COMARCA DE UBERLÂNDIA - MG.

 

 

6ª VARA CÍVEL

 

Autos n. 702.10.029074-2

 

S E N T E N Ç A

Vistos, etc.

 

ÉLISSON CARLOS CARVALHO e sua mulher NILCE ALVES CARVALHO, qualificados nos autos, ajuizaram a presente ação de OBRIGAÇÃO DE FAZER, com pedido de antecipação de tutela, c/c INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS, contra RODOBAN SEGURANÇA E TRANSPORTE DE VALORES LTDA, também qualificada, alegando, em resumo, que, no dia 30 de novembro de 2.009, por volta de 02:00 horas, foram acordados por ruídos estranhos no interior de sua residência, localizada na rua São Paulo, n. 240, bairro Brasil, nesta cidade de Uberlândia/MG, e, ao se levantarem, ficaram aterrorizados pelas trincas e rachaduras que estavam se formando nas paredes internas e nas esquadrias metálicas dos vitrais, que estavam se entortando e os vidros se estilhaçando, supondo que se tratava de tremor de terra.

 

Contudo, logo depois verificaram que os danos ao seu imóvel foram provocados pela obra vizinha, pelos caminhões e carros fortes da empresa demandada, apiloando o solo, sendo que as rachaduras que inicialmente eram insignificantes tomaram dimensões que prejudicam toda a estrutura de sua residência, havendo o risco de desabamento do imóvel, tudo consoante o levantamento feito pelo engenheiro particular Fábio Tomaz da Rocha.

 

Finalizam, dizendo que tentaram resolver o impasse junto à ré de forma consensual, porém, sem êxito, não lhes restando alternativa senão o ajuizamento da presente demanda para resguardar seus direitos.

 

Tecem considerações legais e doutrinárias sobre a matéria, especialmente sobre a responsabilidade civil, para requerer, inicialmente, a concessão de tutela antecipada para compelir a suplicada a pagar o aluguel de uma casa semelhante em que eles residem, preferencialmente no mesmo bairro, até que a empresa reforme toda a residência, de modo que o imóvel possa ser utilizado com imprescindível segurança, ou, na impossibilidade da reforma, a construção de outro imóvel de igual padrão, sob pena de multa diária.

 

Pedem, ainda, a condenação da ré no pagamento de indenização por danos morais, pelo medo que sofreram com a possibilidade de desmoronamento do imóvel, no importe sugerido de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

 

A inicial veio instruída com os documentos de fls. 20/100.

 

A antecipação de tutela foi indeferida pela decisão de fls. 102/103.

 

Em tempo hábil, a suplicada apresentou a defesa de fls. 115/126, impugnando, de forma pormenorizada, todas as alegações dos autores.

 

Assevera, inclusive, ser absolutamente inverídico o argumento de que as rachaduras foram provocadas por seus caminhões, pois estes não circulam pela área de aterramento próximo do imóvel dos suplicantes, que serve apenas para o estacionamento de veículos leves.

 

Diz, ainda, que a construção edificada em seu terreno, inclusive o aludido aterramento, foi feita mediante projeto arquitetônico e acompanhamento técnico adequado, tudo aprovado pela Prefeitura Municipal de Uberlândia/MG.

 

Alega que o local do aterramento foi bastante compactado e, posteriormente, pavimentado por asfalto, o que impede as “apiloações” referidas pelos autores.

 

Aduz, por outro lado, que os danos sofridos pelo imóvel dos suplicantes podem ter sido provocados pelo terreno baldio vizinho, de propriedade de terceiros, decorrente de infiltração por água empossada.

 

Impugnam, enfim, o pedido de reparação dos danos morais.

 

Requer, assim, a total improcedência da ação.

 

A contestação veio escoltada pelos documentos de fls. 127/215.

 

Réplica às fls. 217/227.

 

Despacho saneador às fls. 234.

 

Laudo pericial às fls. 277/304.

 

Manifestação das partes às fls. 308/315 e 316/319.

