidos na operação Cosa Nostra, realizada na cidade dia 29 de junho, que comprovam o enriquecimento ilícito do Prefeito, fraudes e desvio de dinheiro público na Prefeitura...”.

 

...A Justiça pode levar muito tempo para julgar esse pedido. Provavelmente, anos. Mas, se demorar tanto, não só Haroldo continuará desviando dinheiro, mas também terá tempo para destruir as provas e ainda fazer sumir o patrimônio acumulado. Se isso acontecer, há o risco de o dinheiro não ser nunca mais recuperado...”

 

Já quanto à charge publicada na página 8, o autor alega que o expõe à situação vexatória, com os bolsos derramando dinheiro, em uma sala com a mesa com outros sacos de dinheiro, sendo perseguido pelas eleitoras e pelo Ministério Público, dando a entender que seria ladrão e desonesto.

O autor também alega que o segundo requerido mantém um “blog” na internet onde costuma proferir ofensas e calúnias contra o autor, bem como concede entrevistas em rádio local desmoralizando-o com termos agressivos e desonrosos, acusando o autor de participar de uma “quadrilha” para efetuar “roubalheira” na prefeitura e distribuir “mensalinho”.

Por sua vez, o segundo requerido, conforme fl. 68, não contesta a autoria e o teor dos textos apresentados pelo requerente, inclusive confirmando-os, exceto no que concerne às charges, que diz que não são de sua responsabilidade.

No caso em tela, ao meu ver, os requeridos, a pretexto de estarem exercendo direito de manifestação de pensamento, expressão e informação, desrespeitaram o direito à intimidade, vida privada, honra e imagem do autor, ao publicarem as mencionadas matérias e charges, que não tiveram conteúdo meramente informativo, pois foi emitido juízo de valor depreciativo acerca das condutas que estariam sendo atribuídas ao autor.

Como visto, restaram evidentes a autoria das ofensas, sendo que as matérias publicadas foram de autoria do segundo requerido, Fernando José Castro Cabral, veiculadas no jornal da primeira requerida, Imagem Editora Ltda, sendo que esta última foi responsável exclusiva pela charge constante da página 8 do tabloide juntado à fl. 13 dos autos.

Como consta acima, com relação à ofensas divulgadas na internet e rádio local, a autoria foi assumida pelo segundo requerido.

Entendo que eventual exceção da verdade não tem o condão de modificar a ilicitude da conduta dos requeridos, razão pela qual os documentos juntados às fls. 140/4809 e depoimentos das testemunhas de fls. 4976/4981, são irrelevantes para o julgamento da presente demanda.

Digo isso, porque, como dito acima, os direitos fundamentais são dotados de características, dentre elas a irrenunciabilidade, inalienabilidade e universalidade. Assim, sendo ou não provados os fatos descritos nas matérias publicadas pelos requeridos, nem por isso deixaria o autor de ser titular de seus direitos fundamentais, dentre eles a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem, conforme previsão do art. 5º, inciso X, da Constituição Federal.

Mesmo sendo pessoa pública, por exercer o cargo de prefeito do município, entendo que seus direitos fundamentais permanecem intangíveis, diante do princípio constitucional da igualdade, sendo que eventuais exposições públicas de sua imagem, poderão afetar sim sua autoestima.

Além disso, as matérias e charges foram publicadas baseadas em fatos em apuração em processos judiciais, sem sentença judicial transitada em julgado, todavia atribuindo-se, perante a população em geral, os fatos como se fossem incontroversos.

Como se sabe, a mesma Constituição Federal que garante aos requeridos o direito de informação e manifestação de pensamento, garante ao autor a presunção de inocência.

Nesse ponto, cabe salientar que em cidade do interior mineiro, com menos de 40.000 eleitores1, a atuação política do autor é vinculada à sua imagem enquanto integrante do povo da municipalidade, visto que dificilmente seus eleitores farão distinção sobre tal fato.

Levando-se em consideração as circunstâncias em que foram publicadas as matérias e charges de fl. 13, resta evidente a existência do animus injuriandi dos requeridos.

Enfim, tendo os requeridos, no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, violado direito fundamental do autor, ficam obrigados a reparar os danos morais a ele causados.

Alegam os requeridos que o segundo, Fernando José Castro Cabral, gozava, à época, da inviolabilidade de suas opiniões, devido à sua condição de vereador.

O art. 29, inciso VIII, da Constituição Federal, estabelece que a “inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município(Negritei).

