S E N T E N Ç A

 

Autos nº 0621.14.001788-3

Autor: Ministério Público do Estado de Minas Gerais

Acusados: Claudionor Anicésio dos Santos

Humberto de Alencar Garcia

José Luiz Messias Neto

Mauri Ignácio de Morais Silva

Mozar Borges da Silva

Divair César Rodrigues

João Lúcio da Silva Neto

Marcilon Laci Rodrigues

Gilberto de Oliveira Cândido

 

RELATÓRIO

 

Vistos etc

Claudionor Anicésio dos Santos, Humberto de Alencar Garcia, José Luiz Messias Neto, Mauri Ignácio de Morais Silva, Mozar Borges da Silva, Divair César Rodrigues, João Lúcio da Silva Neto, Marcilon Laci Rodrigues e Gilberto de Oliveira Cândido, qualificados às ff. 02-03, foram denunciados pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais como incursos nas sanções do art. 312, caput, segunda parte, (Gilberto por 09 vezes; Divair, Mauri, José Luís e Humberto por 38 vezes; e Claudionor, João Lúcio e Marcilon por 40 vezes), na forma do art. 69 (concurso material), ambos do Código Penal brasileiro.

Narra a denúncia:

 

Consta dos autos do inquérito civil n. 0621.12.000010-7, que, entre os anos de 2009 e 2012, os denunciados, CLAUDIONOR ANICÉSIO DOS SANTOS, HUMBERTO DE ALENCAR GARCIA, JOSÉ LUIZ MESSIAS NETO, MAURI IGNÁCIO DE MORAIS SILVA, MOZAR BORGES DA SILVA, DIVAIR CÉSAR RODRIGUES, JOÃO LÚCIO DA SILVA NETO, MARCILON LACI RODRIGUES e GILBERTO DE OLIVEIRA CÂNDIDO, no exercício dos mandatos de vereadores, desviaram, em proveito próprio, dinheiro público de que tinham a posse.

Isso ocorreu porque, durante a legislatura 2009/2012, a partir de janeiro de 2009 até abril de 2012, os representantes do Poder Legislativo de São Gotardo acima referidos receberam e utilizaram em benefício próprio, para custeio de despesas particulares, verba indenizatória denominada “ajuda de custo para despesas de gabinete”, fixada pela Resolução n. 158/2001, ao realizarem gastos com combustíveis, manutenção de veículos particulares e ligações de telefones celulares privados sem justificativa ou comprovação documental de sua relação com o exercício da atividade legislativa.

O Ministério Público de Minas Gerais instaurou o inquérito Civil n. 0621.12.000010-7 com o objetivo de apurar notícias de irregularidades na aplicação de verba de gabinete para pela Câmara Municipal de São Gotardo aos Edis.

Mediante requisição, a Câmara Municipal de São Gotardo apresentou cópia da Resolução n. 158/2001, a qual institui, em seu art. 1º, o que se chama de Ajuda de Custo de natureza indenizatória, para a cobertura de gastos realizados pelos vereadores, no exercício de suas funções. O art. 2º diz que a ajuda de custo deve ser paga mediante quitação dada na nota de empenho. No mesmo art. 2º a resolução diz que tais verbas destinam a ressarcir os valores gastos pelos vereadores com eventuais despesas de gabinete com manutenção de veículo próprio, serviços de terceiros e outras necessárias ao desempenho do cargo. No parágrafo único do art. 2º, a resolução diz que os vereadores deverão manter arquivo individual de comprovante ou relatórios das atividades ou despesas incorridas no exercício do mandato.

Após nova requisição do Ministério Público, veio aos autos toda a documentação (notas de empenho, notas fiscais, comprovante ou relatório das atividades ou despesas realizadas, cupons fiscais de cada abastecimento) referente às verbas indenizatórias recebidas pelos vereadores de São Gotardo no período compreendido de janeiro de 2009 atá abril de 2012 (fls. 13/1812 e fls. 1866/1894).

Em parecer (fls. 1843/1863 e fls. 1897/1902), após ter analisado as despesas realizadas no período compreendido de janeiro de 2009 a abril de 2012, a CEAT-Central de Apoio Técnico do Ministério Público de Minas Gerais logrou êxito em identificar pagamentos feitos aos denunciados para indenização de despesas com combustíveis e manutenção de veículos particulares, e com utilização de aparelho celulares também privados, conforme tabela abaixo, apesar da Câmara Municipal possuir veículo seminovo, em bom estado de conservação (VW/Parati 2005), um telefone fixo e 13 telefones corporativos (fls. 71 anexo). (...)

No entanto, tratando-se de suposta verba indenizatória, apenas poderia ser utilizada naquilo em que se relaciona com a vereança, como forma de ressarcir o agente político de despesas extraordinárias, suportadas para o fim exclusivo de exercer atividade de interesse público.

Neste aspecto, o uso de veículo próprio para atender interesse pessoal e, ao mesmo tempo, supostamente, interesse inerente à atividade parlamentar impede a mensuração do quantum a ser indenizado e, assim, impossibilita a realização de um controle por parte da Administração Pública, da mesma forma que não se vislumbra possibilidade de identificar nexo entre a aquisição de peças e serviços de manutenção de veículos e o exercício da vereança.

Os controles realizados pela Câmara Municipal não contêm qualquer demonstração efetiva da natureza das atividades realizadas pelos denunciados, o itinerário seguido, data e horário, a quilometragem percorrida, entre outras informações, o que impede a comprovação de que o combustível, peças e serviços custeados pelos cofres públicos tenham sido gastos exclusivamente no estrito exercício das funções legislativas.

A mesma linha de raciocínio se aplica para a indenização ao uso de telefone celular privado. Não há qualquer sistema de controle pela Câmara Municipal que possibilite comprovar a relação das ligações telefônicas com atividades inerentes ao exercício do mandato.

Com efeito, a própria natureza dos serviços e produtos adquiridos, a pretexto de atender à manutenção de seus veículos particulares, deixam muito clara a satisfação de interesses meramente privados.

Aliás, os pagamentos eram efetuados com a mera apresentação de notas fiscais (muitas assinadas por terceiros) sem comprovação de que a despesa relacionava-se ao exercício da função pública. Em muitos casos, sequer há comprovação documental da despesa realizada.

Convém ressaltar que os próprios edis reconheceram a impossibilidade de se comprovar a relação das despesas indenizadas com a atividade parlamentar, como deixa claro o depoimento de Claudionor Anicésio dos Santos (fls. 1939/1941), no qual afirmou que “não existia critério para comprovar a relação entre a verba indenizatória e o exercício da função de vereador; que bastava a apresentação da nota fiscal no valor até o limite previsto na resolução”.

Nem se diga que a Resolução n. 158/2001 permite a realização das despesas com combustíveis, manutenção de veículos e ligações telefônicas em benefício pessoal dos denunciados.

Ainda que se admita a existência de verba de gabinete – o que, por si só, pode ser objeto de impugnação - , esta não pode custear despesas particulares e de interesse pessoal dos agentes políticos, mas só aquelas relacionadas ao exercício do mandato. Aliás, nesse sentido, a citada Resolução estabelece que a verba indenizatória será repassada aos vereadores “para a cobertura de gastos realizados pelos mesmos, no exercício de suas funções” (art. 1º, caput).

Assim, a instituição de verba de gabinete não se converte em cheque em branco para que o vereador possa repassar para os cofres públicos os pagamentos de suas despesas pessoais.

Na verdade, a forma de utilização de recursos públicos para custeio de despesas pessoais convola-se em modus operandi para o desvio de dinheiro da sociedade, o que é alvo de ação civil pública de responsabilidade pela prática de atos de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público.

O que se vê é que os denunciados utilizaram-se de um instituto criado por lei – verba indenizatória – para desvio de recursos públicos na medida em que, fora do permissivo legal, custearam despesas próprias, sem qualquer ligação com o exercício da vereança, com dinheiro público.

Ressalta-se que a verba de gabinete tinha regime mensal de apuração, inclusive para fins de se aferir a observância do limite imposto pela legislação local.

No caso dos autos, os denunciados, por meio de custeio de despesas privadas desviaram os recursos ao longo dos meses de janeiro de 2009 a abril de 2012, conforme levantamento seguir:

 

Denunciado

Total de meses em que recebeu verba indenizatória para o custeio de despesas particulares

Claudionor Anicésio dos Santos

40

Humberto de Alencar Garcia

38

José Luis Messias Neto

38

Mauri Ignácio de Morais Silva

38

Mozar Borges da Silva

39

Divair Cesar Rodrigues

38

João Lúcio da Silva Neto

40

Marcilon Laci Rodrigues

40

Gilberto de Oliveira Cândido

09

 

 

 

Diante de tudo o que foi exposto, verifica-se que os denunciados incorreram nas sanções do artigo 312 do Código Penal, sendo Claudionor Anicésio dos Santos, João Lúcio da Silva Neto e Marcilon Laci Rodrigues por 40 vezes, Mozar Borges da Silva por 39 vezes, Humberto de Alencar Garcia, José Luís Messias Neto, Mauri Ignácio de Morais Silva e Divair César Rodrigues por 38 vezes, e Gilberto de Oliveira Cândido por 09 vezes, na forma do art. 69 do CP, razão pela qual requere o Ministério Público seja a denúncia recebida, com posterior citação dos acusados para apresentarem as defesas que tiverem e, observado o devido processo legal, sejam os mesmos condenados nas penas que lhes couberem.

 

Com a inicial vieram os objetos descritos na certidão de f. 11, dentre os quais um compact disc (CD) no qual contem cópia digital do IP 0621.12.000010-7, dentre outros.

Os acusados foram notificados à f. 15 (Claudionor), f. 17 (Humberto), f. 18v. (José Luiz), f. 20 (Mauri), f. 21v. (Mozar), f. 23 (Divair), f. 24v. (Marcilon), f. 26(Gilberto) e f. 29 (João Lúcio).

Os denunciados Mozar Borges da Silva e Divair César Rodrigues, por seu Defensor, apresentaram manifestação preliminar às ff. 34-57 e ff. 93-116, respectivamente, alegando, preliminarmente, a inépcia da denúncia, pois ausente a exposição do fato criminoso e das suas circunstâncias, desatendendo os termos do art. 41, do CPP, bem como por não ter tido acesso aos autos do inquérito civil. Alegam, ainda, nulidade das provas, aduzindo a impossibilidade de o Ministério Público presidir as investigações. No mérito, aduziram inexistência de prática de ato ilícito, diante da ausência do elemento subjetivo do crime (dolo). Por fim, acostaram documentos de ff. 58-92 e ff. 117-149.

Os acusados Marcilon Laci Rodrigues e Gilberto de Oliveira Cândido, por seu Defensor, apresentaram manifestação preliminar às ff. 155-168 e ff. 169-182, respectivamente, alegando, preliminarmente, a inépcia da denúncia, ao argumento de que a inicial seria “genérica”. Alegam, ademais, preliminar de ilegitimidade passiva, aduzindo que as contas foram aprovadas pelo TCE/MG e não há prejuízo ao erário municipal. Aduziram também falta de justa causa para o recebimento da ação, por haver previsão legal para o recebimento das verbas. Por fim, alegaram que o recebimento das verbas era devido.

Os acusados Claudionor Anicésio dos Santos, Humberto de Alencar Garcia, José Luiz Messias Neto, Mauri Ignácio de Morais Silva e João Lúcio da Silva Neto, pela Defensora lhes nomeada, apresentaram manifestação preliminar às ff. 184-191, na qual, pugnam pela suspensão do feito até o julgamento da Ação Civil Pública. Alegam, ainda, nulidade das provas, aduzindo a impossibilidade de o Ministério Público presidir as investigações. Em sede preliminar, dizem ser a denúncia inepta, pois ausente a exposição do fato criminoso e das suas circunstâncias, desatendendo os termos do art. 41, do CPP. Afirmam também ser a denúncia inepta por falta de justa causa, pois o fato em análise não constitui crime. Alegam, por fim, inexistência de prática de ato ilícito, diante da ausência do elemento subjetivo do crime (dolo).

A denúncia foi recebida em 06.02.2015 (ff. 193-196), rejeitando-se as preliminares arguidas pela Defesa dos acusados.

Os denunciados foram intimados à f. 210v. (Claudionor), f. 213v. (José Luiz), f. 214v. (Mauri), f. 215v. (Mozar), f. 216v. (Divair), f. 217v. (João Lúcio), f. 218v. (Marcilon) e f. 219v. (Gilberto). O acusado Humberto não foi pessoalmente intimado, pois não encontrado no endereço no qual foi notificado.

Os denunciados Claudionor, Humberto, José Luiz, Mauri e João Lúcio apresentaram resposta à acusação às ff. 221-244, onde afirmaram que os gastos alegados são muito inferiores aos inerentes à função de vereador. Alegam que a Câmara Municipal possui apenas um veículo oficial, o que torna imprescindível o uso de automóvel particular para atender toda a população. Asseveram que a Resolução 158/2001 autorizou o pagamento da verba indenizatória, garantindo o reembolso das despesas necessárias e devidamente comprovadas. Aduzem ausência de ilegalidade da resolução citada. Por fim, sustentam ausência de má-fé, pois editaram ato normativo autorizando o reembolso das despesas. Acostaram documentos de ff. 245-277.

Os acusados Divair, Mozar, Marcilon e Gilberto reiteraram os argumentos e os pedidos formulados na resposta preliminar (f. 279, f. 281 e 283).

O recebimento da denúncia foi mantido às ff. 285-286.

Em audiência de instrução e julgamento foram inquiridas 12 testemunhas, bem como interrogados os acusados (ff. 333-334, ff. 346-354, ff. 360-370, ff. 382-383, ff. 400-401, ff. 412-413 e f. 422).

CCAACC dos acusados às ff. 426-440.

Alegações finais do Ministério Público às ff. 444-474, nas quais pugna pela condenação dos denunciados nos exatos termos da denúncia.

Novos documentos acostados às ff. 475-494.

O denunciado Mozar Borges da Silva apresentou alegações finais às ff. 623-635, nas quais aduziu, preliminarmente, “afronta ao princípio da tipicidade das formas”, pois os princípios do contraditório da ampla defesa não foram observados na fase investigatória. Ademais, aduz que o magistrado responsável pela condução do feito teria praticado atos processuais nulos. No mérito, alega ser a conduta atípica, pois a Resolução 128/2001 permitia o pagamento das verbas aduzidas na inicial. Afirma, ainda, que não se encontra presente o elemento subjetivo (dolo), pois não havia nenhuma intenção do denunciado de se apropriar do dinheiro público. Aduz que os pareceres técnico-contábeis acostados são incongruentes, não podendo servir como provas. Ao final, em caso de condenação, afirma não ser aplicável ao caso o concurso material.

Os denunciados Humberto de Alencar Garcia e João Lúcio da Silva Neto apresentaram alegações finais às ff. 642-659, na qual alegam, preliminarmente, violação à ampla defesa e ao princípio do contraditório, uma vez que o Ministério Público teve vista dos autos fora do cartório por cerca de 20 dias, para apresentar alegações finais, e tratamento idêntico não foi concedido à defesa. Ainda, em sede de preliminar, aduziu ser a denúncia inepta, por ausência de delimitação “precisa e exata da acusação”. No mérito, alegam, em síntese: que não tinha posse do dinheiro público, razão pela qual não poderiam tê-lo desviado, razão pela qual o fato seria atípico; que não há provas quanto à materialidade dos fatos, uma vez que eles seguiram as determinações da Resolução n. 158/2001; que não foram indicados quais os recursos teriam sido utilizados para fins particulares; que não houve dolo, pois a citada Resolução autorizava que fossem apresentados os comprovantes ou relatório das despesas. Pugnou, por tudo que foi, pela absolvição.

O acusado Divair César Rodrigues apresentou alegações finais às ff. 678-684, nas quais pugna pela absolvição, haja vista inexistir provas quanto à prática dos fatos descritos na denúncia. Por fim, caso condenado, pugnou fosse aplicada a continuidade delitiva, e não o concurso material.

Por sua vez, o denunciado Mauri Ignácio de Moraes Silva apresentou alegações finais às ff. 702-722, nas quais aduz, preliminarmente, nulidade das provas produzidas, uma vez que o depoimento na fase extrajudicial foi realizado sem a presença de advogado e sem a advertência ao direito de permanecer em silêncio. Alega, ainda, inépcia da denúncia, por não individualizar as condutas de cada denunciado. No mérito, afirma, em síntese: atipicidade da conduta, por inexistência de posse direta ou indireta dos valores supostamente desviados; que não houve crime, uma vez que a Resolução 158/2001, previa duas formas distintas de comprovação dos gastos, afastando o elemento subjetivo (dolo); inexistir provas de que a verba teria sido desviada para proveito do denunciado ou de terceiros, sendo o ônus probatório da acusação. Ao final, pugna pela absolvição.

