Processo n. 0481 14 08132-6

 

 

 

 

S E N T E N Ç A

Vistos, etc...

 

ALCIMINO MACHADO COSTA, qualificado na inicial, intentou a presente ação indenizatória por danos materiais contra a CEMIG alegando que é produtor rural e tem como principal atividade a pecuária leiteira. Afirma que no dia 23/01/2014, houve forte ventania em sua Fazenda onde alguns de seus animais foram eletrocutados face a queda de galhos de árvores provocando o rompimento dos fios da rede elétrica.

Aduz que a responsabilidade pela morte dos animais é exclusivamente da requerida, por não se tratar de caso fortuito ou força maior.

Diante destes fatos, requereu a condenação da requerida, devendo a mesma ser compelida ao pagamento indenizatório pelas perdas e danos materiais.

Recebida a inicial, vieram os documentos de fls.17/36.

Despacho inicial, fls.37 que concedeu a justiça gratuita e determinou a citação da requerida para apresentar defesa no prazo legal.

Devidamente citada, a requerida apresentou contestação e juntou documentos às fls. 41/61.

Intimada as partes para especificarem as provas, o autor se manifestou pela produção de provas consistente na oitiva de testemunhas e a requerida pelo depoimento pessoal da parte autora, conforme fls. 63/64.

Termo de audiência e depoimentos, fls.74/77.

Alegações finais apresentada pela parte autora, fls. 81/86 e a parte requerida às fls. 88/92.

 

Esta, a suma dos autos.

 

D E C I D O .

 

Não há preliminares a serem decididas.

Passo ao mérito.

Sobre a ilegitimidade ativa do autor, alegada em fase de alegações finais, observo que o depoimento do autor e das testemunhas compromissadas não deixam dúvida sobre a propriedade do imóvel rural onde ocorreu a morte dos animais, bem como a propriedade sobre os semoventes também.

Ademais, há outras provas sobre a propriedade do autor confore o boletim de ocorrência ( fl. 22/25 ) , a inscrição de produtor rural criador de gado leiteiro ( fl.20/21 ), documentos veterinários de fl. 32/34.

A prova da propriedade rural pode ser feita por meio da comprovação do registro no cartório competente ou por outros meios também.

Ademais, a própria fatura de energia elétrica consumida naquele imóvel rural, emitida pela ré, está em nome do autor da ação.

Não há, pois, dúvidas sobre a propriedade do imóvel rural e dos animais vitimados.

Com relação à aplicação do CDC ao caso , não obstante a interpretação restritiva adotada com relação ao destinatário final defendida pela corrente finalista, no sentido de excluir do âmbito de apli-
cação das normas do Código de Defesa do Consumidor os profissio-
nais autônomos e as pessoas jurídicas, este posicionamento já sofreu algum abrandamento, conforme assevera Cláudia Lima Marques:

 

...aceitando a possibilidade do Judiciário, reconhecendo a vulnerabilidade de uma pequena empresa ou profissional, que adquiriu, por exemplo, um produto fora de seu campo de especialidade, interpretar o art. 2º de acordo com o fim da norma, ou seja, proteção ao mais fraco na relação de consumo, e conceder a aplicação das normas especiais do CDC analogicamente também a estes profissionais. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, pág. 304)

* grifos nossos

 

Contudo, observo ainda um ponto fundamental neste caso : a hipossuficiência informacional do autor da ação.

Observe-se abaixo em jurisprudência recente do STJ como vem sendo tratada a hipossuficiência do consumidor em relação à possibilidade de obtenção de informações técnicas .

 

STJ

CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA. REGRA. MITIGAÇÃO. FINALISMO APROFUNDADO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE.

1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica.

2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo.

3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor.

4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra).

5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora.

(…...)

(Recurso Especial nº 1195642/RJ (2010/0094391-6), 3ª Turma do STJ, Rel. Nancy Andrighi. j. 13.11.2012, unânime, DJe 21.11.2012).

