PROCESSO Nº 002268-9/18
Vistos, etc.
Cuida-se de "ação civil coletiva por prática de atos de
improbidade administrativa" ajuizada pelo Ministério Público do
Estado de Minas Gerais em desfavor de Marcos Coelho de
Carvalho, Werlei Ferreira de Macedo e Reginaldo Moreira
Faustino, qualificados, atribuindo-se aos réus as práticas dos atos de
improbidade administrativa capitulados nos artigos 9º, I e 10, I e II, da
Lei 8.429/92, para incursá-los nas penas previstas no art. 12 e seus
incisos I a III, da mesma lei.
Adianta que os dois primeiros réus, alcaide e secretario
municipal de educação, respectivamente, fomentaram enriquecimento
ilícito do terceiro réu e dessa forma também praticaram atos contra os
princípios da administração pública.
Sustenta que o último réu, embora considerado inapto pelo
setor médico municipal para exercer o cargo de Professor, foi
designado para trabalhar como Secretário Escolar, como forma de
ajustamento funcional, apesar de a carga horária daquele ser de 20
horas semanais, enquanto que a carga horária deste último é de 30
horas. Pondera que, se a saúde do servidor encontra-se fragilizada, é
contraditório e desarrazoado que, após o ajustamento funcional, o
número de horas trabalhadas tenha praticamente dobrado.
Ao argumento de que houve prejuízo ao erário e o
enriquecimento ilícito, requereu a concessão de liminar para
suspender o pagamento dos valores acrescidos à remuneração de
Reginaldo Moreira Faustino, a partir do mês de fevereiro/2017, bem
como a sua recondução ao cargo de Professor.
Foi indeferida a liminar para obviar a sustação do pagamento
do excesso em despropósito do terceiro réu.
1
Apresentadas as defesas prévias de fls. 114/126, 155/175 e
196/209, a petição inicial foi recebida pela decisão de fls. 275/276vº,
sendo determinada a citação dos réus.
Citado, o réu Werlei Ferreira de Macedo apresentou
contestação às fls. 285/307, arguindo as preliminares de
incompetência absoluta e carência de ação, sob o fundamento de que
a Lei 8.429 não seria aplicável aos agentes políticos. No mérito,
sustentou que as provas carreadas nos autos não deixam claro a
ocorrência do ato de improbidade.
Por sua vez, o réu Marcos Coelho de Carvalho, em
contestação de fls. 309/327, suscitou preliminar de ilegitimidade
passiva ad causam, ao argumento de que os fatos narrados na inicial
não foram por ele praticados, bem como preliminar de carência de
ação, alegando que a inicial não foi instruída com documentos que
contenham indícios suficientes do ato de improbidade. No mérito,
ressaltou a inexistência da prática de atos de improbidade
administrativa.
Regularmente citado (f. 283), o réu Reginaldo Moreira
Faustino ofereceu a contestação de f. 346/358 alegando que sua
licença médica foi restabelecida a partir de 18.05.16 junto à rede
estadual de ensino e vem se submetendo a inspeções, sendo-lhe
concedida licença em caráter temporário até 12.03.18, razão pela qual
poderá aposentar-se ao final de 2019, de acordo com o Decreto
Estadual 47.000/16 e Lei Complementar Estadual 145/2017, mas
como ocorrido em 2017, o Estado de Minas Gerais poderá prorrogar
novamente o prazo de 02 anos e exigir outros exames.
Relativamente ao cargo ocupado no município, alega que,
apesar de ter sido diagnosticado com transtorno bipolar (CID F-313),
optou por continuar na área de educação, mas ocupando a função de
auxiliar de secretaria, ao invés de Secretário Escolar, “só que afastado
de suas funções em Ajustamento Funcional” (f. 349), embora “apto
para o retorno à sala de aula” (f. 349), apesar de exercer a função por
extensão de cargo por necessidade da unidade escolar, fato ocorrido
em gestões anteriores.
2
Durante a instrução foram colhidos os depoimentos do
terceiro réu e de testemunhas arroladas pelas partes, sendo admitida
a assistência do Município de Araguari (f. 376/381).
Memoriais de f. 751/755 (autor), 756/762 (1° réu), 763/770
(2° réu) e 771/778 (3° réu).
Relatados, decido.
A presente ação civil pública visa à condenação dos réus
pela prática de atos de improbidade administrativa que acarretaram
em lesão ao erário e enriquecimento ilícito, bem como atentaram
contra os princípios da Administração Pública, na forma do art. 9º, I, e
art. 10, I e II, da Lei 8.429/92, devendo ser aplicadas as penas
previstas no art. 12, incisos I, II e III, do mesmo diploma legal.
Finalizada a fase instrutória o autor pleiteou a condenação
do terceiro réu por ter malferido os arts. 9° e 11 da Lei 8.429/92, ao
passo que o segundo réu os arts. 10 e 11 da mesma lei, pretendendo
sejam eles içados nas sanções previstas no art. 12 da referida lei,
calhando os incisos I e III ao terceiro réu e os incisos II e III, ao
segundo réu, diversamente em relação ao primeiro, por falta de
indícios da prática de atos de improbidade.
A conclusão extraída ao fim da prática de atos processuais
nesta senda primeva não foi objetada pela defesa e nem faria sentido
no desate final através do édito perseguido, sendo aplicável à
hipótese a regra narra mihi factum dabo tibi jus, fecunda a aplicação
do art. 383 do Código de Processo Penal.
Os doutrinadores Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves,
in Improbidade Administrativa, Saraiva, 8ª ed., tecem comentários a
respeito da correlação entre a causa de pedir e o pedido:
“Além do dano ao patrimônio público, não raro ocorrerá que
os atos de improbidade enquadrados na tipologia do art. 10
resultem em enriquecimento ilícito de terceiros, o que
tornará aplicável a sanção de perda dos bens ou valores
acrescidos ilicitamente ao patrimônio destes (art. 12, II).
3
Tratando-se de vantagem indevida auferida pelo
próprio agente público, ter-se-á o deslocamento da
tipificação para uma das figuras do art. 9° da Lei n.
8.429/1992.” (p. 412) (grifos nossos)
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sedimenta
tal posicionamento:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
JULGAMENTO EXTRA PETITA. INTERPRETAÇÃO
LÓGICO-SISTEMÁTICA.
1. Com efeito, "o pedido não é apenas o que foi requerido
em um capítulo específico ao final da petição inicial, mas,
sim, o que se pretende com a instauração da demanda,
sendo extraído de interpretação lógico-sistemática da inicial
como um todo" (AgRg no REsp 1.284.020/SP, Rel. Ministro
Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 6/3/2014).
2. Não infringe o princípio da congruência a decisão judicial
que enquadra o ato de improbidade em dispositivo diverso
daquele indicado na exordial, eis que deve a defesa ater-se
aos fatos, não à capitulação legal conferida pelo autor da
ação, uma vez que a causa de pedir firma-se na descrição
dos fatos, não na sua qualificação jurídica.
3. Recurso especial provido.
(STJ – REsp: 1711160 SC 2017/0296729-2, Relator:
Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Publicação: DJ
12/03/2018)
Busca-se às inteiras o voto condutor:
“Cinge-se a controvérsia em analisar se na petição de ação
civil pública por improbidade administrativa a conduta do réu
deve estar expressamente enquadrada no art. 11 da Lei nº
8.429/1992 ou basta que haja, tão somente, a descrição dos
fatos com a correlação entre a causa de pedir e o pedido.
Sobre a controvérsia, o acórdão recorrido assim se
manifestou:
"Na petição inicial, o Ministério Público descreveu as
condutas dos réus e, ante o alegado enriquecimento ilícito,
as enquadrou, expressamente, no art. 9°, XI, da LIA. Na
sequência, inscreveu:
4
Efetivamente, o desvio dos valores de forma fraudulenta dos
cofres do Município de Palhoça, comprovadamente pagos
pela municipalidade em favor da empresa requerida e seu
sócio administrador, sem a prestação do serviço com a
realização da obra na metragem contratada em relação ao
muro e ao alambrado, enquanto ao requerido Rivelino
efetivamente concorreu para a incorporação por parte
daqueles.
