COMARCA DE BELO HORIZONTE

 

SENTENÇA

 

Vistos etc.

 

O SINDICATO DOS SERVIDORES DA JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS – SERJUSMIG, impetrou MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO, com pedido de liminar, contra ato do GERENTE DA GERÊNCIA DE PROVIMENTO/COORDENAÇÃO DE PROCESSAMENTO DE PAGAMENTOS DE SERVIDORES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS, noticiando que, em meados do mês de agosto de 2014, a autoridade coatora expediu diversos ofícios, direcionados à ex-servidores que se aposentaram com proventos proporcionais e com paridade, aduzindo acerca dos valores percebidos a título do abono mensal instituído pela Lei Estadual nº 20.715/2013. Informou que, de acordo com a autoridade ora impetrada, os referidos ex-servidores perceberiam valor acima do que seria realmente devido, sendo que a autoridade coatora pretende criar um percentual do mencionado abono mensal e atrelar tal percentual à própria proporcionalidade dos proventos de aposentadoria percebidos pelo ex-servidor aposentado, o que foge, por completo, ao comando legal aplicável à matéria. Requereu, preliminarmente, o deferimento da medida liminar, para que sejam suspensos os efeitos do ato coator, que passou a estabelecer nova metodologia de cálculo e novos valores a serem pagos aos servidores aposentados com paridade e proventos proporcionais, a título de abono mensal, instituído pela Lei Estadual 20.715/2013. Pugnou, no mérito, pela concessão, em definitivo, da segurança, para invalidar, com feitos “ex tunc”, o ato coator consubstanciado nos ofícios enviados, a fim de assegurar aos substituídos, o direito de continuarem a perceber o referido abono mensal, na forma como dispôs o citado art. 2°, da lei de regência. Requereu, ainda, que seja concedida em definitivo a segurança, expedindo-se ordem mandamental para determinar que a autoridade coatora se abstenha de editar qualquer ato administrativo que venha a instituir novos critérios de metodologia de cálculo dos valores pagos a título de abono mensal.

Foi postergada a apreciação do pedido de liminar, conforme despacho de fls. 80.

A Autoridade Coatora prestou informações às fls. 87, tendo juntado os documentos de fls. 88/102.

A parte impetrante se manifestou às fls. 106/108.

Indeferida a liminar às fls. 109/110v.

A parte Impetrante interpôs Agravo de Instrumento às fls. 111/123, o qual fora negado provimento às fls. 129/134.

O Ministério Público manifestou-se às fls. 135/139, opinando pela concessão da segurança.

Os autos vieram conclusos.

 

Fundamentação

 

Inicialmente, ressalte-se que, a despeito da previsão contida no art. 12 do CPC/2015, segundo a qual os juízes deverão, preferencialmente, obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir a sentença, por se tratar de julgamento de processos com objeto e teses semelhantes, em respeito ao princípio da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF/88 e art. 5º do CPC/2015), da eficiência (art. 37 da CF/88 e art. 8º do CPC/2015) e, visando à ampliar a prestação jurisdicional, esta regra será excepcionada no caso em tela.

Cumpre frisar, ainda, que, nos termos do Enunciado nº 07 do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, serão apreciados somente os argumentos feitos pelas partes que são relevantes e pertinentes ao deslinde do feito.

O Mandado de Segurança é o meio constitucional colocado à disposição da parte para se proteger, suspendendo e/ou anulando ato de autoridade pública, qualquer que seja sua esfera de atuação, não atacável por habeas corpus, que ofenda seu direito líquido e certo, mediante prova pré constituída.

Compete ressaltar que ao Judiciário é permitido verificar a regularidade do processo, a legalidade do ato administrativo. Isto sem tolher o discricionarismo da Administração quanto à sua conveniência e oportunidade, sob pena de invasão de Poderes. Somente quando constatada irregularidade contrária ao próprio ordenamento jurídico é cabível a intervenção do Poder Judiciário nos atos praticados pela Administração.

O ponto central da questão posta sob apreciação do Judiciário, consiste em decidir se houve ilegalidade, ou não, no ato administrativo, que editou os critérios de metodologia de cálculo dos valores pagos a título de abono mensal, instituídos pelo art. 2°, da Lei Estadual 20.715/2013.

