Autos nº.: 0408.14.000302-6

Natureza: Mandado de Segurança

Impetrante: Carlos Henrique de Carvalho

Impetrados: Walace Sebastião Vasconcelos Leite

Gilmar Monteiro Granzinoli

 

Sentença

 

I. Relatório

 

Carlos Henrique de Carvalho, devidamente qualificado, impetrou o presente mandado de segurança c/c pedido de liminar, contra ato praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de Santana do Deserto, Walace Sebastião Vasconcelos Leite e pelo Presidente da Comissão Processante, Gilmar Monteiro Granzinoli, também identificados, ao argumento de que houve violação a seu direito líquido e certo ao contraditório e à ampla defesa no processo de cassação de mandato a que é submetido.

Asseverou ser vereador da Câmara Municipal de Santana do Deserto, para o exercício do mandato de 2013 a 2016 e que além do cargo eletivo exercia a profissão de motorista na empresa Carlos Henrique de Carvalho Júnior, de propriedade de seu filho.

Relatou que por ter sido vencedora em processo licitatório público, a empresa vem prestando serviços de transporte para o Município.

Aduziu que a pessoa jurídica é que mantém vínculo jurídico com o Município, e não o impetrante.

Narrou que em razão de denúncia feita pela Sra. Liliane Mota Marcilio, foi designada uma comissão especial para apurar os fatos descritos. Na oportunidade, impetrou mandado de segurança de nº 0408.13.003838-8, alegando vícios processuais e requerendo-se a suspensão de uma reunião que havia sido agendada para decidir sobre a cassação do impetrante. A liminar pleiteada foi deferida.

Destacou que em virtude dos vícios existentes no processo de cassação, a Câmara Municipal e os membros da Comissão decidiram pelo arquivamento da denúncia.

Consignou que posteriormente foi apresentada nova denúncia, por iniciativa do cidadão Sr. Marcus Vinícius Ferreira Justino, sendo que a partir de tal manifestação foi iniciado outro processo de cassação.

Esclareceu que foi designada nova comissão para apuração dos fatos narrados e que houve sua intimação para apresentação de defesa prévia, na qual pugnou pela produção de prova oral e testemunhal e requereu que as intimações fossem feitas na pessoa do procurador que subscreveu a peça defensiva.

Afirmou que novamente as regras processuais e constitucionais foram aviltadas, alegando a inépcia da denúncia, que se mostrou vaga e imprecisa quanto aos fatos imputados, o cerceamento de defesa, ante o indeferimento da realização de perícia contábil e o encerramento irregular da instrução processual, uma vez que não houve a oitiva de todas as testemunhas arroladas e que não ocorreu a intimação do acusado e de seu procurador para comparecer à audiência.

Pugnou pelo deferimento da liminar pleiteada, determinando-se às autoridades coatoras que suspendessem imediatamente os trabalhos da Comissão Processante para que fosse realizada a perícia contábil, saneando os vícios apontados e garantindo o exercício do contraditório e da ampla defesa, nos moldes ditados pela Constituição de 1988.

Requereu a concessão da segurança definitiva, declarando-se a nulidade dos atos processuais praticados após a apresentação da defesa prévia e determinando-se a renovação de tais atos, eis que eivados de vícios e irregularidades.

Atribuiu à causa o valor de R$ 700,00 (setecentos reais) e requereu os benefícios da justiça gratuita, por não ter como arcar com as custas judiciais, sem prejuízo do próprio sustento.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 22/268.

Liminar deferida às fls. 269/272.

Em manifestação de fls. 274/281, acompanhada dos documentos de fls. 282/533, o impetrado Gilmar Monteiro Granzinoli esclareceu que após o deferimento da liminar nos autos de nº 0408.13.003838, o Presidente da Câmara Municipal realizou consulta à assessoria jurídica, que entendeu pelo acerto da pretensão veiculada naquele mandamus, já que deveria ter sido observado o procedimento do Decreto 201/67. Por esta razão, o caso foi levado ao Plenário da Casa, de forma que a maioria dos vereadores entendeu pelo arquivamento do processo sem apreciação do mérito.

