PROCESSO nº 0704.18. 0025691

 

S E N T E N Ç A

Vistos etc.

I) RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS ofereceu denúncia contra i. GUTIERRY JOHNEY OLIVEIRA MATOS; II. SANDRO JOSÉ DAL PIVA; iii. JOÃO MARIANO NETO; iv. GABRIEL MALTHA SEGATTO e ADEMIR SANTOS DA LUZ , pelos crimes previstos nos artigos 33, caput, c/c artigo 40, V, e artigo 35, da Lei nº 11.343/06 [ todos os denunciados ]; artigo 33, §1º, inciso III, d Lei nº 11.343/06 [acusado Ademir Santos]; artigo 14, caput, da Lei nº 10.826/03, narrando, em síntese:

- no dia 06 de março de 2018, na BR 251 e Rua João Batista Soares, Riviera Park, Unaí, os denunciados Gutierry e Gabriel, em unidade com os demais acusados João Mariano e Sandro José e auxiliados por Ademir, adquiriram e transportaram, com finalidade de distribuição interestadual, aproximadamente 72 quilos de maconha;

- os acusados, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, associaram-se de forma estável para prática de tráfico de drogas, sendo que o denunciado Ademir permitiu e auxiliou que João Mariano Neto utilizasse o veículo JAC J5, placa DJU 0050, para realizar o transporte das drogas;

- o acusado Gutierry transportava uma arma de fogo, calibre .380, PT 938, municiada com doze munições intactas.

Com a inicial acusatória vieram os documentos de fls. 02-245 dos autos.

Decisão às fls. 246 ordenando a citação dos acusados para apresentarem resposta preliminar, bem assim recebendo a denúncia quanto ao crime de porte de arma em face de Gutierry.

Citado o denunciado Gutierry, fl. 258; resposta por meio de advogado constituído, fl. 261-262.

Exame Definitivo de Drogas aportado aos autos, fls. 251-251v e 264-264v.

Procuração de Gabriel Maltha Segatto a seus advogados, fl. 271.

Recebimento da denúncia, fls. 277-277v, em face de Gutierry.

Resposta apresentada por Gabriel Segatto, fls. 296-301.

Audiência de instrução e julgamento, fls. 351-359, com ordem de desmembramento do processo em relação a a Gabriel Segatto, Ademir Santos da Luiz, Sandro José Dal Piva e João Mariano Neto, permanecendo o feito apenas em relação a Gutierry.

Petição da defesa de Gutierry, fls. 398/400, com documentos de fls. 402-433.

Audiência de instrução e julgamento em continuação, fls. 447 e 458-461, com interrogatório do acusado.

Relatórios de rastreamento aportado aos autos, fls. 472-482.

Alegações finais do Ministério Público, reiterando os termos da inicial acusatória, fls. 483-488v.

Alegações finais defensivas, fls. 490-529, aduzindo a defesa, em síntese, o seguinte:

- preliminar de nulidade: não houve juntada de relatórios de rastreamentos do ano de 2017, os quais foram efetivados sem autorização judicial, bem assim não houve a juntada de documentos investigativos contra o acusado, referente a operação “Barcelona”; requer -se a conversão do feito em diligências para fins de determinar que a autoridade policial junte aos autos tal documento;

- preliminar de nulidade: o rastreamento do veículo PAA 9297 realizado em 2018 foi feito sem a identificação sobre qual seria o veículo a ser rastreado e por qual período seria o rastreamento, não havendo fundamentação suficiente no despacho autorizativo de tal proceder, já que a ação deveria ter sido controlada e não o foi;

- preliminar de nulidade: a autoridade policial não realizou pedido de ação controlada para fins de se proceder às investigações em face do acusado Gutierry, de modo que há nulidade a ser reconhecida nos autos, pois a atuação policial desrespeitou o disposto no artigo 53, II, parágrafo único da Lei nº 11.343/06; artigo 8º da Lei nº 12.850/13;

- mérito: o réu é confesso em relação ao crime de porte de arma; se declarou inocente acerca das demais imputações de tráfico interestadual e associação para o tráfico;

- o acusado é corretor de imóveis, tendo CRECI respectivo e no dia dos fatos estava com Sandro Dal Piva, o qual tinha vendido o veículo Jinbei Shineray Trucks; esteve a pedido de Sandro para fins de Gutierry outorgar procuração àquele, conferindo poderes plenos sobre o veículo em referência; como Gutierry esqueceu de levar com ele o certificado de propriedade do veículo [ no cartório do Guará-DF ], combinou de buscá-lo em Unaí e Gutierry avisaria onde estaria para fins de entrega do documento; Sandro pagou a quantia de R$ 16.000,00 por meio de depósito bancário do dia 11.12.2017, , da venda do veículo feita em setembro ou outubro e 2018 [2017],n~]ao sendo feita nenhuma venda de veículo a Sandro no dia da prisão;/

- o depoimento de Helen Rosane menciona que Gutierry e Sandro estavam mantendo contatos seis meses antes dos fatos, período este em que a venda teria sido concretizada, não servindo tal depoimento para apontar vínculo de estabilidade voltada para tráfico de drogas entre ambos;

- o réu Gutierry narrou que residia anteriormente na cidade de Brasília, em Sobradinho, e ali possuía uma pizzaria chamada Pizza Gold, posteriormente vendeu tal empresa para poder, junto com a irmã dentista e pai protético, trabalhar na empresa Art Oral, não chegando a empresa a funcionar por problemas familiares;

- a casa em que Helen e Gutierry moravam já era de propriedade de Helen; o veículo era utilizado por sua esposa, principalmente para fazer compras de insumos para utilização na clínica de estética; Gutierry é corretor de imóveis e veículos e ganha dinheiro licitamente;

- a camioneta também estava a venda no dia dos fatos, quando foi interceptada e presa pela polícia, estando ela a caminho da casa de Bruno Rocha Versiani, não estando em fuga da polícia.; aliás, a testemunha menciona que ia encontrar com o réu na sexta-feira e que o réu ficou de levar a camionete no dia dos fatos;

- a polícia abordou outros veículos e não realizaram abordagem no veículo Jac J5 no início;

- outras testemunhas mencionam sobre as atividades lícitas realizadas pelo réu;

- em seu interrogatório, o réu menciona ser corretor de imóveis, afirmação que realizou durante toda a investigação e instrução, bem assim confirmada por testemunhas, havendo, também, declaração sob às fls. 445-446 sobre plantio de cereais em pequena escala; o réu afirmou que esteve com Sandro antes de sua prisão, para que fosse até o cartório visando a transferência do veículo Ijinbei Shineray, em razão de transação lícita;

- réu outorgou a procuração, mas esqueceu-se de levar com ele o cerfriticado de propriedade do veículo, o que impediu de efetuar a procuração do veículo, mas que levou Sandro a lhe dizer que estava precisando do documento e que ia passar em Unaí, naquele dia ou no dia seguinte, para pegar o documento e seguir para o Paraná; o réu disse à Sandro que assim que ele chegasse em Unaí lhe ligasse e ele iria até onde estivesse para entrega da documentação;.

-o réu Tugerry comprova que Sandro lhe pagou a quantia de R$ 16.000,00 por meio de depósito bancário em 11.12.2017, distribuídos em quatro pagamentos, sendo que o veículo já tinha sido entregue em setembro outoubro de 2018, fato confirmado por Idelvate, testemunha e Helen, que disse que o réu e Sandro estavam mantendo contato uns seis meses antes dos fatos;

- o réu narrou que residia em Bra´silia, na residência de seus pais e que trabalhou na feira dos importados, mesmo depois de mudar-se para Unaí; chegou a ter uma pizzaria chamada Pizza Gold, tendo ele vendido a empresa para abrir empresa de prótese dentária com seu pai, negócio que não deu certo por desavenças familiares;

- o réu também narrou que vendera um carro para Paulo Roberto que não possui ligação com crimes; em relação a conversa com Gabriel Maltha, trata-se de diálogos lícitos acerca de plantio em conjunto de abobora na propriedade do avô de Gutierrez;

- o acusado não viu que estava sendo monitorado, sendo que não é verdade sobre o adentramento no bairro Riviera para fugir da polícia, e sim para ir até a casa de Bruno; o monitoramento por rastreador foi fundamental para prisão de Gutierry, mas esse monitoramento foi ilícito e ilícita a prova por meio dele obtida;