Já o denunciado José Luiz Messias Neto apresentou alegações finais às ff. 723-752, alegando, preliminarmente, nulidade dos depoimentos prestados na fase extrajudicial, por não ter sido advertido do direito de permanecer em silêncio. Aduz, ainda, inépcia da denúncia, por “responsabilidade objetiva”, “inversão do ônus da prova” e ausência de delimitação do objeto material do crime. No mérito, diz, em síntese: que não tinha posse do objeto material do crime, sendo a conduta atípica; inexistir prova quanto ao desvio, nem mesmo de que as despesas reembolsadas foram referentes a gastos pessoais; que o acusado não efetivou nenhum gasto referente a peças e acessórios de veículos; inexistir qualquer indício de fraude ou superfaturamento dos comprovantes de despesas; que não há provas quanto ao dolo, uma vez que o reembolso das despesas estava amparado na Resolução 158/2001. Pede, ao final, pela absolvição.

O denunciado Claudionor Anicésio dos Santos apresentou alegações finais às ff. 777-810, nas quais alega, preliminarmente, “inépcia da ação”, uma vez que as investigações deveriam recair sobre a Câmara Municipal de São Gotardo, e não sobre os vereadores. Além disso, aduz os depoimentos prestados na fase extrajudicial são nulos, pois foram ouvidos como testemunhas, em não investigados. No mérito, aduz não ter ocorrido a prática de crime, pois as prestações de contas foram homologados pelo TCE, bem como porque a conduta estava amparada pela Resolução 158/2001. Alega, ainda, inexistir provas da prática do suposto crime, devendo ser aplicado ao caso o princípio do in dubio pro reo. Diz, ainda, que era permitido o pagamento de ajuda de custo a vereadores, conforme entendimento do TCE/MG, bem como ter agido de boa-fé. Ao final, pugnou pela absolvição, seja por atipicidade do fato, seja por falta de provas.

Por fim, os denunciados Marcilon Laci Rodrigues e Gilberto de Oliveira Cândido apresentaram alegações finais às ff. 826-861, aduzindo, preliminarmente, “inépcia da ação”, uma vez que as investigações deveriam recair sobre a Câmara Municipal de São Gotardo, e não sobre os vereadores. Além disso, aduzem que os depoimentos prestados na fase extrajudicial são nulos, pois foram ouvidos como testemunhas, em não investigados. Asseveram, ainda, nulidade absoluta, por ausência de resposta à acusação e interrogatório. No mérito, dizem: que inexistem provas suficientes à condenação; que as contas foram aprovadas pelo TCE/MG; que estavam amparados pela Resolução 158/2001, não havendo nenhuma ilegalidade na conduta por eles praticadas; que não tinha pose direta dos valores supostamente desviados. Pugnaram pela absolvição. Alternativamente, se condenados, pugnaram seja a conduta desclassificada para aquela tipificada no art. 315, do CP.

Vieram-me conclusos os autos.

 

FUNDAMENTOS

 

Cuida-se de denúncia ofertada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais em desfavor de Claudionor Anicésio dos Santos, Humberto de Alencar Garcia, José Luiz Messias Neto, Mauri Ignácio de Morais Silva, Mozar Borges da Silva, Divair César Rodrigues, João Lúcio da Silva Neto, Marcilon Laci Rodrigues e Gilberto de Oliveira Cândido, já qualificados, dando-lhes como incursos nas sanções do art. 312, caput, segunda parte (Gilberto por 09 vezes; Divair, Mauri, José Luís e Humberto por 38 vezes; e Claudionor, João Lúcio e Marcilon por 40 vezes), na forma do art. 69 (concurso material), ambos do Código Penal brasileiro.

 

I – Preliminar: afronta ao princípio da tipicidade das formas e nulidade dos interrogatórios extrajudiciais.

 

A Defesa do acusado Mozar Borges da Silva assevera em suas alegações finais que houve afronta ao princípio da tipicidade das formas”, pois os princípios do contraditório da ampla defesa não foram observados na fase investigatória. Ademais, aduz que o magistrado responsável pela condução do feito teria praticado atos processuais nulos.

Já os Defensores dos acusados Humberto de Alencar Garcia, João Lúcio da Silva, Mauri Ignácio de Moraes Silva e José Luiz Messias Neto alegaram que os “depoimentos” deles na fase extrajudicial são nulos, pois não foram admoestados quanto ao direito de permanecer em silêncio. Somando-se a isso, dizem que foram ouvidos como testemunhas, sem a presença de advogados.

O art. 564, em seu inciso IV, dispõe que ocorrerá nulidade por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato (princípio da tipicidade). Logo, caso não cumprido o modelo legal, o ato poderá será ser declarado nulo.

Diz-se poderá, porque dito princípio é mitigado pelo princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual não se anula um ato se, embora praticado em desacordo com a forma prevista em lei, não gerou prejuízo.

Nesse sentido, estabelece o art. 563, do CPP: “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para acusação ou para a defesa”. Trata-se da conhecida máxima “pas de nullité sans grief”.

Aliás, o art. 566, também do CPP, é cogente ao determinar que não se declarará a nulidade que não houver influído na apuração da verdade ou na decisão da causa. Portanto, não tem sentido em declarar nulo um ato, sem qualquer influência no deslinde da demanda penal, apenas por excesso de formalismo.

Nesse sentido, à parte que alegar a nulidade caberá o ônus de demonstrar o prejuízo decorrente da inobservância de determinada tipicidade formal.

No caso, a Defesa dos acusados não demonstrou o aludido prejuízo causado em razão da não admoestação quanto ao suposto direito de permanecer em silêncio, quando eles foram ouvidos na fase extrajudicial.

Entendo por bem aclarar que os elementos informativos colhidos no curso da investigação, seja perante a Autoridade Policial, seja perante o Ministério Público, não são considerados provas propriamente ditas, pois não são obrigadas a observar o contraditório e a ampla defesa.

Aliás, o art. 155, do CPP, é imperioso ao determinar que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova “produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas provas cautelares, não repetíveis e antecipadas” (destaquei).

Nesse diapasão, eventuais depoimentos extrajudiciais com narrativas divergentes daquelas apresentadas em juízo devem ser desconsideradas para fins de convicção, sobreveste quando os acusados não foram advertidos sobre seus direitos constitucionalmente garantidos, dentre eles o direito de ficar em silêncio e de não produzir provas contra si mesmo, ou mesmo não tenham sido acompanhados por advogado.

Portanto, não há que se falar em nulidade de tais “provas”, porque tais depoimentos ou interrogatórios são meros elementos de informação, não podendo sequer serem classificados como provas.

Além disso, os acusados foram interrogados judicialmente, sendo-lhes assegurado o contraditório e ampla defesa, sanando qualquer irregularidade extrajudicial.

De outro lado, a Defesa do acusado Moacir alega que tanto o Promotor responsável pela investigação, quanto o magistrado que conduziu esta demanda criminal durante a instrução, teria agido de maneira “perseguidora”, ao acelerar a prática dos atos processuais.

Bem, o art. 5, LXXVIII, da Constituição da República, de 1988, determina que os processos devem desenvolver-se em tempo razoável, de modo a garantir a utilidade do resultado alcançado ao final da demanda.

Trata-se do princípio da celeridade processual, decorrente dos princípios da eficiência, da razoabilidade e do acesso à jurisdição, também aplicável ao processo penal.

Nesta demanda, ainda que o magistrado responsável pela instrução tenha “acelerado” o andamento do feito, ele estava, salvo melhor juízo, cumprindo uma determinação constitucional.

Ao bem da verdade, este magistrado, na Vara Criminal de Carmo do Paranaíba, tem dado andamento muito mais célere do que o relato pela Defesa do acusado Moacir e, nem por isso, trata-se de conduta “perseguidora” aos denunciados. Apenas a título de exemplo: numa demanda criminal atinente a um roubo majorado, levaram-se 28 dias entre a data do fato e a sentença; noutra demanda criminal atinente a tráfico de drogas, associação para o tráfico e organização criminosa, envolvendo 30 acusados, do recebimento da denúncia à finalização da instrução não transcorreram sequer 3 meses.

De outro lado, os acusados e a sociedade têm o direito a um julgamento célere sobre a prática de eventual conduta criminosa.

Quanto aos supostos erros na decisão que recebeu a denúncia, a meu ver, trata-se de mero erro material, o qual não gerou nenhum prejuízo à Defesa.

Por fim, nos termos do art. 222, §§ 1º e 2º, do CPP, na hipótese de oitiva de testemunha que se encontra fora da jurisdição processante, a expedição da carta precatória não suspende a instrução criminal. Logo, o magistrado poderá dar prosseguimento ao feito, em respeito ao princípio da celeridade processual, procedendo à oitiva das demais testemunhas, ao interrogatório do acusado e, inclusive, ao julgamento da causa, ainda que pendente a devolução da carta pelo juízo deprecado.

Desse modo, mais uma vez, o magistrado obedeceu à determinação legal e ao princípio da tipicidade das formas, inexistindo qualquer nulidade a sanar.

De igual modo, não visualizo qualquer nulidade em nomear antecipadamente Defensor Dativo em caso de intimação de acusado para constituir novo Defensor nos autos. Tal prática, comum em inúmeras comarcas, visa assegurar um andamento mais célere e evitar que os autos sejam remetidos conclusos, após o transcurso do prazo, apenas para a nomeação de Defensor Dativo, cado o denunciado não constitua novo Defensor.

Portanto, não houve nenhum prejuízo para os acusados, devendo ser aplicado ao caso os princípios da instrumentalidade das formas, razão pela qual rejeito as preliminares arguida.

 

II – Preliminar: inépcia

 

Os acusados renovam a preliminar de inépcia da denúncia, ao argumento de que as condutas não foram individualizadas. Além disso, alegam “inépcia da ação”, porque as investigações deveriam recair sobre a Câmara Municipal de São Gotardo, e não sobre os vereadores.

Inicialmente, convém aclarar que, conforme decisão de ff. 193-196, ditas preliminares de inépcia da denúncia e ilegitimidade passiva já foram rejeitadas.

Reforçando os argumentos mencionados na decisão de ff. 193-196, no presente caso, analisando a peça exordial, não verifico as deficiências apontadas pela defesa. Pelo contrário, constato que os fatos foram narrados de maneira simples, mas de modo preciso e direto, como exige a boa técnica.

Aclaro que não se pode confundir inépcia da inicial com narração sucinta dos fatos. Assim, a narração comedida dos acontecimentos, mas de forma clara, direta, precisa e bem estruturada, não leva a inépcia da inicial.

No caso em análise, o Ministério Público entendeu que o recebimento de toda e qualquer verba a título de ajuda de custo, nos termos da Resolução 158/2001, configuraria o crime tipificado no art. 312, do CP. Logo, seria desnecessária a transcrição individualizada de todos os bens e serviços cujos valores foram ressarcidos aos denunciados.

Acresce-se também não há que se falar em “inépcia da ação”, haja vista que os ditos valores indevidos foram repassados aos próprios denunciados, sendo eles os supostos autores da conduta tipicada no art. 312, do CP. Digo, supostos, porque ainda não se adentrou no mérito da demanda.

Aliás, não restou demonstrado qualquer prejuízo aos denunciados. Pelo contrário, eles puderam indicar testemunhas, apresentaram alegações finais refutando os fatos descritos na denúncia, demonstrando que a inicial continha os elementos fáticos essenciais.

Quanto aos demais argumentos, tais como ônus probatório e responsabilidade objetiva, confundem-se com o mérito e serão analisados no momento oportuno.

Diante do exposto, aqui e na decisão de ff. 193-196, bem como presentes todos os pressupostos exigidos pelo art. 41, do CPP, rejeito, novamente, as preliminares de inépcia da denúncia e “inépcia da ação” (ilegitimidade passiva).

 

III – Preliminar: violação a ampla defesa e ao contraditório em razão de concessão de vista dos autos ao Ministério Público fora do cartório e por prazo de 20 dias.

 

Humberto de Alencar Garcia e João Lúcio da Silva Neto aduziram ter ocorrido violação à ampla defesa e ao contrário, pois os autos foram remetidos ao Ministério Público, quem permaneceu com eles por mais de 20 dias.

Conforme pacificou o e. STJ, a intimação do presentante do Ministério Público, em qualquer processo e grau de jurisdição, deve ser feita pessoalmente, através da entrega dos autos com vista. Nesse sentido:

 

RECURSO ESPECIAL. RECURSO SUBMETIDO AO RITO DOS REPETITIVOS (ART. 1036 DO CP C/ O ART. 256, IDORISTJ). PROCESSO PENAL E PROCESSO CIVIL. INTIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONTAGEM DOS PRAZOS. INÍCIO. NECESSIDADE DE REMESSA DOS AUTOS À INSTITUIÇÃO. INTIMAÇÃO E CONTAGEM DE PRAZO PAR RECURSO. DISTINÇÕES. PRERROGATIVA PROCESSUAL. NATUREZA DAS FUNÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PECULIARIDADES DO PROCESSO PENAL. REGRA DE TRATAMENTO DISTINTA. RAZOABILIDADE. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 18, I"h, DA LC N.75/193 e 41, IV, DA LEI N.8625/193. (…) 3. Incumbe ao Ministério Público a preservação da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesse sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF), oque autoriza otimização da eficiência dos erviços fiscais, dependentes do acompanhamento e da fiscalização de vultosa quantidade de processo. Daí necessidade e a justificativa para que a intimação pessoal seja aperfeiçoada com a vista dos autos (conforme disposto expressamente no art. 41, IV, da Lei n. 8625/193 e no art. 18, I"h, da LC n.75/193). Raciocínio válido também para a Defensoria Pública (arts. 4º, Ve 4, Ida LC n. 80/194), da sua equivalente essencialidade à função jurisdicional do Estado (art. 134 da CF) e as peculiaridades de sua atuação. 4. Para o escorreito desempenho de suas atribuições constitucionais e legais, a intimação pessoal dos membros do Ministério Público é também objeto de expressa previsão no nov CP, no art. 180 (repetindo que já dizia o CP de1973, em seu art. 236, §2º), semelhantemente ao disposto no art. 370, §4º, do Código de Processo Penal. (…) 6. Asim, a não coincidência entre a intimação dato decisório (em audiência ou por certidão cartorial) e o início do prazo par sua eventual impugnação é a única que não sacrifica, por meio reflexo, os diretos daqueles que, no âmbito da jurisdição criminal, dependem da escorreita e eficiente atuação do Ministério Público (a vítima e a sociedade em geral). Em verdade, o controle fito pelo representante do Ministério Público sobre a decisão judicial não é apenas voltado à identificação de um possível prejuízo à acusação, mas também se dirige a certificar se a ordem jurídica e os interesse sociais e individuais indisponíveis – dos quais é constitucionalmente incumbido de defender (art. 127, caput, da CF) –foram observados, i.e, se o ato para o qual foi cientificado não ostenta ilegalidade a sanar, ainda que, eventualmente, o reconhecimento do vício processual interesse, mais proximamente, à defesa. (…) - RECURSO ESPECIAL Nº1.349.35 -SE (2012/02404-9), Terceira Seção, Rel. Ministro Rogério Schieti Cruz, j. 23.08.2017, p. 14.09.2017, in: www.stj.jus.br.).

 

Também não houve prejuízo a Defesa a permanência dos autos na posse do Ministério Público pelo prazo de 20 dias, pois os defensores também tiveram o prazo para apresentação de alegações finais estendido.

Aliás, com a liminar deferida pela segunda instância do e. Tribunal de Justiça do Estado de Minas no Habeas Corpus 1.0000.16.068497-3/000, certamente a Defesa teve prazo muito superior aos 20 das em que os autos permaneceram com o Ministério Público.

Logo, tratando-se de mera irregularidade e inexistindo prejuízo, rejeito essa preliminar.

 

IV - Preliminar: falta de resposta escrita e interrogatório.

 

Os denunciados Marcilon Laci Rodrigues e Gilberto de Oliveira Cândido alegam que a demanda deve declarada nula, pois não ofertaram resposta escrita e nem foram interrogados.

