COMARCA DE BELO HORIZONTE

15ª VARA CÍVEL

 

Autor: Hélio Humberto Calcagno Neto

Aline Barroso Mourão Calcagno

Réu: Habitare Construtora e Incorporadora S.A.

Natureza: Ordinária

Processo nº: 0024.12.328.233-7

Sentença

 

 

Vistos etc.

 

 

HÉLIO HUMBERTO CALCAGNO NETO e ALINE BARROSO MOURÃO CALCAGNO ajuizaram a presente Ação de Indenização em desfavor de HABITARE CONSTRUTORA E INCORPORADORA S.A., alegando, em síntese, que celebraram com a ré, em 21 de novembro de 2006, um contrato de promessa de compra e venda, cujo objeto seria a aquisição de um apartamento. Afirmam que o prazo para entrega do imóvel era 30 de julho de 2010, contudo, tal prazo foi adiado, fazendo com que os autores permanecessem mais tempo do que o esperado morando de favor. Aduzem que o imóvel só lhes foi entregue em 08 de maio de 2012. Ao final, pugnam pela condenação da ré ao pagamento da multa contratual pelo atraso, bem como indenização por danos morais. Juntaram os documentos de fls. 11/76.

 

Devidamente citada, a ré apresentou contestação às fls. 86/105, afirmando que o real prazo para entrega do imóvel seria até o dia 23/01/2011, pois no contrato firmado havia um prazo de tolerância de 120 (cento e vinte) dias para a liberação. Afirma também que os próprios autores solicitaram modificações no imóvel, o que, conforme estabelecido contratualmente, prorrogou o prazo final para a entrega para o dia 23/04/2011. Aduz a ocorrência de caso fortuito em decorrência da alteração das condições climáticas, o que impossibilitou a entrega do imóvel no interregno inicialmente avençado. Alega também a impossibilidade de sua condenação ao pagamento da multa contratual, porquanto já houve ampla e total quitação do imóvel. Por fim, requer a improcedência do pedido com a condenação dos autores aos ônus sucumbenciais. Anexou os documentos de fls.106/158.

 

Decretada revelia da parte ré às fls.159.

 

Agravo retido às fls.171/172 e contraminuta às fls.174/176.

 

Nesta data vieram-me os autos conclusos.

 

É o relatório.

 

DECIDO.

 

À míngua de preliminares, passo ao exame do mérito.

 

A presente ação tem como escopo o ressarcimento por danos morais e materiais sofridos pelos autores por não ter sido cumprido o contrato de promessa de compra e venda de imóvel firmado com a ré no prazo avençado.

 

Verifica-se decretada a revelia da parte ré em despacho de fls.159, razão pela qual serão presumidos verdadeiros os fatos alegados pelos requerentes, conforme disposto no art. 344 do CPC.

 

A incidência dos efeitos da revelia, contudo, não afasta o dever dos autores de trazerem elementos suficientemente hábeis a provocar no julgador a credibilidade e verossimilhança de seus argumentos, de modo que a simples ausência de contestação não é suficiente para levar à procedência dos pedidos iniciais.

 

Depreende-se do processado que a previsão da entrega do imóvel foi acordada para julho de 2010, conforme documento de fl.15. Não obstante, no instrumento contratual acostado aos autos, em sua cláusula sexta, verifica-se expressamente a ressalva de possibilidade de postergação de tal data.

 

Assim, considerando os termos contratuais, verifica-se que o prazo final para entrega da obra deveria se dar em 23/01/2011.

 

Por outro lado, depreende-se de documento de fl. 112 que os requerentes solicitaram a modificação da unidade financiada, o que, conforme expresso no contrato, permitiu a prorrogação da estimativa de término das obras por mais 90 (noventa) dias.

 

Sendo assim, tal modificação prorrogou o termo final da entrega para a data de 23/04/2011.

 

Ressalte-se que não se mostram abusivas tais cláusulas de prorrogação, porquanto aceitaram os autores os termos do contrato, tendo, portanto, prévio conhecimento sobre a possibilidade de prorrogação do prazo de entrega do imóvel. Ademais, não há que se falar abusividade mormente porque não se vislumbra exorbitância nos prazos estipulados.

 

Sendo assim, considerando que o imóvel somente foi entregue aos autores em 08/05/2012, o atraso da construtora perfaz em 13 meses.

 

No que concerne aos danos materiais, requerem os autores o pagamento da multa contratual pelo atraso na entrega por culpa da ré, equivalente a 0,5% sobre o valor total pago pelos autores na compra.