Informou que não obstante o arquivamento, foi protocolada nova denúncia, a partir da qual foi instaurado outro processo, com a observância do procedimento ditado pela lei.

Asseverou que na defesa prévia apresentada pelo parlamentar denunciado pela prática de atos ímprobos foram arroladas testemunhas, sendo que a Comissão Processante decidiu notificá-lo para depor e acompanhar os depoimentos por ele requeridos. Entretanto, o impetrante se recusou a receber as notificações e seu advogado não foi mais localizado.

Pontuou que o interesse em inquirir as testemunhas era do vereador, e mesmo diante do não comparecimento injustificado dele, todas as testemunhas presentes foram ouvidas, destacando ainda que os depoentes ausentes estão ligados diretamente ao impetrante ou às acusações que lhe foram imputadas.

Narrou que não há que se falar em cerceamento de defesa, vez que o parlamentar se recusou a receber as notificações para se defender e todas as tentativas frustradas foram certificadas por servidor efetivo da Câmara Municipal de Santana do Deserto.

Alegou que a intenção do impetrante era retardar os trabalhos da Comissão, para que o prazo de 90 (noventa) dias estabelecido no Decreto fosse ultrapassado, o que resultaria no arquivamento do processo. Nesta senda, a prova pericial seria irrelevante para o julgamento, pois bastava a mera comprovação dos atos ilícitos apontados na denúncia para que pudesse ser decidido sobre a perda ou não do mandato.

Finalizou dizendo que o impetrante não apresentou razões finais de defesa porque não quis, apesar de ter solicitado cópia do inteiro teor do processo, o que lhe foi disponibilizado.

Às fls. 538/554, o impetrado Walace Sebastião Vasconcelos Leite prestou informações, aduzindo que houve imensa preocupação dos membros da Comissão em observar com rigor os procedimentos determinados pelo Decreto-Lei 201/67, principalmente em garantir ao denunciado o direito de ampla defesa e o contraditório.

Assim como o primeiro impetrado, alegou que houve recusa do vereador em receber as notificações, o que evidencia seu intuito procrastinatório.

Quanto à não oitiva de todas as testemunhas arroladas, declarou que três delas se recusaram a receber a notificação, e que o Sr. Gilson Geraldo Fraga Granzinoli apesar de notificado, não compareceu.

Em informações de fls. 582, o impetrado Gilmar Monteiro Granzinoli, presidente da Comissão Processante, aduziu a preliminar de ilegitimidade passiva, sob o argumento de que a Comissão não tem personalidade jurídica, nem poderia ser considerada autoridade nos termos da Lei do Mandado de Segurança. Assim, qualquer reclamação judicial relativa à sua atuação deverá ser dirigida contra a Câmara que a criou e que responde por seus atos.

No mérito, asseverou que a Comissão em momento algum indeferiu a oitiva de qualquer testemunha.

Pugnou pela revogação da liminar concedida em favor do impetrante, para que o processo de cassação possa voltar a ter andamento normal, requerendo, ainda, que seja denegada in totum a segurança pleiteada.

Às fls. 602/604, manifestação ministerial pela denegação da segurança pretendida na peça proemial.

Relatei.

Decido.

 

II. Fundamentação

 

 

1. Da preliminar de ilegitimidade passiva

O segundo impetrante, Gilmar Monteiro Granzinoli, Presidente da Comissão Processante, requereu a sua exclusão do polo passivo da demanda, alegando que a Comissão não tem personalidade jurídica, de forma que caberia à Câmara Municipal que a criou responder por seus atos.

Impende ressaltar que a capacidade jurídica não se confunde com a capacidade processual, o que conduz à conclusão de que não só as pessoas físicas e jurídicas podem utilizar-se e ser passíveis de mandado de segurança, lecionando a doutrina que órgãos públicos despersonalizados, mas dotados de capacidade processual, também podem sê-lo, a exemplo das Mesas das Câmaras Legislativas, Presidências de Tribunais, Chefias de Executivo, dentre outros.

Deve ser feita a advertência de que a jurisprudência é uniforme no reconhecimento da legitimidade ativa e passiva de tais órgãos, restrita à atuação funcional e defesa de suas atribuições institucionais.