Analisando detidamente os autos, constato que Marcilon e Gilberto apresentaram resposta escrita à f. 283, inclusive pelo mesmo Defensor que os representam na ação de improbidade administrativa (f. 154).

Somando-se a isso, ainda que não tivessem sidos pessoalmente intimados, todos os denunciados foram interrogados judicialmente: Mauri (f. 362), Mozar (f. 363), Divair (f. 364), Claudionor (f., 365), Humberto (f. 366), Gilberto (f. 367), Marcilon (f. 368), João Lúcio (f. 369), José Luiz (f. 370).

Posto isso, rejeito a preliminar.

 

V - Mérito

 

Não foram arguidas outras preliminares, nem tenho prejudiciais de mérito a suscitar de ofício, porquanto a marcha processual transcorreu em absoluta normalidade e respeito ao devido processo legal e seus corolários. Além disso, grande parte das preliminares aduzidas já foram rejeitadas na decisão de ff. 193-196, cujos argumentos também utilizo como razões de decidir.

Além do mais, da simples leitura da denúncia, depreende-se que ela contém todos os elementos do artigo 41, do Código de Processo Penal, com a exposição do fato criminoso e de todas as suas circunstâncias, qualificação dos acusados, classificação do crime, tendo ainda oferecido o rol de testemunhas, o que permitiu o exercício do amplo direito de defesa pelos processados.

Sobre o crime de peculato dispõe o Código Penal:

 

Peculato

 

Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

 

Nas palavras Guilherme de Souza Nucci os verbos chaves do crime de peculato são desviar, apropriar e subtrair: apropriar-se significa tomar como propriedade sua ou apossar-se; desviar, significa alterar o destino ou desencaminhar; subtrair significa tirar de quem tem a posse ou a propriedade (in: Código Penal Comentado, Editora RT, 11° edição, pág.1645).

Sobre as condutas típicas “apropriar-se” e “desviar” esclarece Victor Eduardo Rio Gonçalves (Direito Penal: parte especial, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2014, p. 763-764):

 

Apropriar-se significa fazer sua a coisa de outra pessoa, invertendo o ânimo sobre o objeto. O funcionário tem a posse do bem, mas passa a atuar como se fosse seu dono. Exige o tipo penal que essa posse tenha advindo em razão do cargo, isto é, que o funcionário tenha recebido o bem em razão da função pública que exerce. (…).

A expressão “posse”, nesse crime, abrange também a detenção e a posse indireta. Fora dessas hipóteses, não há peculato.

(…)

Desviar significa alterar o destino do bem que está em seu poder. O funcionário público emprega o objeto em um fim diverso de sua destinação original, com o intuito de beneficiar-se ou beneficiar-se terceiro. Exs.: o funcionário público que paga alguém por serviço não prestado ou objeto não vendido à Administração Pública (…).

 

Sobre o tema, leciona Waldo Fazzio Júnior:

 

Não é uma verdade irretorquível que o peculato é, apenas, uma apropriação indébita pratica por funcionário público, em razão de seu ofício. Essa concepção aparentemente técnica, além de minimizar a dimensão danosa do delito tem tela, revela a reconhecida preferência por sua feição patrimonial, que predomina no direito positivo brasileiro, inclusive em parte da doutrina e da jurisprudência, mercê de sua origem nos antigos diplomas legais, capitulado como crime

contra o tesouro público. De fato, não se trata, simplesmente, de um crime contra o patrimônio público. É, ainda, uma agressão à própria função desempenhada pelo Estado. A exemplo dos demais delitos listados no Título XI, Capítulo I, do Código Penal, seu alvo constante é a função pública. O peculato, como aqueles outros delitos, representa disfunção pública absoluta (apud. CUNHA, Rogério Sanches, Manual de Direito Penal: parte especial, 7ª ed., Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 714).

 

Mais precisamente quanto ao peculato desvio, ensina Cézar Roberto Bittencourt:

 

(...) o destino natural do objeto material ou dar-lhe outro encaminhamento, ou, em outros termos, no peculato-desvio o funcionário público dá ao objeto material aplicação diversa da que lhe foi determinada, em benefício próprio ou de outrem. Nessa figura (...) não há o propósito de apropriar-se (...), podendo ser caracterizado o desvio proibido pelo tipo, com simples uso irregular da coisa pública, objeto material do peculato. Ao invés do destino certo e determinado do bem que tem a posse, o agente lhe dá outro, no interesse próprio ou de terceiro. O desvio poderá consistir no uso irregular da coisa pública. (...). Código Penal Comentado. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.982).

 

Nesta demanda, antes de analisar os fatos narrados na denúncia, entendo por bem tecer alguns comentários sobre o que é crime para, então, apurar se as condutas dos denunciados subsumem-se, ou não, ao tipo penal do art. 312, do CP.

Segundo a teoria bipartida/finalista, adotada pelo Código Penal brasileiro o crime é fato típico e antijurídico, sendo a culpabilidade um pressuposto de aplicação da pena. Ademais, o dolo e a culpa são considerados elementos integrantes da conduta.

O fato típico é a “ação ou omissão humana, antissocial que, norteada pelo princípio da intervenção mínima, consiste numa conduta produtora de um resultado que se subsume ao modelo de conduta proibida pelo Direito Penal, seja crime ou contravenção penal” (CUNHA, Rogério Sanches, Direito Penal: parte geral, 3ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 247).

Já antijuridicidade (ilicitude) deve ser entendida como a “conduta típica não justificada, espelhando a relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico como um todo (CUNHA, Direito Penal: parte geral, op. cit, p. 247). Logo, se a conduta praticada for permitida pelo ordenamento jurídico, não há que se falar em ilicitude e, por conseguinte, afastado está a ocorrência do crime.

No caso, conforme constou na própria denúncia, havia uma Resolução editada pela Câmara Municipal de São Gotardo (Resolução 158/2001) permitindo aos denunciados o recebimento da chamada “ajuda de custo” para despesas de gabinete. Dispunha essa Resolução:

 

Art. 1º – Esta Resolução institui Ajuda de Custo de natureza indenizatória, para despesas de gabinete que será repassada aos Vereadores, para a cobertura de gastos realizados pelos mesmos, no exercício de suas funções.

Art. 2º – A ajuda de custo para despesas de gabinete, limitada em 100% (cem por cento) do subsídio mensal, será paga ao favorecido mediante quitação dada na Nota de Empenho, nas condições seguintes:

I – ao Presidente da Câmara Municipal, até 70% (setenta por cento) do valor autorizado no caput, para cobrir despesas eventuais de gabinete com manutenção de veículo próprio, serviços de terceiros e outras necessárias ao desempenho do cargo;

II – aos demais Vereadores, até 30% (trinta por cento) do valor autorizado no caput, para cobrir despesas eventuais de gabinete com manutenção de veículo próprio, serviços de terceiros e outras necessárias ao desempenho do cargo;

Parágrafo Único: - O Presidente e o Vereador manterão na Câmara arquivo individual de comprovante ou relatórios das atividades ou despesas incorridas no exercício do mandato. (…).

 

Portanto, até ser declarada inconstitucional e/ou ilegal, transcrita Resolução permitiu o recebimento dos valores a título de ajuda de custo, o que afastaria, a priori, a ilicitude da conduta dos denunciados.

Contudo, deve-se apurar a eventual ocorrência de desvio de finalidade e abuso do direito quando do recebimento dessa verba indenizatória (“ajuda de custo”), o que, então, poderia levar a ocorrência de crime, subsumindo a conduta ao tipo penal do art. 312, do CP. Isso porque a dita Resolução 158/2001 era cogente em determinar que somente seriam ressarcidos os valores gastos pelos vereadores no “exercício de suas funções(destaquei).

Nas palavras de Maria Sylvia Zanella de Pietro (Direito Administrativo, 18ª ed., São Paulo: Atlas, 2005, p. 203): “seja infringida a finalidade legal do ato (em sentido estrito), seja desatendido o seu fim de interesse público (sentido amplo), o ato será ilegal, por desvio de poder” (desvio de finalidade).

Nos termos da Lei 8.429/92, configura-se ato de improbidade administrativa quando uma autoridade pratica um ato com finalidade diversa daquela para o qual foi estabelecido. Além do ato improbo, caso a conduta do agente público também se subsuma algum tipo penal, estaremos diante também diante da ocorrência de um crime ou contravenção.

Convém dizer que demonstrar o desvio de finalidade é algo de extrema dificuldade, haja vista que, na maioria das vezes, o agente tenta simular e mascarar a real intenção com a prática do ato, dando a ele um ar de legalidade.

Já o abuso do direito é definido pelo art. 187, do CC: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Embora refira-se ao campo civil, pode ser utilizado para conceituar o abuso de direito (interpretação sistêmica).

Feitas essas ponderações preliminares, passo a analisar as condutas dos denunciados objetivando identificar a ocorrência de eventual prática de crime de peculato (art. 312, do CP).

In casu, quanto aos denunciados José Luiz Messias Neto, Mauri Ignácio de Morais Silva e Gilberto de Oliveira Cândido, analisando os documentos acostados ao inquérito civil (CD anexo à inicial) não foi possível detectar eventual desvio de finalidade ou abuso de direito em relação ao recebimento da vergastada “ajuda de custo” por parte deles. Isso porque: ou não foram adquiridas peças; ou o consumo de combustível e aquisição de bens e serviços não fogem a razoabilidade, evidenciando que podem ter sido utilizados no exercício da função de vereador.

Quanto aos demais acusados, analisando detidamente os documentos acostados no inquérito civil (CD acostado a inicial), detectei inúmeros fatos que demostram ter ocorrido o desvio de finalidade e/ou abuso de poder, dos quais destaco, exemplificadamente, os seguintes:

 

I – em relação ao denunciado Claudionor Anicésio dos Santos

 

a) lavação de carro/camionete (f. 23, v. 01, CD, anexo inicial) e serviço pintura de capô, para-lamas e portas, além de peças para veículos GM/Celta e Audi-A4 (, f. 26, v. 01, CD anexo a inicial);

b) inúmeras peças e serviços com notas fiscais preenchidas manualmente, o que facilita a adulteração – ff. 358/360, v.2 (CD), e f. 378 (CD);

c) a aquisição, em datas distintas, de inúmeras peças para vários veículos diferentes, por exemplo: uma grande quantidade de calotas para veículos distintos (Fiat/Uno, VW/GOL, Fiat/Uno Way, Fiat/Mille Fire, Logus), muitos silenciadores para veículos diversos (Ford/Pampa, GM/Corsa, Citroen/Picasso, Ford/Escort, Renault/Master, GM/Astra, VW/GOL), uma grande quantidade de maçanetas, escapamentos, emblema para veículos, pino de trava, trilho banco, aromatizante para veículos, amortecedor para Fiat/Siena, tubo motor Escort, emblema VW/GOL, polaina e calha para VW/Fusca, inúmeras partilhas de freio dianteiro em intervalo de tempo muito curto, pneus, filtros, shampoo, engate, para-brisa, palhetas, tampa para tanque de combustível, extintores, aromatizantes, vários espelhos retrovisores, chara cromada, (f. 472, v. 02; ff. 666-667, f. 908, f. 872, v. 03; f. 982, f. 1059; f. 1148; f. 1177; f. 1229; f. 1272; f. 1275, todos do v. 4; f. 1632, v. 05; f. 1730, f. 1765, f. 1873, v. 6, todos do CD acostado com inicial);

d) aquisição de pneus em 26.04.2011 (f. 1148, v. 4), 10.05.2011 (f. 1177, v. 4) e 29.02.2012, silenciosos (26.04.2011, 11.05.2011, 23/24/25.08.2011, 02.09.2011 e 04.02.2012);

f) uma grande aquisição de diesel, álcool, gasolina (comum e aditivada), comprovando que inúmeros veículos distintos foram abastecidos;

g) aquisição de peças e serviços idênticos em intervalos de tempo muito curtos, conforme notas acostadas ao v. 04, do CD anexo a inicial, denotando que eram inúmeros veículos ou os documentos eram ideologicamente falsificados;

h) a aquisição de lubrificantes diferentes, demonstrando que eram para veículos diferentes (f. 666 e f. 667, v. 3, CD anexo a inicial, dentre várias outras);

i) aquisição de inúmeras peças e serviços com a emissão de notas fiscais preenchidas manualmente, o que facilita a adulteração (terminal de direção, filtro de ar, cilindro de roga, limpeza de tanque, por exemplo, ff. 358-360, f. 378, v. 02).

 

II – em relação ao denunciado João Lúcio Silva Neto

 

a) a grande quantidade de peças adquiridas em intervalos de tempo muito curtos, demonstrando que eram para veículos distintos ou os documentos foram ideologicamente falsificados (f. 997, f. 1067, f. 1074, ff. 1126-1127, ff. 1170-1172, f. 1238, f. 1240, f. 1275, v. 4, CD anexo a inicial);

b) aquisição, em datas distintas, de várias peças, como por exemplo: inúmeros extintores, pneus, inúmeros silenciadores e rolamentos, escapamento, serviço de funcionamento(?), tampa de tanque combustível, inúmeros espelhos retrovisores, emblema “gravata” (Chevrolet) para veículo, inúmeras maçanetas, pino da porta, grade frontal, porta para-choque, engates, inúmeras calotas, bomba combustível, inúmeros descansos de braço, inúmeras palhetas, emblema de grade, várias tampas de reservatório de água, trilho de banco, 02 terminais de direção (mesma data), defletor de chuva, silicone, peças para veículos diferentes (Fiat/Pálio, V/Wgol, Opala, Ford/Kadett, Ford/Fiesta, Fiat/Uno Mille, VW/Gol), tubo motor veículo VW/Saveiro, junta cárter GM/Vectra, tapete, antiferrugem (f. 855, f. 969, v. 03; f. 997, f. 1067, f. 1074, ff. 1126-1127, ff. 1170-1172, f. 1238, f. 1240, f. 1275, v. 4; f. 1680, v. 5; ff. 1744-1745, v. 6, do CD anexo a inicial);

d) foram adquiridos pneus em 29.12.2010 (f. 997, v. 4), 28.02.2011 (f. 1126-1127, v. 4), 02.05.2011 (f. 1172, v. 4), 11.07.2011 e 20.07.2011 (f. 1240, v. 4), 19.08. 2011 (f. 1275, v. 4). Além disso, eram realizados balanceamento e alinhamento em datas muito próximas, tais como, por exemplo, em 08.11.2011, 11.07.2011 (f. 1240, v. 4), 08.08.2011;

e) uma grande aquisição de diesel, álcool, gasolina, comprovando que inúmeros veículos distintos foram abastecidos (f. 263, v. 2; f. 402, f. 454, v. 2; f. 600, v. 3; f. 439, v. 5; f. 61 e v. 06, CD, dentre várias outras);

f) a aquisição de lubrificantes diferentes, demonstrando que eram para veículos diversos (f. 622, f. 717, f. 786, f. 815, f. 925, v. 3, do CD, dentre várias outras).