Relativamente ao réu Rivelino da Silveira, o autor o
enquadrou, também, nas disposições do inciso VI do art. 9°
da mencionada lei.
Subsidiariamente, caso não fosse reconhecido o
enriquecimento ilícito, o Órgão Ministerial pugnou pela
aplicação do art. 10, caput e inciso I, da Lei n. 8.429/1992.
De acordo com o apelante, a parte da sentença que
classificou a conduta como incursa no art. 11 da Lei
8.429/1992 é nula, pois extrapolou os limites da lide.
E tem razão.
Não há nos autos nenhum fundamento ou pedido que se
relacione com o enquadramento da conduta em quaisquer
dos incisos do art. 11 da LIA; inexiste pronunciamento do
autor sobre este dispositivo.
É indispensável que o Ministério Público seja preciso na
articulação da causa de pedir e dos pedidos. Não é
aceitável, em um processo civil constitucional, que a parte
seja condenada com base em fundamento inexistente na
petição inicial, porque tal fato impede o adequado
contraditório.
Desse modo, não pode haver condenação tendo por base
tipificação que não foi narrada na inicial:
(…)
Deve, portanto, ser provido o apelo do réu Rivelino da
Silveira para, reconhecendo que a sentença é extra petita
quanto à sua condenação com base no art. 11 da LIA,
declarar a nulidade neste ponto.
Fica prejudicada a análise das demais teses subsidiárias
apresentadas no recurso.
Com efeito, "o pedido não é apenas o que foi requerido em
um capítulo específico ao final da petição inicial, mas, sim, o
que se pretende com a instauração da demanda, sendo
extraído de interpretação lógico-sistemática da inicial como
um todo" (AgRg no REsp 1.284.020/SP, Rel. Ministro
HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 6/3/2014).
Ademais, nos termos da jurisprudência desta Corte, não
infringe o princípio da congruência a decisão judicial que
5
enquadra o ato de improbidade em dispositivo diverso
daquele indicado na exordial, eis que deve a defesa ater-se
aos fatos, não à capitulação legal conferida pelo autor da
ação, uma vez que a causa de pedir firma-se na descrição
dos fatos, não na sua qualificação jurídica
Desse modo, ainda que tenha havido pedidos sucessivos
quanto às normas que ensejariam a condenação pela prática
de ato de improbidade administrativa, nada obsta que o
magistrado conclua pela existência de atos ímprobos que se
enquadram, cumulativamente, em variados dispositivos
legais.
Confira-se:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO ILEGAL DE
SERVIDORES, SEM CONCURSO PÚBLICO.
RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE E DE OUTROS
INTEGRANTES DA CÂMARA DE VEREADORES.
LEGITIMIDADE PASSIVA. CAUSA PETENDI NA AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. ENQUADRAMENTO LEGAL
EQUIVOCADO NA PETIÇÃO INICIAL. NATUREZA E
EXTENSÃO DA INDISPONIBILIDADE DE BENS.
1. Cuida-se, originariamente, de Ação Civil Pública ajuizada
pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo, em
razão da contratação de funcionários, no âmbito do Poder
Legislativo Municipal de Afonso Cláudio, para ocupar cargos
efetivos sem a realização de concurso público.
2. Hipótese em que o recorrente, como Presidente da
Câmara Municipal, foi o responsável pela promulgação e
publicação da Resolução que dispôs sobre a contratação
irregular. Legitimidade passiva ad causam configurada.
3. A contratação de funcionários sem a observação das
normas de regência dos concursos públicos caracteriza
improbidade administrativa
4. No âmbito da Lei da Improbidade Administrativa, o
Presidente da Câmara de Vereadores sem prejuízo da
responsabilidade de outros edis que, por ação ou omissão,
contribuam para a ilegalidade, sobretudo ao não
destacarem, aberta e expressamente, sua oposição à
medida impugnada responde pela contratação de
servidores, sem concurso público, para o Legislativo
municipal.
5. Exige-se que a inicial da ação seja, tanto quanto possível,
exata na narração dos fatos considerados ímprobos. Esse é
o fundamento do pedido do Ministério Público, e não a
indicação do dispositivo legal que embasa a pretensão.
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6. O enquadramento legal do ato considerado ímprobo,
ainda que errôneo, não enseja a extinção liminar da Ação
Civil Pública.
7. A causa petendi, na Ação Civil Pública, firma-se na
descrição dos fatos, e não na qualificação jurídica dos fatos.
Por isso mesmo, é irrelevante, na petição inicial, eventual
capitulação legal imprecisa, ou até completamente
equivocada, desde que haja suficiente correlação entre
causa de pedir e pedido.
8. Sob pena de esvaziar a utilidade da instrução e
impossibilitar a apuração judicial dos ilícitos nas ações de
improbidade administrativa, a petição inicial não necessita
descer a minúcias do comportamento de cada um dos réus.
Basta a descrição genérica dos fatos e das imputações.
9. In casu, essa descrição é suficiente para bem delimitar o
perímetro da demanda e propiciar o pleno exercício do
contraditório e do direito de defesa.
10. Não há elementos no acórdão recorrido que indiquem
abusividade na aplicação da medida de indisponibilidade dos
bens do recorrente. A revisão do entendimento adotado pela
instância ordinária implica reexame de fatos e provas,
obstado pelo teor da Súmula 7/STJ.
11. A indisponibilidade dos bens não é sanção, mas
providência cautelar destinada a garantir o resultado útil do
processo e a futura recomposição do patrimônio público
lesado, bem como a execução de eventual sanção
pecuniária a ser imposta e qualquer outro encargo financeiro
decorrente da condenação.
12. A totalidade do patrimônio do réu garante "o integral
ressarcimento do dano" (art. 7°, parágrafo único, da Lei da
Improbidade Administrativa). Por isso, o bloqueio judicial
pode recair sobre bens adquiridos antes do fato descrito na
inicial.
13. Recurso Especial não provido. (REsp 817.557/ES, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 2/12/2008, DJe 10/2/2010)
Vale ressaltar que "se a petição contiver a narrativa dos
fatos configuradores, em tese, da improbidade
administrativa, não se configura inépcia da inicial, sob pena
de esvaziar-se a utilidade da instrução e impossibilitar a
apuração judicial dos ilícitos nas ações de improbidade
administrativa. Precedentes: AgRg no REsp 1204965/MT;
REsp 1008568/PR e REsp 1002628/MT" (AgRg no REsp
1.168.551/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES,
PRIMEIRA TURMA, DJe 28/10/2011).
A propósito:
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PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. ATO DE
IMPROBIDADE. ART. 10, INCISO XII DA LEI 8.429/92.
PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. ELEMENTO SUBJETIVO.
DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO AO ERÁRIO.
1. Não infringe o princípio da congruência a decisão judicial
que enquadra o ato de improbidade em dispositivo diverso
do indicado na inicial, eis que deve a defesa ater-se aos
fatos e não à capitulação legal.
2. Os tipos da Lei de Improbidade estão divididos em três
categorias: a) art. 9º (atos que importam em enriquecimento
ilícito); b) art.10 (atos que causam prejuízo ao erário) e c)
art. 11 (atos que atentam contra os princípios da
administração).
3. Os atos de improbidade só são punidos à título de dolo,
indagando-se da boa ou má fé do agente, nas hipóteses dos
artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92.
4. Embora mereçam acirradas críticas da doutrina, os atos
de improbidade do art. 10, como está no próprio caput, são
também punidos à título de culpa, mas deve estar presente
na configuração do tipo a prova inequívoca do prejuízo ao
erário.