 

Entendo, pois, aplicável a este caso o CDC, eis que trata-se de um contrato entabulado entre uma grande concessionária de serviços públicos e um pequeno produtor rural, a configurar a hipossuficiência deste último.

Observo que o CDC prevê a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços e produtos no seu art. 14,

 

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

(...)

 

Compete à concessionária de energia elétrica cuidar do entorno por onde passa a fiação que conduz a energia elétrica até o imóvel do consumidor.

Neste caso, a concessionária deveria manter a limpeza da área por onde passava a fiação que conduzia a energia elétrica até a sede da fazenda do autor da ação, retirando periodicamente as árvores e vegetação que pudessem obstruir a condução de energia ou que pudessem causar acidentes em eventual intempérie.

Entendo que mudanças climáticas e tempestades não são fatos imprevisíveis na atividade desenvolvida pela concessionári, mas, sim, riscos perfeitamente previsíveis do negócio, apto a atrair tambéma aplicação do art. 927 do CCB/2003,

 

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

 

Por outro lado, a responsabilidade objetiva dos entes públicos e equiparados tem por base o risco de suas atividades, conforme previsão do art. 37, §6º da CRFB/88, afinal, como diz o adágio “ ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda “ ( quem aufere os cômodos (ou lucros), deve suportar os incômodos (ou os riscos).

Art. 37 - ……….omissis………………….

(…)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Portanto, para onde quer se olhe, a responsabilidade da concessionária ré é objetiva, isto é, independe da comprovação da culpa.

Com relação à culpa concorrente ou exclusiva da vítima, não há como atribuir qualquer culpa ao autor da ação, uma vez que o mesmo não pode nem mesmo arriscar-se a promover a limpeza no entorno das linhas de energia elétrica, sob o risco de acidentar-se ou provocar uma indesejada interrupção da prestação de serviço da concessionária.

Sobre o nexo causal, verifico que se a requerida tivesse promovido a limpeza do entorno da linha que conduzia a energia elétrica dentro da propriedade do autor da ação, os galhos das árvores não teriam recaído sobre tais linhas e o acidente fatídico não teria ocorrido.

Portanto, a omissão da requerida foi a causa do acidente.

Sobre o dano material, observo no documento de fl.20 que o autor da ação está cadastrado no IMA como criador de gado leiteiro e, ainda, verifico nos depoimentos que o mesmo cria gado de leite selecionado e, ainda, que nos documentos veterinários de fl. 32/34 o profissional que ali assina atesta a excelência da linha genética do gado atingido.

Observem-se os depoimentos,

DEPOIMENTO DO AUTOR - ”…..que o depoente tem uma fazenda na Região e Morro feito; que o depoente cria gado leiteiro selecionado; que tem mais de 30 anos que o depoente vem selecionando geneticamente o seu gado leiteiro; que no dia dos fatos aconteceu um temporal muito forte e depois do temporal o depoente foi até o pasto onde viu que estavam mortos 07 reses; que as reses estavam debaixo de algumas árvores e naquele local passava uma rede de energia da CEMIG; que os galhos das árvores quebram e romperam a rede da CEMIG e então os cabos caíram em cima das reses que morreram eletrocutadas; que entrou em contato com a CEMIG no mesmo dia e eles foram lá, passadas algumas horas; que o pessoal da CEMIG foi até lá e viu o gado morto; Dada a palavra à(o) advogado(a) do(a) requerido(a), às suas perguntas respondeu : que o local dos fatos é área de pasto, onde havia 03 árvores, sendo que o gado estava debaixo destas árvores; que a aguada mais perto dali é uns 1000 metros; que perto daquele local há uns piquetes; que ali não é área de preservação ambiental; que quando adquiriu o imóvel já existia ali aquela rede de energia; que aquelas árvores já existiam naquele local, quando o depoente adquiriu aquela fazenda; que salvo engano, há outras árvores que ficam debaixo da rede da CEMIG, na sua fazenda; que não há na fazenda do depoente algum lugar onde haja uma mata densa debaixo da rede da CEMIG;….”