III – em relação ao denunciado Humberto de Alencar Garcia

 

a) o acusado promoveu a manutenção veicular todos os meses durante o ano de 2011, trocando várias peças, muitas idênticas, demonstrando que foram vários veículos distintos ou os documentos eram ideologicamente falsos (f. 511, f 516, f. 517, f. 524, dentre inúmeras outras, v. 2);

b) alguns serviços foram prestados com emissão de nota fiscal preenchida manualmente, o que facilita a adulteração ( f. 531, v. 2, CD anexo a inicial);

c) aquisição de grande quantidade de peças, tais como por exemplo: coifa homocinética filtro, tensor, bomba d'água, paraglu up orgânico, 02 câmaras de ar, sacola Ferrari, protetor ABC, palhetas, lampadas (f. 547 f. 584, v. 02; f. 1435, f. 1505, f. 1526, f. 1566, f. 1611, v. 5, do CD, anexo a inicial);

d) apresentação apenas de boletos para ressarcimento de valores, sem comprovação da origem do débito (f. 494, f. 492, f. 497, f. 511, f. 516, f. 524, f. 534, f. 546, f. 569, f. 570, f. 582, f. 589, dentre outras, v. 02; f. 1227, v. 4, f. 1423, f. 1430, f. 1451, f. 1471, f. 1503, f. 1518, f. 1537, f. 1539, f. 1547, f. 1548, v. 5; f. 1883, v. 6., do CD anexo a inicial), dificultando a fiscalização e a identificação dos bens adquiridos e/ou serviços prestados;

e) a aquisição de aparelho de telefone celular, cujo pagamento era feito junto com os pagamentos dos serviços de telefonia (f. 526, f. 542, f. 549, f. 556, 560, v. 2);

f) o pagamento de juros e multa pelo atraso no pagamento da conta de telefone, cuja responsabilidade, em decorrência da não quitação na data de vencimento, deveria ser do denunciado (f. 1426, f. 1457, f. 1491, ff. 1524-1525, ff. 1556-117, do v. 5);

g) pagamento de conta referente a telefone residencial (f.325, f. 355. v. 2; 1428, f. 1524, v. 5) e de operadoras diferentes, demonstrando a utilização de mais de um terminal (f. 485, f. 540, ff. 594-595, v. 02). Aliás, o acusado possuía os seguintes terminais telefônicos, cujo pagamento era efetivado pela Câmara Municipal: 9989-09-86 (VIVO), 8401-1898 (CLARO) e 3671-1783 (OI FIXO);

h) uma grande aquisição de diesel, álcool, gasolina e querosene comprovando que inúmeros veículos distintos foram abastecidos (f. 1435, 1461, 1500, v. 5, dentre inúmeras outras);

i) insta salientar que o acusado se utilizou da verba indenizatória para o abastecimento de 04 veículos: Placa HLY 2706 (Strada), GXY 1965 (Palio Weekend), LYO 8989, HJW 0303 (Gol G5);

 

IV – em relação ao denunciado Mozar Borges da Silva

a) aquisição, em datas distintas, de grande quantidade de peças, demonstrando que eram para vários veículos ou que os documentos apresentados eram ideologicamente falsos (ff. 821-822, v. 3; f. 1079, f. 1082, f. 1151, ff. 1181-1183, f. 1201, f. 1262v. 4, do CD anexo a inicial, dentre inúmeras outras);

b) aquisição, em datas diferentes, de inúmeras peças, como por exemplo: dois extintores, fechadura porta-malas, lanterna traseira, inúmeras maçanetas, inúmeras calotas, capa para volante, silenciador para VW/Gol, (f. 1262, a mesma peça aparece na listagem duas por duas vezes), vela ignição, silenciador, estopa, trava porta, engate, emblema Fusca/VW, capuz dianteiro, coifa de VW/Fusca, lanternagem, 03 descansos de braço (em data diferentes), fechadura porta mala, massa de polir, cera gran prix, emblema, inúmeros aromatizantes, aro farol de VW/Kombi, painel dianteiro de Corcell, rol. Tensor de VW/Gol/Santana, espelho retrovisor, peças para Veiculo VW/GOL e GM/Corsa (ff. 821-822, v. 3; f. 1079, f. 1082, f. 1151, ff. 1181-1183, f. 1201, f. 1262v. 4, f. 1742, f. 1760, v. 6, do CD anexo a inicial, dentre inúmeras outras);

c) foram adquiridos/realizados peças e serviços dúplices, como por exemplo: dois extintores, sendo um em 20.04.2001 e o outro em maio de 2011 (f. 1151, e ff. 1181-1183, todos v. 4); duas tampas idênticas de abastecimento de óleo no mês de maio (ff. 1181-1183, v. 4); dois alinhamentos e balanceamentos no mês de agosto de 2011 (f. 1262, v. 4); pneus em 29.04.2011 (f. 1151, v. 4; 29.02.212 (f. 1632, v. 5)

d) uma grande aquisição de diesel, álcool, gasolina, querosene, lubrificantes, comprovando que inúmeros veículos distintos foram abastecidos (f. 344, f. 387, f. 418, f. 457, v. 2, f. 640, f. 708, f. 701, v. 3, v. 555, v. 5, dentre inúmeras outras, do CD anexo à denúncia);

V – em relação ao acusado Divair César Rodrigues

 

a) no dia 26/01/2009 o acusado realizou “recarga” para aparelho celular, comprovada com nota fiscal preenchido manualmente (o que facilita a adulteração), no valor de R$1.200,00 (f. 20, v. 01, CD, anexo a inicial);

b) aquisição, em datas distintas, de grande quantidade de peças, demonstrando que eram para vários veículos ou os documentos eram ideologicamente falsos;

c) aquisição de inúmera peças, em datas distintas, como por exemplo: inúmeras maçanetas (sendo 03 para o mesmo lado esquerdo), batente, vários silenciosos, escapamento, espelho retrovisor, silicone, pingadeira de teto, pneu, aromatizantes, senso posição borboleta, ativador da maçaneta, escapamento, dentre outras (f. 1124, f. 1175, f. 1211, v. 4, do CD);

d) o pagamento de juros e multa pelo atraso no pagamento da conta de telefone, cuja responsabilidade, em decorrência do atraso na quitação, deveria ser o denunciado (f. 608, v. 3);

 

VI – em relação ao acusado Marcilon Laci Rodrigues

 

a) aquisição, em datas distintas, de grande quantidade de peças, demonstrando que eram para vários veículos ou as notas foram ideologicamente falsificadas;

b) compra, em datas diferentes de inúmeras peças, como por exemplo: de engate para carro (f. 413, v. 2), calotas para carros diferentes (f. 1001, v. 4, f. 1699, v. 5), aditivos, correias, óleo de limpeza radiador, estopa, filtro, óleo motor, cera limpadora, silencioso (f. 655, f. 762, f. 847, f. 937, v. 3, f. 1889, v 6, do CD anexo a inicial). Aliás, foram realizados serviços e adquiridas peças idênticas no dia 06/05/2010 [f. 762, v. 03] e dia 05.10.2010 [f. 937, v. 03].

c) realização de alinhamento veicular em datas muitos próximas e em municípios diferentes (f. 894, em setembro/2010; f. 936, outubro de 2010). Também foram adquiridos pneus nas seguintes datas: 25.02.2011 (f. 1058, v. 4), 25.04.2011 (f. 1132, v. 4) e 21.06.2011 (f. 1197, v. 4);

d) aquisição de peças para vários tipos de carro (Astra, Fiesta, Ecosport) – f. 1132, v. 4;

e) uma grande aquisição de diesel, álcool, gasolina, lubrificantes, comprovando que inúmeros veículos distintos foram abastecidos (f. 463, f. 493, f. 513, v. 5; f. 177, v. 4, f. 455, f. 559, v. 04, dentre inúmeras outras, do CD anexo à denúncia).

 

Entendo por bem ressaltar os seguintes pontos:

Mais precisamente com relação ao combustível, ainda que houvesse permissão para abastecimento, entendo que os acusados desviaram a finalidade e abusaram dessa autorização, pois abasteceram carros de terceiros (haja vista a quantidade) e com diferentes tipos de carburantes: óleo diesel, gasolina (comum e aditivada), álcool e querosene. Não desconheço a existência de carros com tecnologia “flex” (usam gasolina e álcool). Entretanto, nunca ouvi dizer sobre a existência de veículos “triflex” ou “quadriflex”. Ademais, o querosene é utilizado, salvo melhor juízo, como combustível para aviões, e não em veículos.

Vale dizer também que os documentos que demonstram a aquisição de combustíveis não identificado qual automóvel foi abastecido, nem contém a assinatura do indivíduo que conduzia o veículo que estava sendo abastecendo.

Além do mais, não há provas para justificar valores tão expressivos quanto aos que foram gastos pelos acusados na aquisição de combustíveis. Tampouco houve comprovação de que referida verba realmente foi utilizada para atender às funções dos edis ou, como era de se esperar, à população de São Gotardo.

Vale lembrar que outros vereadores afirmaram que a demanda não era tão grande a fim de demandar tantos gastos, bem como que a Câmara Municipal possui carro oficial, o qual era suficiente para atender às necessidades dos vereadores.

Aliás, conforme relatório elaborado pela equipe técnica do Ministério Público, somente com o carro oficial foram gastos mais de R$22.465,76, na aquisição de combustível, evidenciado que dita automóvel, aparentemente, também era usado pelos denunciados.

Em relação às despesas com manutenção de veículo, noto o completo desvio de finalidade, haja vista a utilização de serviços completamente alheios a função de vereança. Isso sem falar na grande quantidade de peças adquiridas para veículos de diferentes modelos e marcas: GM/Celta, Audi-A4, Fiat/Uno, VW/Gol, Fiat/Uno Way, Fiat/ Uno Mille Fire, Logus, Ford/Pampa, GM/Corsa, Citroen/Picasso, Ford/Escort, Renault/Master, GM/Astra, VW/Gol, Fiat/Siena, VW/Fusca, Fiat/Pálio, Opala, Ford/Kadett, Ford/Fiesta, VW/Saveiro, GM/Vectra, Fiat/Strada, Fiat/Palio Weekend, VW/Kombi, Corcell, VW/Gol/Santana, GM/Astra, Ford/Ecosport.

Esclareço que, segundo documentos de ff. 1815-1836, a grande maioria desses automóveis não estavam registrados em nome dos denunciados, bem como que os denunciados Claudionor e Marcilon sequer tinham veículos registrados em nome deles. Nesse ínterim, concluo que: ou as peças, combustíveis e serviços não foram adquiridos e prestados, sendo os documentos ideologicamente falsos, ou foram destinados a terceiros.

Lado outro, alguns notas fiscais foram elaboradas manualmente, permitindo a adulteração e dificultando o controle, pois poderiam ser confeccionadas a qualquer tempo e por qualquer pessoa.

Ademais, esclareço que foram praticadas inúmeras outras condutas, além daquelas acimas transcritas (que são apenas exemplificativas). Entretanto, seja pela deficiência de alguns documentos digitalizados (ilegíveis), seja pela quantidade de peças e combustíveis mencionados em várias notas, apenas descrevi algumas delas.

Além disso, foram relacionados apenas bens e serviços que fogem a razoabilidade e que não possui nenhuma comprovação com o exercício da função de vereador, repito. Isso sem dizer na quantidade peças e serviços idênticos adquiridos e prestados em intervalos de tempo muito curtos, fugindo a normalidade (pneus, maçanetas, balanceamento, alinhamento, freio, por exemplo).

Além dos documentos já mencionados, as testemunhas inquiridas judicialmente aduziram:

 

(...) que prestou serviços até 2007 para a Câmara de São Gotardo; que não havia repasse direto de dinheiro a Vereador, e sim indenização de contas prestadas; que a Empresa prestou serviços a Câmara de São Gotardo de 1994 a 1997 e de 2002 a 2008; que é do conhecimento do depoente que todas as prestações de contas de 2007 para trás o Tribunal determinou o arquivamento das prestações; (…) que a empresa do depoente prestava assessoria e consultória contábil à Câmara Municipal de São Gotardo; que normalmente era um servidor público do local da prestação de serviços que auxiliava o vereador no encaminhamento da documentação à empresa do depoente; que a empresa do depoente não verificava se algum vereador havia ultrapassado o limite estabelecido nas contas que prestava; que cabia ao controlador interno controlar tais limites na prestação; que cabia à empresa do depoente tão somente o encaminhamento da prestação de contas ao TCE (…) Depoimento judicial da testemunha S.L.C à f. 334.

 

(…) que, desde o ano de 2012, trabalha na Câmara Municipal de São Gotardo; que, no ano de 2012, trabalhou como controladora interna e, a partir de tal ano, passou a trabalhar como contadora; que como controladora interna cuidava do que estava sendo adquirido, observando se havia procedimento licitatório, se havia pagamento, se havia prestação de contas junto ao TCE (…) que verificava a regularidade dos gastos da câmara municipal; que tem conhecimento da verba de ajuda de custo para despesas de gabinete; que, como controladora interna, sabia que as verbas indenizatórias eram pagas e procurou saber acerca da legalidade; que foi informada e tomou conhecimento da existência de um documento oficial, não sabendo se era lei, resolução, que autorizava o pagamento; que se recorda que se tratava de um documento hábil; que, mediante a existência de lei que autorizava o pagamento de ajuda de custo, tomou conhecimento de que tais valores eram pagos anteriormente, com a apresentação de documentação, sendo feito empenho e pagamento; que em legislaturas anteriores eram pagas as verbas indenizatórias; que, pelo que compreendeu da autorização legal, o vereador, mediante apresentação de documentos de despesa, receberia a indenização; que o vereador apresentava o gasto e este lhe era indenizado; que não olhava se a despesa tinha relação com o exercício do cargo do vereador; que apenas conferiria se os valores estavam dentro do limite legal; que, sempre havia gastos indicados acima do limite, mas eram pagos de acordo com o limite previsto na resolução; (…) que a resolução não previa limites de gastos por espécie de indenização, como telefone, combustível; que considera que a resolução era obscura para definir os gastos indenizáveis; que, em 2012, a câmara municipal possuía carro próprio; que, em 2012, a câmara disponibilizava telefones corporativos para os vereadores; que os gastos excedentes ao plano corporativo são descontados em folha do subsídio dos vereadores (…) que não tem ideia de quem faz as resoluções, mas acredita que é feita pelos próprios vereadores (…) que, para a depoente, era difícil verificar se os gastos eram inerentes ao exercício da função, pois o que considera despesa pertinente pode ser diferente do que o vereador considera (…) que as ajudas de custo não tinham analisados as origens dos gastos (…) que todos os vereadores que precisavam utilizar o carro oficial da câmara tinham acesso a ele, mediante solicitação (...) – Depoimento judicial da testemunha M.A.M às ff. 347-348 – destaquei.

 

(…) que, desde que cessou o pagamento da ajuda de custo, o gasto com combustível e telefone manteve-se inalterado; que vereador não tem posse de dinheiro da câmara; que não sabe se houve notificação da câmara aos vereadores sobre a forma de prestação de contas; que não sabe se a câmara municipal exige cadastro de veículo particular do vereador; (…) que um veículo oficial não é suficiente para atender à demanda da câmara; que, no mínimo, dois veículos já atendem a demanda da câmara (…) Depoimento judicial da testemunha M.M.O à f. 349.

 

Por sua vez, os denunciados Mozar, Divair, Claudionor, Humberto, Gilberto, Marcilon e João Lúcio confirmaram que receberam os valores descritos na denúncia, embora neguem a prática dos crimes ora lhes imputados:

 

(...) que os fatos narrados na denúncia não são verdadeiros; que todos os valores percebidos pelo interrogando deram-se com base em Resolução da Câmara Municipal; que era um vereador que trabalhava muito e não parava e por isso tinha gastos com combustível e manutenção do automóvel; que utilizava seu automóvel pessoal para trabalhar no exercício do mandato; que trabalhava direto em prol do município; que utilizava seu automóvel pessoal para trabalhar no exercício do mandato; que trabalhava direto em pro do município; que apresentava as notas fiscais dos gastos à tesouraria; que realizava o empenho e ressarcimento dos gastos previstos na resolução; que observa o limite da resolução; que o valor que eventualmente excedesse não era pago; que não apresentava justificativa dos gastos; que a Câmara pedia apenas a apresentação de notas fiscais; que a prestação de contas era analisada pelo controlador interno e assessor jurídico; que era praxe na Câmara tal sistemática de pagamentos; que exerceu mandatos de vereador entre os anos de 2001 a 2004 e 2009 a 2012; que participou da aprovação da resolução que fixava a ajuda de custo dos parlamentares (…) que possuía um telefone celular particular e o da câmara para desempenho do cargo; que o controle dos gastos se dava com a apresentação das notas fiscais, de acordo com a resolução (...) – Interrogatório de Mozar Borges Silva à f. 363.

 

(…) que os fatos narrados na denúncia não são verdadeiros; que realmente recebeu os valores referentes à ajuda de custo, mas não houve desvio em proveito próprio e nem mesmo gastos sem comprovação; que recebeu os valores referentes às indenizações para pagamento de despesas de comunicação (telefone), combustíveis, manutenção de veículos e possuía um gabinete itinerante com dois funcionários; que tal gabinete itinerante permanecia em cada bairro da cidade a cada semana; que utilizava os valores indenizatórios para parte do pagamento dos funcionários do gabinete itinerante; que existia o controle dos gastos realizada pela contabilidade, assessoria jurídica e controlador interno da câmara; que apresentava os gastos, mediante notas fiscais, e até o limite previsto na resolução tinha ressarcido os gastos; que não sabe como era realizado o procedimento interno de verificação de regularidade dos gastos; que tinha conhecimento de que a resolução da câmara previa que os valores indenizáveis deveriam se dar no desempenho do cargo; que para ressarcimento apresentava apenas as notas fiscais, não apresentando qualquer tipo de justificativa, pois a resolução não previa tal atitude; que assim que tomou posse no cargo de vereador abandonou sua profissão; que, durante 24h, era vereador; que todas as vezes que andava em seu carro e falava em seu telefone era em prol da câmara (...) – interrogatório de Divair César Rodrigues à f. 364.