 

É o breve relatório.

 

D E C I D O.

 

A meu ver, a ação comporta julgamento antecipado, não havendo necessidade da produção de outras provas, senão aquelas que já foram jungidos aos autos pelas partes e pela perícia (art. 355, inc. I, do NCPC).

 

No que pertine ao mérito, entendo que pleito veiculado na inicial merece prosperar.

 

A uma, porque não há dúvida de que a residência dos suplicantes realmente sofreu sérios danos em sua estrutura física, especialmente nas paredes que se situam próximas da linha divisória do imóvel da empresa demandada.

 

Não há controvérsia entre as partes a esse respeito.

 

A duas, porque o laudo pericial revelou que os mencionados danos foram provocados pela obra e aterramento realizados pela ré, de onde se extrai o seguinte:

 

a) o evento “rachaduras” ocorreu em uma área bem próxima da divisa com o imóvel da requerida e em toda sua extensão e não ocorrendo na divisa com o lote vago (fls. 280);

 

b) nas fotos de fls. 64 e 65 é possível verificar que o aterro do imóvel da requerida encontra-se com alta umidade e as datas dos eventos estão dentro do período chuvoso na região;

 

c) as fotos 33 e 38 deste laudo mostram que a parede divisória do imóvel da requerida encontra-se “rente” à parede divisória do imóvel do autor. Em outras palavras pode-se dizer que o muro de arrimo da requerida está “colado” na parede divisória do autor;

 

d) no imóvel da requerida o aterro calculado no local é de somente 115 cm de altura, mas possivelmente não foi compactado, como pode ser visto pelo alto grau de umidade mencionado no item 5.2.2;

 

e) após a requerida ter erguido sua construção, veio o período chuvoso, com águas oriundas não do pátio da requerida e nem de águas que correm superficialmente como se presume. A origem dessas águas são as que penetram no solo nas partes mais altas da redondeza como é o caso da Avenida Afonso Pena;

 

f) somando-se ao item 5.2.4 não foi observado a existência de dreno, para que a água represada no aterro pudesse sair.

 

Em razão desses levantamentos, o Expert chegou à conclusão de que “houve uma FORÇA DINÂMICA, em um curto espaço de tempo, que rompeu a resistência do solo e das fundações, acarretando os estragos vistos nas fotos” (fls. 297).

 

Embora a ré tenha alegado em sua defesa que edificou sua construção, inclusive o aterro, dentro das normas técnicas, aprovadas pelo órgão municipal competente, não acostou aos autos nenhum projeto a esse respeito.

 

É bem verdade que os autores também não apresentaram seu projeto estrutural, nem mesmo ao perito (fls. 299), mas não se pode negar que os danos ocorreram apenas na extensão da linha divisória do imóvel da suplicada, o que, em princípio, afasta a alegação de precariedade da construção.

 

Nessas condições, apurada através da prova técnica, a responsabilidade da empresa demandada pelos danos causados à residência dos autores, o dever de repará-los é inarredável.

 

Como é cediço, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito e tem o dever de repará-lo (arts. 186 e 927 do CC).

 

Destarte, caracterizados os pressupostos da responsabilidade civil, demonstrada pela existência do ato ilícito, do dano e do nexo de causalidade, a condenação da ré é medida que se impõe.

 

Em caso semelhante, decidiu o Tribunal de Justiça do Espírito Santo:

 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE VIZINHANÇA. OBRIGAÇÃO DE FAZER E REPARAÇÃO CIVIL. PRESCRIÇÃO. PRAZOS DISTINTOS. ATERRO. RISCO DE DANOS EM TERRENO VIZINHO. DEMONSTRAÇÃO. REALIZAÇÃO DE OBRAS. NECESSIDADE COMPROVADA. RECURSO PROVIDO. 1. A prescrição da pretensão reparatória segue o prazo anotado no artigo 206, §3º, V do Código Civil. 2. A prescrição da pretensão de compelir alguém a fazer ou deixar de fazer, decorrente de direito de vizinhança segue o prazo geral do art. 205 do Código Civil. 3. Estando comprovados o risco de danos no imóvel vizinho e a necessidade de realização de obras destinadas a evita-los, deve o proprietário do terreno que coloca em risco o imóvel vizinho promovê-las com urgência. 4. Recurso parcialmente provido” (TJES; APL 0000582-73.2008.8.08.0049; Quarta Câmara Cível; Rel. Des. Samuel Meira Brasil Junior; Julg. 13/10/2014; DJES 22/10/2014).

