Autos processuais nº 0024.10.158318-5

Natureza: Possessória

Requerentes: Geraldo Wagner Vasconcelos Lopes e outro

Requerida: Fortes Empreendimentos Ltda.

Juíza: Soraya Hassan Baz Láuar

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Vistos, ETC...

GERALDO WAGNER VASCONCELOS LOPES e LEONARDO RODRIGUES DA SILVA, devidamente qualificados à fl. 02, ajuizaram a presente AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE contra FORTES EMPREENDIMENTOS LTDA., também qualificada, alegando, em síntese, que são vizinhos do imóvel (lote vago) localizado na Rua Tito Alves Pinto, nº 302, bairro Bandeirantes, nesta cidade, desde 29 de março de 2.008. Relataram que “o referido lote era alvo fácil para ação de marginais que aproveitavam da sua situação de desleixo para ter acesso não só as dependências do imóvel dos autores como também de outros vizinhos, pois, a alta vegetação que cobria o seu solo e o seu livre acesso servia de esconderijo para estes delinqüentes e para ocultação dos produtos fruto de suas ações criminosas na região”. Narraram que, além dessa situação, o imóvel havia se tornado depósito de lixo e foco de doenças, o que fez com que, após tentativas frustradas de localização da proprietária, ora requerida, realizassem uma série de obras úteis e necessárias para garantir a integridade de sua propriedade, a segurança, o sossego e a saúde de sua família e vizinhos e, para tanto, passaram a exercer a posse a partir de agosto de 2.008. Disseram que, no dia 12 de junho de 2.010, por volta das 15 horas e 30 minutos, o Sr. Célio Alves Costa, dizendo-se representante legal da requerida, com a alegação de ser o legítimo proprietário do imóvel, quebrou o cadeado do portão que o guardava com o intuito de adentrá-lo, o que acarretou a lavratura de boletim de ocorrência e a substituição do cadeado rompido. Afirmaram que a requerida, após a aquisição do imóvel, em 24 de outubro de 1.994, nunca exerceu a posse ou promoveu a sua correta manutenção; encontra-se em débito com o IPTU do período de 1.996 a 2.010, ensejando o ajuizamento de execuções fiscais, tudo a demonstrar o abandono e a sua intenção de não mais manter o bem sob a sua esfera de domínio.

 

Pugnou, liminarmente, pela manutenção da posse do imóvel e, ao final, fosse a requerida condenada ao pagamento da quantia de R$ 31.542,54 (trinta e um mil, quinhentos e quarenta e dois reais e cinquenta e quatro centavos), alusivas às benfeitorias úteis e necessárias realizadas, além de outros valores destinados à manutenção do bem, a serem apurados oportunamente.

 

Instruindo a inicial, documentos de fls. 09/89.

 

A tutela de urgência foi concedida às fls. 90/91.

 

Citada (AR de fl. 105), a requerida apresentou a contestação de fls. 106/118, arguindo, em sede de preliminar, a inépcia da petição inicial. No mérito, sustentaram que a documentação acostada aos autos demonstra que o exercício da posse não remonta ao ano de 2.008, mas sim ao ano de 2.010, uma vez que todas as notas fiscais de compra de material de construção são datadas de maio e junho de 2.010, “levando a crer que somente a partir de então é que os Autores estariam a praticar atos clandestinos no imóvel da Autora”. Salientou que os requerentes não exerciam a posse com animus domini e que, em razão de conhecerem a real proprietária do imóvel, o faziam de má-fé. Ponderaram que, “por tal razão, não fazem jus a qualquer indenização pelas benfeitorias edificadas no imóvel, em conformidade com os arts. 1219 e 1220 do Código Civil, vez que, se tivessem agido de boa-fé, teriam pura e simplesmente providenciado a capina do lote e, quando muito, o cercamento do terreno com arame, ou tapume, para impedir a entrada de pessoas estranhas”. Pelo princípio da eventualidade, defendeu que, quanto às pretensas benfeitorias necessárias, os requerentes não tinham, sequer, o direito de retenção e que, se consideradas realmente necessárias, poderia a proprietária optar pela indenização pelo seu valor atual ou pelo seu custo. Documentos de fls. 119/140.

 

Impugnação às fls. 157/171.

 

Determinada a especificação fundamentada de provas (fl. 172), as partes se manifestaram às fls. 173/174 e 175/177.

 

Audiência de tentativa de conciliação à fl. 179.