5. Recurso especial provido. (REsp 842428/ES, Rel. Ministra
ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 21.5.2007).
Portanto, a irresignação merece ser acolhida, para
restabelecer a sentença no tocante ao recorrido Rivelino da
Silveira em todos os seus termos e fundamentos.” (grifos
nossos)
Dessarte, deve ser observada a descrição dos fatos para se
aquilatar a capitulação legal para a dosimetria correspectiva da
sanção, inclusive de natureza pecuniária.
O caput do art. 1º da Lei nº. 8.429/92, que “dispõe sobre as
sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento
no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração
pública, direta ou fundacional e dá outras providências” tem a seguinte
redação:
Art. 1º. Os atos de improbidade praticados por qualquer
agente público, servidor ou não, contra a administração
direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de
Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou
de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja
8
concorrido ou concorra com mais de 50% (cinquenta por
cento) do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na
forma desta Lei.
A ação civil pública, observados os princípios
constitucionais, é a via adequada para se obter a repressão de atos
de improbidade administrativa, ou simplesmente atos lesivos, ilegais
ou imorais, tal a específica previsão no art. 12 da Lei 8.429/92, na
tangência do art. 37, § 4º, da CF, e art. 3º da Lei nº. 7.347/85.
O art. 37, § 4º, da CF, ampliou o rol previsto no art. 1º da Lei
7.347/85, lei de essência processual, para incluir no elenco da ação
civil pública, a defesa do patrimônio público por atos de improbidade,
além de possibilitar e motivar a condenação pela prática de atos
desse jaez.
Em suma, a Lei 8.429/92 foi editada para regulamentar as
sanções previstas no art. 37, § 4º, da CF, e elidir perigo de
administração corrupta caracterizada pelo descrédito e ineficiência,
com a precedente tipificação dos atos.
E a aplicação das sanções independe da efetiva ocorrência
de dano ao patrimônio público, bastante seja o ato tipificado nos
artigos 9 usque 11 da Lei 8.429/92.
Dessarte, a lei em epígrafe define os atos de improbidade
em três vértices: 1 – os que importam enriquecimento ilícito (art. 9°); 2
– os que causam prejuízo ao erário (art. 10); e 3 – os que atentam
contra os princípios da Administração Pública, cujas sanções
encontram-se presentes nos incisos I usque III do art. 12.
Segundo o art. 21, a aplicação das sanções por improbidade
administrativa independe do efetivo dano ao patrimônio público,
salvante as hipóteses de ressarcimento, ou da aprovação ou rejeição
das contas pelo Tribunal de Contas.
A petição inicial revela que o réu Reginaldo Moreira Faustino
estava lotado nas Secretarias de Educação do município e do estado,
e neste ente federativo se encontrava em gozo de licença saúde sem
ocupar o cargo de professor nível II.
9
Também na esfera municipal foi afastado de seu cargo como
professor, mas a partir de 2011 o referido réu volveu sua atividade
para exercer a função de auxiliar de secretaria junto ao CEM Mario da
Silva Pereira, porém estaria causando lesão ao erário por receber
verbas indevidas, porquanto indicado à função pelo réu Werlei
Ferreira de Macedo (Secretário Municipal de Educação) e com o
plácito certamente omissivo do réu Marcos Coelho de Carvalho
(Prefeito Municipal).
Contemporaneamente, o Ministério Público aforou ação civil
pública contra o Município de Araguari com o propósito de eliminar as
substituições temporárias de professores municipais e obteve a
liminar para obter a suspensão das substituições, e da referida
decisão (03.04.18) tomada pelo Juízo da 4ª Vara Cível desta comarca
nos autos n° 0035.18.002269-7, extrai-se o seguinte excerto:
“Com efeito, infere-se que o Município de araguari vem
permitindo a extensão de jornada de determinados
servidores e, via de consequência, refletindo em aumentos
significativos de seus vencimentos, ao passo que deveria
prestigiar o ingresso de novos servidores por meio de
concurso público ou, no mínimo, a critérios previamente
estabelecidos e amplamente divulgados.
(…)
Nesse raciocínio, observo que não se trata de caso único, já
que foi informado pelo próprio réu que ocorrem atualmente
188 (cento e oitenta e oito) extensões de jornadas de
trabalho e, por consequência, de aumento significativo dos
proventos dos servidores.
Não bastasse isso, infere-se que os pagamentos efetuados
pelo Município de Araguari têm por parâmetro os proventos
dos servidores que têm a jornada de trabalho estendida, e
não do cargo objeto de substituição. Vale dizer, os reflexos
da extensão de jornada são calculados sobre os proventos
do servidor substituto, e não do substituído, ainda que
sejam totalmente distintos”
No referido decisum consta exemplo de extraordinária renda
majorada em detrimento dos cofres públicos, hipóteses ocorrentes
nestes autos sem a precisão de efeito financeiro, mas endossando o
que se busca naquel’outra ação.
10
Aliás, a produção da prova testemunhal revela que os
próprios depoentes estão servidos pelas extensão de trabalho e
dobras salariais, fato acolhido pela defesa para justificar a existência
destes desvios funcionais.
Com as devidas variações, o direito tem as suas fontes,
sejam elas materiais, sejam formais estatais.
Estas de subdividem primacialmente na importância da
legislação como fonte jurídica formal e da jurisprudência.
Dentre as fontes formais não estatais consta a prática
consuetudinária, matéria amplamente discutida por doutrinadores de
escol, assim como Maria Helena Diniz, in Compêndio de Introdução à
Ciência do Direito, Saraiva, 13ª ed., como segue:
“Segundo o art. 4° da Lei de introdução ao Código Civil, o
recurso ao costume só tem cabimento quando se esgotarem
todas as potencialidades legais. Daí o seu caráter de fonte
subsidiária, procurando completar a lei e preencher a
lacuna, que será objeto de nosso estudo mais adiante. A
legislação estatal não negou, portanto, a força do direito
consuetudinário, apenas revindicou para si o primado
hierárquico.” (p. 299)
Logo adiante relata as espécies de costume, quais sejam
secundum legem, praeter legem e contra legem e quanto a esta
pondera:
“Em que pese a opinião de certos autores sobre a
inadmissibilidade da aplicação do costume contra
legem, a admitimos em casos excepcionais, como o de
desajuste entre a realidade dos fatos e o comando
normativo, desde que fundada na justiça.” (p. 309)
Volvendo ao conteúdo sob estudo propriamente dito, cumpre
esclarecer que a decisão prolatada pelo Juízo da 4ª Vara Cível está
sendo mantida, conforme demonstram os depoimentos constantes a
f. 379 a 381, sem o olvido de que o Município já está providenciando
a edição de norma colimando pulverizar as distorções que desgastam
11
não apenas o erário, mas os atos que atentam contra os princípios da
Administração Pública.
Como de antanho dito, o autor não encontrou indícios de
atos de improbidade perpetrados pelo primeiro réu e nem por este
Juízo foram divisados, razão de auscultar a respeito dos atos
imputados aos corréus.
REGINALDO MOREIRA FAUSTINO
O réu em espeque é assuntivo quanto ao fato de
permanecer sob observação para receber benefício como funcionário
público estadual e bem assim exercendo a função de auxiliar de
secretaria, inclusive recebendo o adicional de pó de giz e a dobra por
trabalhar em dois períodos em decorrência do “ajustamento
funcional”, embora impedido de lecionar por decisão administrativa.
O seu depoimento pessoal foi colhido no dia 02.04.19 e até
então aguardava a esperança de aposentar-se na condição de
funcionário público estadual, uma vez que seria submetido a nova
perícia em 13.05.19.
Resta axiomática a acumulação remunerada de cargos,
posto que o réu está distanciado do corpo docente da Secretaria de
Educação Municipal desde 2011, e a vedação tem berço na própria
Constituição Federal, nos termos do inciso XVI do art. 37:
XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos
públicos, exceto, quando houver compatibilidade de
horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso
(...)
