14ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE BELO HORIZONTE/MG

 

PROCESSO N.° 0024.13.403.058-4

 

AUTORA: ANDREA TOZATO ZANANDREA – ME

RÉ: SOFCON – SOCIEDADE FRANCHISING E CONSULTORIA LTDA

 

 

SENTENÇA

 

Vistos.

 

I. RELATÓRIO

 

ANDREA TOZATO ZANANDREA – ME ajuizou a presente “ação de rescisão contratual c/c indenização por perdas e danos e c/c pedido de tutela antecipada” contra SOFCON – SOCIEDADE FRANCHISING E CONSULTORIA LTDA., qualificados, afirmando, em síntese, que celebrou contrato de franquia em agosto/2006, exercendo, desde então, atividade empresarial com a licença da marca de comércio “L'acqua Di Fiori”. Declarou que desde de janeiro/2013 o pacto vem sendo reiteradamente descumprido pela Ré, destacando-se, dentre as condutas indevidas, o atraso na entrega dos produtos destinados ao comércio no seu estabelecimento e o envio incompleto de encomendas. Relatou que, embora as mercadorias não lhe tenham sido completamente entregues, realizou o pagamento integral dos títulos que representavam a obrigação. Aduziu que a ausência de produtos prejudicou os negócios, impossibilitando o pagamento de algumas dívidas, acarretando a inscrição do seu nome nos órgãos de proteção ao crédito. Afirmou que tentou resolver o problema administrativamente, no entanto, não obteve êxito. Aduziu que tal fato lhe causou diversos prejuízos. Teceu considerações acerca dos danos materiais e morais sofridos. Pugnou, em sede de tutela antecipada, a suspensão imediata do contrato firmado e, também, a autorização para comercialização de outros produtos. Pleiteou, ao final, a rescisão do pacto, o cancelamento dos protestos realizados, o recebimento de indenização por danos morais e materiais. Requereu, ainda, a aplicação do CDC ao caso, a inversão do ônus da prova e os benefícios da justiça gratuita. Com a inicial vieram procuração e documentos às f. 25/102.

 

Justiça gratuita deferida à f. 116.

 

Devidamente citada (f. 118), a Ré apresentou defesa às f. 120/129, sustentando, em resumo, que não deixou de cumprir qualquer obrigação oriunda do contrato, sendo, portanto, destituído de fundamento verídico os acontecimentos relatados na peça vestibular. Destacou que a Autora não se desincumbiu do ônus de comprovar os fatos constitutivos do seu direito, afirmando, ainda, que não há que se falar em inversão do ônus da prova. Aduziu que os danos morais não restaram configurados no caso. Impugnou o pedido de danos materiais, argumentando, para tanto, que algumas despesas são contemporâneas à data do suposto início da inadimplência.

Impugnação às f. 135/139.

 

Intimadas para especificarem provas (f. 140), a parte Ré requereu o depoimento pessoal da Autora e a produção de prova testemunhal (f. 141), enquanto a parte Autora pugnou pela realização de prova testemunhal (f. 148).

 

Termo de audiência de instrução e julgamento e de depoimento pessoal da Autora às f. 167 e 168.

 

Foram ouvidas testemunhas por meio de carta precatória, conforme documentos de f. 196/194 e CD-ROM anexado à f. 216.

 

Memoriais da Autora às f. 237/243 e da Ré às f. 244/249.

 

É o relatório. Decido.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

O processo encontra-se em ordem, não há nulidades a serem sanadas de ofício, presentes os pressupostos processuais e as condições da ação. Frise-se, por oportuno, que todas as provas já foram produzidas. Com essas considerações, passo ao exame do mérito.

 

Antes de analisar o eventual descumprimento contratual, convém examinar, primeiramente, a controvérsia que recai sobre a viabilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao presente caso.

 

Entendo que a relação jurídica travada entre as partes não se caracteriza como de consumo, sendo, ao revés, regida pela Lei n.º 8.955/94, uma vez que os contraentes não se encaixam no conceito de fornecedor e consumidor previstos nos arts. 2º e 3º da Lei nº 8.078/1990.

 

Em outras palavras, a franqueada não se apresenta como destinatária econômica final dos produtos e serviços oferecidos pela franqueadora, sendo consumidores apenas aqueles que os adquirem.

Feitas tais considerações iniciais, oportuno verificar se os pleitos autorais merecem guarida por este juízo, apurando, para tanto, a existência de inadimplemento e os direitos que dele decorrem.

 

Compulsando os autos, observo que a Ré descumpriu o seu dever de fornecer os produtos destinados ao comércio no estabelecimento franqueado da Autora, impossibilitando que ela cumprisse com o estabelecido nas cláusulas “3.6”, “3.11” e 5.1” (f. 31 e 38).