 

(…) que os fatos narrados na denúncia não são verdadeiros; que percebeu valores indenizatórios como vereador deste município; que conforme orientação da resolução da câmara era efetuado o recebimento dos valores; que as notas fiscais eram passadas para a câmara, através dos funcionários controlador interno; que após a verificação da legalidade das notas e da adequação ao montante previsto na resolução era efetuado o pagamento; que para ressarcimento somente apresentava a nota fiscal; que, em reunião com todos os vereadores, o controlador interno, o tesoureiro e o departamento jurídico da câmara explicaram a forma de prestação de contas das verbas indenizatórias; que teve ressarcido valores referentes a combustível no exercício do mandato; (…) que os gastos com tapetes, cheirinho, reboque, massa de polir não têm pertinência com a vereança e nunca foi pago pela câmara; que não foi paga pela câmara; que questionado sobre como tem certeza de que tais gastos não foram pagos, preferiu manter-se em silêncio (…) interrogatório de Claudionor Anicésio dos Santos à f. 365.

 

(…) que os fatos narrados na denúncia não são verdadeiros; que percebeu valores indenizatórios como vereador deste município; que o pagamento das verbas indenizatórias era efetuado de acordo com o previsto na resolução, levando-se as notas fiscais e ressarcindo-se até o limite previsto; que na câmara entregava as notas fiscais ao controlador interno; que o interrogando fazia um controle dos gastos, reunindo as notas fiscais; que não apresentava justificativa vinculando os gastos com o exercício do mandato; que, pelo que se recorda, a resolução possuía uma cláusula que dispensa a prestação de contas; que não tem certeza do conteúdo da resolução, pois não a leu completamente; que fazia um controle pessoal do gasto com a atividade parlamentar; que não tinha conhecimento do conteúdo total da resolução; que não tem certeza se a resolução constava que os gastos indenizáveis seriam aqueles em virtude do exercício do mandato; que um vereador, até dormindo, está exercendo sua função parlamentar; que exerce o cargo de vereador 24 horas por dia; que não é possível separar a vida pessoal da vida como vereador; que atualmente não exerce cargo de vereador (…) - interrogatório de Humberto Alencar Garcia à f. 366.

 

(…) que percebeu valores indenizatórios como vereador deste município; que o pagamento das verbas indenizatórias era efetuado mediante comprovação por notas fiscais referentes aos gastos; que a resolução dizia que deveria haver a comprovação dos gastos no exercício da função e de acordo com um limite fixado, bem como que deveria arquivo de cada vereador na câmara; que apresentava notas fiscais na contabilidade da câmara, sendo que os documentos tinha verificados sua legalidade pelo controlador interno e departamento jurídico; que após tal procedimento era realizado o empenho e pagamento; que o controlador advertia ao vereador sobre a natureza e limite de gastos passíveis de indenização; que apresentava somente nota fiscal para ressarcimento; que não apresentava qualquer justificativa por escrito dos gastos, pois a resolução não exigia; que não havia a exigência de pertinência entre o exercício da função e o gasto; que havia apenas comprovação dos gastos por documentos fiscais sem a verificação da pertinência com o exercício da função, pois a resolução e os órgãos de controle interno da câmara não exigiam tal comprovação (…) - interrogatório judicial do de Gilberto de Oliveira de f. 367.

 

(…) que os fatos narrados na denúncia não são verdadeiros; que percebeu valores indenizatórios como vereador deste município; que o pagamento das verbas indenizatórias era efetuado mediante apresentação das notas fiscais referentes aos gastos; que se tratava de um reembolso; que apresenta as notas fiscais ao tesoureiro da câmara; que o tesoureiro era quem realizava a análise das notas; que o tesoureiro advertia ao vereador sobre os gastos que não eram passíveis de indenização; que apresentava somente a nota fiscal para ressarcimento; que tinha conhecimento do conteúdo integral da resolução que autorizava o pagamento das indenizações (…) que não se recorda se havia algum exame sobre a pertinência entre o gasto e o exercício do mandato (…) interrogatório de Marcilon Laci Rodrigues de f. 368.

 

(…) que os fatos narrados na denúncia não são verdadeiros; que percebeu valores indenizatórios como vereador deste município; que o pagamento das verbas indenizatórias era efetuado mediante apresentação das notas fiscais referentes no controle interno, contabilidade e setor jurídico da câmara; que após tal trâmite fazia-se o empenho; que apresentava somente a nota fiscal para ressarcimento; que não apresentava qualquer justificativa dos gastos; que tinha conhecimento do conteúdo integral da resolução que autorizava o pagamento das indenizações; (…) que não sabe se a câmara fazia o controle da pertinência do gasto com a atividade legislativa; que o depoente somente apresentava os gastos referentes ao veículo que dedicava ao exercício do cargo; que não utilizava tal veículo aos finais de semana; (…) que prefere não responder se a câmara possuía algum controle interno de pertinência entre os gastos (…) Interrogatório de João Lúcio da Silva Neto de f. 369.

 

Portanto, diante das provas materiais e orais produzidas (já mencionadas e transcritas anteriormente) concluo que, em relação aos denunciados José Luiz Messias Neto, Mauri Ignácio de Moraes Silva e Gilberto de Oliveira Cândido, inexistem provas de que eles tenham desviado a finalidade da verba recebido a título de “ajuda de custo”, segundo já fundamentado anteriormente, devem ser absolvidos por falta de provas.

De outro ângulo, as provas comprovam que Mozar, Divair, Claudionor, Humberto, Marcilon e João Lúcio, por inúmeras vezes, desviaram e apropriaram-se de valores, no exercício da função de vereador, recebidos a título de “ajuda de custo”, quando foram ressarcidos por bens, combustíveis e serviços por ele adquiridos, mas não condizentes e sem qualquer relação com o exercício da vereança (desvio de finalidade e abuso de direito).

Nesse contexto, quando deram fim diverso à verba recebida a título de “ajuda de custo”, para indenização dos gastos realizados no exercício em razão da função de vereador, adquirindo bens, combustíveis e serviços para fins privados, consumou-se o crime de peculato.

Recordo que, no peculato desvio, ocorre a consumação quando o funcionário público altera o destino normal da coisa, publica ou particular, empregando-a em fins outros que não aquela para a qual ela foi instituída (STJ, RHC 36755/AP, Rel. Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, j. em 16/12/2014, Dje. 03.02.2015, in: www.stj.jus.br). Além do mais, a consumação do crime não reclama lucro efetivo por parte do agente, pouco importando se a vantagem visada é conseguida ou não.

Por tudo que foi dito, não restam dúvidas no tocante à autoria dos fatos tipificados como crime de peculato desvio, valendo salientar que todas os depoimentos foram colhidos em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

De outro modo, os acusados Mozar, Divair, Claudionor, Humberto, Marcilon e João Lúcio quedaram-se incapazes ao longo da instrução processual de demonstrar com certa verossimilhança a inocência deles, não trazendo aos autos qualquer indício de prova que pudessem dar credibilidade às suas ponderações.

Aliado a isso, não demonstraram se os bens, combustíveis e serviços adquiridos foram utilizados única e exclusivamente no exercício da função de vereador, conforme determinado pela Resolução 158/2001, ou que não ocorreu o desvio de finalidade/abuso de direito. Isso porque se tratando de matéria que afastaria a ilicitude da conduta, bem como por ser eles (acusados) os detentores dos documentos comprovatórios da aquisição dos citados bens e serviços, compete-lhes o ônus probatório de tais fatos.

No caso, o denunciado Humberto Alencar não acostou aos autos nenhuma nota fiscal a justificar a apresentação dos boletos bancários, cujos valores foram ressarcidos pela Câmara Municipal, nem apontou se os ditos gastos tinham, ou não, relação com suas funções de vereador.

Aliás, apenas a título de exemplo, qual a relação entre a compra de uma sacola Ferrari (suvenir vendido em postos de gasolina) com o exercício da função de edil? Igualmente, o querosene adquirido foi utilizado em qual atividade relacionada à função de legislador municipal?

Já os acusados Claudionor e Marcilon não comprovaram que, na época dos fatos, eram proprietários de algum automóvel, a justificar a aquisição da grande quantidade de peças, combustíveis e serviços.

Somando a isso, Mozar, Divair, Claudionor, Humberto, Marcilon e João Lúcio não explicaram os motivos pelos quais foram adquiridas peças e serviços para veículos de marcas e modelos diferentes e em intervalos de tempo tão curtos.

Relembro que, no processo penal, compete à acusação provar os fatos deduzidos na denúncia/queixa, com todas as suas circunstâncias relevantes (art. 41, do CPP). Por sua vez, a Defesa deve provar todos os fatos que se opõem à pretensão acusatória.

Sobre o ônus no processo penal probatório já ensinava José Frederico Marques (Elementos de Direito Processual Penal, v. 2, São Paulo: Bookseller, 1988, p. 267-268):

 

O Ministério Público deve provar a prática do fato típico. Feita essa demonstração fundamental, segue-se o juízo de valor sobre a licitude da conduta tipificada. Existindo uma causa excludente da antijuridicidade, o fato típico não será ilícito. Ao réu, porém, incumbe provar a existência dessa causa excludente da ilicitude, para que demonstre ter agido secundum jus".

(...)

De um modo geral, o onus probandi é repartido, também no processo penal, segundo a regra de que "incumbe a cada uma das partes alegar e provar os fatos que são base da norma que lhes é favorável."

 

Nessa linha de raciocínio, demonstrada que as aquisições foram ilegalidades, conforme indicado anteriormente, compete aos denunciados provar: que os bens e serviços foram, verdadeiramente, adquiridos e prestados; que os gastos tinham relação com a atividade desempenhada; que eles não se beneficiaram e nem houve benefício para terceiros. Assim, quem alega o que não aconteceu, tem ônus de prová-lo.

De outro lado, não se pode impor dito ônus probatório ao Ministério Público, por ser praticamente impossível ou excessivamente difícil a esse órgão realizar dita prova negativa (prova diabólica), pois, repiso, os bens e serviços foram adquiridos, contratos e utilizados pelos denunciados, os quais também detinham a guarda de todos os documentos inerentes a eles.

No tocante ao elemento subjetivo, pune-se somente a conduta dolosa, expressada pela vontade do agente em transformar a posse da coisa em domínio (peculato apropriação) ou desviá-la em proveito próprio ou de terceiro (peculato desvio) [CUNHA, Direito Penal: parte especial, op. cit. p. 312].

Nesse sentido:

 

TJMG - EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES - PECULATO E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA - ATIPICIDADE DAS CONDUTAS POR AUSÊNCIA DE DOLO - INOCORRÊNCIA. I- Para a configuração do dolo do crime de peculato, basta que esteja comprovada a vontade do agente de apropriar-se de valor ou qualquer outro bem móvel de que tem a posse em razão do cargo (peculato-apropriação), ou de desviá-lo em proveito próprio ou alheio (peculato-desvio). II- O elemento subjetivo do crime de associação criminosa caracteriza-se pela vontade do agente de associar-se a outras pessoas com a intenção de cometer crimes. (TJMG- Emb Infring e de Nulidade 1.0625.08.076822-3/003, Relator(a): Des.(a) Alberto Deodato Neto, 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 16/09/2015, publicação da súmula em 25/09/2015) – destaquei.

 

Nesta demanda, restou demonstrado que Mozar, Divair, Claudionor, Humberto, Marcilon e João Lúcio, voluntária e conscientemente, adquiriram bens, combustíveis e serviços para fins privados, e não destinados exclusivamente ao exercício da vereança, contrariando a Resolução 158/2001 da Câmara Municipal de São Gotardo (desvio de finalidade/abuso de direito), e, posteriormente, requereram e foram ressarcidos pelos valores gastos com essas aquisições, embora tivessem conhecimento de que não poderiam fazê-lo.

Ao bem da verdade, quando interrogados perante este juízo, os denunciados assumiram que receberam as citadas verbas indenizatórias, bem como que elas eram destinadas ao ressarcimento dos gastos inerentes ao exercício da função de vereador. Logo, ao adquirirem bens, combustíveis e serviços em benefício próprio e de terceiros (isto é, não relacionados ao exercício da vereança) e requererem, conscientemente, o ressarcimento dos valores gastos, embora tivessem conhecimento que a Resolução 158/2001 não previa tal situação, restou configurado o elemento subjetivo do tipo (dolo).

A condição de funcionário público (art. 327, do CP) também restou demonstrado pelos inúmeros documentos apresentados nos autos, inclusive pelos interrogatórios dos acusados, os quais afirmaram que, quando receberam as verbas indenizatórias, exerciam a função de vereador.

Por tudo que foi dito, cumpre demonstrar que os fatos são típicos, adequando-se as condutas dos denunciados Claudionor Anicésio dos Santos, Humberto de Alencar Garcia, Mozar Borges da Silva, Divair César Rodrigues, João Lúcio da Silva Neto e Marcilon Laci Rodrigues, que agiram de forma consciente e voluntária, ao tipo penal transcrito no 312, do CP, caput, segunda parte, por várias vezes, pois, na função de vereadores, deram fim diverso a destinação original de valores recebidos a título de “ajuda de custo”, com o intuito de se beneficiarem e/ou de beneficiarem terceiros; é antijurídico, por suas ações serem contrárias à norma e lesar a Administração Pública; são culpáveis, por serem imputáveis ao tempo dos fatos, detendo a capacidade de entenderem caráter ilícito e de determinarem-se de acordo com esse entendimento, potencial consciência da ilicitude e ser-lhes exigível conduta diversa.

Também houve a consumação, uma vez que os denunciados deram fim diverso aos valores recebidos a título de “ajuda de custo”, empregando-os com finalidade diversa daquela para a qual foram instituídos.

Comprovada a materialidade, a autoria e o dolo, passa-se a análise das teses defensivas não extirpadas até o momento.

Os denunciados alegam que não tinham posse dos valores, logo não poderiam desviá-los, razão pela qual o fato seria atípico. Entretanto, tal argumento não merece prosperar, pois a posse mencionada no art. 312, do CP, deve ser entendida em sentido amplo, abarcando também a simples detenção e o poder de disposição direta sobre a coisa.

Para Cézar Roberto Bittencourt “essa disponibilidade material possa corresponder inclusive a disponibilidade jurídica, para satisfazer o pressuposto da anterior posse previa, desde que seja entendida essa disponibilidade como, mesmo não dispondo fisicamente da detenção material da coisa, o poder de exercê-la por meio de ordens, requisições ou mandados” (Tratado de Direito Penal, v. 5, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 09).

Sobre o tema, já decidiu o e. STJ:

 

O termo "posse" contido no tipo penal descrito no caput do artigo 312 do Código de Processo Penal deve ser interpretado de maneira ampla, abarcando, assim, qualquer tipo de disponibilidade jurídica da res apropriada/desviada. Precedente. 6. Evidenciando-se que o agente teria a anterior disponibilidade jurídica do quantum em tese desviado em proveito próprio e de terceiros, mostra-se viável a acusação pelo delito de peculato.(HC 92952 / RN, Relatora: Ministra Jane Silva, 6ª Turma, DJe 08/09/2008, in: www.stj.jus.br).

 

Relembro que no peculato desvio o agente, em vez de direcionar o bem ao fim previamente determinado, promove o seu desencaminhamento, a sua distração, dando-lhe destinação diversa, visando ao seu próprio interesse ou ao de terceira pessoa.

No caso, quando recebiam as verbas indenizatórias pelas despesas indevidas, podendo delas dispor, os denunciados passavam a ser possuidores desses valores, consumando-se o crime. Assim sendo, embora os bens, combustíveis e serviços fossem adquiridos anteriormente ao ressarcimento, com desvio de finalidade, quando os valores eram ressarcidos aos denunciados ocorria o enriquecimento ilícito por parte deles e o prejuízo à Administração Pública.

Somando a isso, antes mesmo do recebimento da verba indenizatória os acusados já tinham a disponibilidade jurídica dos valores (posse indireta), cujo recebimento ficava a cargo que mera requisição.

Quanto a não indicação de quais recursos foram desviados para fins particulares, o órgão acusador entendeu que todo e qualquer valor recebido a título de “ajuda de custo” seria ilegal. Nesse contexto, não haveria necessidade de indicar de modo pormenorizado quais os bens, combustíveis ou serviços foram adquiridos com desvio de finalidade/abuso de direito.