- não se tinha nenhuma notícia de que o veículo J5 andava próximo da camioneta do acusado ou que um veículo seguia o outro;

- os exageros nas investigações foram tantos que os policiais chegaram a mencionar que o acusado utilizava uma pulseira de trinta mil reais, quando, na verdade, tratava-se de objeto de três mil reais; há muitas suposições e ilações nas provas testemunhas da acusação e desrespeito às regras constitucionais na colega de provas, revelando que os policiais são parciais na prisão do acusado; a ação policial foi tida como as maiores e melhores operações, pelo qual os investigadores querem o resultado do trabalho e empenham-se para que o réu Gutierry seja condenado;. Verifica-se às fls. 104 a imprecisão das informações policiais quando dizem que Gutierry e a droga teria chegado até Unaí em ois veículo depois, na mesma comunicação, narram que Sandro também teria vindo até Unaí e que teria arrumado João Mariano para dirigir o carro com a droga e aí apontam a existência de três veículos;

- a localização do veículo com uma quantidade de maconha, desassociado do ambiente da prisão de Gutierry pelo crime de porte, não tem um condão de um decreto prisional condenatório, como se fosse de sua responsabilidade a droga apreendida.;

- o fato de Sandro ter vindo a Unaí não é suficiente para dizer que ele estaria em conluio com o réu para a prática de qualquer crime, ademais quando ele teria de buscar em Unaí o documento Dut do veículo, pois Gutierrez não o levou consigo, tendo sido a procuração lavrada sem tal documento, estando tal informação inserta em seu teor;

- o conjunto probatório se revela insuficiente para condenação em processo criminal e,k diante da fragilidade a absolvição é medida que se impõe;

- requer absolvição pelo crime de associação, porque não houve provas suficientes acerca da habitualidade e de vínculo permanente com a associação; uma sentença não pode ser baseada em meras conjecturas de uma associação para o tráfico.

CAC dos acusados, atualizadas, fls. 798-805.

II) FUNDAMENTAÇÃO

Preliminares:

a) preliminar de nulidade: relatórios de rastreamentos do ano de 2017. Com a juntada de tais relatórios às fls. 417-482, restou superado o pedido da defesa. Tais relatórios remontam datas do ano de 2017, especialmente sobre os monitoramentos do mês de junho. Ademais, testemunhos policiais foram claros em dizer que vários desses monitoramentos foram feitos a partir do rastreador do próprio acusado, preexistente no veículo. Rejeito a preliminar e indefiro novas diligências para se obter relatórios, sob pena de tornar a instrução indefinida, além de serem impertinentes aos fatos narrados na denúncia.

b) preliminar de nulidade: não autorização judicial para monitoramento via rastreador veicular.

Para o escorreito enfrentamento da preliminar, é mister responder à seguinte questão: a alocação de rastreadores em suspeitos deve ser precedida de autorização judicial? Ao meu sentir, de plano, verifico que a resposta é negativa.

A defesa alega violação ao direito de intimidade, situação que ensejaria cláusula reservada à apreciação do judiciário. Para a defesa, não poderia a autoridade policial ter -se utilizado de rastreadores para monitoramento do acusado.

Pois bem. Sobre a intimidade, define a doutrina o seguinte:

A proteção à intimidade e à vida privada, só com o advento da Constituição de 1988, ganhou, de modo expresso, proteção constitucional e nos seguintes termos: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (...)" (art. 5.º, X, da CF/88 (LGL\1988\3)). O Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, 9antes, assegurava que ‘ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra e reputação’ (art. 11, n. 2, do Dec. 678 de 1992). A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, bem como o Pacto Internacional sobre Direito Civil e Políticos, 1966, já dispunham: ‘Ninguém será sujeito a interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências’ (art. 12 e 17, respectivamente).” 1

Por outro lado, o monitoramento via rastreador implantado em veículos de suspeitos é procedimento policial comezinho e possui como alvo a obtenção de dados via satélite ( GPS) acerca da de latitude, longitude e direção, permitindo a aferição de localização desse veículo. Ou seja, tratam-se apenas de dados, que eventualmente servem de embasamento para realização de diligências policias.

Logo, ao meu sentir, a inserção de um aparelho de natureza rastreadora em um veículo e o monitoramento da trajetória dele por meio de vias públicas não implica em adentramento à vida provada ou intimidade. Comparo o monitoramento à situação das câmeras de monitoramento que são instaladas em vários pontos da cidade de Unaí e de inúmeras rodovias federais ou estaduais, ou nos estabelecimentos comerciais e em órgaõs públicos (como cartórios).

Outrossim, as diligências foram todas realizadas em sede de investigação realizada por operações policiais locais em que houve apuração sobre a comercialização, fornecimento e distribuição de drogas sintéticas (ecstasy). As investigações, obviamente, foram realizadas por agentes constitucionalmente competentes para tais atividades vinculadas à Polícia Judiciária. Cabe lembrar que tais atribuições são conferidas pelo artigo 144, § 4º, da Constituição da República, artigo 140, § 3º, da Constituição Estadual Paulista, artigo 4º e seguintes do Código de Processo Penal (Decreto-lei nº 3.689/1941). Mister relembrar que a Lei 12830/2013 conferiu aos delegados de polícia status de carreira jurídica, com autonomia para realizar tais diligências sem que haja reserva de jurisdição, notadamente por não trazer nenhum contexto de invasão à privacidade.

O direito à intimidade não pode ser invocado para fins de prática de ilícitos. Há limites constitucionais, inclusive, sobre tais direitos. Realizando um comparativo sobre os avanços tecnológicos em prol das investigações, cita a doutrina o seguinte:

A biometria é um método automatizado de identificação, baseado nas características físicas únicas de um indivíduo. As principais técnicas biométricas atualmente existentes são o reconhecimento de íris, de impressões digitais, de faces, de voz, entre outros. Dentre os sistemas biométricos, o reconhecimento de íris é atualmente o que apresenta melhor relação custo-benefício, por oferecer um alto grau de precisão a custos viáveis. O reconhecimento de íris é adotado atualmente nos aeroportos de Amsterdã. O sistema - batizado de Privium 11- permite a venda de passagens aéreas vinculadas às características biométricas da íris do usuário, que é conferida no momento do embarque. O novo sistema é vendido como uma facilidade para o cliente que não necessita aguardar na fila de embarque, mas tão-somente dirigir-se a uma entrada especial onde a geometria de sua íris é comparada aos dados do bilhete.”

Observe-se que nos exemplos do sistema de monitoramento “olho vivo”, em Unaí, ou mesmo o sistema de reconhecimento de características biométricos - que voltam-se diretamente às pessoas dos suspeitos – não se identifica qualquer tipo de invasão à privacidade, nem se cogita de autorização judicial para fins de gravação da imagens de indivíduos que estão em via pública. Assim, ainda sobre a utilização da tecnologia para fins de desvendar crimes e desarticular organizações criminosas, é importante notar que o rastreador não foi colocado na pessoa do suspeito, e sim em um veículo.

Ao presente caso, como cautela, a autoridade policial submeteu o pedido em ofício sigiloso devidamente juntado aos autos da investigação e nesses autos ( fls. 48). Ou seja, mesmo sem a necessidade da autorização judicial, o pedido, sintético, foi submetido à decisão judicial. Apesar de sintética, entendo que a decisão judicial de fl. 48 é suficiente.

Rejeito a preliminar.

c) Preliminar de não juntada de documentos investigativos contra o acusado, referente a operação “Barcelona”.

Inicialmente, em respeito à Recomendação CNJ Nº 18 de 04/11/2008, não é adequado se mencionar em juízo nome de operações batizadas pela polícia. Ocorre que a própria defesa insiste em referir a nome de operação policial anterior, que ensejaram levantamento de suspeitas sobre o envolvimento do réu em ilícitos.