A respeito da acumulação de cargos públicos sem as
excepcionalidades, preleciona Hely Lopes Meirelles, in Direito
Administrativo Brasileiro, Malheiros, 41ª ed.:
“A própria Constituição, entretanto, reconhecendo a
conveniência de melhor aproveitamento da capacidade
técnica e científica de determinados profissionais, abriu
algumas exceções à regra da não acumulação, para permitila
expressamente quando a cargo de Magistratura e do
12
Magistério (art. 95, parágrafo único, I), a dois cargos de
Magistério (art. 37, XVI, “b”), e a de dois cargos ou
empregos privativos de profissionais de saúde, com
profissões regulamentadas (art. 37, XVI, “c”, red. da EC
34/2001), contanto que haja compatibilidade de horários
(art. 37, XVI). Todavia, mesmo nesses casos aplica-se o
teto remuneratório previsto no art. 37, XI, da CF. A vedação
é genérica e, ressalvadas as mencionadas exceções,
prevalece entre quaisquer cargos – de nomeação ou
eletivos -, ocupados a qualquer título, de quaisquer
entidades estatais, autarquias, fundações públicas,
empresas públicas e sociedades de economia mista, bem
como, por força da EC 19, suas subsidiárias e sociedades
controladas, direta ou indiretamente, pelo Poder Público
(CF, art. 37, XVII).” (p. 541)
(…)
A proibição de acumular, sendo uma restrição de direito,
não pode ser interpretada ampliativamente. Assim, como
veda a acumulação remuneratória , inexistem óbices
constitucionais à acumulação de cargos, funções ou
empregos do serviço púbico desde que o servidor seja
remunerado pelo exercício de uma das atividades
acumuladas. Trata-se, todavia, de uma exceção, e não de
uma regra, que as Administrações devem usar com cautela,
pois, como observa Castro Aguiar, cujo pensamento, nesse
ponto, inclusive porque cargos acumulados são cargos mal
desempenhados.”(p. 541/542) (grifos nossos)
Apesar de corriqueira, a acumulação de funções ou cargos é
ilícita e pode projetar até atos de improbidade administrativa,
primacialmente quando o ato está ungido de dolo, todavia, desde a
edição “do Decreto da Regência, de 18.06.1822, da lavra de José
Bonifácio, cuja justificativa tem ainda hoje plena atualidade quando
esclarece por ele ”se proíbe que seja reunido em uma só pessoa mais
de um ofício ou emprego, e vença mais de um ordenado, resultando
dano e prejuízo à Administração Pública e às partes interessadas”.
(Op. cit. - p. 540)
O caso sob foco revela similidades com outros, como
alhures dito ao se fazer registro o decisum não atacado por recurso,
certamente porque o Município teve de suspender as substituições de
professores e a realocação ilícita, principalmente quando planta-se o
pagamento de dobras.
13
O terceiro réu estava afastado da atividade de lecionar e por
desvio de funcionalidade passou a exercer a função de auxiliar de
secretaria em dois turnos, apesar de confessadamente ser portador
de moléstia incapacitante para fazer parte do corpo docente e de seu
depoimento se extrai:
“é funcionário público concursado desde 2002, quando
passou para o concurso para ser professor nível 2. Desde
1998 trabalhava na Secretaria Estadual de Educação como
professor designado. (…) O depoente estava ocupando a
função de secretário na escola municipal em razão de
problemas de saúde, pois o Estatuto dos Servidores
Municipais permite tal desvio de função. O depoente era
acompanhado continuamente por um grupo de médicos da
Secretaria de Saúde. Na escola municipal já referenciada
era hierarquicamente inferior a diretora e a secretaria da
escola. Durante este período várias secretárias e diretoras
ocuparam o cargo. O depoente ia à Secretaria de Educação
quando convocado, geralmente para reuniões e
treinamentos. As reuniões eram feitas entre diretores e
professores, assim como secretário municipal de ensino,
Durante uma reunião o depoente recebeu ordem do
segundo réu para permanecer trabalhando na direção da
escola apresentando documentos e laudos médicos, Como
professor lotado na Secretaria Municipal o depoente tinha
carga horária de 20 horas/aula, conforme constou no edital.
Quando o depoente substituía professor essa carga horária
era aumentada. Em 2015 o depoente foi exonerado pela
Secretaria Estadual de Ensino, mas a partir de maio/2016
todos os professores exonerados em 2015 foram
convocados pela SEPLAG para fazer uma perícia médica.
Com a perícia médica o depoente reintegrado como
funcionário público estadual de acordo com o Decreto
47000/2016. A partir daí o depoente começou a receber um
benefício para tratamento de saúde, recebendo o valor que
recebia anteriormente, correspondente a 12 horas/aula
semanais. Em abril de 2018 o depoente se submeteu a uma
nova perícia e devera receber o benefício o até o dia
13/05/2019. (…) A bem da verdade não para de receber tal
benefício do Estado de Minas Gerais desde maio/2016. Em
13/05/2019 o depoente deverá ser convocado para
submeter-se a nova perícia junto a Secretaria de Educação
do Estado de Minas Gerais, O depoente não está sendo
designado para lecionar para o Estado de Minas Gerais
porque não tem condições de dar aulas. (…) Desde 2002 o
depoente sempre recebeu seus vencimentos pelo Município
14
de Araguari, à exceção de um período de 2009 a 2011,
ocasião em que recebeu benefício previdenciário do INSS,
pois o regime de trabalho do depoente é celetista com o
Município. O depoente nunca recebeu duplos vencimentos
em razão de ter ocupado o cargo de auxiliar de Secretaria
na escola Municipal. Não lecionou a partir do ano de 2011
para o Município e nem para o Estado. Era comum as
convocações, geralmente anuais, para que o depoente
ministrasse aulas. As convocações geralmente ocorriam no
mês de janeiro. Os pagamentos eram proporcionais às
aulas ministradas. As gratificações vinham inclusas na
carga horária de aulas. Em 2017 o depoente foi convocado
pela diretora da escola e pelo Secretário Municipal para
trabalhar na secretaria da escola. O depoente teve um
acréscimo em seus rendimentos, porque trabalhava mais
horas enquanto auxiliar na secretaria de escola municipal. O
depoente foi convocado para trabalhar na secretaria da
escola ela recebia seus vencimentos como se estivesse
lecionando, porque se permite o ajustamento funcional. O
depoente passou a receber em dobra quando a sua carga
horária semanal foi aumentada, pois trabalhava nos
períodos da manhã e da tarde, ou seja, recebeu durante
2013 a 2015, ou seja, recebeu duas horas e meia diárias a
mais por trabalhar nos períodos matutino e noturno. Em
2017 o depoente voltou receber em dobra pelo aumento da
carga horária, fato que permanece até o período atual. O
depoente recebe pelo Estado e pelo Município, embora não
possa lecionar, mas de acordo com a carga horária prevista
contratualmente, com acréscimo ou não da jornada de
trabalho, dependendo da convocação ou não. Em 2018 o
depoente ficou afastado por alguns meses como servidos
do município. O depoente ficou realmente afastado do
trabalho junto ao Município e ao Estado somente entre 2009
e 2011, ocasião em que recebeu benefício previdenciário. O
depoente ainda não conseguiu se aposentar pelo Estado de
Minas Gerais porque a sua situação ainda não está
consolidada, pois tudo está a depender de uma perícia
médica.” (f. 277/277v°)
Além de receber em dobro por atuar em dois turnos o
terceiro réu ainda estava a receber o adicional de “pó de giz” previsto
no art. 31, II e § 2° da Lei Complementar Municipal 32/04, que é
devido ao professor em efetivo exercício em sala de aula.