 

Nesse tocante, a multa pleiteada é a contida no PARÁGRAFO QUARTO da CLÁUSULA SEXTA, que trata dos prazos e condições de entrega:

 

caso a unidade transacionada não seja entregue nos prazos previstos, ressalvadas as disposições do caput e parágrafos anteriores, a incorporadora pagará ao condômino, a título de indenização, 0,5% (meio por cento) sobre o valor pago, mensalmente, até que a entrega se concretize.”

 

Sendo assim, perfeitamente cabível a multa contratual mencionada no caso vertente.

 

Além disso, comprovado o atraso na entrega do imóvel, requerem os autores o reembolso das despesas com moradia nesse período. Quanto a esse pedido, considero que deve prosperar, já que, configurado o atraso da ré na entrega do imóvel, esta tem o dever de ressarcir os autores por todo prejuízo gerado, inclusive os gastos com a manutenção do imóvel emprestado em razão do atraso. Segue jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais nesse mesmo sentido:

 

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL RESIDENCIAL - INADIMPLÊNCIA DA CONSTRUTORA - MULTA POR ATRASO - DANOS MATERIAIS - GASTOS COM ALUGUÉIS COMPROVADOS - FRUSTRAÇÃO NA AQUISIÇÃO DA CASA PRÓPRIA - DANOS MORAIS - CONFIGURAÇÃO. I- É incontroversa a culpa da construtora pelo atraso na entrega do imóvel na data estipulada no contrato, não havendo nos autos elementos que demonstrem a configuração de qualquer outra hipótese ou circunstância que tenha ensejado a mudança do prazo estipulado. II- Comprovados os danos materiais advindos do inadimplemento contratual (despesas com aluguel) deve o prejuízo ser ressarcido. III- A multa contratual também deve ser imposta à promitente vendedora, calculada na forma como estipulada, levando-se em consideração a prorrogação do prazo para a entrega do imóvel, na fixação do termo a quo de sua incidência. IV- Impõe-se o pagamento de indenização por danos morais, a fim de se minimizar a lesão imaterial sofrida pelos consumidores, não pelo simples inadimplemento contratual por parte da construtora, mas por ter frustrado suas expectativas de adquirir sua casa própria, à vista de casamento já marcado. V- Em se tratando de danos morais, a correção monetária e os juros de mora são devidos a partir do provimento que estipula a indenização, já considerada atualizada naquela data, mesmo porque até então não se tinha idéia de qual valor seria devido, para que sobre ele incidissem aqueles consectários legais. (negrito nosso)

 

Por fim, quanto aos danos morais, é cediço que para que se tenha a obrigação de indenizar, é necessário que existam três elementos essenciais: a ofensa a uma norma preexistente ou um erro de conduta; um dano; e o nexo de causalidade entre uma e outra, conforme se verifica pelo artigo 186 do Código Civil.

 

Sendo assim, as lesões sofridas que atingem os aspectos da personalidade, em razão de investidas injustas de outrem, isto é, que atingem a moralidade e a afetividade da pessoa, causando-lhes constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas são danos morais passíveis de indenização.

 

Os danos morais atingem, pois, as esferas íntimas e valorativas do lesado, enquanto os materiais constituem reflexos negativos no patrimônio alheio.

 

No tocante ao dano, é certo que o descumprimento contratual, por si só, não tem o condão de ensejar o dever de indenizar.

 

No entanto, conforme já narrado, o caso em questão não se trata de um mero atraso tolerável na entrega do imóvel, mas sim de um ilícito contratual, ensejador de dano moral, uma vez que o imóvel foi entregue com atraso injustificado de pelo menos 13 (treze) meses.

 

Logo, não há dúvida de que os desgastes emocionais sofridos pelos autores ultrapassam aqueles dissabores decorrentes de um mero inadimplemento contratual, devendo a ré ser responsabilizada pelos danos ocasionados.