Pois bem. Ao que consta desses autos – e isso foi adequadamente juntado pela autoridade policial no IP – a informação sobre o envolvimento em outra operação consta à fl. 213 dos autos, com a ligação de Ismael Soares Luiz, alvo da operação de 2017. Ali consta o seguinte:

Relatório de rastreamento do veículo Hilux Placa PAA 9297, referente aos dias 25, 26 e 27 de julho de 2017, demonstrando indícios de coautoria do crime de tráfico de drogas e associação para o tráfico de GUTIERRY com Ismael Soares Luiz, alvo da operação Barcelona, desencadeada em julho de 2017 pela polícia civil de Minas Gerais, por meio da delegacia de repressão ao tráfico de drogas; imagem extraída da pasta DCMI do aparelho celular d IPHONE de Gutierry, referente a uma caixa contendo vários frasco=s de droga ilícita do tipo lança perfume, retirada dia 27/06/2017; - c´pia do documento em PDF, exportado do celebrite UFED Reports, após exame pericial de extração de dados do aparelho celular Iphone de Gutierry”

Às fls. 477-482 consta as seguintes informações:

Dia 27/06/2017 o aparelho celular de Gutierry registra uma fotografia de uma caixa contendo vários frascos de drogas do Tipo lança-perfumes.

Observações finais: dia 04/07/2017 foi cumprido mandado de busca e apreensão nos endereços de Ismael Soares Luiz em razão de suspeitoas com o tráfico de drogas sintéticas. Na ocasião, embora não se tenha encontrado drogas durante as diligências, foi apreendido material probatório de seu envolvimento com o tráfico, que subsidiou representação por sua prisão preventiva, devidamente cumprida dia 07/07/2017.

Dia 08/07/2017 foi cumprido mandado de busca e apreensão no eveento denominado “Niver do Branquinho”, tendo sido apreendidos vários comprimidos de Ecstasy e frascos de lança-perfume, semelhante aos registrados no aparelho celular de Gutierry, no local, 09 pessoas foram presas em flagrante delito”

Obviamente, a partir do flagrante dos 72 kg (setenta e dois quilogramas) de drogas, do Auto de Prisão em Flagrante Delito iniciou-se outras investigações, desmembradas para apurar justamente os fatos apontados nesses autos, em que os advogados de todos os réus tiveram amplo acesso aos autos e oportunidade de defesa com poder pleno de influência. Se a defesa técnica do réu tivesse tanto interesse assim em buscar maiores dados sobre a operação que a que alude, teria requerido acesso àqueles autos em balcão da secretaria. Não houve reclamações de acesso àqueles autos, nem seria crível que um feito já antigo estaria me sigilo; não houve pedido específicos para acesso àqueles autos (frise-se, desmembrados e pertencentes à outra operação). Logo, a preliminar deve ser rejeitada.

Finalmente, caberia a defesa solicitar tais documentos logo em sua primeira oportunidade de falar aos autos. Às fls. 261-262 não se vê absolutamente nada nesse sentido. Rejeito a preliminar e pedido de diligência para juntada de documentos referente a operação policial diversa.

d) preliminar de nulidade acerca da decisão autorizativa do rastreamento e de não identificação do veículo rastreado e qual período de rastreamento.

Transcrevo a decisão de fl. 48:

Vistos Etc. Tendo em vista que a segurança pública e a garantia da ordem e investigações sobrepõem ao interesse individual do investigado, DEFIRO o pedido. Unaí, 02/03/2018.; Ciência ao MP, em sigilo.”

Como já exaustivamente reportado, nem seria necessária autorização judicial para monitoramento de veículo de suspeito. Ainda que diferente fosse, não há cabimento se exigir decisões densas em situações como tais, em que se necessita de celeridade e urgência, além do sigilo.

Ora, decisão concisa não é o mesmo que ausência de fundamentação. Em um juízo com mais de 8.000 feitos, com inúmeros processos envolvendo crimes complexos, organizações e associações criminosas, é humanamente impossível maiores digressões filosóficas e jurídicas sobre a necessidade da autorização (inclusive desnecessária, apenas feita por cautela das investigações).

Os relatórios de rastreamento juntados aos autos reportam o número da placa do veículo (fls. 109-112), data, horário, endereço, duração do monitoramento, hora do início, hora final. O indivíduo suspeito, alvo da operação e do rastreamento – Sr. Gutierry Johney Oliveira Matos – foi devidamente identificado e qualificado no ofício sigiloso de fl. 48. O rastreamento se deu no veículo por ele utilizado, conforme Auto de Prisão em Flagrante Delito sobre o porte da arma. Portanto, não há nenhuma irregularidade que possa macular o trabalho da polícia, nesse ponto.

e) preliminar de nulidade: a questão da “ação controlada”.

A defesa insiste que não poderia a autoridade policial realizar ação controlada sem antes haver autorização judicial. Apesar dos erros terminológicos dos policiais e da própria defesa, cumpre alguns esclarecimentos.

A bem da verdade, a atuação via ação controlada é definida e regulamentada pelo artigo 8º da Lei nº 12.850/13, in verbis:

Art. 8o Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.

§ 1o O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público.

§ 2o A comunicação será sigilosamente distribuída de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetuada.

§ 3o Até o encerramento da diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações.

§ 4o Ao término da diligência, elaborar-se-á auto circunstanciado acerca da ação controlada” (grifei)

Pela simples leitura do dispositivo, é possível se concluir que a autoridade policial não realizou retardamento probatório de ações; não deixou de prender; não solicitou a suspensão de mandados de prisão (que ainda nem existiam) ou requereu-se ação infiltrada. Assim, resta clarividente que a defesa técnica do réu realizou uma confusão entre institutos jurídicos e técnicas investigativas. Complementando o raciocínio, é importante diferenciar o instituto da ação controlada (que consiste no retardamento da intervenção policial ou da realização de prisões) do flagrante prorrogado. Descreve a doutrina:

Definitivamente estes institutos não se confundem, muito em bora a doutrina erroneamente ensine como sendo sinônimos. Deve-se primeiramente, portanto, desconstruir o raciocínio equivocado da doutrina. A Lei 12.850/13 na realidade trouxe não o flagrante retardado, e sim a ação controlada nos artigos 8º e 9º, ou seja, temos nos referidos artigo sda Lei 12.850/13 um modelo de ação controlada que na realidade já existia no artigo 4º-B da Lei 9.613/98 e no artigo 53, II, e parágrafo único e artigo 60, §4º, da Lei nº 11.343/06. Todas essas hipóteses são na realidade medidas cautelares probatórias, pois todas elas vão exigir, sem exceção, a autorização jurisdicional probatórias, após prévia oitiva do Ministério Público. E não se trata apenas do flagrante ou de se retardar o flagrante. São hipóteses de não se prender em flagrante, não se cumprir mandado de preventiva, não se cumprir mandado de prisão temporária, não se cumprir ordens de sequestro e apreensão de bens. A ação controlada é algo mais amplo do que o simples flagrante prorrogado.” 2 (grifei e negritei)

Complementa o i. Professor Luiz Flávio Gomes, explicando em tabela que o flagrante prorrogado somente abrange a não prisão em flagrante imediata e é medida discricionária da autoridade policial, em uma situação flagrancial, não dependendo de autorização judicial para tanto.

Logo, durante todo o curso da operação, o que se viu foi, no máximo, uma situação de flagrante prorrogado, ao aguardar o momento oportuno (princípio da oportunidade da ação policial) na rodovia antes de se realizar a parada aleatória de veículos suspeitos. Essa ação não depende de autorização. Diga-se de passagem, não houve retardamento de ações probatórias; prisões não deixaram de ser realizadas; não houve retardamento no cumprimento de determinações anteriores. Nada disso se verificou. Logo, o que se operou com a prisão em flagrante em razão da prática, em tese, de vários delitos, tais como o porte de arma pelo acusado, além do tráfico de drogas e associação para o tráfico.

Ainda que diferente fosse, é importante rememorar que antes da Lei nº 12.850/13 o instituto da ação controlada já existia. Na lei 9.034/95 não se vê qualquer exigência de prévia autorização, situação, conforme parte dos entendimentos doutrinários, também permaneceu na Lei nº 12.850/13. Isto porque, ao meu sentir, “prévia autorização” difere da “prévia comunicação”, esta sim prevista no artigo 8º, §1º, da referida lei. Desse modo, ainda que por esse entendimento da defesa, a comunicação ressai do ofício de fl. 48 dos autos.

Por todos os ângulos, essa preliminar deve ser rejeitada. Rejeito-a.