15
Todos os réus estão incursados nos fatos típicos descritos
no art. 11 da Lei 8.429/92 e o terceiro também nas penas do art. 9°, I,
da mesma lei, verbis:
Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa
importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de
vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de
cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas
entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
(...)
A respeito do enriquecimento ilícito previsto no art. 9º, da lei
8.429/92, prelecionam os referidos escoliadores Emerson Garcia e
Rogério Pacheco Alves:
“Como derivação lógica e consequência inevitável dos atos
de corrupção, tem-se o enriquecimento ilícito, sendo aquela
o principal meio de implementação deste. Em, geral, o
enriquecimento ilícito é o resultado de qualquer ação ou
omissão que possibilite ao agente público auferir uma
vantagem não prevista em lei.
No âmbito do Direito Civil, é vasta a produção doutrinária a
respeito do tema, o que torna imperativo o exame das
diferentes concepções existentes para a correta identificação
e delimitação do alcance do art. 9º da lei n. 8.429/1992,
preceito que contém as normas de coibição ao
enriquecimento ilícito.” (Op. cit – p. 352)
(…)
“ Na dicção do art. 9º, caput , da Lei n. 8429/1992, importa em
enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem
patrimonial indevida em razão do exercício de cargo,
mandato, função, emprego ou atividade nas entidades
mencionadas no art. 1º. A análise desse preceito legal
permite concluir que, afora o elemento volitivo do agente, o
qual deve necessariamente se consubstanciar no dolo, são
quatro os elementos formadores do enriquecimento ilícito
sob a ótica da improbidade administrativa: a) o
enriquecimento do agente; b) que se trate de agente que
ocupe cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas
entidades elencadas no art. 1º, ou mesmo o extraneus que
concorra para a prática do ato ou dele se beneficie (arts. 3º e
6º); c) a ausência de justa causa, devendo se tratar de
16
vantagem indevida, sem qualquer correspondência com os
subsídios ou vencimentos recebidos pelo agente público; d)
relação de causalidade entre a vantagem indevida e o
exercício do cargo, pois a lei não deixa margem a dúvidas
ao falar em “vantagem patrimonial indevida em razão do
exercício de cargo...”.” (p. 358) (grifos nossos)
A respeito do acumulo ilegal de cargos e o consequente
dano ao erário a jurisprudência do pretório mineiro é oclusiva:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PRELIMINARES -
DESERÇÃO - FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL -
REJEIÇÃO - ACUMULAÇÃO DA FUNÇÃO DE
CONSELHEIRO TUTELAR COM CARGO DE PROFESSOR
DA EDUCAÇÃO BÁSICA - IMPOSSIBILIDADE - VEDAÇÃO
DO ART. 37, INCISO XVI, DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA - BOA-FÉ DO AGENTE - ATO ÍMPROBO NÃOCONFIGURADO
- ACOLHIMENTO PARCIAL DO
RECURSO.
- Não se enquadrando a função de Conselheiro Tutelar na
categoria de cargo técnico, bem como dispondo a lei
municipal, em consonância com a Resolução do CONANDA,
sobre a necessidade de dedicação exclusiva e a
impossibilidade de sua cumulação com outro cargo ou
função, deve ser mantida parte da sentença que acolheu o
pedido inicial de perda da função pela parte requerida.
- Conquanto o direito de opção previsto no artigo 133, § 5º,
da Lei federal n. 8.112/90, não se aplique ao caso dos autos,
constitui importante elemento a ser utilizado como critério de
interpretação apto a desqualificar a conduta do agente como
ímproba, notadamente porque sequer lhe foi imputado dolo
ou má-fé, sendo indispensável a correta identificação do
elemento subjetivo para a caracterização das condutas
tipificadas na Lei 8.429/1992.
- Preliminares rejeitadas. Recurso provido em parte.
(TJMG - Apelação Cível 1.0701.14.000355-2/001,
Relator(a): Des.(a) Luís Carlos Gambogi , 5ª CÂMARA
CÍVEL, julgamento em 07/07/2016, publicação da súmula
em 19/07/2016)
Do voto do eminente Relator destaca-se:
Foi imputada à requerida a prática dos atos de improbidade
administrativa elencados nos artigos 9º e 11, inciso I, da Lei n.
17
8.429/92, in verbis:
(...)
A r. sentença de primeiro grau julgou parcialmente
procedentes os pedidos iniciais, por reconhecer a
impossibilidade da acumulação dos cargos noticiada pelo autor,
mas condenou a requerida, tão-somente, à perda da função pública
de Conselheira Tutelar do Município de Campo Florido/MG.
(…)
Ademais, esta 5ª Câmara Cível já decidiu que a hipótese
configura o impedimento de cumulação, ocasião em que
atuei como Vogal:
"EMBARGOS INFRINGENTES - CONSTITUCIONAL -
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONSELHEIRO TUTELAR DO
MUNICÍPIO DE CAMPO FLORIDO - EXERCÍCIO
CONCOMITANTE DO CARGO EFETIVO DE PROFESSOR.
CUMULAÇÃO VEDADA. Conforme determinado pelo art. 4.º
da Resolução n.º 75, de 22 de outubro de 2001, do Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente -
CONANDA, o exercício do cargo de Conselheiro Tutelar
exige dedicação exclusiva. O exercício do cargo de
Conselheiro Tutelar concomitante ao exercício das funções
de cargo efetivo de Professor gera impedimento de ordem
legal." (TJMG - Embargos Infringentes 1.0701.10.026063-
0/003, Relator(a): Des.(a) Fernando Caldeira Brant, 5ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 20/06/2013, publicação da
súmula em 28/06/2013).
Cabe consignar, ainda, que não entendo adequado adotar a
terminologia de "cargo" ao múnus público de Conselheiro
Tutelar, de relevância indiscutível para a efetivação da
doutrina da "proteção integral à criança e ao adolescente",
consagrada pela Constituição da República (art. 227), pelo
que suas funções extrapolam a ideia de um simples conjunto
de atribuições acometidas a um servidor, bem como a ideia
de tecnicidade, a permitir a cumulação pretendida pela
apelante.
Sob outra luz, penso que razão assiste, em parte, à
recorrente em seu inconformismo, quando afirma que a
acumulação, na espécie, não pode ser enquadrada como
ato de improbidade administrativa, ausente que está a
comprovação de sua má-fé, uma vez que não foi advertida
18
pela Administração quanto à impossibilidade da cumulação
de cargos, tampouco lhe foi oportunizado o exercício do
direito de opção por um deles.
É firme a jurisprudência do colendo Superior Tribunal de
Justiça (STJ) no sentido de que a improbidade é o ato ilegal
qualificado pelo elemento subjetivo do agente, sendo
indispensável a correta identificação do dolo quando
caracterizadas condutas tipificadas nos artigos 9º e 11 da Lei
8.429/1992, ou pelo menos eivadas de culpa grave, nas
hipóteses do artigo 10, da mencionada lei.
Nesse sentido:
"AÇÃO DE IMPROBIDADE ORIGINÁRIA CONTRA
MEMBROS DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO. LEI
8.429/92. LEGITIMIDADE DO REGIME SANCIONATÓRIO.
EDIÇÃO DE PORTARIA COM CONTEÚDO CORRECIONAL
NÃO PREVISTO NA LEGISLAÇÃO. AUSÊNCIA DO
ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. INEXISTÊNCIA
DE IMPROBIDADE. 1. A jurisprudência firmada pela Corte
Especial do STJ é no sentido de que, excetuada a hipótese
de atos de improbidade praticados pelo Presidente da
República (art. 85, V), cujo julgamento se dá em regime
especial pelo Senado Federal (art. 86), não há norma
constitucional alguma que imunize os agentes políticos,
sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das
sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4.º.