Alega a parte impetrante que a autoridade coatora passou, indevidamente, a estabelecer nova metodologia de cálculo e novos valores a serem pagos aos ex-servidores aposentados com paridade e com proventos proporcionais, a título de abono mensal, instituído pela Lei Estadual 20.715/2013.

Dispõe o art. 2º da referida Lei estadual o seguinte:

 

Art. 2º Fica assegurado aos servidores do Poder Judiciário, a partir de 1° de agosto de 2013, abono mensal no valor de R$130,00 (cento e trinta reais).

§ 1º O abono a que se refere o caput não constituirá base para o cálculo de nenhuma vantagem remuneratória, salvo a gratificação natalina e o adicional de férias.

§ 2º O valor do abono a que se refere o caput será reajustado, a partir do ano de 2014, com vigência e percentual idênticos aos que forem estabelecidos para a revisão anual.

 

Nesse passo, a Autoridade Coatora sustenta ser o abono mensal componente da remuneração, enquanto a Impetrante alega que houve violação aos princípios constitucionais da legalidade e reserva material de lei.

Diante da necessidade de encontrar-se uma definição adequada para o termo remuneração, deve-se atrelar à doutrina e a jurisprudência, como fontes supletivas do Direito Administrativo, aptas a, validamente, tratar da interpretação das normas legais, e propor definições aos termos de que a lei não se ocupou por completo.

Sobre a distinção entre remuneração e vencimento, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:

 

Vencimento é a retribuição pecuniária fixada em lei pelo exercício de cargo público (art 40 da Lei 8.112). O valor previsto como correspondente aos distintos cargos é indicado pelo respectivo padrão. O vencimento do cargo mais as vantagens pecuniárias permanentes instituídas por lei constituem a remuneração (art. 41) (Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 277).

 

No mesmo diapasão, ensina Zanella Di Pietro:

 

... Vencimento é a retribuição pecuniária pelo efetivo exercício do cargo, correspondente ao padrão fixado em lei (art. 40 da Lei 8.112/90) e remuneração é o vencimento e mais as vantagens pecuniárias atribuídas em lei (art. 41).

 

Com relação às vantagens pecuniárias, Hely Lopes Meirelles (1989:400) faz uma classificação que já se tornou clássica. Para ele, "vantagens pecuniárias são acréscimos de estipêndio do funcionário, concedidas a título definitivo ou transitório, pela decorrência do tempo de serviço (ex facto temporis), ou pelo desempenho de funções especiais (ex facto officii), ou em razão das condições anormais em que se realiza o serviço (propter laborem), ou, finalmente, em razão de condições pessoais do servidor (propter personam). As duas primeiras espécies constituem os adicionais (adicionais de vencimento e adicionais de função), as duas últimas formam a categoria das gratificações de serviço e gratificações pessoais" (Direito administrativo. 15. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 492-493).

Patente, portanto, que o referido abono está compreendido no conceito doutrinário e jurisprudencial de remuneração e deve, por isso, sofrer todos os parâmetros que tenham por referência a remuneração.

Dito isso, cumpre destacar o art. 3°, da Lei Estadual 20.715/2013, que dispõe:

Art. 3º O disposto nesta Lei não se aplica:

 

I – ao servidor inativo cujos proventos tenham sido calculados nos termos dos §§ 3° e 17 do art. 40 da Constituição da República e sejam reajustados na forma prevista no § 8° do mesmo artigo;

 

II – ao servidor de que trata o art. 9° da Lei Complementar n° 100, de 5 de novembro de 2007.”

 

Como sabido, um dos pilares fundamentais do Direito Administrativo reside no princípio da legalidade estrita, que impõe ao administrador a obrigatoriedade de atuar nos exatos parâmetros estabelecidos pela lei. De tal princípio, decorre a presunção de legitimidade dos atos administrativos, que se presumem legais, até que desconstituídos por prova em contrário.

Sendo assim, verifica-se que o art. 2º da Lei Estadual 20.715/2013, que prevê o pagamento do abono mensal no valor de R$ 130,00 (cento e trinta reais), não se aplica ao servidor aposentado com proventos proporcionais, nos termos do art. 3º da mesma Lei, sendo certo, também que, por possuir natureza remuneratória, é devido o pagamento proporcional do mesmo, conforme acima explicado.