Presentes todas as condições da ação, bem como os pressupostos processuais para desenvolvimento válido e regular do feito, o iter procedimental transcorreu dentro dos ditames legais, sendo assegurados às partes todos os direitos e, ainda, respeitados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Desta feita, não se vislumbram vícios a serem sanados. À míngua de outras preliminares suscitadas pelas partes, passo, doravante, à análise meritória. O feito foi desmembrado em relação a SANDRO JOSÉ DAL PIVA;JOÃO MARIANO NETO; GABRIEL MALTHA SEGATTO; e ADEMIR SANTOS DA LUZ. Segue-se, nesta oportunidade, o exame das condutas de GUTIERRY JOHNEY OLIVEIRA MATOS.

Passo a análise dos injustos previstos na Lei nº 11.343/06. São os seguintes:

Lei nº 11.343/06:

Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Art. 35.  Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa. (…)

A materialidade dos delitos resta comprovada por intermédio de diligências policiais pós denúncias anônimas de que grande quantidade de drogas seria transportada do Distrito Federal para Unaí, tendo o acusado como “batedor”, funcionando como auxiliar para o transporte da droga encontrada no Veículo Jac 5 [ setenta e dois quilos de maconha ]. O Boletim de Ocorrência de fls; 09-17; auto de apreensão de fls. 18-19; Exame preliminar de fls.36-37 e Exame Definitivo de Drogas de fls. 251 comprovam a maconha como substância encontrada, capaz de causar dependência psíquica e está enquadrada na Portaria nº 344/98, do Ministério da Saúde.

Acerca da materialidade do crime de porte de arma de fogo, o exame de fl. 38 confere segurança da existência desse crime, em razão da arma encontrada com o acusado, bem assim as munições, fls. 38-40.

Nos autos ainda presentes inúmeros documentos aportados ao IP, como o próprio Auto de Prisão em Flagrante Delito da apreensão da droga, procuração de fls. 76-79, entre o acusado e Sandro José Dal Piva, o Relatório Circunstanciado de Investigações de fls. 80-107 que reporta a materialidade acerca do crime de associação para o tráfico, envolvendo os acusados cujo processo fora desmembrado [ Sandro José Dal Piva, Ademir Santos da Luz, Gabriel Maltha Segatto e João Mariano Neto ]. Também nos autos extratos das mensagens extraídas do sistema Cellebrite Ufed Reports, fls. 208-212; relatórios de rastreamentos da camioneta utilizada por Gutierry (fls. 214-219).

Mister uma breve síntese do conteúdo dos áudios constantes da mídia do processo, referente a instrução processual. A esse respeito, destaco o que disse Idevalti Bianchini, compromissado, policial civil, respondeu:

"em 2017 houve a Festa Niver do Branquinho, e ouve monitoramento de áudios, e um deles tinha como alvo o Gutierry, que não foi na festa; houve a prisão de nove pessoas na ocasião mas o acusado continuou a ser monitorado e investigado; começaram a levantar indícios de forte movimentação; o primeiro indício seria um lavajato que disse que no porta-malas do veículo que ele utilizava tinha resquícios de maconha; em levantamentos, as denúncias se confirmaram; o depoente monitorava o acusado durante várias ocasiões e solicitou a autoridade judiciária a colocação de rastreador; houve informação de que anteriormente ele vinha com drogas, transportando do DF; o acusado é indivíduo esperto no mundo do crime, e nas operações anteriores não houve encontro de drogas; o acusado foi preso em outra operação no DF, maior apreensão de drogas sintéticas do DF , onde apreenderam mais de dois mil unidades de ecstasy e LSD; o acusado mais cinco pessoas foram presos e condenados; em 2015 um veículo em nome de Gutierry foi preso com drogas em grande quantidade, diversas, e armas; um informante dizia sobre as notícias de transporte de drogas, mas somente conseguiram localizar a droga após inserção do rastreador; no dia da apreensão, havia informações de que o acusado trazia droga de baixo do banco ou funcionaria como batedor; por falta de pessoal, não houve possibilidade de abordar todos os veículos de uma vez;pararam o acusado e não encontrou drogas com o acusado, mas encontraram a arma.; dera busca nos carros que passaram; o depoente e GIlson encontraram a arma e retiveram os celulares, enquanto outra equipe foi até a delegacia para formalizar o flagrante da arma; depois de vários monitoramentos, o veículo foi JAC estava no posto Santa Rita, mas ninguém estava no veículo".

A testemunha continuou explicando de maneira minuciosa a operação policial montada, mesmo após o encontro da arma e não apreensão, por ora, da droga. Elucidou o investigador de polícia o seguinte:

"o investigador Murilo ficou espreitando o veículo Jac; tentaram localizar outros dados e outras pessoas; o depoente e Gilson ficaram próximos ao posto e avistaram uma saveiro passando devagar no posto, como se estivesse procurando alguém; Gilson ficou para trás em outra viatura; o depoente alcançou o veículo na Av. Governador Valadares, em velocidade muito abaixo da permitida na via, levantando mais suspeitas; quando o depoente passou pelo veículo, viu a placa, de origem do Paraná, na divisa com Foz do Iguaçu; abordou o veículo e o depoente utilizou história de um assalto em Cristalina para obter informações; na entrevista investigativa os ocupantes da saveiro diziam que vieram comprar um veículo, não diziam o nome do amigo, não falava que carro vinham comprar e não informaram nada; esses indivíduos eram os acusados Sandro e João Mariano; o Delegado decidiu abrir o veículo; abriram o porta- malas e sentiram o cheiro de maconha; entre o banco traseiro e o porta mala havia um tampão; encontrou a droga em barras, sendo setenta e dois quilos de maconha; nas imagens do posto é possível visualizar JOão Mariano e Sandro; é possível verificar nas imagens o São Mariano e Sandro, que fica agoniado esperando alguém e mandando mensagem no telefone; posteriormente tiveram acesso ao telefone de Gutierry; pegaram telefones do Sandro mandando mensagens para Gutierry, que já não tinha acesso aos telefones; João Mariano tem passagem por crimes; Gutierry já teve pizzaria na feira dos importados e todos tinham contato co essa feira dos importados; Ademir possui mais de vinte empresas, movimentações bancárias de mais de cem milhões de reais, em lavagem de dinheiro; ele admitiu clonar cartões, possui mais de doze identidadaes, inclusive a mulher dele a mesma situação".

Falando especificamente sobre a associação criminosa para o tráfico de drogas, a testemunha menciona as mensagens de telefone entre Gabriel Segatto e Gutierry:

"as informações direcionavam para a atuação como chefia de Gabriel em relação a Gutierry; eles conversavam sobre 300 kg , que é o montante de maconha que eles transportam; nos diálogos, há conversa sobre não ter sorte com "HX", que significa a droga haxixe; no dia que Gutierry foi preso menciona que 'já estava no estágio do frete', referindo a Gabriel sobre o transporte da droga; a conversa de Whastapp foi colocada nos autos; Sandro é a pessoa que traz a droga do Paraguai; depois da apreensão passaram a observar o mesmo modo de operação sobre o transporte de drogas em Céu Azul; o depoente acredita que a função de João Mariano é o transporte da droga, recebendo R$ 1.500,00 para conduzir o veículo, tendo ciência do transporte da droga".

Em relação a arma de fogo e demais detalhes acerca dos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico, Idevalte complementou:

"escolheram realizar busca na camionete porque ele acelerou, deixando o Jac passar; a a arma foi encontrada embaixo do porta-luvas; há pretexto de trazer mercadorias para o DF [ feira dos importados ] não levanta suspeita sobre a droga, sendo prática comum, inclusive, conforme informações da PCDF; a carga do dia 12.02.2018 também houve informações sobre o transporte da droga; houve pelo menos duas cargas do dia 12.02 e dos fatos".

Sobre fatos pretéritos que geraram o início das investigações do acusado, menciona o seguinte:

"durante a operação barcelona, dia 08.07.2017, teve como principal investigado o Ismael; no dia 25.06 Ismael vai para Brasília; no dia 26.06, no outro dia, Gutierry vai até Ismael; no dia 27.06 conseguiram obter no celular do Ismael uma caixa de lança- perfumes; não conseguiram encontrar a droga, mas identificaram no telefone a foto, identificada como retirada pelo próprio telefone de Ismael após o contato com GUtierry; os endereços que Ismael vai são similares, próximos; o acusado fica dois três minutos nos lugares em que vai, ficando pouco tempo nessas regiões".