No caso das Comissões Processantes, órgão interno de manifestação da Câmara Municipal, entendo que seu Presidente não tem capacidade judiciária para figurar no presente mandamus, posto que age em nome e sob a responsabilidade da Câmara que criou a Comissão, que nada mais é do que um prolongamento da Casa Legislativa.

Nessa senda, a jurisprudência:



MANDADO DE SEGURANÇA - PRELIMINAR - ILEGITIMIDADE PASSIVA DO PRESIDENTE DA COMISSÃO PROCESSANTE - ACOLHIDA - PROCESSO ADMINISTRATIVO - FORMALIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO - DIREITO AO EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO - SEGURANÇA CONCEDIDA. - O Presidente da Comissão Processante não é a autoridade coatora, uma vez que age em nome do Presidente da Câmara Municipal, de modo que não tem capacidade judiciária para figurar no pólo passivo da presente ação. - No processo político administrativo que busca apurar denúncia por infração política, exige-se maior rigor quanto à observância das garantias constitucionais, de modo que deve ser verificado se foram atendidas as exigências procedimentais, dentre as quais, se o procedimento está devidamente formalizado, por escrito, com todas as páginas numeradas sequencialmente, a fim de possibilitar ao denunciado o seu pleno direito ao contraditório e ampla defesa. (Mandado de Segurança 1.0000.11.036717-4/000, Relator(a): Des.(a) Hilda Teixeira da Costa , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/09/2011, publicação da súmula em 30/09/2011) (g.n)



Feitas tais considerações, a preliminar de ilegitimidade passiva do Presidente da Comissão Processante da Câmara de Santana do Deserto deve ser acolhida.



2. Do mérito:

Doutrinariamente mandado de segurança é definido como meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

O mandato de segurança normalmente é repressivo de uma ilegalidade já cometida, mas pode ser preventivo de uma ameaça de direito líquido e certo do impetrante, não obstante, exige-se um ato concreto que possa pôr em risco o direito do postulante. Assim, o objeto dele será sempre a correção do ato ou omissão da autoridade tida como coatora.

Concede-se mandado de segurança se líquido e certo for o direito do impetrante (art. 1° da Lei n. 12.016/2009), e essa liquidez e certeza supõem uma preterição, pela autoridade, de um dever que lhe tenha sido imposto por uma prescrição normativa.

O impetrante alegou a violação de seu direito líquido e certo ao contraditório e à ampla defesa, na medida em que foi indeferida perícia contábil por ele requerida no processo de cassação de seu mandato eletivo, bem como em virtude da não oitiva de todas as testemunhas por ele arroladas.

Sabe-se que ao Judiciário não é dado se imiscuir no mérito legislativo, cabendo-lhe apenas verificar a legalidade dos atos praticados, o que no caso em apreço se consubstancia na aferição da observância dos princípios constitucionais e dos procedimentos previstos para a cassação do mandato.

A Constituição da República, no art. 5º, inciso LV, assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o direito ao contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

O indeferimento da prova pericial não configurou, in casu, cerceamento ao direito de defesa. Isto porque é perfeitamente razoável que as autoridades que conduzam o processo afastem a produção de uma prova quando ela se mostrar inútil, desnecessária ou meramente protelatória. Conforme se denota dos documentos inclusos à fls 249/250, a Comissão fundamentou a decisão que indeferiu a perícia contábil, alegando que a prova requerida seria irrelevante para o julgamento a ser realizado pela Câmara.

Ademais, deve-se ressaltar que em razão da exiguidade do prazo de que dispõe a Comissão para a conclusão do processo político-administrativo, provas com intuito manifestamente procrastinatório devem ser indeferidas.

Também não procede o argumento de que a denúncia foi vaga e imprecisa, posto que os fatos imputados ao parlamentar encontram-se devidamente delineados no documento de fls. 26/30, o que inclusive permitiu que a defesa apresentada fosse realizada sem maiores dificuldades. Destarte, não há que se falar em violação ao direito de defesa.

Cabe agora analisar se houve cerceamento de defesa em razão da não oitiva de todas as testemunhas e da ausência de notificação do impetrante para acompanhar os depoimentos.