Desse modo, deve ser analisado se as matérias de autoria do vereador (segundo requerido) extrapolaram os limites da imunidade constante da norma acima citada, atingindo a honra e a imagem do autor (prefeito).

Entendo que a inviolabilidade do vereador, embora alcance o campo da responsabilidade civil, não é de forma absoluta, devendo ter aplicação somente quando a ofensa houver sido feita no efetivo exercício do mandato e no limite de circunscrição do município.

No presente caso, verifica-se que as matérias ofensivas foram publicadas em jornal pertencente a pessoa jurídica de direito privado (Imagem Editora Ltda – fls. 46/51), em que o segundo requerido era colunista, e não em documento institucional da Câmara Municipal, o que demonstra que não foram realizadas no efetivo exercício do mandato.

Além disso, conforme expressamente consta do “expediente” da página 15 do jornal juntado aos autos, este, com tiragem de 6.500 cópias, além de ter sido de distribuição livre em Bom Despacho e Engenho do Ribeiro, era dirigido aos Municípios de Martinho Campos, Moema, Luz, Pompéu, Abaeté, Luz e Nova Serrana, o que demonstra que as opiniões do segundo requerido (então vereador), sendo ou não no exercício do mandato, extrapolaram a circunscrição do Município de Bom Despacho, não podendo, portanto, ser protegido pela inviolabilidade. Tal fato, por si só, afasta a imunidade parlamentar.

Ora, é indubitável que o vereador possui função fiscalizadora, mas esta deve se ater à investigação das irregularidades e seu apontamento à sociedade e autoridades, nos limites de seu mandato e na circunscrição de seu município. E conforme anteriormente demonstrado, não restaram presentes os requisitos da inviolabilidade prevista pelo art. 29, inciso VIII, da Constituição Federal.

Desse modo, entendo que estão presentes os elementos caracterizadores da responsabilidade civil, visto que a ofensa moral, o nexo de causalidade entre a conduta dos requeridos e o dano causado estão demonstrados e independem de maiores esclarecimentos.

Quanto ao quantum indenizatório, de acordo com o art. 944 do Código Civil, “A indenização mede-se pela extensão do dano”.

O que se busca é a condenação do causador do dano por ato ilícito, e sua finalidade maior é a pedagógica e não a patrimonial. Devendo manter a proporcionalidade da gravidade da ofensa ao grau de culpa e a razoabilidade a coibir a reincidência do causador do dano, e que não haja enriquecimento à custa do empobrecimento alheio, mas também para que o valor não seja irrisório.

Diante destes fundamentos, entendo que se afigura justa a quantia de R$20.000,00 (vinte mil reais), sendo que cada requerido deverá pagar R$10.000,00 (dez mil reais), a título de reparação por danos morais, sendo que este valor atende às finalidades deste instituto jurídico, que são a justa compensação e o caráter pedagógico da reparação.

III - DISPOSITIVO

Isso posto, julgo procedente o pedido de indenização por danos morais, com resolução de mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, para condenar os requeridos, Imagem Editora Ltda e Fernando José Castro Cabral, a pagarem ao autor, Haroldo de Sousa Queiroz, o valor de R$20.000,00 (vinte mil reais), sendo que cada requerido deverá pagar R$10.000,00 (dez mil reais), a título de danos morais, que será acrescido de atualização monetária, pelos índices da tabela da Corregedoria Geral de Justiça, a contar desta sentença (súmula 362, STJ), mais juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação (art. 405, Código Civil).

Condeno os réus no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada um deles, sendo que fixo os honorários em 15% sobre o valor da condenação, observados os critérios previstos no art. 20, §3º, do Código de Processo Civil.

Proceda-se, junto aos cadastros do SISCOM, à retificação do nome do requerido Jornal de Negócios, para “Imagem Editora Ltda”, conforme contrato social de fl. 46/51-v, bem como a retificação do nome do requerido Fernando Cabral para “Fernando José Castro Cabral”, conforme fl. 66.

Indefiro o pedido formulado pelo autor no parágrafo “42” da fl. 4824, consistente em riscar as expressões caluniosas lançadas pelos réus em suas contestações, haja vista que as aludidas expressões não foram especificamente indicadas pela parte solicitante, não podendo o serventuário da Justiça assim proceder baseado apenas em deduções ou presunções.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.

Bom Despacho, 19 de novembro de 2014.

 

 

João Batista Simeão da Silva

Juiz de Direito

1 http://www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/consulta-por-municipio-zona