Sobre o padrão de vida de Gutierry, a testemunha mencionou:

 

"ele tem padrão bom de vida; a mulher dele tem uma empresa; descobriram uma kitnet e casa em um condomínio; não chegou a realizar o levantamento maior, feito por outro investigador; o réu utiliza as atividades lícitas de compra e venda de veículos, mas que são utilizados, na verdade, como moeda de troca de drogas; grandes quantias de dinheiro são rastreadas, por isso o acusado e os associados fazem transferência de veículos para o pagamento; quando o acusado entrou no bairro Riviera, mantiveram contato entre os agentes da polícia via rádio; não havia como averiguar todos os veículos parados durante a operação; o depoente havia mencionado na audiência aobre a 'operação barcelona' que outras pessoas estavam envolvidas, dentre elas o acusado, mas não pode falar na ocasião por conta do sigilo; realizou monitoramento na camionete do acusado pelo próprio rastreador dele, bem antes o fato, através de rastreador da própria camionete do acusado; não tem certeza sobre pedidos judiciais de monitoramentos anteriores; o relatório trouxe informações sobre o preço divergente de uma pulseira utilizada pelo réu; não sabe detalhes sobre viagens do acusado; Ademir é o proprietário do Jac".

Também policial Civil, Anderson Antonio reportou as mesmas circunstâncias lançadas no depoimento de Idevalte. Murillo Wagner, PCMG, foi o policial que monitorou o veículo Jac 5. Compromissado, complementou o seguinte:

"ficou na espreita próximo ao veículo Jac; nas diligências posteriores verificou-se que José Mariano conduzia o veículo Jac5, com a droga; após a prisão puxaram as imagens do posto santa rita; a equipe achou suspeita a movimentação do veículo saveiro; foi possível verificar que o acusado foi até o Guará e ficou próximo ao posto no DF, perto de um cartório; as imagens foram requisitadas, no local, onde houve a confecção de procuração sobre o veículo; nas imagens do posto é possível verificar Sandro e José Mariano entrando no veículo saveiro; de posse das imagens do posto, verifica-se o contato de GUtierry com Sandro, sobre a transferência de procuração, em relação ao veículo; sabe que o João Mariano trouxe a drogas para Gutierry; não houve relação de amizade entre José Mariano e Gutierry; não houve durante da operação levantamentos sobre essa relação; na camioneta dirigida pelo acusado encontrou-se apenas a droga; existe contato na agenda do acusado em elação a Ademir.; vínculo de Gutierry e Ademir é o próprio veículo Jac5 que está em nome de Ademir; no telefone de Gutierry há o contato de Ademir, sendo isso feito por meio ee extração de dados dos aparelhos".

Gerson Teodoro da Silva, disse que fez negócios com o acusado. Testemunha compromissada disse que vendeu imóvel ao acusado. Complementou:

"lembra-se que esse negócio foi feito há dois anos, sendo uma casa na rua Celina Lisboa, Unaí; pegou a asa de novo em troca de um apartamento; não tem conhecimento com o acusado, não sabendo se o acusado tem o costume de vender e comprar imóveis nem sabe sobre a prisão do acusado".

Bruno Rocha Versiani, testemunha compromissada, mencionou:

"tem uma amizade com o acusado, e o conheceu da capoieira em Unaí; mora no Riviera Park e estava em vias de realizar uma negociação com a camionete de Gutierry, ficando sabendo disso pela internet; ele tinha feito a combina de comunicar na sexta-feira; há somente uma entrada para o Riviera Park;. combinaram naquela segunda-feira para mostrar a camionete; via o acusado corretando lotes, chácaras e veículos; comprou um veículo do acusado em 2015; o acusado até perguntou sobre plantação de feijão na fazenda do avô dele, olhando na cooperativa para comprar sementes; não conhece os outros acusados do processo; ficou sabendo na rua sobre a prisão do acusado, inclusive sobre a droga e que diziam que a droga era dele".

Amilton Alves de Paula, também compromissado, disse que fechou um negócio com o acusado, um lote, pagando um ágio desse loteamento. Não conhece os demais acusados.

José Geraldo Campos foi compromissado em juízo e disse que realizou negociações envolvendo um apartamento, tendo recebido como pagamento uma camionete com o acusado, que ainda deve um dinheiro para o depoente.

Interrogado, o réu negou ter contato com a droga ou pessoas responsáveis por ela. Nega qualquer tipo de envolvimento. O réu disse, em resumo, o seguinte:

"tinha a pizzaria no DF e tinha o caminhão para vender, tendo Sandro se interessado pelo caminhão. Vendeu o caminhão em setembro, e passou os documentos; o DUT estava assinado no nome do acusado; a procuração foi feita nesse ano; tinha que esperar o cheque compensar; acha que o réu Sandro tem domicílio no Paraná, pois trazia "muamba" para feira dos importados; Gabriel é compadre de casamento, e são próximos, desde 2013; o Gabriel trabalha com loja e se tornaram amigos; depois Gabriel passou a mexer com internet; mora em Unaí e tinha a pizzaria em 2014; foi em Brasília e foi até o cartório passar a procuração; Sandro já tinha realizado o pagamento; em março ele ligou e questionou sobre a procuração para transferí-lo, pois já vendera o caminhão em seu domicílio; passou a procuração para ele no Cartório do Guará no DF, dando autorização para ele passar o caminhão para o nome do interrogando para transferir para Sandro; não conhece a ademir; confessa o crime de porte de arma de fogo, para segurança pessoal, porque viajava muito e trabalhava com questões rurais".

Pois bem. Repiso que as investigações se direcionaram ao acusado a partir do desmembramento de outra operação policial visando a desarticulação de comercialização de drogas sintéticas em festas de Unaí. A partir disso, a Polícia Civil do Estado de Minas Gerais recebeu denúncias de que o acusado Gutierry se encontraria com terceiro visando a aquisição de grande quantidade de drogas. Houve representação por implantação de rastreador no veículo do réu e, durante os monitoramentos, observou-se que o veículo do réu havia se deslocado para a cidade de Brasília/DF; depois, notando o seu regresso para esta cidade, a equipe da polícia civil foi ao seu encontro, na rodovia BR251, na altura do posto arrependido, quando o avistaram, sendo visualizado um segundo veículo Jac J5, placa JDU-0050 que o acompanhava. Isso restou bem comprovado pela palavra das testemunhas, os policiais que monitoraram e diligenciaram no dia da apreensão da droga, além dos próprios documentos constantes do Auto de Prisão em Flagrante Delito.

Após a formação do contraditório e ampla defesa, realmente adveio dos autos, com segurança e certeza, que o veículo conduzido pelo réu (camioneta Hilux) e o Jac J5 (que carregava a droga escondida no porta-malas) sempre andavam próximos um ao outro e em alta velocidade. Além disso, há provas objetivas que ligam o réu aos próprios responsáveis pelo transporte da droga, Sr. José Mariano (motorista) e Sandro Dal Piva (que estavam em uma saveiro), pelas ligações exercidas entre eles no momento em que o Jac J5 estava estacionado no posto Santa Rita. O veículo Saveiro foi visto em trânsito próximo ao posto, pelos policiais que realizavam a campana.

Ao ser vistoriada, na camioneta do acusado encontrou-se apenas a arma de fogo. No entanto, em virtude dos elementos probatórios erigidos nos autos, concluo ter ele atuado como “batedor” no dia dos fatos, dando total cobertura ao transporte da droga escondida no Jac J5. A expressão “batedor” é utilizada para aquele que “vai à frente de caravana, exército ou grupo para bater o caminho, abrindo-o ou explorando-o”3. Logo, no dia dos fatos, a função do réu Gutierry era contribuir de modo decisivo para que o transporte da droga operasse com eficiência e segurança até seu destino. Assim, realizou, sem sombra de dúvida, a conduta típica do tráfico de drogas.

Ora, houve prova robusta de que, ao aproximarem da entrada desta cidade, os veículos [Jac e Hilux] notaram a aproximação da guarnição policial, tendo o réu entrado na via que dá acesso ao Bairro Riviera Park. Conforme explicado da instrução, o veículo JAC seguiu viagem porque os policiais não conseguiram realizar a abordagem em ambos os veículos, em razão da quantidade de pessoal reduzida empenhada no dia dos fatos, bem assim por ser operação velada.

Realizado o bloqueio nas vias e abordado o veículo do réu, foram localizados em seu interior uma pistola calibre .380, modelo PT 938, municiada com um carregador contendo 12 munições intactas.

