Autos n°: 0024.13.200.573-7

Autor: Manoel Batista da Silva Neto

Rés: Tam Linhas Aéreas S/A e KLM – Cia Real Holandesa de Aviação

 

Vistos, etc.

 

Manoel Batista da Silva Neto ajuizou a presente ação de reparação por danos materiais e indenização por danos morais, pelo rito sumário, em face de Tam Linhas Aéreas S/A e KLM – Cia Real Holandesa de Aviação, todos devidamente qualificados na inicial.

Narrou que ganhou de presente de seus pais uma viagem à Newcastle/Inglaterra, sendo que, para tal, adquiriu passagens aéreas das rés para realizar referido trajeto, o qual teve escalas em São Paulo, Amsterdam (Holanda) e Rio de Janeiro, conforme tabela exarada junto à inicial; ressaltou que o trajeto em comento foi operado pelas duas companhias aéreas requeridas, as quais pontuou serem parceiras em viagens internacionais.

Destacou que, após 19 dias de viagem, retornou para o Brasil e, quando chegou ao seu destino (Belo Horizonte) no dia 19/03/2013, não encontrou sua bagagem; alegou que a primeira ré não sabia informar o paradeiro de seus pertences e lhe informou que já havia dado início ao procedimento para a localização das malas do requerente, instruindo-o a retornar para sua residência e aguardar o contato da requerida quando a bagagem fosse localizada.

Atestou que no dia seguinte à constatação do extravio das bagagens, foi contatado pela primeira suplicada, a qual lhe informou que seus pertences haviam sido localizados no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, onde o autor havia feito uma escala em seu voo de retorno.

Ponderou que a primeira ré solicitou que o requerente retornasse ao Aeroporto de Confins em 21/03/13 para recebimento de sua bagagem; contudo, esclareceu que em referida data, ao retornar ao aeroporto – conforme solicitado pela primeira requerida –, notou que, além de sua bagagem ter sido extraviada, havia também sido violada, visto que a mala do requerente se encontrava revirada; aludiu que também estavam ausentes alguns pertences que havia adquirido durante a viagem, os quais colacionou em tabela anexa à peça inicial, salientando que o somatório de referidos itens extraviados perfaz a quantia de R$ 3.345,92; asseverou que além de seus pertences terem sumido, também notou avarias em sua mala de viagem.

Preconizou que lavrou boletim de ocorrência acerca do ocorrido na unidade policial do Aeroporto de Confins, bem como que, posteriormente, a primeira companhia aérea requerida entrou em contato, via e-mail, informando que efetuaria o pagamento de apenas R$ 310,00 em relação aos itens extraviados e danos causados à bagagem do autor, quantia que julgou ser extremamente inferior aos prejuízos por ele sofridos.

Teceu considerações a respeito dos objetos que haviam sumido de sua bagagem, salientando que muitos eram itens de futebol de série de colecionador, os quais possuem alto valor pecuniário e alguns não se encontram mais disponíveis para compra.

Discorreu a respeito da legislação aplicável in casu, bem como acerca da responsabilidade objetiva das requeridas e dos danos que narrou ter sofrido, pugnando pela aplicabilidade do CDC.

Ao final, pleiteou sejam julgados totalmente procedentes os pedidos iniciais, condenando-se as requeridas ao pagamento de verba indenizatória por danos materiais no importe de R$ 3.345,92, devidamente corrigida, além de indenização por danos morais na quantia sugerida de R$ 10.000,00. Requereu, enfim, a inversão do ônus da prova e a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 21/74.

À f. 75 a parte autora foi intimada a juntar aos autos documentos que comprovassem sua hipossuficiência financeira, sob pena de indeferimento da gratuidade de justiça.

Manifestação do requerente às fls. 77/81, acompanhada do documento de f. 82, a respeito da decisão de f. 75.

Deferida a justiça gratuita à f. 83. Na oportunidade, determinou-se a citação das rés via AR.

Imprimiu-se ao feito o rito ordinário à f. 85.