 

A preliminar foi rejeitada à fl. 231.

 

 

Audiência de instrução e julgamento à fl. 238, com produção de prova oral às fls. 239/241 e juntada de novos documentos à fl. 248.

 

 

 

Alegações finais dos requerentes às fls. 250/256 e da requerida à fl. 257/275.

 

É O RELATÓRIO.

 

DECIDO.

 

A análise da questão possessória é imprescindível para a resolução da pretensão indenizatória, alusiva às benfeitorias erguidas pelos requerentes, mesmo porque, nos termos dos arts. 1.210 e seguintes do Código Civil, um dos efeitos da posse é, justamente, a indenização pelas benfeitorias.

 

Não há dúvidas de que os requerentes, desde o momento em que tomaram posse do imóvel pertencente à requerida, tinham conhecimento a respeito do nome da proprietária do bem. Vê-se que tal fato é, inclusive, mencionado na peça de ingresso à fl. 04:

 

A referida empresa RÉ, conforme certidão expedida pela Junta Comercial de Minas Gerais – JUCEMG apresenta endereço diverso ao do seu Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ (docs. anexos).

 

Diante de tais situações e das frustradas tentativas de localizar o seu proprietário passaram os AUTORES, às suas expensas, realizar uma série de obras úteis e necessárias na intenção de garantir a integridade de sua propriedade, a segurança, o sossego e a saúde de sua família e consequentemente de seus vizinhos e para tanto passaram a exercer a posse no referido lote desde agosto de 2008”.

 

Ainda assim, essa situação não é capaz de, por si, caracterizar a má-fé no exercício da posse, mesmo porque, como já dito, não têm os requerentes a intenção de adquirir a propriedade do imóvel. Ao contrário: buscam o ressarcimento das despesas realizadas.

 

As fotografias de fls. 11/15 demonstram, indubitavelmente, que o imóvel de propriedade da requerida encontrava-se tomado por uma alta vegetação, o que acarreta perigo à segurança, ao sossego e à saúde de toda a vizinhança. Ora: o art. 1.277 do Código Civil dispõe que “o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha”.

 

De acordo com a prova oral produzida em audiência, verifica-se que os requerentes, ao tomarem posse do imóvel da requerida, o fizeram com o único intuito de fazer cessar os perigos advindos de seu abandono. Esclareceu-se que o lote era utilizado para o descarte de entulhos, animais mortos e uso de drogas. Informou-se, também, que a vizinhança sentia-se insegura com o lote vago, em razão da crescente criminalidade. Veja-se:

 

(...) que o lote servia para jogar entulhos; que o local também passou a ser utilizado para uso de drogas e servia de descarte para animais mortos; (...); que na época era preocupação do Leonardo e de todos os vizinhos a criminalidade no local; que depois do roubo na casa do Leonardo ele disse que iria fechar todo o terreno e mantê-lo limpo, para evitar problemas”.

 

(...) que o Carlinhos resolveu cercar o lote para evitar que seus filhos e os filhos do depoente entrassem no lote e se cortassem, pois no local tinha muito entulho; que o Sr. Leonardo mantinha a limpeza do lote para ele e para todos os vizinhos, pois tinha muita sujeira e muito rato; que o Leonardo fez um muro bem feito, da altura da casa dele; que também colocou um portão; que fez calçamento na frente do terreno; que quando passa carro na frente do terreno há iluminação; que com a obra feita pelo Leonardo deu muito mais segurança a vizinhança”.

 

Note-se, ainda, pelos depoimentos testemunhais, que os requerentes não foram os primeiros a ocupar o imóvel e a realizar obras e limpeza, o que demonstra, de maneira segura, que a requerida nunca havia exercido a posse e estava mesmo abandonado.

 

Com efeito, não há como se afastar a boa-fé dos requerentes na ocupação do imóvel: a posse exercida tinha, como principal objetivo, a realização de obras para manter a segurança no local e a limpeza do lote vago, para que a saúde e o sossego da vizinhança fossem preservadas. A efetivação de tais medidas, que deveriam ser realizadas pela requerida, atendem à função social da propriedade que, se não respeitada, dá ensejo à adoção de diversas medidas legais a cargo da municipalidade, dentre as quais a cobrança de IPTU com alíquotas progressivas e a desapropriação.