Desta feita, não há que se falar em ilegalidade de qualquer ato que determine seu pagamento proporcional, nos termos da lei.

Lado outro, é cediço que à Administração Pública, em virtude do princípio da autotutela administrativa, no exercício cotidiano de suas funções, está autorizada a anular ou revogar seus próprios atos, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, quando tais atos são contrários à lei ou aos interesses públicos.

Assim, prevê a Lei n° 9.784:

 

Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.

 

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

 

Desta forma, não há que se falar em decadência do direito de autotutela já que a Administração Pública iniciou o processo de revisão em agosto de 2014, dentro do prazo quinquenal e observando a regularidade do trâmite.

Nesse sentido, é entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVAS - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - SERVIDOR PÚBLICO - MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE - PROGRESSÃO NA CARREIRA EM VIRTUDE DE CONCLUSÃO DE CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO - CERTIFICADO EXPEDIDO PELA FIJ - REVISÃO DO ATO QUE CONCEDEU A PROGRESSÃO - PRAZO DECADENCIAL PARA EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA PELA ADMINISTRAÇÃO - LEI ESTADUAL Nº 14.184/02 - PROCESSO ADMINISTRATIVO INICIADO ANTES DO TÉRMINO DO PRAZO DE CINCO ANOS - DECADÊNCIA - NÃO CONFIGURAÇÃO - CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS CONSTANTES DA LEI MUNICIPAL Nº 7.969/00 E DO DECRETO MUNICIPAL Nº 10.239/00 - NÃO DESCONSTITUIÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALIZAÇÃO - PROGRESSÃO MANTIDA - DIREITO ADMINISTRATIVO - DIREITO PROCESSUAL CIVIL - CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA - JUROS DE MORA - ÍNDICES OFICIAIS DE REMUNERAÇÃO BÁSICA APLICADOS À CADERNETA DE POUPANÇA - CORREÇÃO MONETÁRIA - IPCA.

- O silêncio da parte acerca de determinada prova durante o prazo para especificá-la deve ser interpretado como renúncia ao direito de produzi-la, não obstante a existência de requerimento na petição inicial ou na contestação (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1176094/RS).

- A Lei Estadual nº 14.184/02 prevê prazo decadencial de 05 (cinco) anos para a Administração exercer o dever de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, considerando exercido esse dever mediante a adoção de medida que importe na discordância quanto ao ato a ser anulado.

- Iniciado o competente procedimento administrativo antes de escoado o prazo previsto no art. 65 da Lei 14.184/02, impõe-se reconhecer a não configuração da decadência.

- Cumpridos os requisitos mínimos aludidos pela Lei Municipal nº 7.969/2000 e pelo Decreto Municipal nº 10.239/2000, e concedida a progressão funcional à servidora, é devida a sua manutenção no nível/cargo ocupado em razão da progressão, tanto mais que o ente público não logrou desconstituir o certificado de conclusão do curso.

- De acordo com entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de Recurso Especial submetido ao rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil, nas condenações impostas à Fazenda Pública, a correção monetária deve ser calculada com base no IPCA, enquanto os juros de mora devem observar os índices oficiais de remuneração básica aplicados à caderneta de poupança.

V.V.P.

 

Logo, há de se entender, que o ato coator não se mostra eivado de ilegalidade, razão pela qual decide-se pela denegação da segurança pretendida pela Parte Impetrante.

 

Conclusão

 

POSTO ISSO, nos moldes da Lei n° 12.016/09, denego a segurança pleiteada por SINDICATO DOS SERVIDORES DA JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - SERJUSMIG, contra ato do GERENTE DA GERÊNCIA DE PROVIMENTO/COORDENAÇÃO DE PROCESSAMENTO DE PAGAMENTOS DE SERVIDORES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS, impondo à Parte Impetrante o pagamento das custas processuais.

P.R.I

Belo Horizonte, 08 de setembro de 2016.

 

 

Adriano de Mesquita Carneiro

Juiz de Direito

5ª Vara de Fazenda Pública e Autarquias

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CERTIDÃO

Certifico e dou fé que o Diário do Judiciário publicou a decisão em ___/___/___

A Escrivã,_________________________