ARs de citação das requeridas devidamente cumpridos à f. 90.

Citada, a segunda requerida (KLM – Cia Real Holandesa de Aviação) apresentou contestação às fls. 91/104, arguindo, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, ao argumento de que a falha na prestação dos serviços contratados pela parte autora – o que ocasionou o extravio e violação de sua bagagem – ocorreu em virtude de falha da primeira companhia aérea requerida (TAM), a qual realizou o transporte dos pertences do requerente – operando no trecho final da viagem da parte autora –, não havendo que se falar em responsabilidade da segunda suplicada pelos danos descritos na inicial.

No mérito, defendeu que deve ser aplicada no presente caso a legislação específica atinente ao transporte aéreo internacional, qual seja a Convenção de Montreal (Decreto n° 5910/06), em detrimento do Código de Defesa do Consumidor, sob pena de caracterização da negativa da vigência de norma infraconstitucional plenamente válida e eficaz.

Afastou a possibilidade de inversão do ônus probatório, sustentando que a parte autora tem plena capacidade de produzir provas acerca de suas pretensões.

Obtemperou não haver que se falar em responsabilidade civil da segunda ré no caso em questão, ao passo que não restou comprovado o nexo causal entre o suposto dano sofrido pelo requerente e a conduta da suplicada, elemento que salientou ser essencial para caracterização do dever de indenizar.

Insurgiu-se contra os danos materiais, ressaltando a ausência dos mesmos na presente demanda, vez que a parte autora não apresentou nenhum comprovante apto a demonstrar que o requerente, efetivamente, suportou qualquer gasto.

Afastou os danos morais, reiterando a alegação de que os fatos narrados na exordial não tem ligação com a segunda requerida; sustentou ainda que restou verificada a efemeridade dos danos alegados pelo requerente, os quais não são passíveis de indenização.

Feitas tais considerações, requereu a improcedência de todos os pedidos formulados na inicial.

Carreou aos autos os documentos de fls. 105/119.

A primeira suplicada (TAM Linhas Aéreas S/A) apresentou contestação às fls. 121/135, pugnando, assim como a segunda ré, pela aplicabilidade da Convenção de Montreal ao caso dos autos, em detrimento do CDC, conforme entendimento consolidado no STJ.

Ressaltou que os documentos em língua estrangeira, os quais foram acostados aos autos pelo requerente, devem ser desentranhados, vez que não observado o disposto no art. 157 do CPC, fato que alegou ofender o direito de ampla defesa da contestante.

Defendeu que o extravio da bagagem do requerente ocorreu no trajeto de volta de sua viagem, sendo certo que os pertences do autor lhe foram devolvidos dois dias após o seu desembarque, de modo que o mesmo não sofreu nenhum prejuízo, vez que já se encontrava em sua residência, não sendo privado de qualquer objeto.

Ponderou que dificilmente a bagagem de propriedade do autor foi extraviada no trecho operado pela primeira ré, vez que a mesma foi despachada pela companhia aérea TAP.

Propugnou que, sem sombra de dúvidas, os pertences do requerente foram retidos na alfândega, tendo em vista que a parte autora tentava entrar no país com diversas compras realizadas no exterior.

Aludiu que o requerente fez o preenchimento de formulário de extravio de bagagem, mas não o preenchimento de violação de bagagem, suscitando a estranheza do fato de que o autor notou a ausência de diversos itens em sua mala e não comunicou a companhia aérea suplicada.

Em relação aos danos materiais apontados pelo autor, preconizou que inexistem nos autos nota fiscal ou mesmo faturas de cartão de crédito que comprovem tais gastos na exorbitante quantia de R$ 3.345,92.

Ainda em relação à referida quantia suscitada pelo requerente a título de danos materiais, questionou como o autor alega ter sofrido prejuízo nesse importe em relação às mercadorias por ele adquiridas durante a viagem, se a Receita Federal permite a entrada em território nacional de apenas US$ 500,00 em mercadorias adquiridas no exterior, sem a declaração e incidência de impostos, destacando ainda que tal fato é de conhecimento do autor, ao argumento de que o mesmo possui cargo de auditor-fiscal da Receita Federal; assim, sustentou que as mercadorias apontadas pelo requerente como extraviadas foram, na verdade, retidas na alfândega antes de iniciar o serviço prestado pela primeira requerida, a qual somente recebeu a bagagem do autor após a retenção feita pela alfândega.

