Autos de nº 0037765-05.2014

 

 

Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais decorrentes do fato de ter o réu deixado as autoras, após a realização de cirurgia pro uma delas, esperando por várias horas, não cumprindo com sua obrigação e transportá-las de volta para esse Município, o que fez com que fosse necessária a locação de um táxi para que assim fosse possível o transporte, requerendo indenização pelos transtornos sofridos além de ressarcimento em dobro pelos gastos que tiveram com a contratação de um táxi.

Foi deferido o pedido de assistência judiciária.

Em contestação aduziu o requerido que não descumpriu com suas obrigações, sendo o transporte mera liberalidade, não podendo ficar à disposição das autoras para poder trazê-las de voltas a Santos Dumont; que tinha outras pessoas para efetuar o transporte para Juiz de Fora, não podendo ficar aguardando as autoras; que a cirurgia atrasou não por culpa sua; que não deu causa ao evento; que acionou outro veículo para fazer o transporte mas quando lá chegou as autoras já tinham voltado; que as autoras possuem boa capacidade financeira, tanto assim que conseguiram custear o táxi para fazer o transporte, não possuindo assim responsabilidade em indenizar, sendo o valor pretendido excessivo.

Foi ofertada impugnação.

Designada audiência de conciliação, não foi possível o acordo.

Intimadas a especificar provas, somente a autora requereu a oitiva de testemunhas.

Relatado. DECIDO.

 

Passo ao julgamento antecipado da lide, na forma no art. 355, I do CPC, pois considero desnecessária a produção de provas requeridas apenas pelas autoras.

Primeiramente, a Constituição Federal, ao impor, em seu art. 196, que é dever do Estado, em qualquer de suas esferas, garantir a saúde dos cidadãos, não faz limitações em relação a esse dever, ou seja, não há obrigação apenas de, por exemplo, se fornecer determinado medicamento ou custear certa cirurgia, havendo sim a obrigação de que a saúde seja de forma mais ampla possível disponibilizada e acessível a todos. Isso inclui, como não poderia deixar de ser, o dever de prestar transporte público para que as pessoas possam ser submetidas a cirurgia, como foi o caso dos autos. Nesse sentido, mutatis, mutandis:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO - CONVERSÃO EM AGRAVO RETIDO - INVIABILIDADE - PRELIMINAR REJEITADA - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - DIREITO À SAÚDE - TUTELA ESPECÍFICA - REQUISITOS INDISPENSÁVEIS - CONFIGURAÇÃO - DISPONIBILIZAÇÃO DE TRANSPORTE GRATUITO ("VALE TRANSPORTE" OU "PASSE LIVRE") PARA A CRIANÇA E SEU ACOMPANHANTE - REALIZAÇÃO DE TRATAMENTO MÉDICO - IMPRESCINDIBILIDADE E URGÊNCIA ATESTADAS POR LAUDO MÉDICO - RESPONSABILIDADE COMUM DA UNIÃO, DOS ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL E DOS MUNICÍPIOS - DEFERIMENTO - DECISÃO MANTIDA. ... 2. A responsabilidade dos Entes Políticos com a saúde e a integridade física dos cidadãos é comum, podendo a parte necessitada dirigir seu pleito ao Ente da Federação que melhor lhe convier. 3. A presença de prova inequívoca da verossimilhança dos fatos alegados, aliado ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, torna imperiosa a manutenção da antecipação da tutela específica deferida no Juízo de origem, notadamente quando o que se pretende com o deferimento é o fornecimento de tratamento médico em favor de menor impúbere, hipossuficiente, portador de "Fibrose Cística (mucoviscidose)". E demonstrada a imprescindibilidade do transporte, em favor do menor e de seu acompanhante, para a realização do procedimento prescrito, exsurge o dever do Ente Público ao seu fornecimento. (TJMG – Processo 1.0145.15.004365-4/001 – Rel. Des. Elias Camilo, j. em 7.7.2016) – grifo não original.

 

Assim havia realmente o dever do réu em prestar o serviço de transporte para as autoras, não podendo ser aceita sua alegação de que isso é mera liberalidade.

Lógico que tal dever não significa que deva haver um veículo para cada pessoa que dele necessite para fins de tratamento de saúde. Pode haver sim um escalonamento de forma a que um mesmo veículo possa atender a um número maior de pessoas. Porém, de acordo com a prova dos autos, não foi isso que ocorreu. Apesar do réu alegar que todos os veículos estavam “empenhados” a atender outros pacientes, não fez qualquer prova em tal sentido, o que seria seu ônus de acordo com o art. 373, II do CPC. Vale lembrar que intimado a especificar provas, ele não se manifestou.