 

No mesmo sentido:

 

APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO COMINATÓRIA. DIREITO DE VIZINHANÇA. MAU USO DO IMÓVEL. CONSTRUÇÃO DE CHURRASQUEIRA COM O TELHADO COM CAIMENTO PARA O MURO DO VIZINHO. INFILTRAÇÃO NO IMÓVEL VISINHO. CULPA. PROCEDÊNCIA. Constatado pelo perito que a causa principal da infiltração de água no imóvel vizinho, é a construção de uma churrasqueira com o telhado com caimento para o muro, deve o responsável ser condenado a proceder ao conserto. A multa cominatória é fixada para coagir o devedor a cumprir a obrigação, não ocasionando enriquecimento sem causa do credor. No caso de ter sido fixada em valor irrisório, esta deverá ser majorada. Os honorários advocatícios nas causas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação, devem ser fixados com base no artigo 20, § 4º do CPC” (TJMG; APCV 1.0024.10.158013-2/001; Rel. Des. Pedro Aleixo; Julg. 28/04/2016; DJEMG 06/05/2016).

 

Dos danos morais.

 

Não fazia parte da tradição do nosso direito indenizar materialmente o dano moral. No entanto, tal posicionamento restou superado pela atual Constituição Federal, em face da redação cristalina do inciso X, do art. 5º., que dispõe:

 

"São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

 

Sabe-se que "os danos morais podem ser das mais variadas espécies, apurando-se entre eles aqueles que dizem respeito à reputação, à segurança e tranqüilidade, à liberdade, aos sentimentos de qualquer espécie" (Min. Barros Monteiro, Rev. STJ 34/290).

 

É sabido que não se paga a dor, porque seria profundamente imoral que esse sentimento íntimo da pessoa pudesse ser tarifado em dinheiro. Mas, a prestação pecuniária tem, nessa hipótese, função meramente satisfativa, ou seja, dar à pessoa lesada uma satisfação que lhe é devida por uma sensação dolorosa que sofreu.

 

Segundo o insigne civilista Arnaldo Marmitt, são elementos integrantes do dano moral puro: "a) modificação para pior no estado da vítima; b) estado permanente e prolongado da alteração advindo do efeito danoso; c) causação de um dano moral ao lesado, consistente em humilhação, tristeza, prostração, constrangimento, enfim, uma diminuição no estado de espírito e felicidade, em conseqüência da lesão" ("Perdas e Danos", Aíde Editora, pág. 15).

 

Uma vez incontroversa a existência do dano e admitida a sua responsabilidade, decorre daí o dever de indenizar por aquele que molesta a parte afetiva do patrimônio moral.

 

No caso em comento, não há dúvida de que os estragos ocasionados à residência dos autores, principalmente pela extensão das rachaduras e pelo tempo decorrido, acarretaram-lhes, além dos prejuízos materiais, evidente sensação de insegurança, aflição, intranquilidade, medo, devendo ser indenizados também pelos danos imateriais.