Elucidou que a parte autora despachou bagagem proibida, vez que se encontravam em sua mala de viagem bebidas e relógios, objetos frágeis e que não podem ser transportados, conforme orientações da requerida e da ANAC; apontou que referido fato afasta o pleito autoral indenizatório, sendo certo ainda que se tais bens foram, de fato, despachados pelo requerente, o mesmo cometeu ilícito contratual, desrespeitando as normas estabelecidas pela suplicada e pela ANAC.

Afastou os danos materiais e morais.

Posto isto, requereu seja julgada improcedente a presente ação; caso haja entendimento diverso, pugnou que os pedidos autorais sejam julgados levando-se em consideração os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Juntou documentos de fls. 136/143.

Impugnação às contestações às fls. 146/155.

Instadas as partes a especificarem as provas que pretendiam produzir, a segunda suplicada informou à f. 157 não possuir provas documentais suplementares a serem produzidas; à f. 158 o autor requereu o seu depoimento pessoal.

À f. 159 postergou-se a análise da preliminar suscitada pela segunda requerida, porquanto os fundamentos da mesma guardam relação com o mérito. Na mesma oportunidade, indeferiu-se ainda o requerimento do autor para que fosse colhido seu depoimento pessoal, determinando-se a conclusão dos autos para julgamento.

Determinou-se às partes que apresentassem alegações finais à f. 162.

À f. 170 a primeira ré informou não ter interesse na produção de outras provas, requerendo o julgamento antecipado da lide.

Alegações finais da parte autora às fls. 172/183; da primeira ré às fls. 185192; da segunda ré às fls. 194/198.

Convertido o julgamento em diligência à f. 201, deferindo-se o pedido autoral de inversão do ônus da prova, pelo que restou determinada a intimação das partes para que se manifestassem sobre a produção de provas.

Manifestação da primeira suplicada à f. 203, informando não ter provas suplementares a serem produzidas, razão pela qual requereu o julgamento antecipado da lide.

Vieram-me os autos conclusos para decisão (f. 206).

É, em síntese, o relatório. DECIDO.

Cuida-se, como dito, de ação de reparação por danos materiais e indenização por danos morais, na qual o requerente pretende a condenação das rés ao pagamento de indenização – de cunho moral e material – em razão de extravio e violação de sua bagagem na condição de passageiro das requeridas.

A segunda companhia aérea suplicada arguiu, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, ao argumento de que a primeira ré foi a responsável por realizar o transporte dos pertences do requerente, devendo, portanto, responder pelo extravio/violação da bagagem do autor.

Contudo, referida preliminar não merece acolhimento, vez que “todos os fornecedores da cadeia criada para disponibilizar ao consumidor passagens aéreas são, por força de lei, solidariamente responsáveis pelos danos decorrentes de falha na prestação dos serviços” (TJMG -  Apelação Cível  1.0713.07.072155-8/001, Relator(a): Des.(a) Márcia De Paoli Balbino , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/01/2009, publicação da súmula em 17/02/2009).

Ademais, não há como se auferir da prova constante dos autos, de forma cabal, em que momento foi, de fato, extraviada/violada a bagagem do autor – se foi quando estava sob responsabilidade da primeira ré ou se quando estava sob incumbência da segunda requerida – razões pelas quais deve ser rejeitada referida preliminar, para que respondam as suplicadas, de forma solidária, nos termos da norma consumerista.

Lado outro, o pedido autoral acerca da inversão do ônus probatório já foi analisado e deferido à f. 201, razão pela qual não havendo outras preliminares a serem analisadas ou questões processuais pendentes, passo ao exame do mérito.