Seria incompatível com a Constituição eventual preceito
normativo infraconstitucional que impusesse imunidade
dessa natureza (Rcl 2.790/SC, DJe de 04/03/2010). 2. Não
se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A
improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo
elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a
jurisprudência do STJ considera indispensável, para a
caracterização de improbidade, que a conduta do agente
seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos
artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de
culpa grave, nas do artigo 10. 3. No caso, aos demandados
são imputadas condutas capituladas no art. 11 da Lei
8.429/92 por terem, no exercício da Presidência de Tribunal
Regional do Trabalho, editado Portarias afastando
temporariamente juízes de primeiro grau do exercício de
suas funções, para que proferissem sentenças em
processos pendentes. Embora enfatize a ilegalidade dessas
Portarias, a petição inicial não descreve nem demonstra a
existência de qualquer circunstância indicativa de conduta
dolosa ou mesmo culposa dos demandados. 4. Ação de
19
improbidade rejeitada (art. 17, § 8º, da Lei 8.429/92)." (AIA
30/AM, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE
ESPECIAL, julgado em 21/09/2011, DJe 28/09/2011).
No caso dos autos, contudo, penso que, ainda que o direito
de opção previsto no art. 133, § 5º, da Lei federal n. 8.112/90
não seja aplicável à recorrente, cumpre desqualificar a sua
conduta como ímproba, notadamente porque sequer lhe foi
imputado dolo ou má-fé pela cumulação dos cargos,
inexistindo fundamentação nesse sentido na peça inicial ou
nas demais manifestações do requerente nos autos.
Essa posição também já foi adotada por esta 5ª Câmara
Cível:
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRELIMINAR -
REEXAME NECESSÁRIO - NÃO CONHECIMENTO. 1. O
duplo grau de jurisdição obrigatório é medida excepcional,
não podendo ter sua aplicação ampliada pelo Judiciário fora
das hipóteses previstas em lei. 2. Natureza distinta da ação
de improbidade administrativa, de caráter sancionatório de
ilícito, e da ação popular, anulatória de ato administrativo. 3.
Ausência de determinação do duplo grau de jurisdição
obrigatório na Lei 7.347/85 e na Lei n. 8.429/92, remetendo,
a primeira, à aplicação subsidiária das normas do Código de
Processo Civil, não o fazendo em relação à Lei n. 4.717/65.
Descabimento da aplicação do art. 19 da Lei de Ação
Popular às ações civil públicas. 4. Não conhecimento da
remessa oficial. MÉRITO - IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA - ACÚMULO INDEVIDO DE CARGOS
PÚBLICOS - RESSARCIMENTO AO ERÁRIO - SERVIÇOS
PRESTADOS - INEXISTÊNCIA DE LESÃO AOS COFRES
MUNICIPAIS - BOA-FÉ DO AGENTE - INAPLICABILIDADE
DA LEI N. 8.429/92. 1. Independentemente da discussão
quanto à constitucionalidade ou não da cumulatividade de
cargos, os serviços cujo ressarcimento ora se pretende
foram efetivamente prestados pelo demandado. Inexistência
de lesão ao erário. 2. A boa-fé do agente também se verifica
pelas seguintes premissas: a) o réu não foi notificado da
ilicitude do acúmulo de cargos para que optasse por um
deles; b) a contratação era autorizada pela legislação
municipal; c) inexistência de prejuízo no desempenho das
funções cumuladas. 3. "Nem toda conduta ilícita é,
automaticamente, conduta ímproba, ou seja, o âmbito
compreensivo da ilicitude administrativa é muito mais amplo,
e muito mais largo, do que o âmbito compreensivo da
improbidade administrativa, isso porque a conduta ímproba,
20
sendo ilegal ou ilícita, deve também ser típica" (Ministro
Cesar Asfor Rocha, Breves reflexões críticas sobre ação de
improbidade administrativa, Ribeirão Preto: Migalhas, 2012).
4. Ausentes a lesão patrimonial ao erário e a má-fé do
agente, descabida a imputação do ato de improbidade
administrativa, assim como o ressarcimento referido no art.
12 da Lei 8.429/92. 5. Recurso não provido." (TJMG - Ap
Cível/Reex Necessário 1.0040.09.089201-5/001, Relator(a):
Des.(a) Áurea Brasil , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em
02/05/2013, publicação da súmula em 09/05/2013).
Por fim, cabe esclarecer que o entendimento ora perfilhado,
quanto à ausência de ato de improbidade, não afasta a
ilegalidade da conduta da apelante, de cumulação indevida
das funções, merecendo ser mantida a r. sentença de
primeiro grau na parte em que acolheu parcialmente o
pedido inicial.
Ressalto, por oportuno, a possibilidade de acolhimento de tal
pedido, não como uma penalidade pela prática do ato de
improbidade administrativa, mas como uma pretensão
legítima, formulada na peça vestibular da presente ação civil
pública, perfeitamente cumulável com os demais pedidos de
aplicação das sanções previstas na Lei n. 8.429/92, que
devidamente afastados pelo ilustre Magistrado de primeiro
grau.
Pelo exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO
RECURSO, para reformar, em parte, a r. sentença recorrida,
tão-somente para afastar a prática de ato de improbidade
administrativa pela parte ré, mantendo, contudo, o
reconhecimento da impossibilidade de cumulação da função
de Conselheiro Tutelar com o cargo de Professora da
Educação Infantil que ocupa no Município de Campo Florido.
(grifos nossos)
Cumpre consignar que o terceiro réu mourejou durante longo
período, mas os seus vencimentos foram excessivos, pois recebia a
dobra e o denominado adicional de pó de giz sem que estivesse em
efetivo exercício em sala de aula.
21
WERLEI FERREIRA MACHADO
O réu em comento teria perpetrado atos típicos previstos no
art. 10, I, da Lei 8.429/83, afora o art. 11, como retromencionado.
Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves na precitada obra
dilucidam a respeito dos atos de improbidade na topologia do art. 10 e
alguns incisos:
“Em razão disso, o dano ou o prejuízo ao erário não pode
ser erigido à categoria de elemento único de
consubstanciação da improbidade disciplinada pela Lei n.
8.429/1992, sendo imprescindível que a conduta que os
causou tenha sido fruto de inobservância dos princípios que
informam os atos dos agentes públicos.
A distinção assume grande relevância no que concerne aos
atos dos agentes políticos, especialmente em relação
daqueles que resultam do exercício do poder discricionário,
pois, não raras vezes, a implementação de políticas
públicas, por maior que seja o zelo e a dedicação do
agente, não permite a formulação de um juízo de certeza
quanto aos resultados pretendidos. Em casos tais, não
haverá que se falar em improbidade se fatores externos
concorreram para a causação de dano ao erário, ou mesmo
se a ocorrência deste transcendeu a esfera de
previsibilidade do agente, o qual, apesar de ter valorado
adequadamente todas as circunstâncias presentes por
ocasião da prática do ato, não pode evitar o resultado
danoso, Inexistindo dolo ou culpa, não haverá que se falar
na incidência do art. 10 da Lei de Improbidade.
Por outro lado, agindo com dolo ou culpa (leve, grave ou
gravíssima), sofrerá o agente político as sanções
cominadas, não havendo previsão legal de um salvoconduto
para que possa dilapidar o patrimônio público com
a prática de atos irresponsáveis e completamente
dissociados da redobrada cautela que deve estar presente
entre todos aqueles que administram o patrimônio alheio.”
(p. 407)
(…)
É importante frisar que a noção de dano não se encontra
adstrita à necessidade de demonstração da diminuição
patrimonial, sendo inúmeras as hipóteses de lesividade
22
presumida previstas na legislação. Como consequência da
infração às normas vigentes, ter-se-á a nulidade do ato, o
qual será insuscetível de produzir efeitos jurídicos válidos.
Tem-se, assim, que qualquer diminuição do patrimônio
público advinda de ato inválido será ilicita pois quod nullum
est, nullum producit effectum, culminando em caracterizar o
dano e o dever de ressarcir.