 

Sobre o tema, trago à colação os seguintes julgados:

 

APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS E MATERIAIS. CONSTRUÇÃO DE PRÉDIO EM IMÓVEL VIZINHO. SURGIMENTO DE AVARIAS. PERÍCIA. LAUDO CONSTATANDO NEXO DE CAUSALIDADE. DANO MORAL. DIREITO DA PERSONALIDADE. INTEGRIDADE FÍSICA. VIOLAÇÃO. DANO MORAL. 1. Aquele que comete ato ilícito tem o dever de reparar os danos morais e materiais causados a outrem (cc. Art. 186 c/c 927). O dano material é aquele que atinge o patrimônio da vítima, podendo ser mensurado financeiramente e indenizado. O dano moral caracteriza-se como a ofensa ou violação dos bens de ordem moral de uma pessoa, tais sejam o que se referem à dignidade da pessoa humana e à sua saúde (mental ou física). 2. O construtor de prédio vertical tem o dever de adotar todas as medidas necessárias para evitar danos aos imóveis vizinhos. Laudo pericial que atesta não adoção das medidas cabíveis e a existência de danos materiais, motivos suficientes a ensejar o dever de arcar com o pagamento de indenização por danos patrimoniais. 3. Há violação a direito da personalidade, quando o construtor não utiliza os meios necessários para salvaguardar a integridade física dos ocupantes de residência vizinha. 4. Apelação não provida” (TJAM; AC 0210183-75.2011.8.04.0001; Primeira Câmara Cível; Rel. Des. Yêdo Simões de Oliveira; DJAM 23/09/2014; Pág. 35).

 

DIREITO DE VIZINHANÇA. DANOS AO PRÉDIO VIZINHO. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL E MATERIAL. CABIMENTO. Os danos causados ao prédio lindeiro, originados em ato ou fato do vizinho, devem ser indenizados para recomposição do patrimônio na forma anterior, considerando-se inclusive os danos morais advindos dor e ansiedade causada pela ruína de parte da edificação original, evitando-se todavia, enriquecimento indevido do credor” (TACSP 2; Ap. c/Rev. 867.444-00/9; Sétima Câmara; Relª Desª Regina Capistrano; Julg. 22/02/2005).

 

Do quantum indenizatório.

 

Considerando a intensidade da culpa da ré, em grau médio, e o tempo que vem perdurando os danos sofridos pelos autores;

 

Tendo em vista que a indenização por danos morais tem por fim coibir a reincidência do agente que, ao ter um desfalque no seu patrimônio como forma de penalização de uma conduta repudiada pela ordem jurídica, refletirá melhor sobre a sua atuação na sociedade;

 

Considerando que a indenização por dano moral não pode levar à riqueza a vítima nem à ruína o seu ofensor, mas refletir, sob o equacionamento do órgão Julgador, a extensão da lesão e a suportabilidade da reparação.

 

Considerando, ainda, a situação econômica das partes, principalmente da ré (empresa de grande porte econômico), julgo razoável arbitrar o montante da indenização em R$ 35.200,00 (trinta e cinco mil e duzentos reais).

 

Por esses fundamentos, e pelo que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a presente ação para impor à ré obrigação de fazer, consistente na reforma da residência dos autores, especificamente onde ocorreram os estragos, ou, caso esta não seja possível, que sejam reconstruídas as partes danificadas, apresentando em juízo laudo firmado por engenheiro civil responsável, atestando que a obra não oferece mais riscos aos moradores, tudo no prazo de 90 (noventa) dias do trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia.

 

Imponho-lhe, ainda, a obrigação de pagar o valor do aluguel de um imóvel residencial semelhante à casa dos autores, preferencialmente no mesmo bairro, enquanto durar as obras, conforme se apurar em liquidação de sentença.

 

Condeno-a, por outro lado, na reparação dos danos morais, no importe de R$ 35.200,00 (trinta e cinco mil e duzentos reais), corrigidos monetariamente pela Tabela da Corregedoria Geral de Justiça de Minas Gerais, a partir da presente data, e acrescidos de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação.

 

Condeno-a, por fim, no pagamento das custas processuais e dos honorários de sucumbência, que arbitro em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.

 

P . R . I .

 

Uberlândia, 21 de setembro de 2016.

 

 

 

Abenias César de Oliveira

  1. Juiz de Direito – 6ª Vara Cível