Inicialmente, cumpre analisar a alegação feita por ambas as requeridas a respeito da aplicabilidade de norma especial ao caso em tela, qual seja a Convenção de Montreal (Decreto n° 5910/06), em detrimento da legislação consumerista.

A respeito da matéria, Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge, em texto publicado na Revista de Direito do Consumidor, n. 19, ressaltam a orientação adotada pelo STF:

Como se verá, todavia, o STF firmou orientação no sentido de que as convenções e tratados internacionais são recepcionados dentro do ordenamento jurídico brasileiro no mesmo plano da legislação interna, de tal sorte que podem perfeitamente ser afastadas pela legislação ordinária superveniente e com eles incompatível”.

Extrai-se, portanto, que não há que se falar em afastamento da aplicabilidade do CDC ao caso em comento, não se podendo descurar ainda que o autor se enquadra no conceito de consumidor (artigo 2°, do CDC) e as requeridas no conceito de fornecedoras (artigo 3°, §1° do CDC), sendo pacífico na doutrina e jurisprudência que o CDC rege referidas relações.

Nesse sentido já decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - EXTRAVIO DE BAGAGEM - NORMAS DE DIREITO DO CONSUMIDOR - APLICAÇÃO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO TRANSPORTADOR - DANO MORAL CARACTERIZADO - QUANTUM INDENIZATÓRIO - MANUTENÇÃO - DANOS MATERIAIS - COMPROVAÇÃO - REPARAÇÃO DEVIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. - "O consumidor não pode ser atingido por normas que lhe restrinjam conquistas asseguradas. É dizer: tendo o direito do consumidor status de princípio constitucional, não é dado a outras disposições legais restringir indenizações por mau uso do serviço." (RE 351750 / RJ) - "A responsabilidade civil das companhias aéreas em decorrência da má prestação de serviços, após a entrada em vigor da Lei n. 8.078/90, não é mais regulada pela Convenção de Varsóvia e suas posteriores modificações (Convenção de Haia e Convenção de Montreal) ou pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, subordinando-se, portanto, ao Código de Defesa do Consumidor." (AgRg no AREsp 409045 / RJ) (…)” (TJMG -  Apelação Cível  1.0024.14.141861-6/001, Relator(a): Des.(a) Juliana Campos Horta , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/03/2016, publicação da súmula em 14/03/2016)

EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SERVIÇO DE TRANSPORTE AÉREO. EXTRAVIO DE BAGAGEM. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DANOS MATERIAIS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR. REPARAÇÃO. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, não há aplicação da Convenção de Varsóvia/Montreal no que tange à reparação indenizatória. Verificado o evento danoso, surge a necessidade da reparação. (...)” (TJMG -  Embargos Infringentes  1.0701.13.007149-4/002, Relator(a): Des.(a) Aparecida Grossi , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/04/2016, publicação da súmula em 15/04/2016)



Nos termos do Código de Defesa do Consumidor (art. 14 de referida codificação), em se tratando de responsabilidade civil objetiva, como in casu, prescinde-se da demonstração de culpa ou dolo pelo agente, sendo necessária a configuração de falha na prestação do serviço, dano acarretado ao consumidor e o nexo causal entre os dois elementos anteriores.

De acordo com a lição de Sergio Cavalieri Filho (in verbis):

(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Esse dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas (...)” (Programa de Responsabilidade Civil, 7ª Ed., São Paulo: Editora Atlas S/A, 2007, p 162).

A parte autora alega, em síntese, que ganhou uma viagem de seus pais para o exterior, sendo que o trajeto (ida e volta) seria feito pelas duas companhias aéreas requeridas; destacou que ao voltar ao Brasil, não localizou sua bagagem, sendo orientado pela primeira ré a retornar para sua residência e aguardar contato; pontuou que foi contatado pela primeira requerida, a qual lhe informou que sua mala havia sido localizada e que poderia ser retirada no dia seguinte (21/03/2013) no Aeroporto de Confins; contudo, asseverou que ao conferir sua bagagem, notou que além da mesma ter sido extraviada, foi também violada, ao passo que estavam ausentes inúmeros pertences que o requerente havia adquirido no decorrer da viagem, dentre os quais salientou terem sido extraviados artigos de futebol de colecionador, os quais possuem grande valor econômico e também valor sentimental para o autor; pontuou que o somatório de seus pertences que haviam sumido perfazem a quantia de R$ 3.345,92, a qual pugnou que deve ser ressarcida pelas requeridas, além da indenização pelos danos morais que alegou ter sofrido.