De qualquer modo, sempre será necessária a ocorrência de
lesão ao patrimônio público para a incidência do art. 10 da
Lei n. 8.429/1992, o que é constatado pelo teor do caput
deste preceito e pelo disposto no art. 12, II, o qual fala em
“ressarcimento integral do dano” na hipótese do art. 10,
enquanto que nos demais casos de improbidade tem-se o
dever de “ressarcimento integral do dano, quando houver ” .
(p. 411/412)
(…)
Em rigor técnico, erário e patrimônio público não designam
objetos idênticos, sendo este mais amplo do que aquele,
abrangendo-o. Entende-se por erário o conjunto de bens e
interesses de natureza econômica-financeira pertencente o
Poder Público ( rectius : União, estados, Distrito Federal,
Município, entidades da administração indireta e demais
destinatários do dinheiro público previstos no art. 1° da Lei
n. 8.429/1992). (p. 412)
(…)
Consequentemente, podem ser assentadas as seguintes
conclusões: a) ao vocábulo erário , constante no art. 10,
capu t , da Lei n. 8.429/1992, deve-se atribuir a função de
elemento designativo dos entes elencados no art. 1°, vale
dizer, dos sujeitos passivos dos atos de improbidade; b) a
expressão perda patrimonia l , também constante do referido
dispositivo, alcança qualquer lesão causada ao patrimônio
público, concebido este em sua inteireza.” (p. 414) (grifos
nossos)
Segundo a exordial e nos termos do art. 10 referenciado,
calha a pecha de conceder “a extensão/dobra em dois cargos de
natureza administrativa” à pessoa do terceiro réu, então afastado da
docência nas sendas estadual e municipal, fato que rendeu ao
professor afastado acréscimo superior ao dobro do que percebia, e
para tanto se fez menção a holerite em anexo (f. 24), que demonstra o
pagamento da gratificação denominada pó de giz (25%).
23
Ao prestar depoimento o terceiro réu demonstrou que o
corréu (2°) determinava a sua permanência na secretaria da escola
municipal:
“ As reuniões eram feitas entre diretores e professores,
assim como secretário municipal de ensino, Durante uma
reunião o depoente recebeu ordem do segundo réu para
permanecer trabalhando na direção da escola apresentando
documentos e laudos médicos” (f. 377)
(…)
Em 2017 o depoente foi convocado pela diretora da escola
e pelo Secretário Municipal para trabalhar na secretaria da
escola. O depoente teve um acréscimo em seus
rendimentos, porque trabalhava mais horas enquanto
auxiliar na secretaria de escola municipal. O depoente foi
convocado para trabalhar na secretaria da escola ela
recebia seus vencimentos como se estivesse lecionando,
porque se permite o ajustamento funcional. (f. 377v°) (grifos
nossos)
O cargo de secretário municipal é exercido como longa
manus do prefeito municipal e somente a ele há subordinação
hierárquica pois o secretário atua motu proprio e exercendo poder de
comando sobre todos aqueles que se encontram em sua pasta.
Não por menos o art. 1° do Decreto Municipal 107/2013
dispõe:
Art. 1° - Fica delegada aos Secretários Municipais, ao
Procurador Geral, ao Superintendente da Controladoria e ao
Presidente da Fundação Araguarina de Educação e Cultura -
FAEC, competência para ordenar despesas e pagamentos
de seu setor, bem assim homologar e adjudicar processos
licitatórios, assinar contratos e convênios, firmar termos
aditivos, tudo com estrita observância das disponibilidades
financeiras, orçamentárias ou dos créditos votados pela
Câmara Municipal desta cidade.
Finda a instrução e apresentadas as alegações finais através
de memorial, o segundo réu alega falta de irregularidade no caso de
extensões de carga horária, primacialmente se concedidas
24
excepcionalmente e a pretexto do bom andamento dos serviços por
parte da Administração Pública, mas, acentua o réu, a pedido da
funcionária da escola:
O argumento improcede, pois o próprio corréu discorreu
acerca de reuniões existentes entre o secretário e servidores
municipais, todavia o argumento improcederia de toda forma, pois de
sabença do secretário municipal acerca da apócrifa nomeação, por
não tratar-se de simples irregularidades na orla administrativa.
De mais a mais o segundo réu incorreu em ato de
improbidade administrativa nos termos do art. 11, I da lei sob
comento:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que
atenta contra os princípios da administração pública
qualquer ação ou omissão que viole os deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às
instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou
regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de
competência;
(…)
No que diz respeito à tipologia do art. 11 dissecam os ilustres
doutrinadores:
“O princípio da moralidade, por sua vez, poderá ser violado
com a prática de qualquer dos atos previstos no elenco
meramente enunciativo constante dos incisos do art. 11 da
Lei n. 8.429/1992, o que exigirá a análise casuística das
situações submetidas a apreciação.
O art. 11 da Lei n. 8.429/1992 é normalmente intitulado de
“norma de reserva”, o que é justificável, pois ainda que a
conduta não tenha causado danos ao patrimônio público ou
acarretado enriquecimento ilícito do agente, será possível a
configuração da improbidade sempre que resta demonstrada
a inobservâncias dos princípios regentes da atividade
estatal.
No plano desta obra, no entanto, a improbidade é associada
à violação ao princípio da juridicidade, o que faz com que a
25
atividade do operador do direito se inicie com o exercício de
subsunção do ato à tipologia do art. 11 da Lei de
Improbidade, com ulterior avanço para as figuras dos arts. 9°
e 10 do mesmo diploma legal em sendo divisado o
enriquecimento ilícito ou o dano.
Partindo-se dessa concepção, é possível concluir que os
arts. 4° e 11 da Lei n. 8.429/1992 assumem relevância ímpar
no estudo dos atos de improbidade, permitindo a
identificação e a coibição dos atos que venham a macular os
princípios administrativos, vetores indissociáveis de todos os
atos do Poder Público.” (p. 423/424) (grifos nossos)
No mesmo entoar a jurisprudência:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR
ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PRELIMINAR
DE AUSÊNCIA DE PREPARO - ACOLHIMENTO -
ACUMULAÇÃO DE CARGOS - REQUISITOS DO ART. 37,
XI DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - VIOLAÇÃO -
REMUNERAÇÃO PERCEBIDA PELO AGENTE PÚBLICO -
RESSARCIMENTO AO ERÁRIO - IMPOSSIBILIDADE -
SERVIÇO PRESTADO - RECURSOS A QUE SE NEGAM
PROVIMENTO "IN SPECIE".
- Não comprovado o pagamento do preparo do recurso de
apelação determinada pelo art. 1.007 do CPC/15 e não
estando a recorrente litigando sob o pálio da justiça gratuita,
a irresignação recursal não pode ser conhecida, haja vista
lhe faltar pressuposto objetivo para exame.
- Diante da comprovação de que prefeito permitiu o acúmulo
de cargos de Secretária Municipal e de Professora à
servidora sem a observância dos permissivos do art. 37, XVI
da Constituição da República, resta configurado ato de
improbidade administrativa por violar princípios da
administração pública.
- No caso de acúmulo ilegal de cargos, inexiste dano ao
erário quando os serviços, cujo ressarcimento ora se
pretende, foram efetivamente prestados pelo demandado.