 

DEPOIMENTO DE MARCOS ESIO DA SILVA - ‘…..que esteve na fazenda do autor a pedido deste no dia dos fatos; que viu os animais mortos; que as fotos de fl.26/31 foram tiradas pelo depoente; que presta serviços veterinários ocasionais para o autor; que também presta serviços veterinários para outros fazendeiros da região; que há 20 anos que presta serviços para o autor da ação; que conhecia os animais que morreram e os seus ascendentes; que pelo grau de seleção genética dos animais que morreram acredita que os mesmos valeriam em torno de R$6.000,00 a R$7.000,00 por cabeça; que este valor refere-se a valores atuais, esclarecendo que não mudou muito o valor desde aquela data dos fatos; que o gado que morreu era gado leiteiro; que as 06 novilhas que morreram já estariam na data de hoje com duas crias; que as reses morreram por eletrocução por causa dos cabos da rede da CEMIG estavam , no dia dos fatos, baixados e encostadas na cerca de arame liso;…..”

 

DEPOIMENTO DE GILMAR ALOÍSIO VIEIRA - “….. que no dia dos fatos ocorreu uma tempestade muito forte no local e os ventos eram muito fortes; que o depoente escondeu-se com outras pessoas numa casinha até o temporal passar; que quando a chuva afinou então o depoente saiu da casinha e lá no local dos fatos viu a cena que está estampada nas fotos de fl. 26/31; que os galhos das árvores estavam quebrados e o cabo da rede da CEMIG estava caído; que o gado estava morto no chão; que o gado que morreu era de boa qualidade, os melhores do Sr. Alcimino; que eram gado selecionado, de “7/8”, da raça holandesa; que “7/8” é a apuração da raça holandesa; que é o grau máximo de apuração e tem a ver com a produtividade de leite; que o pessoal da CEMIG esteve no local dos fatos, mas o depoente não sabe dizer se foi no mesmo dia dos fatos ou no dia seguinte; que depois do acidente, o pessoal da CEMIG cortou os galhos das árvores onde passavam a rede de energia; Dada a palavra à(o) advogado(a) do(a) requerido(a), às suas perguntas respondeu : que há muitos anos que a árvore, cujos galhos se quebraram, estava naquele local; que há 12 anos que o depoente trabalha naquela fazenda e desde que ali chegou que tem conhecimento daquela árvore naquele local; ...”

 

Quanto à unilateralidade dos documentos veterinários apresentados, observo em primeiro lugar que dado o fato da morte dos animais, era impossível uma perícia direta para apurar o valor dos animais.

Em segundo lugar, a requerida, a par de invectivar a parcialidade de tais avaliações, não promoveu nenhuma diligência para fixar o verdadeiro valor dos animais.

Portanto, entendo como plausíveis as avaliações dos animais à fl.33, fixando o valor de cada animal em R$6.500,00.

Ex positis, julgo o mérito da presente ação, com base no art. 487, I do NCPC, para declarar totalmente procedente a pretensão do autor da ação e para condenar a requerida ao mesmo a quantia de R$45.500,00, corrigido pelos índices do TJMG desde a data deste arbitramento ( súmula nr. 362 STJ ) mais juros de mora à razão de 1% a m. desde a data do evento danoso ( súmula nr. 54 STJ ) que fixo como sendo a data em que ocorreu o acidente conforme mencionado no BO de fl.23/25.

Condeno a requerida nas custas e em honorários de sucumbência que fixo em 10% do valor atribuído à causa devidamente corrigido desde o ajuizamento da ação, mais juros de mora à razão de 1% a m. desde o trânsito em julgado.

P.R.INT.

Patrocínio-MG, 20 de abril de 2018.

 

Walney A Diniz

Juiz de Direito