A seu turno, a segunda requerida defende, em síntese, que não há que se falar em sua responsabilidade civil no presente caso, vez que não restou comprovado o nexo causal entre o suposto dano sofrido pelo requerente e a conduta da segunda suplicada; sustentou ainda que a parte autora não juntou aos autos comprovantes aptos a demonstrarem que o requerente, de fato, suportou qualquer gasto, pelo que não há que se falar em danos materiais; também afastou os danos morais, argumentando que os fatos narrados na exordial não tem ligação com a segunda ré, caracterizando-os ainda como efêmeros, os quais não são passíveis de indenização. Feitas tais considerações, requereu a improcedência dos pedidos iniciais.

Noutro giro, a primeira companhia aérea requerida sustenta, em suma, que os pertences do requerente lhe foram devolvidos dois dias após seu embarque, de modo que o mesmo não sofreu nenhum prejuízo; ponderou que dificilmente a bagagem de propriedade do autor foi extraviada no trecho operado pela primeira ré, vez que a mesma foi despachada pela companhia aérea TAP; propugnou que, sem sombra de dúvidas, os pertences do requerente foram retidos na alfândega, tendo em vista que a parte autora tentava entrar no país com diversas compras realizadas no exterior (tais como bebidas e perfumes), salientando ainda que referida postura do requerente incorre em ilícito contratual, ao argumento de que a empresa ré informa aos seus passageiros a impossibilidade de transporte de referidos objetos, conforme normas da requerida e da ANAC; aludiu que o requerente fez o preenchimento de formulário de extravio de bagagem, mas não o preenchimento de violação de bagagem, suscitando a estranheza do fato de que o autor notou a ausência de diversos itens em sua mala e não comunicou a companhia aérea suplicada; em relação aos danos materiais apontados pelo autor, preconizou que inexistem nos autos nota fiscal ou mesmo faturas de cartão de crédito que comprovem tais gastos na exorbitante quantia de R$ 3.345,92, questionando ainda como o autor alega ter sofrido prejuízo nesse importe em relação às mercadorias por ele adquiridas durante a viagem, se a Receita Federal permite a entrada em território nacional de apenas US$ 500,00 em mercadorias adquiridas no exterior, sem a declaração e incidência de impostos, destacando ainda que tal fato é de conhecimento do autor, ao argumento de que o mesmo possui cargo de auditor-fiscal da Receita Federal; afastou os danos morais e materiais, requerendo a improcedência dos pedidos autorais, pugnando ainda pelo desentranhamento dos documentos em língua estrangeira carreados aos autos pelo requerente, posto que alegou não ter sido observado pelo autor o disposto no art. 157 do CPC.

Pois bem. Tenho que razão não assiste às requeridas.

Conforme elucidado quando da análise da preliminar suscitada pela segunda suplicada, a mesma não cuidou de juntar aos autos provas hábeis a comprovar que, de fato, a bagagem do requerente não estava na responsabilidade da segunda companhia aérea ré quando foi extraviada/violada, restando incontroverso apenas o fato de que a bagagem do requerente foi desencaminhada (conforme documentos de fls. 67, 68, 70, 71 e boletim de ocorrência de fls. 73/74) durante sua viagem de volta ao Brasil, em trajeto operado pelas duas empresas requeridas.