Restou comprovado que no JAC 5 - o segundo veículo - ficou abandonado no posto de combustíveis Santa Rita, na entrada da cidade, justamente por conta da ação policial. No interior do porta-malas, a equipe policial localizou as 78 (setenta e oito) barras de substância semelhante a maconha, as quais estavam acondicionadas no interior do banco traseiro do veículo, em compartimento totalmente disfarçado.

O modo de execução e prática do crime revela total sofisticação, condizente com a prática reunida entre várias pessoas, dentre eles, os acusados, até pela quantidade da droga. Complementando o caderno probatório, as testemunhas foram claras em dizer o acusado laborava, no dia dos fatos, como “batedor”, em que pese em outras ocasiões transportar a droga em seu próprio veículo.

O conjunto probatório permitiu a reunião de provas robustas sobre a negociação envolvendo o acusado e Sandro Dal Piva, responsável este pelo fornecimento da droga de outra unidade da federação, para o Distrito Federal e, por fim, para Unaí. O monitoramento de imagens no cartório e a própria procuração, além da visualização de Sandro no posto, próximo ao veículo Jac j5, contato entre eles via telefone [ conforme Relatório Circunstanciado de Investigações de fls. 83-105 ], o momento da chegada do Jac J5, próximo ao veículo do réu, são elementos probatórios que, somados, conferem a certeza do envolvimento do acusado com o tráfico das 78 barras de maconha. Sandro foi parado por policiais em Unaí,após os investigadores suspeitarem da forma que passaram pelo posto Santa Rita. Na abordagem, o investigador obteve o telefone do acusado Sandro e João Mariano. Posteriormente, verificaram que se tratavam, realmente, das mesmas pessoas que espreitavam o veículo Jac J5 no posto Santa Rita.

Apesar da negativa do réu, não há dúvidas que Gutierry se afigurava como o grande responsável pelo transporte da droga do DF para Unaí, e possui relação de comercialização da droga com Sandro, tendo veículos como forma de pagamento para se evitar a suspeita. De fato, a outorga da procuração foi feita no mesmo dia da entrega da droga. Verifico que a alegação de depósito na conta de Gutierry não foi vinculada ao pagamento de veículo e não afasta a realidade de aquisição da droga por Gutierry, tendo o veículo utilizado como parte do pagamento.

Não obstante a negativa do acusado, o diálogo dele com Gabriel Segatto é, também, representativo da associação. Conversas via whatsapp foram extraídas do celular do acusado e comprovam conteúdo criminoso, voltado para transporte de Haxixe 4. no mesmo teor da conversa, Gutierry explica a Gabriel que a droga ( 72 kg de maconha apreendida) estava em seu “estágio do frete”. Verifico que o acusado - como sói de ocorrer nas circunstâncias de tráfico – utilizava expressões pulverizadas para tratar sobre a droga. Gabriel conversava com ele sobre um transporte de cargas de 300 kg de maconha, utilizando os termos “terra”, para referir-se ao produto ilícito. Assim, extraio provas robustas da existência e funcionamento pleno e sofisticado de associação criminosa para prática reiterada da traficância, inclusive, por ter o acusado amizade de longa data com Gabriel [ este réu – cujo processo foi desmembrado - é padrinho de casamento de Gutierry ]. Obviamente, a amizade entre ambos, por si só, não pode ser elemento comprobatório de associação para o tráfico, contudo, o conteúdo das conversas são reveladores e comprovam práticas voltadas para traficância de drogas.

Restou comprovado que, depois de estacionado o veículo Jac J5 no posto Santa Rita, Sandro e João Mariano ficaram por lá 23 minutos, apreensivos por não mais conseguirem contato com o Gutierry, que já se encontrava preso em flagrante pelo porte da arma. Durante esse momento, Sandro dispara mensagens ao celular de Gutierry, perguntando o que ocorrera. Diante desse conjunto probatório sólido e mais que suficiente, entendo sobejamente comprovada a prática da traficância de drogas em larga escala e também a associação para o tráfico.

É certo que a análise da quantidade – 72 kg – totalmente anormal para os padrões locais, por si só, realmente se afigura como elemento indicativo da associação. Mas essa realidade deve ser confrontada com o conjunto consistente nos autos. Continuando: ao meu sentir, estão muito bem consorciadas circunstâncias que direcionam ao papel relevantíssimo que Gutierry realizou durante toda a operação de traslado da droga. Revelou—se por meio de provas seguras – que o réu estava associado com os demais indivíduos para a prática reiterada de drogas, tendo eles se conhecido a partir da Feira de Importados do DF, vértice comum entre eles, conforme se extrai do próprio interrogatório de Gutierry. O veículo de Ademir – indivíduo com várias circunstâncias que o ligam diretamente a prática criminosa – foi utilizado para o transporte da droga. Pelo conteúdo do interrogatório, o réu entregou que foi até o Guará-DF realizar a operação da procuração em razão do veículo que havia vendido para Sandro.

Pergunta-se: por qual motivo utilizar um cartório de fora do domicílio do próprio acusado-vendedor? Qual a finalidade da vinda de João Mariano e Sandro a Unaí e aqui permanecido por tempo relevante, inclusive do lado do veículo onde a droga se encontrava? Havia outro motivo para as mensagens de Sandro para o celular de Gutierry, pós-prisão dele? Por qual razão Gutierry se dirigia rapidamente para vários locais, permanecendo por curto espaço temporal, mesmo viajando por longas distâncias?

O tempo de monitoramento e das investigações, que se iniciaram a partir de operações policiais que visavam o desmantelamento de quadrilhas vinculadas ao comércio e distribuição de drogas sintéticas em Unaí – é totalmente suficiente para levantamento de todas as provas da associação e perenidade de instrumentalização sofisticada dos acusados, todos focados para prática da traficância, delito usualmente perpetrado sob as sombras de uma alta clandestinidade.

Ressai dos autos que, da linhagem associativa, o réu Gutierry assumia postura hierárquica relevante na associação.

Logo, não pairam dúvidas acerca das condutas do acusado em relação à traficância e associação para o tráfico. Há lastro mais que suficiente para a procedência da denúncia em relação ao tráfico de drogas e associação.

Aponto, também, que as testemunhas de acusação, policiais civis que realizaram diversas diligências, ratificaram os termos do relatório policial, comunicação de serviços e Relatório Circunstanciado de Investigações, além de levantamento de imagens, busca por dados outros relevantes sobre a movimentação no dia da prisão em flagrante.

Há um nexo entre os depoimentos policiais e o conteúdo dos relatórios investigativos e documentos levantados nos autos. O contexto das imagens, mensagens, forma de atuação concatenada dos veículos Hillux e Jac J5, falas indiretas em relação a droga no veículo JAC J5 [ entre Sandro e Gutierry ], utilização de expressões harmônicas [Gabriel e Gutierry ], a utilização de veículo de Ademir, são provas robustas da associação para o tráfico.

A defesa técnica exerce importantíssimo papel constitucional, em atuação firme e atenta ao substantivo contraditório. No entanto, apesar das alegações, ainda que eventualmente exerça atividades lícitas, conforme demonstrou ter credencial para atividade de corretor, tal circunstância não afasta o lado obscuro da delinquência, vinculada à conduta demonstrada nos autos.

A defesa menciona que o réu esteve a pedido de Sandro para fins outorga de procuração da venda do veículo. Insiste que a movimentação é lícita. Observando a operação em si, realmente, não se vê ilicitude. Contudo, há provas robustas de que a procuração é ato praticado com dissimulação. Com base nele, tentavam os réus disfarçar a aquisição de drogas por Gutierry, tendo como parte do pagamento a entrega do veículo (anteriormente feita). Como confessado pelo próprio réu, ele possui residência em Unaí. Sob todos os ângulos de observação acerca do flagrante da grande quantidade de maconha [ e os vínculos entre os acusados ], ao meu sentir não há justificativa alguma para a realização de procuração no DF, em vez de se realizá-la em Unaí. Bastaria que Sandro viesse a Unaí e buscasse o CRLV do veículo. Entendo que eventuais depósitos de dinheiro de Sandro a Gutierry, por si só, não isola a realidade da participação do réu no tráfico e associação para o tráfico, uma vez que não há nenhum elemento que vincule os aportes financeiros a negócio jurídico lícito.

As declarações de Helen Rosane confirmam os contatos entre Gutierry e Sandro. Por ser a traficância conduta praticada em alta clandestinidade, não se espera que o réu venha a dar publicidade ou conhecimento para terceiros, sobre os detalhes dessas negociações. Esses contatos servem para fins se somar às circunstâncias da associação para o tráfico.