 

A questão possessória já havia sido, inclusive, apreciada pela superior instância mineira, quando do julgamento do Agravo de Instrumento nº 1.0024.10.158318-5/001:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO - PEDIDO - INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA - NECESSIDADE DE EXEGESE SISTEMÁTICA E LÓGICA DA PETIÇÃO INICIAL - INVIABILIDADE DE RESTRIÇÃO A UM CAPÍTULO DA PEÇA - POSSE - EXERCÍCIO DE UM DOS PODERES DE PROPRIEDADE - ANIMUS DOMINI - PRESCINDIBILIDADE - TUTELA POSSESSÓRIA - POSSE JUSTA - AQUISIÇÃO SEM VÍCIO JURÍDICO - BOA-FÉ - IRRELEVÂNCIA - LIMINAR POSSESSÓRIA - REQUISITOS - ART. 927 DO CPC - PREENCHIMENTO – DEFERIMENTO. 1 - O pedido deve ser interpretado restritivamente, o que não implica sejam seus limites aferidos por simples análise do capítulo da petição inicial com tal título, devendo-se proceder a uma exegese lógico e sistemática da peça processual em ordem de constatar os efetivos limites da pretensão, tracejados pela parte. 2 - A posse configura-se pelo exercício de um dos poderes inerentes à propriedade, sendo dispensável a existência de animus domini para tal desiderato. 3 - Para fazer jus à tutela possessória é desnecessária seja a posse qualificada como de boa-fé, sendo imprescindível apenas seja ela adquirida de maneira justa, ou seja, sem o emprego de violência, clandestinidade ou abuso de confiança. 4 - Presentes os requisitos dispostos no art. 927 do CPC, deve ser concedida a liminar possessória. (Agravo de Instrumento Cv 1.0024.10.158318-5/001, Relator(a): Des.(a) Pedro Bernardes, 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/04/2011, publicação da súmula em 18/04/2011)

 

Importante, aqui, que se destaque trecho do r. voto do Exmo. Sr. Relator, Desembargador Pedro Bernardes:

 

Neste diapasão, verifica-se dos autos que a posse exercida pelos agravados foi pública e notória, desprovida de qualquer artifício para esconder os atos de apreensão sobre o imóvel em questão. Ao revés, é incontroverso nos autos a realização de inúmeras obras no bem litigioso, realizadas sem o manejo de meio de ocultação, revelando sua publicidade.

 

Por fim, registra-se que os atos de apreensão do bem foram implementados pelos agravados sem qualquer relação de dependência ou subordinação com o agravante, agindo aqueles em nome próprio, o que afasta a possibilidade de qualificação do ato como mera detenção.

 

Os requisitos elencados no art. 927 do CPC foram devidamente observados na espécie, comprovada suficientemente a posse dos agravados, a turbação anterior a um ano e um dia do ajuizamento da ação, impondo a concessão da liminar de manutenção da posse”.

 

 

Dessa forma, os valores despendidos pelos requerentes com a construção das benfeitorias úteis e necessárias deverão ser ressarcidos pela requerida, como enuncia o art. 1.219 do Código Civil:

 

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

 

Os documentos de fls. 61/76 e 248 comprovam os valores gastos pelos requerentes com a construção e a limpeza do imóvel, somando a quantia de R$ 29.812,54 (vinte e nove mil, oitocentos e doze reais e cinquenta e quatro centavos), além daquela quitada pelo contrato de fl. 76, que deverá ser demonstrada com a juntada de nota fiscal alusiva ao serviço prestado. A estes valores, deverá ser acrescida a quantia destinada à manutenção do imóvel, que deverão ser apuradas posteriormente, com a juntada de notas fiscais.

 

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, para manter os requerentes na posse do imóvel descrito na peça de ingresso e para condenar a requerida a pagar a importância de R$ 29.812,54 (vinte e nove mil, oitocentos e doze reais e cinquenta e quatro centavos), além daquelas quitadas pelo contrato de fl. 76 e com as despesas de manutenção do imóvel, que deverão ser demonstradas com a juntada de notas fiscais alusivas aos serviços prestados, atualizadas da seguinte forma:

 

 

 

Nos termos do art. 21, parágrafo único, do Código de Processo Civil, condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação.

 

Transitada em julgado esta decisão, feitas as anotações e comunicações de estilo, arquive-se, com baixa.

P. R. I. C.

 

Belo Horizonte, 21 de julho de 2.014.

 

 

Soraya Hassan Baz Láuar

Juíza de Direito