Entendo por bem informar que, conforme já fundamentado, apenas parte os valores ressarcidos está em desconformidade com o que permitia a Resolução 158/2001, da Câmara Municipal de São Gotardo, pois não estavam relacionados com o exercício da vereança e foram destinados em benefício dos acusados ou de terceiros.

Aliás, muitos dos gastos com combustível, peças e serviços relacionados pelos acusados Mozar, Divair, Claudionor, Humberto, Marcilon e João Lúcio também não são ilegais e não configuraram crimes. Destarte, apenas naqueles nos quais houve uma extrapolação das regras previstas na dita Resolução 158/2001, com o desvio o de finalidade, é que se configurou o crime de peculato desvio.

No que diz a aprovação de contas pelo TCE/MG, conforme doutrina mais abalizada tal ato administrativo é inábil a afastar o crime de peculato, se presentes os elementos do ilícito penal (GONÇALVES, Direito Penal: parte especial, op. cit. p. 764). Nesse sentido:

 

TJMG - APELAÇÃO CRIMINAL - DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS - ART. 89 DA LEI 8.666/93 - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - FRACIONAMENTO DE NOTAS COM O FIM DE BURLAR A EXIGÊNCIA LEGAL - DOLO ESPECÍFICO OU PREJUÍZO AO ERÁRIO - DESNECESSIDADE - CRIME DE MERA CONDUTA - APROVAÇÃO DAS CONTAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS - IRRELEVÂNCIA - REVISÃO DA FRAÇÃO DE AUMENTO PELA CONTINUIDADE DELITIVA - INADMISSIBILIDADE - RECURSO DESPROVIDO. - 1. (…) . Ademais, o fato de o Tribunal de Contas ter aprovado as contas municipais não inibe a atuação do Poder Judiciário, em razão da independência entre a corte administrativa, autônoma e vinculada ao Poder Legislativo, e a jurisdição em sentido estrito. (…) - Apelação Criminal n. 1.0439.11.014757-6/001, rel. Des. Eduardo Machado, 5ª Câmara Criminal, j. em 07.07.2015, p. em 13.07.2015, in: www.tjmg.jus.br).

 

Pelo mesmo argumento, a mera aprovação de contas pelo Legislativo municipal, do qual os denunciados faziam parte, recordo, não afasta a tipicidade e/ou ilicitude da conduta praticada.

Quanto à autorização dado pelo TCE/MG em relação ao pagamento de “ajuda de custo” aos vereadores, tal matéria não é objeto de discussão nessa demanda. Isso, porque embora haja tal permissão, não se permite que ocorra o desvio de finalidade no recebimento dessas verbas.

De outro lado, contrariamente ao aduzido pelos denunciados Claudionor e Marcilon em suas alegações finais, não há nos autos qualquer “coação” do Ministério Público quanto à requisição dos documentos atinentes ao pagamento da chamada “ajuda de custo”. Pelo contrário, pela Lei da Transparência, o Poder Legislativo tem por obrigação disponibilizar todas as informações e documentos atinentes aos atos realizados a qualquer cidadão, como meio de facilitar o controle pela sociedade.

No que alude aos possíveis gastos realizados pelos vereadores em “prol do município”, conforme alegado pelos denunciados Claudionor e Marcilon, eles não restaram comprovados nos autos. Além do mais, ainda que comprovados, não podem servir como “autorização” para desvios de finalidade e prejuízos à Administração.

Em relação a ausência de veículo registrado em nome dos denunciados Claudionor e Macilon, a Resolução 158/2001 fala em “veículo próprio”, determinando que o automóvel fosse de propriedade do vereador. Não desconheço que os bens móveis transferem-se com a tradição. Contudo, no caso, foram, pelo acusado Claudionor, adquiridas inúmeras peças e serviços para vários automóveis de marca e modelos distintos: GM/Celta, Audi-A4, Fiat/Uno, VW/Gol, Fiat/Uno Way, Fiat/ Uno Mille Fire, Logus, Ford/Pampa, GM/Corsa, Citroen/Picasso, Ford/Escort, Renault/Master, GM/Astra, Fiat/Siena e VW/Fusca. Desse modo, para quem não tinha veículo registrado em seu próprio nome, o denunciado possui verdadeira frota, cuja posse ou propriedade não foi por eles sequer evidenciada no decorrer desta demanda. Além do mais, ele não comprovou a utilização desses veículos com as atividades inerentes a sua função de edil.

Da mesma forma, em relação ao denunciado Marcilon, embora não tivesse veículo registrado em seu nome junto ao DETRAN/MG, foram adquiridas, por ele, inúmeras peças e serviços para automóveis de diferentes marcas e modelos, sem qualquer prova da relação com a atividade de vereador.

Convém mencionar que, ainda que parte dos valores apresentadas pelos denunciados não tenham sido ressarcidos, inúmeros outros advindos de despesas ilegais o foram. Além disso, os denunciados não precisaram quais valores não foram lhes ressarcidos, bem como a que peças e serviços eles se referiam, sendo deles o ônus probatório.

Também não é o caso de desclassificação das condutas para aquelas tipificadas no art. 312, §2º (peculato culposo), ou art. 315 (emprego irregular de verbas públicas), ambos do CP, pois restou demonstrado o dolo, assim como que os valores foram desviados em benefício dos próprios denunciados e de terceiros, e não do Poder Legislativo municipal.

Entendo por bem elucidar que, não obstante alguns dos bens e serviços adquiridos com desvio de finalidade sejam de pequena monta, não se aplica o princípio da insignificância aos crimes contra a administração pública, conforme Enunciado 599, da Súmula do e. STJ.

Finalmente destaco que as teses de defesa foram aduzidas em face de permissivo legal, notadamente a amplitude de defesa, bem como que os elementos do crime de peculato desvio encontram-se sobejamente comprovados nos autos, principalmente a materialidade, a autoria e dolo, e, ante a inexistência de causas de exclusão da antijuridicidade ou da culpabilidade em favor dos acusados Claudionor Anicésio dos Santos, Humberto de Alencar Garcia, Mozar Borges da Silva, Divair César Rodrigues, João Lúcio da Silva Neto e Marcilon Laci Rodrigues, há de lhes ser aplicadas às reprimendas legais positivadas no art. 312, caput, do CP.

 

Da continuidade delitiva

 

O Ministério Público requereu o reconhecimento da prática dos crimes de peculato em concurso material. Contudo, sendo os crimes da mesma espécie (peculato desvio), praticados nas mesmas condições de tempo (entre janeiro de 2009 e abril de 2012), lugar (município de São Gotardo) e maneira de execução, deve ser reconhecida a continuidade delitiva.

Aliás, sobre a continuidade delitiva, dispõe o art. 71, caput, do Código Penal:

 

Crime continuado

 

Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

 

Com efeito, o nosso Código Penal adotou a teoria puramente objetiva para a continuidade delitiva, devendo, destarte, serem observados somente os requisitos estabelecidos no art. 71, do CP, para se aferir a continuidade entre os delitos perpetrados pelo acusado, quais sejam: crimes da mesma espécie, condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras circunstâncias semelhantes.

Julio Fabbrini Mirabete discorrendo sobre a continuidade delitiva leciona:

 

A continuidade delitiva é apurada pelas circunstâncias de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. O limite tolerado quanto ao lapso temporal entre um e outro delito é de 30 dias, conforme jurisprudência pacífica. Quanto ao lugar, tem-se admitido a prática de crimes inclusive em municípios diversos, se limítrofes, integrados na mesma região sócio-geográfica e com facilidade de acesso. Quanto à maneira de execução, refere-se a lei ao modus operandi, uma homogeneidade de circunstâncias objetivas nos atos materiais praticados pelo agente nos crimes a serem considerados.” (Código Penal Interpretado – 1ª edição – 3ª tiragem – 2000 – pg. 407).

 

Um dos objetivos do crime continuado é evitar o excesso de rigor na aplicação da pena privativa de liberdade, diminuindo o risco das sanções corporais de longa duração, quase sempre fruto da aplicação do concurso material de delitos.

No presente feito, concluo não ser possível precisar o número exato fatos típicos e ilícitos praticados: seja porque alguns documentos se encontram ilegíveis; seja pelo vasto número peças, combustíveis e serviços adquiridos/contratados em desconformidade com a Resolução 158/2001, da Câmara Municipal; seja porque não foram apresentadas todas as notas fiscais (em alguns casos apenas boletos); seja pelo lapso temporal em que os ilícitos foram praticados (por mais de 02 anos).

Esclareço que cada peça, cada abastecimento, cada serviço adquirido com desvio de finalidade/abuso de direito configura um crime de peculato. Logo, eis a razão da dificuldade em precisar a quantidade de ilícitos cometidos, embora sejam muitos.

Sobre a aplicação do patamar máximo quando, embora haja prova da prática de inúmero ilícitos penais, não for possível identificá-los pormenorizadamente (imprecisão quanto à quantidade), já decidiu nossos Tribunais superiores:

 

STF. Habeas corpus. Penal e Processual Penal. Recurso especial. Revaloração do conjunto fático-probatório. Admissibilidade. Hipótese que não se confunde com reexame de provas. Precedentes. Estupro (art. 213, § 1º, do CP). Pena. Dosimetria. Continuidade delitiva (art. 71, CP). Majoração da pena no máximo legal de 2/3 (dois terços). Admissibilidade. Delitos praticados durante 6 (seis) anos contra a mesma vítima. Imprecisão quanto ao número de crimes. Irrelevância. Dilatado lapso temporal que obsta a incidência do aumento em apenas 1/6 (um sexto). Ordem denegada. 1. A revaloração de elementos fático-jurídicos, em sede de recurso especial, não se confunde com reapreciação de matéria probatória, por se tratar de quaestio juris, e não de quaestio facti. Precedentes. 2. Na espécie, toda a matéria fática foi bem retratada na sentença e no acórdão do tribunal local, razão por que se limitou o Superior Tribunal de Justiça a emprestar-lhe a correta consequência jurídica. 3. Segundo pacífica jurisprudência da Suprema Corte, o quantum de exasperação da pena, por força da continuidade delitiva, deve ser proporcional ao número de infrações cometidas. Precedentes. 4. A imprecisão quanto ao número de crimes praticados não obsta a aplicação da causa de aumento de pena da continuidade delitiva no patamar máximo de 2/3 (dois terços), desde que haja elementos seguros que demonstrem que vários foram os delitos perpetrados ao longo de dilatado lapso temporal. 5. Ordem denegada. (HC 127158, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 23/06/2015, processo eletrônico DJe-168, divulg. 26.08.2015, p. em 27.08.2015, in: www.stf.jus.br) destaquei.

 

STJ - CONSTITUCIONAL. PENAL. HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. CONTINUIDADE DELITIVA. AUMENTO DA PENA NA FRAÇÃO DE 2/3. CRIME PRATICADO DURANTE LONGO PERÍODO DE TEMPO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 01. Prescreve a Constituição da República que "conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder" (art. 5º, inc. LXVIII). O Código de Processo Penal impõe aos juízes e aos tribunais que expeçam, "de ofício, ordem de habeas corpus, quando, no curso de processo, verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal" (art. 654, § 2º). Desses preceptivos constitucional e legal se infere que no habeas corpus devem ser conhecidas quaisquer questões de fato e de direito relacionadas a constrangimento ou ameaça de constrangimento à liberdade individual de locomoção. Por isso, impõe-se seja processado para aferição da existência de "ilegalidade ou abuso de poder" no ato judicial impugnado, ainda que substitutivo do recurso expressamente previsto para o caso (STF, HC 121.537, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma; HC 111.670, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma; STJ, HC 277.152, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma; HC 275.352, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma). 02. Esta Corte tem decidido que, "em regra, a escolha da quantidade de aumento de pena em virtude do reconhecimento da continuidade delitiva considera o número de infrações praticadas pelo agente". Porém, "na hipótese de crimes sexuais em que os episódios ocorrem durante longo período, não é viável exigir a quantificação exata do número de eventos criminosos" (AgRg no REsp 1.281.127/PR, Rel.Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 18/09/2014; AgRg no AREsp 455.218/MG, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 16/12/2014). Tendo sido constatada pelas instâncias inferiores "a ocorrência de diversos crimes da mesma natureza por mais de dois anos", é adequado o aumento da pena pela continuidade delitiva (CP, art. 71) no patamar de 2/3 (dois terços). 03. Habeas corpus não conhecido.(HC 311.146/SP, Rel. Ministro NEWTON TRISOTTO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SC), QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 31/03/2015, in: www.stj.jus.br )

 

In casu, ante as provas produzidas, sobremaneira a prova documental, podemos identificar, de modo preciso, que os acusados desviaram, em proveito próprio e de terceiros, verba pública, denominada “ajuda de custo para despesas de gabinete”, por inúmeras vezes, em quantidade superior a 10 infrações penais. Assim sendo, a pena de um dos ilícitos deverá ser aumentada no patamar máximo, qual seja: 2/3.

 

DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal e, por conseguinte:

 

a) ABSOLVO os acusados José Luiz Messias Neto, Mauri Ignácio de Moraes Silva e Gilberto de Oliveira Cândido, já qualificados na inicial, da imputação do art. 312, caput, segunda parte, do CP, nos termos do art. 386, VII, do CPP, haja vista inexistir provas de que eles tenham praticado os fatos descritos na denúncia;

 

b) SUBMETO, os acusados, Claudionor Anicésio dos Santos, Humberto de Alencar Garcia, Mozar Borges da Silva, Divair César Rodrigues, João Lúcio da Silva Neto, e Marcilon Laci Rodrigues, qualificados na inicial, como incursos nas sanções do art. 312, caput, segunda parte, por inúmeras vezes, c/c 71, ambos do Código Penal.

 

Passo à dosimetria da pena, em observância ao princípio da individualização (artigo 5º, XLVI, da Constituição da República, de 1988), nos termos dos artigos 59 e 68, ambos do Código Penal.

 

I – Quanto ao denunciado Claudionor Anicésio dos Santos

 

Inicialmente, aclaro que procederei a dosimetria da pena para todos os fatos tipificados como crime de peculato desvio (art. 312, caput, segunda parte, do CP), em conjunto, pois são idênticas, sendo desnecessária repeti-las.

 

Logo, na primeira fase, examino as circunstâncias judiciais, tendo como parâmetro as diretrizes do artigo 59, do Código Penal: a) em relação à culpabilidade, é reprovável, pois, na época dos fatos, exercia mandado eletivo, frustrando a confiança que o eleitorado lhe confiara, além de sua ação ilícita causar repugnância no meio social; b) no tocante aos antecedentes, verifico através da CAC de f. 426, inexistir registro anterior de sentença de condenação definitiva pela prática de outro fato delituoso, sendo o acusado possuidor de bons antecedentes; c) não há elementos nos autos a desabonar sua conduta social; d) quanto à sua personalidade, nada se tem a valorar negativamente; e) o motivo é desfavorável, pois a ação do acusado revelou uma ganância desmedida e pouca ideação sobre o impacto de sua ação na sociedade local e sobre o patrimônio público; f) as circunstâncias do delito são desfavoráveis, pois adquiriu bens, combustíveis e serviços para ele e/ou terceiros, valendo-se de documentos ideologicamente falsos, ofendendo aos princípios da moralidade e legalidade. Além disso, embora o Câmara Municipal tivessem veículo oficial e disponibilizasse telefones, o denunciado valia-se de veículo e telefone próprios, com o objetivo de desviar os valores recebidos a título de “ajuda de custo” e dificultar a fiscalização; g) as consequências também são desfavoráveis, pois em razão dos vários desvios praticados, dilapidaram o patrimônio da Administração Pública, além de ter abalado a credibilidade do Poder Legislativo Municipal; h) relativamente ao comportamento da vítima, não é possível valorar, pois incabível ao caso.

Ponderadas as circunstâncias judiciais, tendo em vista que quatro delas se apresentam desfavoráveis ao acusado, fixo a pena base em 06 (seis) anos de reclusão, e 50 (cinquenta) dias-multa.

Na segunda fase, não há agravantes ou atenuantes a reconhecer, razão pela qual mantenho a pena outrora fixada.

Na terceira fase, verifico também inexistir causas gerais ou especiais de aumento e diminuição de pena a reconhecer.

Desse modo, condeno o acusado Claudionor Anicésio dos Santos e concretizo a sua pena definitiva em 06 (seis) anos de reclusão, e 50 (cinquenta) dias-multa.

O regime de cumprimento de pena será inicialmente semiaberto, nos termos do art. 33, §2º, “b” e §3º, c/c art. 59, III, ambos do Código Penal.