- Na aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei
8.429/92, o Julgador deverá levar em conta a extensão do
dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente,
tudo em respeito aos princípios da razoabilidade,
proporcionalidade e adequação na interpretação e aplicação
26
daquele referido dispositivo. (TJMG - Apelação Cível
1.0439.13.009884-1/001, Relator(a): Des.(a) Belizário de
Lacerda , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/02/2019,
publicação da súmula em 13/02/2019)
Do voto do eminente Relator destaco:
Cuidam-se de recursos de apelação interpostos contra a r.
sentença de fls. 689/697v, a qual julgou parcialmente
procedente a ação de improbidade administrativa,
condenando o réu Edson Curi nas seguintes sanções:
suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de três anos;
pagamento de multa civil no quantum de cinco vezes o valor
da última remuneração bruta percebida pela ré Lucirene
Sebastiana de Souza Pedrosa, enquanto professora, e
proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica
da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Condenou a ré Lucirene Sebastiana de Souza Pedrosa nas
seguintes penas: suspensão dos direitos políticos, pelo
prazo de três anos; pagamento de multa civil no quantum de
cinco vezes o valor da última remuneração bruta por ela
percebida, enquanto professora e proibição de contratar com
o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais
ou creditícios direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário,
pelo prazo de três anos. Determinou, ainda, a comunicação
à Justiça Eleitoral e intimação do Município de Rosário da
Limeira sobre a decisão proferida na sentença. Condenou,
por último, os réus ao pagamento das custas processuais,
deixando-se de condenar ao pagamento de honorários
advocatícios, na medida em que a presente ação foi
ajuizada exclusivamente pelo Ministério Público do Estado
de Minas Gerais, caso em que tais verbas são incabíveis.
(…)
Compulsando os autos, verifico que o réu Edson Curi,
enquanto prefeito do Município de Rosário da Limeira,
nomeou a ré Lucirene como Secretária Municipal da
Educação a qual já ocupava o cargo efetivo de professora
da rede pública de ensino, bem como era contratada
temporária, ou seja, acumulou três cargos indevidamente.
Além disso, verifico que após o reconhecimento da
impossibilidade de acumulação pela ré Lucirene, a mesma
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afastou-se do cargo efetivo e rescindiu o contrato
temporário.
Entretanto, em fevereiro de 2011, a ré novamente foi
contratada temporariamente como Professora pelo Município
de Rosário da Limeira, quando ainda ocupava o cargo de
Secretária Municipal.
Neste ponto, é importante ressaltar, que o cargo ocupado
pela ré de Secretária Municipal não pode ser considerado
como um cargo técnico para efeito de acumulação, pois não
exige, pela própria natureza de suas funções,
conhecimentos profissionais especializados.
Observe-se que o que importa é a exigência do cargo. De
todo irrelevante que o interessado possua conhecimentos
técnicos específicos da área. O que importa, não é demais
repetir, para a possibilidade da acumulação, é que o cargo
exija conhecimentos profissionais especializados para seu
desempenho. O cargo de Secretário Municipal é, por
natureza, político, podendo ser exercido por qualquer
pessoa, mesmo que não possa conhecimentos da área.
Ademais, verifica-se dos autos que o acumulo ilegal dos
cargos foi com a permissão do então prefeito réu, pois era o
gestor máximo da Administração Pública Municipal.
Também não há que se falar em boa-fé na conduta do
apelante, que já havia nomeado a ré Lucirene ao cargo de
Secretária Municipal quando a mesma ocupava um cargo
efetivo e outro temporário, e voltou a contratá-la como
professora quando ainda era Secretária Municipal,
consoante se extrai das provas apuradas nestes autos.
Diante da comprovação de que o apelante permitiu a
acumulação de cargos em inobservância dos requisitos do
art. 37, XI, da Constituição da República causando lesão ao
erário, impõe-se a sua condenação ao cumprimento das
penalidades previstas na lei.
Disciplina o disposto no texto constitucional, a Lei nº 8.429,
de 1992, que estabelece as hipóteses que configuram atos
de improbidade administrativa, dividindo-os em atos que
importam enriquecimento ilícito (artigo 9º), que causam
prejuízo ao erário (artigo 10) e que atentam contra os
princípios da administração pública (artigo 11), dispondo os
artigos em referência :
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"Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa
importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de
vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de
cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas
entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente;
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que
causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou
culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação,
malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das
entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
(...) - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou
renda, bem como no que diz respeito à conservação do
patrimônio público.
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que
atenta contra os princípios da administração pública
qualquer ação ou omissão que viole os deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às
instituições,
É óbvio, e está fortemente comprovado, que não se trata de
mera irregularidade administrativa, mas de consciente e
acintosa afronta a princípios caros e fundamentais do
ordenamento brasileiro, como a legalidade, a boa-fé e a
moralidade.
Neste contexto, comprovado o ato ímprobo, deve merecer a
devida e proporcional reprimenda.
A má-fé, a imoralidade, o desrespeito com a lealdade às
instituições públicas que deve nortear o agente político
foram demonstrados pelo Ministério Público e não há porque
modificar a sentença.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ACUMULAÇÃO
INDEVIDA DE CARGOS. CONSIÊNCIA E TENTATIVA DE
ESCONDER O FATO. DOLO EXPLÍCITO. PROVAS
ROBUSTAS E NÃO INFIRMADAS. SENTENÇA MANTIDA.
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- Constitui improbidade administrativa a acumulação de
cargos comissionados em duas Câmaras Municipais em
horário integral, especialmente quando o réu tinha exata
noção da sua conduta e nela reincidiu, não obstante anterior
investigação feita pelo Ministério Público. (TJMG /
Jurisprudência - Apelação Cível 1.0647.08.089080-7/001,
Relator(a): Des.(a) Alberto Vilas Boas , 1ª CÂMARA CÍVEL,
julgamento em 30/10/2012, publicação da súmula em
09/11/2012)
Diante da comprovação de que o ex-prefeito réu permitiu
que a servidora pública acumulasse cargos em
inobservância dos requisitos do art. 37 da Constituição da
República causando lesão ao erário, impõe-se a
condenação ao cumprimento das penalidades previstas na
lei.
Com relação ao pedido de ressarcimento ao erário feito do
Ministério Público, tenho que razão não lhe assiste, haja
vista que os serviços foram prestados pela ré Lucirene, não
sendo cabível o enriquecimento ilícito por parte do
Município.
Nesse sentido:
"Ação de ressarcimento Servidora pública municipal
Acumulação indevida de cargos - Incompatibilidade de
horários Demonstrado que a ré acumulou indevidamente
dois cargos públicos, mas também comprovado que a
servidora não deixou de prestar serviço à Municipalidade
autora, deverá ressarcir o erário apenas das quantias
recebidas pelas horas não laboradas Ação parcialmente
procedente Recurso provido em parte."
(TJSP; Apelação 0002398-67.2009.8.26.0045; Relator (a):
Renato Delbianco; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito
Público; Foro de Arujá - 1ª Vara; Data do Julgamento:
04/11/2014; Data de Registro: 05/11/2014)
Na aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei
8.429/92, o Julgador deverá levar em conta a extensão do
dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente,
tudo em respeito aos princípios da razoabilidade,
proporcionalidade e adequação na interpretação e aplicação
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daquele referido dispositivo.
Isto posto e por tudo o mais de que dos autos consta, julgo
improcedente o pedido inicial em relação ao réu Marcos Coelho de
Carvalho e procedente os pedidos iniciais em face dos réus Werlei
Ferreira de Macedo e Reginaldo Moreira Faustino, aquele por violar
os arts. 10, I e 11, I, da Lei 8.429/92, e este por ter infringido o art. 9, I,
da mesma lei.
Réu Werlei Ferreira de Macedo: determino o ressarcimento
integral do dano referente à gratificação de pó de giz auferida pelo
corréu, além de suspender os seus direitos políticos pelo prazo de 05
(cinco) anos;
Réu Reginaldo Moreira Faustino: determino o ressarcimento
de igual dano e a perda de cargo público junto ao Município de
Araguari.
Transitada em julgado oficiem-se o Tribunal Superior
Eleitoral e o Município de Araguari.
P.R.I.
Araguari, 03 de julho de 2019.
Calvino Campos
Juiz de Direito
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RECEBIMENTO
Aos ___/___/2019, recebi estes autos.
O Escrivão,