 

Com efeito, a ausência de entrega das mercadorias restou amplamente demonstrada pelas provas produzidas, destacando-se, dentre elas, o comunicado enviado por e-mail datado de 17/06/2013 (f. 69) em que foi declarado expressamente pelo diretor da Ré, Sr. Leopoldo Mesquita, que “estamos trabalhando para montar um plano de trabalho para que vocês não tenham prejuízo nem aborrecimentos com os transtornos causados pela falta de produtos nestes últimos meses” e, igualmente, o e-mail datado de 21/11/2013 (f. 95/98).

 

Além disso, corrobora esta constatação o comunicado de f. 101/102 e a ata da reunião realizada em 01/08/2013 (f. 70/79), em que por várias ocasiões o assunto foi objeto de pauta.

 

Assim, considerando o descumprimento das estipulações estabelecidas no ajuste, deve o contrato ser rescindido, de pleno direito, nos moldes previstos na cláusula oitava itens “8.1” e “8.2” (f. 33 e 34).

 

No que tange aos danos pleiteados, entendo que não é possível a cumulação da cláusula penal com o pedido de recebimento dos danos materiais descritos na peça vestibular (item d.4), ainda que comprovada a inadimplência da Ré, se assim não foi convencionado (art. 410 e 416, parágrafo único, ambos do Código Civil).

 

Embora exista previsão de cláusula penal, acredito que ela não deve ser aplicada, visto que acarretaria prejuízos aos interesses da Autora, considerando que sua base de cálculo é o faturamento da Ré e, ainda, que o motivo da rescisão é exatamente a redução da capacidade de vendas e aferição de lucros oriunda da falta de produtos.

 

Por óbvio, se os franqueados auferiram menos ganhos em virtude da insuficiência de produtos fornecidos, a franqueadora também os tem diminuídos, já que aufere porcentagem sobre eles, estando tais fatos, portanto, intimamente ligados.

 

Relativamente aos pedidos de recebimento de indenização da quantia desembolsada para a realização de financiamento (R$ 142.845,53), dos gastos com aluguel mensal (R$ 33.600,00) e compra do ponto comercial (R$ 50.000,00), merecem prosperar.

 

Isso porque a ausência de suporte da Ré/franqueadora para o desenvolvimento das atividades da Autora prejudicou seus negócios, sendo a causa do insucesso empresarial amargado. Vale ressaltar, por oportuno, que não há que se falar em risco proveniente do empreendimento, dado que não se trata de fator externo ao negócio, isto é, oriundo de fato alheio fora do domínio e responsabilidade de um dos contraentes.

 

No que toca ao pleito referente a multa pela rescisão antecipada do contrato de locação no importe de R$ 18.000,00, a improcedência é medida que se impõe. Verifico que inexiste comprovação do desembolso dessa quantia, tendo a Autora na impugnação de f. 135/139 se limitado apenas a informar sua saída do imóvel, sem contudo, demonstrar o adimplemento e/ou cobrança do montante.

 

Ainda, merece ser rechaçado, o requerimento de pagamento de R$ 100.000,00 a título de lucros cessantes, porquanto não cuidou a Autora em trazer aos autos provas aptar a comprovar a veracidade de suas alegações, não sendo os documentos de f. 84/85 hábeis a demonstrar eficazmente o faturamento do comércio, exigindo a lei, dentre outras formas, escrituração em livro próprio, por exemplo.

 

No que diz respeito a solicitação para desconstituição do protesto dos títulos (f. 81/83), a meu ver, deve ser indeferida, pois foram realizados por credores estranhos às partes envolvidas neste litígio.

 

Por fim, tenho para mim que os aborrecimentos vivenciados pela Autora ultrapassam o mero dissabor da vida cotidiana, razão pela qual faz jus ao direito de receber R$ 30.000,00, como forma de compensação pelos danos morais sofridos.

 

III. DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais para:

 

a) declarar rescindido o contrato de franquia;

 

b) condenar a Ré ao pagamento de R$ 142.845,53, R$ 33.600,00, 50.000,00 a título de indenização por danos materiais, atualizados pelos índices da Corregedoria de Justiça desde a data de cada desembolso e acrescido de juros de 1% ao mês a partir da citação;

 

c) condenar a Ré a pagar a Autora a quantia de R$30.000,00 (trinta mil reais) a título de danos morais, corrigida monetariamente a partir da presente data (súmula 362 do STJ), com base na tabela divulgada pela E. Corregedoria de Justiça, e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, estes a partir do trânsito em julgado.

 

Considerando a sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como aos honorários advocatícios no importe de 10% sobre o valor da condenação, nos moldes do art. 85/CPC.

 

A Ré arcará com 50% da condenação e a Autora com os 50% restantes, vedada a compensação.

 

Suspensa a exigibilidade em relação a Autora em razão dos benefícios da justiça gratuita (artigo 98, §§2º e 3º do NCPC).

 

P.R.I.C.

 

Belo Horizonte, 02 de setembro de 2016.

 

MARCO AURÉLIO FERRARA MARCOLINO

Juiz de Direito da 14ª Vara Cível