Fixo o valor do dia-multa em 1/10 do salário-mínimo mensal vigente, ante a capacidade econômica do acusado, conforme por ele aduzido no interrogatório de f. 365.

Atento à pena aplicada, o denunciado não satisfaz aos benefícios do art. 44, do CP (substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito), ou do art. 77, do CP (suspensão condicional da pena).

 

Da continuidade delitiva

 

Conforme já fundamentada, foram praticados inúmeros crimes de peculato, em número superior a 9, razão pela qual a pena de um deles, pois idênticas, deverá ser aumentada em 2/3 (dois terços), conforme já fundamentado.

Nesse ínterim, aumento em 2/3 (dois terços) a pena de um dos peculatos, concretizada em 6 (seis) anos de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, passando a pena definitiva para 10 (dez) anos de reclusão, e 83 (oitenta e três) dias-multa.

Desse modo, condeno o acusado Claudionor Anicésio dos Santos e concretizo a sua pena definitiva em 10 (dez) anos de reclusão, e 83 (oitenta e três) dias-multa.

Diane da pena, o regime de cumprimento de pena será inicialmente fechado, nos termos do art. 33, §2º, “a” e §3º, c/c art. 59, III, ambos do Código Penal.

Fixo o valor do dia-multa em 1/10 do salário-mínimo mensal vigente, ante a capacidade econômica do acusado, conforme por ele aduzido no interrogatório de f. 365.

Atento à pena aplicada, o denunciado não satisfaz aos benefícios do art. 44, do CP (substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito), ou do art. 77, do CP (suspensão condicional da pena).

 

II – Quanto ao denunciado Humberto de Alencar Garcia

 

Inicialmente, aclaro que procederei a dosimetria da pena para todos os fatos tipificados como crime de peculato desvio (art. 312, caput, segunda parte, do CP), em conjunto, pois são idênticas, sendo desnecessária repeti-las.

 

Logo, na primeira fase, examino as circunstâncias judiciais, tendo como parâmetro as diretrizes do artigo 59, do Código Penal: a) em relação à culpabilidade, é reprovável, pois, na época dos fatos, exercia mandado eletivo, frustrando a confiança que o eleitorado lhe confiara, além de sua ação ilícita causar repugnância no meio social; b) no tocante aos antecedentes, verifico através da CAC de ff. 427-428, inexistir registro anterior de sentença de condenação definitiva pela prática de outro fato delituoso, sendo o acusado possuidor de bons antecedentes; c) não há elementos nos autos a desabonar sua conduta social; d) quanto à sua personalidade, nada se tem a valorar negativamente; e) o motivo é desfavorável, pois a ação do acusado revelou uma ganância desmedida e pouca ideação sobre o impacto de sua ação na sociedade local e sobre o patrimônio público; f) as circunstâncias do delito são desfavoráveis, pois, em conjunto com outros vereadores e por mais de 02 anos, adquiriu bens, combustíveis e serviços para ele e/ou terceiros, valendo-se de documentos ideologicamente falsos, ofendendo aos princípios da moralidade e legalidade. Além disso, embora o Câmara Municipal tivessem veículo oficial e disponibilizasse telefones, o denunciado valia-se de veículo e telefone próprios, com o objetivo de desviar os valores recebidos a título de “ajuda de custo” e dificultar a fiscalização; g) as consequências também são desfavoráveis, pois em razão dos vários desvios praticados, dilapidou o patrimônio da Administração Pública, além de ter abalado a credibilidade do Poder Legislativo Municipal; h) relativamente ao comportamento da vítima, não é possível valorar, pois incabível ao caso.

Ponderadas as circunstâncias judiciais, tendo em vista que quatro delas se apresentam desfavoráveis ao acusado, fixo a pena base em 06 (seis) anos de reclusão, e 50 (cinquenta) dias-multa.

Na segunda fase, não há agravantes ou atenuantes a reconhecer, razão pela qual mantenho a pena outrora fixada.

Na terceira fase, verifico também inexistir causas gerais ou especiais de aumento e diminuição de pena a reconhecer.

Desse modo, condeno o acusado Humberto Alencar Garcia e concretizo a sua pena definitiva em 06 (seis) anos de reclusão, e 50 (cinquenta) dias-multa.

O regime de cumprimento de pena será inicialmente semiaberto, nos termos do art. 33, §2º, “b” e §3º, c/c art. 59, III, ambos do Código Penal.

Fixo o valor do dia-multa em 1/15 do salário-mínimo mensal vigente, ante a capacidade econômica do acusado, conforme por ele aduzido no interrogatório de f. 366.

Atento à pena aplicada, o denunciado não satisfaz aos benefícios do art. 44, do CP (substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito), ou do art. 77, do CP (suspensão condicional da pena).

 

Da continuidade delitiva

 

Conforme já fundamentada, foram praticados inúmeros crimes de peculato, em número superior a 9, razão pela qual a pena de um deles, pois idênticas, deverá ser aumentada em 2/3 (dois terços), conforme já fundamentado.

Nesse ínterim, aumento em 2/3 (dois terços) a pena de um dos peculatos, concretizada em 6 (seis) anos de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, passando a pena definitiva para 10 (dez) anos de reclusão, e 83 (oitenta e três) dias-multa.

Desse modo, condeno o acusado Humberto Alencar Garcia e concretizo a sua pena definitiva em 10 (dez) anos de reclusão, e 83 (oitenta e três) dias-multa.

Diane da pena, o regime de cumprimento de pena será inicialmente fechado, nos termos do art. 33, §2º, “a” e §3º, c/c art. 59, III, ambos do Código Penal.

Fixo o valor do dia-multa em 1/15 do salário-mínimo mensal vigente, ante a capacidade econômica do acusado, conforme por ele aduzido no interrogatório de f. 366.

Atento à pena aplicada, o denunciado não satisfaz aos benefícios do art. 44, do CP (substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito), ou do art. 77, do CP (suspensão condicional da pena).

 

III – Quanto ao denunciado Mozar Borges da Silva

 

Inicialmente, aclaro que procederei a dosimetria da pena para todos os fatos tipificados como crime de peculato desvio (art. 312, caput, segunda parte, do CP), em conjunto, pois são idênticas, sendo desnecessária repeti-las.

 

Logo, na primeira fase, examino as circunstâncias judiciais, tendo como parâmetro as diretrizes do artigo 59, do Código Penal: a) em relação à culpabilidade, é reprovável, pois, na época dos fatos, exercia mandado eletivo, frustrando a confiança que o eleitorado lhe confiara, além de sua ação ilícita causar repugnância no meio social; b) no tocante aos antecedentes, verifico através da CAC de f. 431, inexistir registro anterior de sentença de condenação definitiva pela prática de outro fato delituoso, sendo o acusado possuidor de bons antecedentes; c) não há elementos nos autos a desabonar sua conduta social; d) quanto à sua personalidade, nada se tem a valorar negativamente; e) o motivo é desfavorável, pois a ação do acusado revelou uma ganância desmedida e pouca ideação sobre o impacto de sua ação na sociedade local e sobre o patrimônio público; f) as circunstâncias do delito são desfavoráveis, pois, em conjunto com outros vereadores e por mais de 02 anos, adquiriu bens, combustíveis e serviços para ele e/ou terceiros, valendo-se de documentos ideologicamente falsos, ofendendo aos princípios da moralidade e legalidade. Além disso, embora o Câmara Municipal tivessem veículo oficial e disponibilizasse telefones, o denunciado valia-se de veículo e telefone próprios, com o objetivo de desviar os valores recebidos a título de “ajuda de custo” e dificultar a fiscalização; g) as consequências também são desfavoráveis, pois em razão dos vários desvios praticados, dilapidou o patrimônio da Administração Pública, além de ter abalado a credibilidade do Poder Legislativo Municipal; h) relativamente ao comportamento da vítima, não é possível valorar, pois incabível ao caso.

Ponderadas as circunstâncias judiciais, tendo em vista que quatro delas se apresentam desfavoráveis ao acusado, fixo a pena base em 06 (seis) anos de reclusão, e 50 (cinquenta) dias-multa.

Na segunda fase, não há agravantes ou atenuantes a reconhecer, razão pela qual mantenho a pena outrora fixada.

Na terceira fase, verifico também inexistir causas gerais ou especiais de aumento e diminuição de pena a reconhecer.

Desse modo, condeno o acusado Mozar Borges da Silva e concretizo a sua pena definitiva em 06 (seis) anos de reclusão, e 50 (cinquenta) dias-multa.

O regime de cumprimento de pena será inicialmente semiaberto, nos termos do art. 33, §2º, “b” e §3º, c/c art. 59, III, ambos do Código Penal.

Fixo o valor do dia-multa em 1/10 do salário-mínimo mensal vigente, ante a capacidade econômica do acusado, quem informou exercer a profissão de comerciante, conforme interrogatório de f. 363.

Atento à pena aplicada, o denunciado não satisfaz aos benefícios do art. 44, do CP (substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito), ou do art. 77, do CP (suspensão condicional da pena).

 

Da continuidade delitiva

 

Conforme já fundamentada, foram praticados inúmeros crimes de peculato, em número superior a 9, razão pela qual a pena de um deles, pois idênticas, deverá ser aumentada em 2/3 (dois terços), conforme já fundamentado.

Nesse ínterim, aumento em 2/3 (dois terços) a pena de um dos peculatos, concretizada em 6 (seis) anos de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, passando a pena definitiva para 10 (dez) anos de reclusão, e 83 (oitenta e três) dias-multa.

Desse modo, condeno o acusado Mozar Borges da Silva e concretizo a sua pena definitiva em 10 (dez) anos de reclusão, e 83 (oitenta e três) dias-multa.

Diane da pena, o regime de cumprimento de pena será inicialmente fechado, nos termos do art. 33, §2º, “a” e §3º, c/c art. 59, III, ambos do Código Penal.

Fixo o valor do dia-multa em 1/10 do salário-mínimo mensal vigente, ante a capacidade econômica do acusado, quem informou exercer a profissão de comerciante, conforme interrogatório de f. 363.

Atento à pena aplicada, o denunciado não satisfaz aos benefícios do art. 44, do CP (substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito), ou do art. 77, do CP (suspensão condicional da pena).

 

IV – Quanto ao denunciado Divair César Rodrigues

 

Inicialmente, aclaro que procederei a dosimetria da pena para todos os fatos tipificados como crime de peculato desvio (art. 312, caput, segunda parte, do CP), em conjunto, pois são idênticas, sendo desnecessária repeti-las.

 

Logo, na primeira fase, examino as circunstâncias judiciais, tendo como parâmetro as diretrizes do artigo 59, do Código Penal: a) em relação à culpabilidade, é reprovável, pois, na época dos fatos, exercia mandado eletivo, frustrando a confiança que o eleitorado lhe confiara, além de sua ação ilícita causar repugnância no meio social; b) no tocante aos antecedentes, verifico através da CAC de f. 432, existir registro anterior de sentença de condenação definitiva pela prática de outro fato delituoso, sendo o acusado possuidor de maus antecedentes (autos n. 0621.04.006869-7); c) não há elementos nos autos a desabonar sua conduta social; d) quanto à sua personalidade, nada se tem a valorar negativamente; e) o motivo é desfavorável, pois a ação do acusado revelou uma ganância desmedida e pouca ideação sobre o impacto de sua ação na sociedade local e sobre o patrimônio público; f) as circunstâncias do delito são desfavoráveis, pois, em conjunto com outros vereadores e por mais de 02 anos, adquiriu bens, combustíveis e serviços para ele e/ou terceiros, valendo-se de documentos ideologicamente falsos, ofendendo aos princípios da moralidade e legalidade. Além disso, embora o Câmara Municipal tivessem veículo oficial e disponibilizasse telefones, o denunciado valia-se de veículo e telefone próprios, com o objetivo de desviar os valores recebidos a título de “ajuda de custo” e dificultar a fiscalização; g) as consequências também são desfavoráveis, pois em razão dos vários desvios praticados, dilapidou o patrimônio da Administração Pública, além de ter abalado a credibilidade do Poder Legislativo Municipal; h) relativamente ao comportamento da vítima, não é possível valorar, pois incabível ao caso.

Ponderadas as circunstâncias judiciais, tendo em vista que cinco delas se apresentam desfavoráveis ao acusado, fixo a pena base em 07 (sete) anos de reclusão, e 60 (sessenta) dias-multa.

Na segunda fase, não há agravantes ou atenuantes a reconhecer, razão pela qual mantenho a pena outrora fixada.

Na terceira fase, verifico também inexistir causas gerais ou especiais de aumento e diminuição de pena a reconhecer.

Desse modo, condeno o acusado Divair César Rodrigues e concretizo a sua pena definitiva 07 (sete) anos de reclusão, e 60 (sessenta) dias-multa.

O regime de cumprimento de pena será inicialmente semiaberto, nos termos do art. 33, §2º, “b” e §3º, c/c art. 59, III, ambos do Código Penal.

Fixo o valor do dia-multa em 1/15 do salário-mínimo mensal vigente, ante a capacidade econômica do acusado, quem informou exercer a profissão de corretor de imóveis, conforme interrogatório de f. 364.

Atento à pena aplicada, o denunciado não satisfaz aos benefícios do art. 44, do CP (substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito), ou do art. 77, do CP (suspensão condicional da pena).

 

Da continuidade delitiva

 

Conforme já fundamentada, foram praticados inúmeros crimes de peculato, em número superior a 9, razão pela qual a pena de um deles, pois idênticas, deverá ser aumentada em 2/3 (dois terços), conforme já fundamentado.

Nesse ínterim, aumento em 2/3 (dois terços) a pena de um dos peculatos, concretizada em 6 (seis) anos de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, passando a pena definitiva para 11 anos, 8 meses de reclusão, e 100 dias-multa

Desse modo, condeno o acusado Divair César Rodrigues e concretizo a sua pena definitiva 11 anos, 8 meses de reclusão, e 100 dias-multa

Diane da pena, o regime de cumprimento de pena será inicialmente fechado, nos termos do art. 33, §2º, “a” e §3º, c/c art. 59, III, ambos do Código Penal.

Fixo o valor do dia-multa em 1/15 do salário-mínimo mensal vigente, ante a capacidade econômica do acusado, quem informou exercer a profissão de corretor de imóveis, conforme interrogatório de f. 364.

Atento à pena aplicada, o denunciado não satisfaz aos benefícios do art. 44, do CP (substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito), ou do art. 77, do CP (suspensão condicional da pena).

 

V – Quanto ao denunciado João Lúcio da Silva Neto

 

Inicialmente, aclaro que procederei a dosimetria da pena para todos os fatos tipificados como crime de peculato desvio (art. 312, caput, segunda parte, do CP), em conjunto, pois são idênticas, sendo desnecessária repeti-las.

 

Logo, na primeira fase, examino as circunstâncias judiciais, tendo como parâmetro as diretrizes do artigo 59, do Código Penal: a) em relação à culpabilidade, é reprovável, pois, na época dos fatos, exercia mandado eletivo, frustrando a confiança que o eleitorado lhe confiara, além de sua ação ilícita causar repugnância no meio social; b) no tocante aos antecedentes, verifico através da CAC de f. 435, inexistir registro anterior de sentença de condenação definitiva pela prática de outro fato delituoso, sendo o acusado possuidor de bons antecedentes; c) não há elementos nos autos a desabonar sua conduta social; d) quanto à sua personalidade, nada se tem a valorar negativamente; e) o motivo é desfavorável, pois a ação do acusado revelou uma ganância desmedida e pouca ideação sobre o impacto de sua ação na sociedade local e sobre o patrimônio público; f) as circunstâncias do delito são desfavoráveis, pois, em conjunto com outros vereadores e por mais de 02 anos, adquiriu bens, combustíveis e serviços para ele e/ou terceiros, valendo-se de documentos ideologicamente falsos, ofendendo aos princípios da moralidade e legalidade. Além disso, embora o Câmara Municipal tivessem veículo oficial e disponibilizasse telefones, o denunciado valia-se de veículo e telefone próprios, com o objetivo de desviar os valores recebidos a título de “ajuda de custo” e dificultar a fiscalização; g) as consequências também são desfavoráveis, pois em razão dos vários desvios praticados, dilapidou o patrimônio da Administração Pública, além de ter abalado a credibilidade do Poder Legislativo Municipal; h) relativamente ao comportamento da vítima, não é possível valorar, pois incabível ao caso.