Da mesma forma, incabíveis as alegações da primeira requerida de que os pertences da parte autora não foram extraviados/violados, mas sim retidos pela alfândega – vez que o autor possuía em sua bagagem objetos de transporte proibido, tais como bebidas, relógios e perfumes –, ou despachados pela companhia aérea TAP, vez que também inexistem provas nos autos a respeito de tais alegações. Além disso, o requerente cuidou de apontar na exordial, pormenorizadamente, os objetos que foram subtraídos de sua mala, dentre os quais não consta nenhum objeto proibido de ser transportado, sendo certo ainda que o autor, ao contrário do alegado pela primeira ré em contestação, qualificou-se na inicial como estudante.

Lado outro, também não merece guarida a alegação defensiva de ambas as requeridas de que o autor não cuidou de juntar aos autos documentos que comprovassem os danos materiais por ele alegados, ou ainda que – segundo a primeira ré – o requerente fez o preenchimento de formulário apenas de extravio de bagagem, e não de violação da mesma, sendo que os pertences do autor lhe foram devolvidos dois dias após seu desembarque, razão pela qual argumentou que o requerente não sofreu nenhum prejuízo.

Isto porque, além do requerente ter sofrido prejuízo em virtude de extravio e violação de sua bagagem, conforme demonstra o documento de fls. 67/68, o fato de que alguns objetos haviam sumido da mala da parte autora foi devidamente informado à primeira ré, tendo em vista que no relatório de bagagem de f. 67 consta o preenchimento do campo “artigos em falta”, restando, portanto, indene de dúvidas que a primeira suplicada possuía conhecimento da ausência de alguns pertences do requerente e, por conseguinte, do prejuízo por ele sofrido.

Demais disso, é cediço que os danos materiais devem ser comprovados, porquanto constituem reflexos negativos no patrimônio de quem os pleiteia.

A parte autora requereu a condenação das requeridas ao pagamento do valor de R$ 3.345,92, referente aos objetos do autor que foram extraviados de sua bagagem quando o mesmo viajava na condição de passageiro das empresas rés.

No escopo de comprovar o efetivo gasto de referida quantia, o requerente juntou aos autos os seguintes documentos: notas fiscais de fls. 48, 49, 50, 64 e 65 e os "prints" de tela de fls. 51/58.

Não existem dúvidas de que as notas fiscais retromencionadas são hábeis a comprovar o efetivo gasto, por parte do autor, dos valores relativos aos objetos que foram extraviados de sua bagagem, o que, por conseguinte, dá ensejo ao ressarcimento da quantia aposta em referidas notas. Todavia, os "prints" de tela de fls. 51/58 não possuem caráter fiscal e, não obstante demonstrem valores a respeito dos itens que o autor alegou que foram desviados de sua bagagem, não identificam a parte autora como adquirente dos mesmos (vide TJMG -  Apelação Cível  1.0105.11.012988-6/001, Relator(a): Des.(a) Vicente de Oliveira Silva , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14/03/2016, publicação da súmula em 13/05/2016 ). Em decorrência disso, não há que se falar em restituição de valores apostos nos documentos de fls. 51/58.

Com relação à referida documentação apresentada pelo requerente, em que pese a primeira suplicada ter pugnado pelo desentranhamento da mesma, vez que redigida em língua estrangeira e não acompanhada de sua respectiva tradução – o que contraria a norma prevista no art. 157 do CPC/73 (atual art. 192) –, entendo que não há óbice em analisar tais documentos (quais sejam as notas fiscais de fls. 48, 49, 50, 64 e 65), posto que são de fácil compreensão, dos quais se pode auferir, sem maiores dificuldades, os valores efetivamente gastos pelo autor, dos quais não é necessária tradução para tal; ademais, o e-mail de fls. 44/47, redigido em inglês, não se presta à quantificação dos danos materiais, mas tão somente a demonstrar que um dos itens subtraídos da babagem do requerente não se encontra mais disponível para aquisição, sendo certo que não será levado em consideração por este juízo na valoração dos danos materiais.