Tal entendimento não destoa da jurisprudência, consoante ementas a seguir transcritas:

 

EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAISATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL.DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. VALORES DESPENDIDOS COM ALUGUÉIS APÓS O PRAZO DE ENTREGA. REEMBOLSO DEVIDO. ÕNUS SUCUMBENCIAIS. DISTRIBUIÇÃO PROPORCIONAL. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. OBSERVÂNCIA AO ART. 20, §4º, DO CPC. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS NÃO PROVIDOS. 
- Constada a mora da construtora mesmo levando em consideração o prazo de tolerância contratualmente previsto, tem-se por indiscutível o
dano moral causado ao comprador ante a frustrada expectativa do Requerente em obter a casa própria. 
- Deve ser mantido o quantum indenizatório fixado a título de 
dano moral se arbitrado com observância da natureza e da intensidade dodano, da repercussão no meio social, da conduta do ofensor, bem como da capacidade econômica das partes envolvidas. 
- Comprovado o 
atraso na entrega do imóvel e o pagamento de aluguéis pelo comprador em decorrência do retardo, deve a construtora reembolsar os valores despendidos a tal título. 
- A condenação em honorários e despesas deve ser proporcional ao que cada parte teve como perda na causa. 
- O arbitramento dos honorários advocatícios deve ser feito mediante apreciação equitativa do julgador, com atenção ao grau de zelo do profissional, ao lugar da prestação dos serviços e à natureza e importância da causa, ao trabalho realizado pelo advogado e ao tempo despendido para o serviço.

 

EMENTA: AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAISIMÓVELATRASODANO MORALDANOMATERIAL. MULTA. INADIMPLEMENTO. 
- O 
atraso na entrega do imóvel caracteriza o dano moral, pois o imóvel era destinado a sua habitação, local onde estabeleceria domicílio. Na fixação da reparação por dano moral, incumbe ao julgador, ponderando as condições do ofensor, do ofendido, do bem jurídico lesado e aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, arbitrar o valor da indenização que se preste à suficiente recomposição dos prejuízos, sem importar enriquecimento sem causa da parte. 
- A construtora responde pela reparação dos 
danos materiais, que forem comprovados, decorrentes do atraso. Verificando-se atrasosuperior ao tempo ajustado de prorrogação da entrega, ocorre o descumprimento contratual, sendo cabível a incidência da cláusula penal, prevista de forma abusiva apenas contra o alienante. 
- Não entregue pela vendedora o 
imóvel residencial na data contratualmente ajustada, o comprador faz jus ao recebimento, a título de lucros cessantes, dos aluguéis que poderia ter recebido e se viu privado pelo atraso
- A angústia causada pela demora na 
entrega do imóvel, no caso concreto, enseja dano moral.

Dessa forma, deve ser acolhido o pedido de indenização por danos morais.

 

No que concerne ao valor dos danos morais, saliento que sua finalidade está adstrita a proporcionar a justa satisfação à vítima, compensando o abalo experimentado, bem como alertando o ofensor sobre a conduta lesiva, impondo-lhe impacto financeiro a fim de dissuadi-lo da prática de novo ilícito.

 

Nesse contexto, para a fixação do quantum indenizatório, deve-se atentar para as especificidades do caso concreto, levando em consideração que os autores se viram alijados temporariamente de seu imóvel, tratando-se de situação geradora de intenso estresse.

 

Assim, considerando que o atraso perdurou por mais de um ano, tenho que a fixação da verba indenizatória a título de danos morais no importe de R$10.000,00 (dez mil reais) mostra-se adequada ao caso sob análise, pois é suficiente à justa reparação do abalo sofrido e inibe outros atos similares por parte da construtora, em atendimento às funções pedagógica e preventiva, além do caráter punitivo da responsabilidade civil.

 

Ante o exposto e por tudo mais que nos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido contido na inicial para condenar a ré a pagar aos autores:

 

a) a importância de R$10.000,00 (dez mil reais), a título de indenização por danos morais, corrigida monetariamente pela tabela da egrégia Corregedoria de Justiça do Estado e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, desde a data da publicação da presente sentença;

b) a multa contratual de 0,5% sobre o valor total pago pelos autores na compra, por mês de atraso (13 meses), a título de indenização por danos materiais, corrigida monetariamente desde o ajuizamento da ação e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação;

c) o montante de R$10.509,39 (dez mil quinhentos e nove reais e trinta e nove centavos), a título de indenização por danos materiais, corrigido monetariamente a partir do desembolso e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.

 

Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que, na forma do art. 85, §2º, do CPC, fixo em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa.

P.R.I.

Após o trânsito em julgado da presente decisão e não havendo custas pendentes de recolhimento, arquivem-se os autos com baixa na distribuição.

 

Belo Horizonte, 08 de agosto de 2016.

 

 

 

EDUARDO HENRIQUE DE OLIVEIRA RAMIRO

Juiz de Direito