Ponderadas as circunstâncias judiciais, tendo em vista que quatro delas se apresentam desfavoráveis ao acusado, fixo a pena base em 06 (seis) anos de reclusão, e 50 (cinquenta) dias-multa.

Na segunda fase, não há agravantes ou atenuantes a reconhecer, razão pela qual mantenho a pena outrora fixada.

Na terceira fase, verifico também inexistir causas gerais ou especiais de aumento e diminuição de pena a reconhecer.

Desse modo, condeno o acusado João Lúcio da Silva Neto e concretizo a sua pena definitiva em 06 (seis) anos de reclusão, e 50 (cinquenta) dias-multa.

O regime de cumprimento de pena será inicialmente semiaberto, nos termos do art. 33, §2º, “b” e §3º, c/c art. 59, III, ambos do Código Penal.

Fixo o valor do dia-multa em 1/10 do salário-mínimo mensal vigente, ante a capacidade econômica do acusado, quem afirmou ser agricultor, conforme interrogatório de f. 369.

Atento à pena aplicada, o denunciado não satisfaz aos benefícios do art. 44, do CP (substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito), ou do art. 77, do CP (suspensão condicional da pena).

 

Da continuidade delitiva

 

Conforme já fundamentada, foram praticados inúmeros crimes de peculato, em número superior a 9, razão pela qual a pena de um deles, pois idênticas, deverá ser aumentada em 2/3 (dois terços), conforme já fundamentado.

Nesse ínterim, aumento em 2/3 (dois terços) a pena de um dos peculatos, concretizada em 6 (seis) anos de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, passando a pena definitiva para 10 (dez) anos de reclusão, e 83 (oitenta e três) dias-multa.

Desse modo, condeno o acusado João Lúcio da Silva Neto e concretizo a sua pena definitiva em 10 (dez) anos de reclusão, e 83 (oitenta e três) dias-multa.

Diane da pena, o regime de cumprimento de pena será inicialmente fechado, nos termos do art. 33, §2º, “a” e §3º, c/c art. 59, III, ambos do Código Penal.

Fixo o valor do dia-multa em 1/10 do salário-mínimo mensal vigente, ante a capacidade econômica do acusado, quem afirmou ser agricultor, conforme interrogatório de f. 369.

Atento à pena aplicada, o denunciado não satisfaz aos benefícios do art. 44, do CP (substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito), ou do art. 77, do CP (suspensão condicional da pena).

 

V – Quanto ao denunciado Marcilon Laci Rodrigues

 

Inicialmente, aclaro que procederei a dosimetria da pena para todos os fatos tipificados como crime de peculato desvio (art. 312, caput, segunda parte, do CP), em conjunto, pois são idênticas, sendo desnecessária repeti-las.

 

Logo, na primeira fase, examino as circunstâncias judiciais, tendo como parâmetro as diretrizes do artigo 59, do Código Penal: a) em relação à culpabilidade, é reprovável, pois, na época dos fatos, exercia mandado eletivo, frustrando a confiança que o eleitorado lhe confiara, além de sua ação ilícita causar repugnância no meio social; b) no tocante aos antecedentes, verifico através da CAC de ff. 437-438, inexistir registro anterior de sentença de condenação definitiva pela prática de outro fato delituoso, sendo o acusado possuidor de bons antecedentes; c) não há elementos nos autos a desabonar sua conduta social; d) quanto à sua personalidade, nada se tem a valorar negativamente; e) o motivo é desfavorável, pois a ação do acusado revelou uma ganância desmedida e pouca ideação sobre o impacto de sua ação na sociedade local e sobre o patrimônio público; f) as circunstâncias do delito são desfavoráveis, pois, em conjunto com outros vereadores e por mais de 02 anos, adquiriu bens, combustíveis e serviços para ele e/ou terceiros, valendo-se de documentos ideologicamente falsos, ofendendo aos princípios da moralidade e legalidade. Além disso, embora o Câmara Municipal tivessem veículo oficial e disponibilizasse telefones, o denunciado valia-se de veículo e telefone próprios, com o objetivo de desviar os valores recebidos a título de “ajuda de custo” e dificultar a fiscalização; g) as consequências também são desfavoráveis, pois em razão dos vários desvios praticados, dilapidou o patrimônio da Administração Pública, além de ter abalado a credibilidade do Poder Legislativo Municipal; h) relativamente ao comportamento da vítima, não é possível valorar, pois incabível ao caso.

Ponderadas as circunstâncias judiciais, tendo em vista que quatro delas se apresentam desfavoráveis ao acusado, fixo a pena base em 06 (seis) anos de reclusão, e 50 (cinquenta) dias-multa.

Na segunda fase, não há agravantes ou atenuantes a reconhecer, razão pela qual mantenho a pena outrora fixada.

Na terceira fase, verifico também inexistir causas gerais ou especiais de aumento e diminuição de pena a reconhecer.

Desse modo, condeno o acusado Marcilon Laci Rodrigues e concretizo a sua pena definitiva em 06 (seis) anos de reclusão, e 50 (cinquenta) dias-multa.

O regime de cumprimento de pena será inicialmente semiaberto, nos termos do art. 33, §2º, “b” e §3º, c/c art. 59, III, ambos do Código Penal.

Fixo o valor do dia-multa em 1/15 do salário-mínimo mensal vigente, ante a capacidade econômica do acusado, conforme interrogatório de f. 368.

Atento à pena aplicada, o denunciado não satisfaz aos benefícios do art. 44, do CP (substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito), ou do art. 77, do CP (suspensão condicional da pena).

 

Da continuidade delitiva

 

Conforme já fundamentada, foram praticados inúmeros crimes de peculato, em número superior a 9, razão pela qual a pena de um deles, pois idênticas, deverá ser aumentada em 2/3 (dois terços), conforme já fundamentado.

Nesse ínterim, aumento em 2/3 (dois terços) a pena de um dos peculatos, concretizada em 6 (seis) anos de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, passando a pena definitiva para 10 (dez) anos de reclusão, e 83 (oitenta e três) dias-multa.

Desse modo, condeno o acusado Marcilon Laci Rodrigues e concretizo a sua pena definitiva em 10 (dez) anos de reclusão, e 83 (oitenta e três) dias-multa.

Diane da pena, o regime de cumprimento de pena será inicialmente fechado, nos termos do art. 33, §2º, “a” e §3º, c/c art. 59, III, ambos do Código Penal.

Fixo o valor do dia-multa em 1/15 do salário-mínimo mensal vigente, ante a capacidade econômica do acusado, conforme interrogatório de f. 368.

Atento à pena aplicada, o denunciado não satisfaz aos benefícios do art. 44, do CP (substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito), ou do art. 77, do CP (suspensão condicional da pena).

 

VI - Efeitos secundários da condenação

Nos termos do art. 92, I, "a" do CP, a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo constitui efeito da condenação quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública.

Ocorre que conforme nos ensina Sebastião Oscar Feltrin, para perda de cargo ou função pública não basta “que se trate de crime funcional, próprio ou impróprio, e que a pena tenha excedido aquele limite. O efeito da condenação não é automático, nem depende tão-só desses elementos objetivos. Ao motivar a imposição da perda de cargo, função ou mandato, o juiz deve levar em consideração o alcance do dano causado, a natureza do fato, as condições pessoais do agente, o grau de sua culpa etc., para concluir sobre a necessidade da medida no caso concreto”. (Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, 5.ª edição, 1995, RT, p. 1085).

Acerca da questão, leciona Julio Fabbrini Mirabete:


Os efeitos específicos da condenação referidos no art. 92, incs. I, II e III, não são automáticos já que devem ser motivadamente impostos na sentença (art. 92, parágrafo único). Exige-se, assim, que o juiz examine os requisitos objetivos e subjetivos do fato, e a decretação deve ser reservada aos casos de maior gravidade ou na hipótese de ser aconselhável a privação do direito interditado como efeito da condenação... A perda de função pública deve ser devidamente fundamentada pelo prolator da sentença, que demonstrará os motivos pelos quais chegou a essa conclusão e justificará seu entendimento. (MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado, 6ª ed., São Paulo, Atlas, 2007, p. 714).

 

Diverso não é o entendimento jurisprudencial:


TJMG - APELAÇÃO - HOMICÍDIO - PERDA DO CARGO PÚBLICO - DESNECESSIDADE. A perda do cargo público não se trata de efeito automático da condenação, devendo ser devidamente justificada. A finalidade da medida em questão é essencialmente preventiva, tendo por escopo afastar os agentes que demonstram incompatibilidade com a permanência na função pública, o que se afere levando em conta, além das condições pessoais do autor, a natureza do fato e o alcance do dano causado. Não há que se aplicar a sanção da perda do cargo público em sendo favoráveis as condições subjetivas do réu. V.V. (TJMG - Apelação Criminal 1.0024.98.124796-8/001, Relator(a): Des.(a) Antônio Carlos Cruvinel, Relator(a) para o acórdão: Des.(a) Paulo Cézar Dias, 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 05/08/2008, publicação da súmula em 25/09/2008) – destaquei.

 

A aplicação da sanção da perda da função deve se ater a casos em que, pela extensão de sua gravidade, se torne absolutamente incompatível a permanência do agente na função pública ou casos de reiteração na prática de ilícitos da mesma natureza. (RT 562/359).

 

Nesse contexto, cumpre ao magistrado sentenciante examinar a extensão da gravidade dos fatos para decidir se é absolutamente incompatível a permanência do agente nos quadros da Administração.

Por oportuno, em que pese haver divergência jurisprudencial, há julgados em que o entendimento consigna a decretação da perda do cargo público à imprescindibilidade de requerimento ministerial, por ser a aplicação do art. 92, I, 'a', do Código Penal, um efeito secundário da condenação imposta, o que inexiste no presente caso.

Logo, não obstante o exame da conveniência da perda do cargo público no caso concreto, já que tal sanção não guarda cunho retributivo, é imprescindível, pois, pedido pelo Ministério Público nesse sentido desde a peça acusatória, para que sobre a questão seja exercida a mais ampla defesa e o contraditório. Confira-se:

 

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - CONCUSSÃO E ABUSO DE AUTORIDADE - NULIDADE DO INTERROGATÓRIO PRESTADO DURANTE INVESTIGAÇÃO POLICIAL - NÃO OCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO - DA AUSÊNCIA DE ANÁLISE DE TESE DEFENSIVA - INOCORRÊNCIA - PRELIMINAR REJEITADA - MÉRITO - CONCUSSÃO E ABUSO DE AUTORIDADE - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - PALAVRA DA VÍTIMA - RELEVÂNCIA - CONDENAÇÃO MANTIDA - PENA-BASE - REDUÇÃO - NECESSIDADE - ABUSO DE AUTORIDADE - ESCOLHA DA PENALIDADE - AUSÊNCIA DE CRITÉRIOS LEGAIS - PROPORCIONALIDADE - PERDA DO CARGO - EFEITO NÃO AUTOMÁTICO DA CONDENAÇÃO - FALTA DE PEDIDO MINISTERIAL. O princípio do prejuízo - positivado no art. 563, do Código de Processo Penal, e apontado como a viga mestra de nosso sistema de nulidades - impede que se declare a nulidade de um ato processual sem que a irregularidade tenha acarretado qualquer prejuízo para as partes.- Verificado que a decisão condenatória confrontou atentamente todas as teses defensivas, não há que se falar em nulidade da sentença por ausência de análise das questões suscitadas. (…) . A ausência de pedido de perda do cargo público pelo Ministério Público, impede que tal imposição se dê na sentença, haja vista não ser este um efeito automático da condenação, sendo, então, o decote dessa decretação medida que se impõe.V.V.: A fixação da pena substitutiva de prestação pecuniária deve observar não só o princípio da correlação com a pena privativa de liberdade, mas também a situação econômico-finaceira do acusado, nos termos dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade". (TJMG- APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0334.10.001491-2/002 - 7ª CÂMARA CRIMINAL - RELATOR: DES. CÁSSIO SALOMÉ; j. 13/03/2014). – grifo meu.

 

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - PRELIMINARES - NULIDADES DO PROCESSO - INEPCIA DA DENÚNCIA - REJEITAR - PECULATO - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - PROVA DA EXISTÊNCIA DO CRIME E DA AUTORIA - ELEMENTOS OBJETIVO E SUBJETIVO COMPROVADOS - AUMENTO DA PENA-BASE - REPRIMENDA FIXADA EM CONSONÂNCIA COM OS ELEMENTOS EXTRAÍDOS DOS AUTOS - PRESCRIÇÃO - OCORRÊNCIA - CARGO PÚBLICO - PERDA - EFEITO NÃO AUTOMÁTICO DA CONDENAÇÃO. 1. Não há qualquer violação ao direito da ampla defesa e ao devido processo legal a ensejar a nulidade do processo, visto que a abertura de vista ao 'Parquet' foi para que se manifeste acerca dos argumentos novos trazidos pela defesa. 2. A exordial acusatória contém todos os elementos do artigo 41 do Código de Processo Penal, como a qualificação dos denunciados, a exposição do fato criminoso, com todas as circunstâncias, a classificação do delito imputado e do rol de testemunhas, portanto, revestida a peça de ingresso de todas as formalidades legais. 3. Pratica o crime de peculato o agente que, valendo-se da facilidade proporcionada pela função que exercia, apropria-se de cartuchos vazios e depois os revende. 4. Restando a reprimenda fixada em consonância com os elementos extraídos dos autos, inviável a sua majoração. 5. A perda de mandato eletivo não é efeito automático da condenação, consoante expresso no parágrafo único do art. 92, do CP, devendo-se examinar, além do preenchimento dos requisitos objetivos previstos em lei, sua conveniência no caso concreto, sendo imprescindível pedido pelo Ministério Público neste sentido, desde a peça acusatória, para que sobre a questão seja exercida a mais ampla defesa e o contraditório. 6. Transcorrido entre a data dos fatos e do recebimento da denúncia, lapso temporal superior ao prazo prescricional, necessário o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal. (TJMG- Apelação Criminal 1.0209.06.057967-6/001, Relator(a): Des.(a) Eduardo Machado, 5ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 10/11/2015, publicação da súmula em 18/11/2015) – destaquei.

 

No caso, com o término da legislatura, os denunciados deixaram de exercer a função de vereador, inexistindo informações se, atualmente, ainda são funcionários públicos, nos termos do art. 327, do CP.

Ademais, não se olvida que a questão da decretação da perda do cargo público também é matéria a ser analisada em ação civil pública por ato de improbidade administrativa, já instaurada contra os denunciados, na qual eles poderão exercer o direito de ampla defesa.

Dessa forma, deixo de aplicar os efeitos extrapenais específicos, conforme artigo 92, I, “a”, do CPb, uma vez que não se trata de efeito automático da condenação, bem como por já existir demanda cível no qual dita pretensão está sendo discutida.

 

Disposições finais

 

Inexistindo informações de que, após a prática dos fatos, os denunciados continuaram a delinquir, concedo-lhes o direito de recorrer desta sentença em liberdade.

Intimem-se, pessoalmente, os acusados e o Ministério Público do inteiro teor desta sentença.

Intimem-se os Defensores constituídos via DJe.

Deixo de intimar a vítima, nos termos do art. 201, § 2º, do CPP, pois inaplicável ao caso.

Inexistindo elementos probatórios hábeis para tanto, bem com tendo em vista que já foi aforada ação de improbidade administrativa buscando o ressarcimento do prejuízo causado, deixo de fixar o valor mínimo da indenização previsto no art. 387, IV, do CPP.

Objetivando apurar eventual irregularidade e sonegação fiscais por parte da empresa Auto Peças Fusca Ltda., diante dos documentos ideologicamente falsos apresentados, oficie-se à Receita Estadual determinada realizada pormenorizada fiscalização em citada empresa.

Determino que, após o trânsito em julgado da presente sentença, sejam adotadas as seguintes providências:

a) a comunicação da condenação ao Tribunal Regional Eleitoral, para fins do art. 15, III, da Constituição da República, de 1988, e ao Instituto de Identificação da Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais, para que se procedam as anotações de estilo.

b) expedição de mandados de prisão e guias de execução definitiva das penas impostas, remetendo tais documentos à VEP correlata, com cópia das peças indispensáveis à formação dos autos de execução penal, nos termos da LEP.

Tendo em vista à capacidade econômica dos acusados, condeno-lhes ao pagamento das custas e despesas processuais.

P.R.I.C. e, após o trânsito em julgado, arquive-se, com baixa.

Carmo do Paranaíba, 30 de novembro de 2017.

Denes Marcos Vieira

Juiz de Direito