Senão, vejamos:

"PROCESSO CIVIL. INTERESSE RECURSAL. DOCUMENTO REDIGIDO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA. DIREITO PRIVADO. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE AÉREO DE PESSOAS. (…) 8. O documento redigido em língua estrangeira e trazido aos autos desacompanhado de tradução juramentada não serve como prova, nos termos do artigo 157 do Código de Processo Civil. Permite-se, todavia, que, nos casos em que o documento é de fácil compreensão, como um cupom de passagem aérea, haja a devida valoração da prova. Recursos providos em parte.” (TJMG -  Apelação Cível  1.0024.07.798245-2/001, Relator(a): Des.(a) Wagner Wilson , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/10/2009, publicação da súmula em 13/11/2009)

Quanto às alegações da primeira suplicada a respeito do requerente ter entrado em território nacional com mercadorias adquiridas no exterior em valores acima do permitido pela Receita Federal – razão pela qual teriam sido retidas na alfândega, o que, segundo a requerida, afasta sua responsabilidade em indenizar –, cumpre frisar que as mesmas não serão consideradas por este juízo, vez que também não restaram comprovadas pela ré e ultrapassam a seara da presente demanda, vez que versam sobrem questões atinentes à matéria tributária/fiscal.

Assim, cumpre analisar o conteúdo das notas fiscais juntadas aos autos pelo requerente, a fim de que seja quantificado o valor dos danos materiais a serem suportados pelas rés.

Nota fiscal de f. 48: data da compra: 16/03/2013; valor da compra em libra esterlina: £ 130,50; valor da libra esterlina na data da compra, de acordo com tabela do Banco Central do Brasil – BACEN (disponível em: http://www4.bcb.gov.br/pec/taxas/port/ptaxnpesq.asp): £ 2,99 reais; valor total da compra convertido em reais: R$ 390,20.

Nota fiscal de f. 49: data da compra: 13/03/2013; valor da compra em libra esterlina: £ 279,43; valor da libra esterlina na data da compra, de acordo com tabela do Banco Central do Brasil – BACEN (disponível em: http://www4.bcb.gov.br/pec/taxas/port/ptaxnpesq.asp): £ 2,93 reais; valor total da compra convertido em reais: R$ 818,73.

Nota fiscal de f. 64: data da compra: 13/03/2013; valor da compra em libra esterlina: £ 298,97; valor da libra esterlina na data da compra, de acordo com tabela do Banco Central do Brasil – BACEN (disponível em: http://www4.bcb.gov.br/pec/taxas/port/ptaxnpesq.asp): £ 2,93 reais; valor total da compra convertido em reais: R$ 876,00.

Nota fiscal de f. 65: data da compra: 13/03/2013; valor da compra em libra esterlina: £ 248,00; valor da libra esterlina na data da compra, de acordo com tabela do Banco Central do Brasil – BACEN (disponível em: http://www4.bcb.gov.br/pec/taxas/port/ptaxnpesq.asp): £ 2,93 reais; valor total da compra convertido em reais: R$ 726,64.

Desse modo, tendo em vista o somatório de referidas notas fiscais, bem como levando-se em consideração que os gastos demonstrados na nota fiscal de f. 50 não foram abarcados pelo pedido autoral – conforme tabela anexada à inicial (fls. 05/06) – é de rigor a parcial procedência do pedido autoral de indenização por danos materiais, condenando-se as requeridas ao pagamento do importe de R$ 2.811,57 (dois mil, oitocentos e onze reais e cinquenta e sete centavos).

Por fim, cumpre analisar o pedido inicial acerca dos danos morais.

No que pertine à referido pedido autoral, a tese das requeridas é de que os fatos narrados pelo autor não ultrapassam mero arroborecimento ou a característica de efemeridade, razão pela qual defendem que não há que se falar em ocorrência de danos morais.

Contudo, é inquestionável o cabimento da indenização por danos morais no caso em questão, diante do aborrecimento e da angústia causados ao requerente em virtude do extravio e violação de sua bagagem.

Frisa-se que, conforme consta da inicial, a viagem em questão foi dada de presente ao requerente por seus pais, sendo que, ao regressar ao Brasil, a parte autora se viu privada de inúmeros pertences adquiridos no decorrer da viagem.