Mesmo que a cirurgia de uma das autoras tenha demorado mais do que estava previsto, o que realmente justificaria o fato do veículo não ter ficado esperando, o que ocorreu no caso dos autos é que as requerentes tiveram que ficar aguardando que outro veículo fizesse o transporte delas, sem que tivessem qualquer informação de quando isso ocorreria, fato esse que se arrastou por muito tempo sem que houvesse uma solução em tal sentido. Apesar do réu ter dito que mais tarde disponibilizou um veículo, também não fez qualquer prova em tal sentido, não havendo como se saber se isso realmente ocorreu.

Todos os transtornos narrados nos autos poderiam ter sido evitados se o réu tivesse prestado corretamente e prontamente informações de quando resolveria o problema de transporte para as autoras. Isso não significa que deveria ter sido disponibilizado de imediato o transporte, mas sim que tivessem ocorrido informações certas sobre quando tal ocorreria.

Vale notar que, se estava programado que o trasporte disponibilizado pelo réu traria as autoras de volta para Santos Dumont, e o atraso em relação à cirurgia não pode ser imputado a elas, qualquer indisponibilidade, ainda que momentânea, ou impossibilidade de isso ocorresse, deveria ter sido a elas comunicado. O que não poderia ter havido é elas ficar sem informações, aguardando indefinidamente que o réu desse uma solução para algo que era seu dever prestar.

Assim, diante dessa omissão em prestar corretamente as informações, que fez com que as autoras se sentissem angustiadas em não saber se ou quando haveria uma solução para o problema, o dano moral realmente restou configurado.

Vale lembrar que o CDC é aplicável também ao Poder Público, pelo que o dever de prestar informações corretas e precisas também incide em relação a este.

Dessa forma, presentes os requisitos necessários para gerar o dever de indenizar: uma omissão dolosa ou culposa (falta do dever de prestar informações), um nexo causal (sem tal ato não haveria os transtornos narrados) e um prejuízo, sendo esse decorrente da angústia, inquietação e preocupação vividas pelas autoras. Vale lembar ainda que, em se tratando de dano moral, sua constatação decorre do próprio ato indevidamente praticado, não havendo necessidade de se demonstrar assim tal prejuízo.

Ademais, a par de seu caráter reparador possui tal tipo de indenização um cunho punitivo, servido como sanção pelo ato indevidamente praticado e desestímulo para que não se volte a cometê-lo.

Em relação ao valor entendo que a quantia de R$9.000,00 para a autora Delfina, que havia acabado de se submeter à cirurgia, e R$7.000,00 para a autora Elza, é a mais justa para ressarci-las dos prejuízos sentidos, sem que se constitua em causa de enriquecimento indevido, valendo notar a idade das requerentes, sempre se tendo em vista os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Entendo que também que deve haver a devolução do valor que as autoras pagaram ao táxi que as transportou a Santos Dumont no dia dos fatos, pois, primeiro, não há provas de que o réu tenha realmente disponibilizado outro transporte, como por ele alegado, além delas não poderem ficar, indefinidamente, sem saber quando tal transporte seria possível. Entretanto tal devolução deve ocorrer na forma simples, pois não incide no caso em questão a hipótese do art. 42, parágrafo único do CDC e nem há outro embasamento legal que sustente a devolução em dobro, principalmente por não ter havido cobrança por pare do réu.

Já em relação à quantia paga pelo táxi no dia seguinte ao da cirurgia (dia 15 de janeiro), ela não é devida, pois não há provas, nem sequer alegações, de que ele tenha sido solicitado antecipadamente ao réu ou que ele tenha se negado a fornecê-lo. Alega-se apenas um temor que voltasse a ocorrer a demora ou o não fornecimento do serviço o que não é suficiente para justificar uma condenação do requerido em tal sentido.

A ausência de pedido de administrativo para que o réu as ressarcisse dos valores pagos não impede que tal pedido seja feito nesse ato.

Assim a responsabilidade do réu não se traduz apenas no risco administrativo, mas principalmente na sua omissão em ter prestado as informações na forma devida.

Apesar do réu ter alegado que as autoras possuem condições econômicas pois pagaram o táxi, não há provas nos autos de que elas realmente tenham tais condições, pelo que não há como se saber se isso realmente ocorre.

 

Face ao exposto JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial para condenar o réu nas quantias relativas ao dano moral como acima indicado, as quais devem ser corrigidas desde a presente data, além da quantia relativa aos danos materiais no valor de R$130,00, corrigida desde seu desembolso (15 de janeiro de 2014) e acrescidas, ambas, de juros de mora de 1% a partir da citação. Tendo em vista a sucumbência mínima das autoras, condeno o réu no pagamento dos honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor integral da condenação, como dispõe o art. 85, §2º e 3º, I do CPC. Fica o réu isento do pagamento de custas.

Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição, como dispõe o art. 496, § 3º, III do CPC.

PRI.

 

Santos Dumont, 28 de julho de 2016.

 

 

 

 

Marcelo Alexandre do Valle Thomaz

Juiz de Direito.