A defesa se apega em atividades comerciais lícitas do réu, mas o próprio réu identificou que havia encerrado o comércio de pizza no DF, não tendo ele continuado com a atividade protética com seus familiares. Ao meu sentir, ao perceber a presença da polícia, o réu tentou imprimir maior velocidade à camioneta. O interesse em ingressar no bairro Riviera Park, para contato com Bruno Versiani [possível comprador da camioneta], é circunstância que não desnatura o papel de batedor do acusado durante o trajeto DF-Unaí. Como já adiantado, eventuais atividades lícitas como corretor de móveis ou imóveis, atividades rurais, e outras, não alteram a realidade das condutas voltadas para cometimento dos crimes descritos no artigo 33 e 35, ambos da Lei nº 11.343/06.

Dos autos consta que a polícia abordou outros veículos e utilizaram de técnicas policiais para evitar que os acusados descobrissem se tratar de operação policial para combate ao tráfico de drogas. O Jac J5 não foi abordado porque optaram por parar e averiguar a camioneta. Naturalmente, em razão do parco quantitativo policial, não foi possível, naquele momento, a abordagem de ambos os veículos.

Acerca de outras testemunhas mencionam sobre as atividades lícitas realizadas pelo réu e também da declaração de fls. 445-446, é preciso observar que foi firmada pelo tio do réu e precisa ser observada com ressalvas, já que não presente em qualquer documento oficial. Além disso, a declaração não explica como o acusado participava da “sociedade”. Ainda que informado a pequena plantação, é sabidamente preciso uma série de atividades materiais que versam sobre preparo do plantio; acompanhamento diário da plantação; controle de pragas; aplicação de fungicidas; adubos (folheares e outros); além dos cuidados com a própria colheira. Pergunta-se: qual era o real papel de Gutierry nessa atividade? Nada disso foi explicado. Aliás, oO conteúdo das mensagens de fl. 87 é totalmente incompatível com reais práticas das atividades agrícolas.

Abstenho-me de reproduzir a questão da licitude sobre o acompanhamento do veículo Hillux, dirigido pelo réu, já que isso foi exaustivamente explicado em sede de preliminares, não havendo que se falar em exagero por parte das investigações. A informação sobre o valor da pulseira, posteriormente identificada com valor expressivamente reduzido em relação aquele inicialmente informado, ainda sim é comprobatório de um estilo de vida de médio/alto padrão.

Não vejo ilações ou suposições sobre o caso. Após a prisão de Gutierry, as investigações continuaram e os investigadores observaram a movimentação estranha de Sandro e João Mariano na saveiro, posteriormente identificados como pessoas ligadas à entrega da droga e também à Gutierry. Obviamente, para levantamento de elementos indiciários, equipes policiais devem se valer de provas subjetivas e circunstanciais. Quando somadas, conforme já adiantado, fornecem a esse juízo, após todo transcurso do devido processo, conteúdo seguro sobre a prática do tráfico e associação para o tráfico, além do porte de arma de fogo.

O fato de atuarem os policiais com empenho e com foco em resultados investigativos faz parte de qualquer boa gestão investigativa, necessária em todos os órgãos públicos ligados a pasta da segurança pública. Os trabalhos investigativos apontaram algumas imprecisões, posteriormente explicadas após avanço investigativo. Ou seja, o terceiro veículo (saveiro de Sandro) foi identificado após a análise das imagens.

Pela reanálise do conjunto probatório existente nestes autos, entendo que a localização do veículo com os 72 kg de maconha não estão desvinculados da prisão de Gutierry. Conforme já explanado, houve mensagens de Sandro a Gutierry, após terem eles permanecido por 23min no posto Santa Rita, onde o veículo Jac J5 estava estacionado com a droga a espera de Gutierry. Isso ficou bem claro nos autos. O fato de Gutierry não estar com a droga não o afasta da prática de núcleos do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, sendo inviável, também, alocá-lo como mero informante (artigo 37 da Lei nº 11.343/06), pois exercera papel fundamental no traslado e também ocupa função importantíssima na associação para o tráfico.

O fato de Sandro vir a Unaí, permanecendo no posto com João Mariano (identificado como motorista do Jac J 5), somados aos contatos dele com Gutierry, são elementos muito contundentes sobre o vínculo de ambos para prática do tráfico de drogas. Os contatos anteriores entre eles, por tempo relevante, é prova cabal da associação. É preciso destacar que não se está em formação de convicção judicial exclusivamente com base em um ou outro elemento circunstancial isolado. Logo, a análise deve ser coligida de maneira holística. Definitivamente, o conjunto probatório se revela mais que suficiente para condenação do réu, não havendo que se falar em fragilidade de provas.

Por fim, ainda quando a densa manifestação defensiva, verifico ser inviável a absolvição pelo crime de associação. O episódio dos veículos vindos de Brasília com razoável proximidade, tudo que foi dito sobre o vínculo do acusado com os demais réus do processo desmembrado, complementam essa condição . Não se está, portanto, presumindo traficância; analisa-se o caso com razoabilidade, sensibilidade e, por meio de provas objetivas e subjetivas, comprovou-se, realmente, a participação e a posição desse acusado na associação criminosa e sua conduta direta de traficância.

Apesar do que foi dito, o crime de associação ao tráfico restou comprovado, havendo destaque da ligação entre Gutierry e os demais réus, de forma totalmente consistente. Permanência e habitualidade foram identificadas durante os monitoramentos e oitiva de testemunhas. Inviável aplicar ao traficante associado as benesses do artigo 33 §4º, da Lei nº 11.343/06, inclusive porque Gutierry é reincidente específico.

Ainda nesse ponto, entendo que a imputação do delito previsto pelo artigo 35 da Lei nº 11.343/2006 prospera em face do réu. Sabidamente, o crime de associação exige que duas ou mais pessoas se reúnam, de alguma forma, com objetivo de praticar os crimes de tráfico de drogas, de forma reiterada.

Compulsando os autos, verifico haver provas da associação para o tráfico , inexistindo quaisquer dúvidas obre a estabilidade de pessoas com vértices comuns como Gutierry. É cediço que a condenação pelo crime em questão (artigo 35 da Lei nº 11.343/06) exige-se que a instrução revele, de forma clara, que os réus haviam se associado de forma estável e permanente para o cometimento dos delitos referidos no tipo discutido. Além da configuração do crime de tráfico, observo que o conjunto probatório evidenciou a existência de vínculo permanente dos acusados para o delito de tráfico.

Quanto a extensão do tráfico, observo que operou-se provas suficientes de sua caracterização entre unidades federativas do Brasil (Estados-DF), atraindo a majorante específica do artigo 40, V, da Lei nº 11.343/06 .

As demais teses defensivas encontram-se já analisadas na própria fundamentação desta sentença, não cabendo, igualmente, reproduções desnecessárias e maiores delongas. Observe-se que a prova colhida em Inquérito Policial pode servir de embasamento para fins de cognição judicial, quando não for exclusiva.

Noutro ponto, o réu é confesso em relação ao porte de arma. Relevante notar que o crime de porte de arma de uso permitido possui conduta descrita pelo art. 14 Lei 10.826/03, cuja pena máxima em abstrato é de 04 (quatro). Eis o dispositivo:

Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente. (Vide Adin 3.112-1)

A materialidade do delito restou devidamente comprovada, conforme boletim de ocorrência, auto de apreensão e laudo de exame de prestabilidade, sendo uma pistola semiautomática Taurus, calibre .380,, em pleno funcionamento e eficácia, com doze cartuchos intactos calibre .380 AUTO.

Assim, o porte de arma restou devidamente comprovado , pelo que a conduta reuniu todos os elementos objetivos do tipo, quais sejam, portar arma de fogo ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, restando consumado. O acusado agiu com dolo, pois tinha plena consciência e vontade de realizar tais elementos descritos no art. 14, caput, da Lei 10.826/03, notadamente o verbo “portar ”, ainda, no contexto da traficância e associação para o tráfico.

As condutas são típicas, antijurídicas, culpáveis; devidamente comprovadas nos autos e, acerca de antecedentes, descrevo que Gutierry é reincidente por tráfico e associação em 2013, com trânsito em julgado em 2013, fatos em 2011 (fl. 228). Também constam registros processuais na circunscrição judiciária do DF, mas não há informações suficientes.