A violação da bagagem do autor, decorrente de defeito na prestação dos serviços das companhias aéreas suplicadas, gerou transtornos, angústias e tristezas ao requerente, os quais excedem o mero dissabor e contrariedade do cotidiano, causando dano moral passível de reparação.

Outro não é o entendimento jurisprudencial:

EMENTA: APELAÇÃO - RELAÇÃO DE CONSUMO - TRANSPORTE AÉREO - EXTRAVIO DE BAGAGEM - DANOS MORAIS - INDENIZAÇÃO - FIXAÇÃO DO QUANTUM - RAZOABILIDADE. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de transporte aéreo internacional. Em se tratando de responsabilidade objetiva, impõe-se o dever de indenizar atribuído à transportadora que não conseguiu cumprir com a sua obrigação contratual a contento, tendo em vista que a bagagem do autor foi extraviada e não foi entregue apenas após o desembarque, razão pela qual deverá ressarcir os prejuízos daí decorrentes. (...).” (TJMG -  Apelação Cível  1.0145.14.019009-4/001, Relator(a): Des.(a) José Arthur Filho , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/04/2016, publicação da súmula em 13/05/2016)

INDENIZAÇÃO - VIOLAÇÃO DE BAGAGEM E FURTO DE PERTENCES - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA COMPANHIA AÉREA - DANOS MATERIAIS E MORAIS - CARACTERIZAÇÃO - NEXO CAUSAL - EXISTÊNCIA - DEVER DE INDENIZAR - CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. (…) - O furto ou extravio de bagagem, percebido quer na partida, quer ao término da viagem, causa dor moral que nasce dos transtornos e aborrecimento causados, pela perda de objetos pessoais e pela própria indignação acarretada em razão de serviço ineficiente, por parte da companhia aérea, que assume a responsabilidade pelo transporte de passageiros. (…)” (TJMG -  Apelação Cível  1.0194.08.086779-0/001, Relator(a): Des.(a) Tarcisio Martins Costa , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/10/2010, publicação da súmula em 22/11/2010)



Quanto ao valor da indenização por danos morais, cumpre analisar as circunstâncias do caso concreto, mormente o aborrecimento e angústia causados ao autor, as condições das partes, além da dupla finalidade da condenação, qual seja, desestimular conduta análoga da parte ré e compensar a vítima (autora) pelos danos sofridos, observando-se ainda os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Assim, entendo suficiente a fixação de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Sem mais delongas, é de rigor a parcial procedência dos pedidos formulados na inicial.

Diante do exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, para condenar as requeridas, solidariamente, a pagar à parte autora indenização por danos morais, no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), cujo valor deve ser acrescido de correção monetária pelos índices da Corregedoria de Justiça, contados a partir da data da publicação desta sentença e juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação; bem como para condenar as companhias aéreas rés, solidariamente, a pagar ao autor a quantia de R$ 2.811,57 (dois mil, oitocentos e onze reais e cinquenta e sete centavos) a título de danos materiais, cujo valor deve ser acrescido de correção monetária pelos índices da Corregedoria de Justiça, contados desde a data do efetivo desembolso e juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, nos termos da fundamentação supra.

Fixo honorários advocatícios de sucumbência em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.

Havendo sucumbência recíproca, entendo que as verbas de sucumbência devem ser proporcionalmente distribuídas entre as partes. Assim, condeno a parte autora ao pagamento de 10% (dez por cento) das custas processuais e dos honorários advocatícios de sucumbência e as requeridas ao pagamento de 90% (noventa por cento) das custas processuais e dos honorários advocatícios de sucumbência.

Suspendo a exigibilidade das verbas de sucumbência em relação à parte autora, com base no artigo 12 da Lei 1060/50, pois que amparada pela gratuidade da justiça (f. 83).

P. R. I.

Belo Horizonte, 29 de julho de 2016.

 

CLÁUDIA APARECIDA COIMBRA ALVES
JUÍZA DE DIREITO