III) CONCLUSÃO

Diante do exposto e por tudo mais que consta dos autos, JULGO PROCEDENTE a pretensão formulada na denúncia e, em consequência, submeto o réu GUTIERRY JOHNEY OLIVEIRA MATOS nas iras do artigos 33, caput, c/c artigo 40, V, e artigo 35, da Lei nº 11.343/06 e artigo 14, caput, da Lei nº 10.826/03, passando a dosar a pena:

1a. FASE. Na primeira fase da dosimetria da pena, observo que, em se tratando de tráfico ilícito de drogas, mister se faz analisar a natureza e quantidade das drogas exibidas. 72 kg de maconha é quantidade gritante, erigindo maior censurabilidade nessa etapa processual para o tráfico de drogas e associação para o tráfico; quanto aos antecedentes, o réu é reincidente, já considerada a agravante em etapa própria; os motivos dos crimes e circunstâncias dos crimes são inerentes aos próprios delitos ; quanto às consequências dos crimes de tráfico, associação e porte de arma de fogo, são as comuns aos tipos; por fim, tratando-se de crimes praticados contra a coletividade (crimes vagos), não há que se cogitar em comportamento da vítima; personalidade e conduta social do réu são neutras, à míngua de informações mais específicas sobre esses pontos; finalmente, a culpabilidade dos três crimes é padronizada, não excedendo aos limites de suas elementares. Pena-base em 06 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão e 620 (seiscentos e vinte ) dias-multa para o tráfico; 04 (quatro) anos de reclusão e 780 (setecentos e oitenta ) dias-multa para a associação; 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão e 32 (trinta e dois) dias multa para o porte de arma.

2ª FASE. CIRCUNSTÂNCIAS LEGAIS. Opera-se a compensação entre a confissão e a reincidência do réu em relação ao crime de porte de arma. A pena provisória, nesse crime, permanece a mesma da operação anterior. Porém, presente a agravante da reincidência, obrigando-me a sua aplicação para os crimes de tráfico [ agravamento em um ano e oito meses de reclusão e o equivalente em dias-multa ] e associação para o tráfico [ agravamento em um ano e dois meses de reclusão e o equivalente em dias-multa ]. Permanece o cálculo da operação anterior em relação ao tráfico e associação para o tráfico. Penas provisórias:

a) 07 (sete) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 786 (setecentos e oitenta e seis) dias-multa para o tráfico;

b) 05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 863 (oitocentos e sessenta e três) dias-multa para a associação;

c) 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão e 32 (trinta e dois) dias multa para o porte de arma.

3ª FASE. Presente a causa de aumento pelo tráfico entre unidades federativas. Aumento a pena em 1/6 para o crime de tráfico e associação para o tráfico, remanescendo no seguinte:

a) 09 (nove) anos e 02 (dois) meses e 25 (vinte e cinco) dias de reclusão e 917 (novecentos e dezessete) dias-multa para o tráfico;

b) 06 (seis) anos e 10 (dez) dias de reclusão e 1006 (mil e seis ) dias-multa para a associação;

c) 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão e 32 (trinta e dois) dias multa para o porte de arma.

Sem outras causas de aumento ou diminuição, inclusive para o crime de porte de arma. Sem mais nada que altere o estabelecimento das reprimendas, consolido-as no seguinte patamar:

PENA somada e definitiva: 16 (dezesseis) anos, 06 (seis) meses e 05 (cinco) dias de reclusão e 1955 (mil e novecentos e cinquenta e cinco) dias-multa, valorados em 1/15 (um quinze avos) do salário mínimo vigente ao tempo dos crimes, consoante demonstração patrimonial do acusado.

Gutierry ficou preso por pouco mais de dez meses, nada alterando o regime inicial. Fixo regime inicial fechado ao sentenciado, em aplicação do artigo 33, §2º, ‘a’ do Código Penal e artigo 8.072/90, tratando-se de crimes equiparados a hediondo. Sem direito a substituição ou sursis.

Permanecem os mesmos fundamentos, requisitos, hipóteses de cabimento constantes das decisões que ordenaram a prisão do acusado.

O sentenciado é reincidente específico. Além disso, a forma de atuação, comprovada nesses autos, testifica gravidade em concreto e sérios indicativos de reiteração criminosa e dedicação para práticas ilícitas. A ousadia na prática da traficância ostenta modo de execução que recomenda a manutenção de sua prisão provisória, sendo até temerária a soltura antecipada. MANTENHO A PRISÃO PREVENTIVA do réu. Expeça-se guia de execução provisória.

Condeno o réu em custas processuais. Eventual suspensão da cobrança será apreciada pela VEP.

Determino a intimação pessoal do réu e do Ministério Público. Intime-se, pela imprensa, os defensores constituídos.

Autorizo o uso de bem apreendido, pela PC de Matelândia-PR, qual seja, o veículo Hyundai Sonata GLS, Placas JiJ 7250 [ autos nº 0704.18.006967-3 ];

Ouça-se o Ministério Público em relação aos pedidos nos autos nº 0704.18.007456-6. Após, conclusos para análise.

Houve decisão nos autos nº 0704.18.006399-9. Mantenho-a por todos os seus fundamentos.

Em relação ao pedido constante dos autos nº 0704.18.005089-7, mantenho, por ora, a decisão de fsls. 32-32v, reservando-me a análise até a sentença do feito desmembrado, em face de Sandro Dal Piva.

Oportunamente, após o trânsito em julgado desta decisão, tomem-se as seguintes providências:

1) Lancem-se os nomes dos réus no sistema eletrônico que veio a substituir o antigo rol dos culpados, conforme previsão do Provimento 224/CGJ/2011, que revogou o inciso X, do artigo 307 do Provimento 161/CGJ/2006.

2) Expeçam-se as guias de execução;

3) Oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral deste Estado, para os efeitos do disposto no artigo 15, inciso III, da Constituição da República.

4) Oficie-se o Instituto de Identificação Criminal para fins de registro acerca da condenação do réu.

5) Em razão de se enquadrar a condenação no rol de crimes que autorizam a inelegibilidade (art. 1º, I, ´e´ da Lei Complementar nº 64/90), ordeno o cadastramento junto ao CNCIAI, nos termos da Resolução CNJ nº 44/2007 ;

  1.  
    1. Proceda-se à destruição da droga eventualmente ainda não destruída, inclusive aquela mapeada como amostra;

    2. Nos termos do Ofício Circular 110/CGJ/2017, proceda-se o cálculo das custas, taxas, despesas processuais e da multa com auxílio da Contadoria/Tesouraria, instruindo a guia de recolhimento com planilha de cálculo (conta de custas) para posterior cobrança pelo Juízo da Vara de Execuções Penais. Após, observe-se a orientação da GESCOM quanto ao arquivamento do processo com baixa pelo motivo 140 “execução de pena formada” e arquivem-se os autos.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

UNAÍ-MG, 04 de fevereiro de 2019.

 

 

 

RAFAEL LOPES LORENZONI

JUIZ DE DIREITO

 

 

 

 

1 Pitombo, Cleunice A. Valentim Bastos . CONSIDERAÇÕES SOBRE A TUTELA DA INTIMIDADE E VIDA PRIVADA NO PROCESSO PENAL Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol. 26/1999 | p. 59 - 79 | Abr - Jun / 1999 Doutrinas Essenciais Processo Penal | vol. 1 | p. 655 - 683 | Jun / 2012 | DTR\1999\557

2Gomes, Luiz Flávio. Organizações Criminosas e técnicsas especiais de investigação: questões controvertidas, aspectos teórigos e práticos e análise da Lei 12.850/13. Salvador : jus Podivm, 2015, p. 379.

3https://pt.wikipedia.org/wiki/Batedor. Acesso em 03 de fevereiro de 2019.

4Droga de efeito entorpecente preparada com a resina segregada pelas inflorescências femininas do cânhamo (Cannabis sativa), cujo componente ativo é o tetraidrocanabinol; abango, abangue, bango, bengue, bongo, pango [É consumida por ingestão direta, ger. em doces ou bebidas, mascada, ou freq. fumada pura ou associada ao tabaco ou à maconha.] -Fonte: https://houaiss.uol.com.br/pub/apps/www/v3-3/html/index.php#1. Acesso e 03.02.2019.