Percebe-se pela defesa prévia acostada às fls. 106/115 que foram arroladas dez testemunhas. Às fls. 476/485, foram juntadas as respectivas convocações.

Na notificação dirigida ao Sr. Carlos Henrique de Carvalho Junior, consta que ele se recusou a recebê-la (fl.476). De igual forma, o Sr. Sebastião Modesto Filho também não quis assinar (fl. 480). Além das pessoas mencionadas, também não compareceu para prestar esclarecimentos o Sr. Gilson Geraldo Fraga Granzinoli, apesar de ter sido devidamente notificado (fl. 477).

Não se pode imputar à Comissão a responsabilidade pelo não comparecimento das testemunhas, já que foram tomadas todas as providências para que elas estivessem presentes. Todos que se dispuseram a prestar informações acerca dos fatos objeto da investigação foram ouvidos, conforme documentado (fls. 486/500).

Da mesma maneira, a oitiva do denunciado não ocorreu porque ele não quis. Resta patente que a Comissão Processante envidou todos os seus esforços no sentido de notificar o membro do legislativo local sobre os atos que estavam sendo praticados no processo em curso, a fim de evitar que a inobservância do contraditório maculasse o procedimento em análise.

Atenta ao que apregoa o Decreto-Lei 201/67, notadamente em seu art. 5º, após o recebimento da denúncia pelo plenário, a Comissão Processante, constituída mediante sorteio, deu início aos trabalhos para tratar da notificação do denunciado, a fim de que ele fosse cientificado da decisão pelo prosseguimento do processo após apreciação de defesa preliminar, bem como para que prestasse depoimento, se fosse de seu interesse. Na oportunidade, também foi agendada a oitiva das testemunhas para os dias 10/01/2014 e 13/01/2014.

A certidão de fl. 175 atesta que por duas vezes, no dia 07/01/2014, o Secretário Geral da Câmara Municipal de Santana do Deserto se dirigiu à residência do demandante, que não foi encontrado. Na mesma data, esteve no local de trabalho do advogado do vereador, que também não foi localizado, razão pela qual a documentação foi enviada para o escritório do causídico.

Restadas infrutíferas as tentativas de localização, a Comissão houve por bem não colher nenhum depoimento e nem ouvir as testemunhas notificadas, fazendo nova tentativa de cientificação do denunciado, designando as datas de 27/01/2014 e 03/02/2014 para realização dos atos adiados.

Mais uma vez tentou-se comunicar o impetrado, que se encontrava na sede da Câmara Municipal em virtude de sessão extraordinária agendada para aquele dia. Ao ser interpelado pelo relator da Comissão, o vereador se recusou a receber a notificação, asseverando que “não estava ali para isto, que não queria saber do assunto, e que se insistisse ele iria embora” (fls. 182 e 185). Destaque-se que na lista de presença da reunião consta a assinatura do vereador Carlos Henrique de Carvalho, conforme fl. 183.

Finda a fase de instrução, abriu-se vista para que o postulante oferecesse suas razões finais, por escrito, no prazo de 05 (cinco) dias contados da intimação.

Foi certificado à fl. 508 que o impetrante compareceu na sede da Câmara em busca do inteiro teor do Processo Especial de Investigação nº 002/2013, oportunidade em que houve tentativa de notificação, seguida da recusa do parlamentar.

Pelo que se percebe, em diversas oportunidades o impetrante se esquivou de ser notificado, ao que parece, com o escopo de retardar os trabalhos da Comissão.

Nesse diapasão, considerando que em momento algum foi impedido que o impetrante se manifestasse, lhe tendo sido oportunizado por diversas vezes falar nos autos, garantida a possibilidade de ciência, manifestação e contraprova, forçoso reconhecer que não ficou caracterizado cerceamento de defesa. O parlamentar, voluntariamente, deixou de exercer os direitos que lhe assistiam, de sorte que não pode agora se valer se sua própria torpeza a fim de obstar um procedimento que até o presente momento se desenvolveu de maneira escorreita, em estrita observância à legalidade.

Destarte, entendo que a liminar de fls. 269/272 não tem mais razões para subsistir, assim como não ocorreu violação a direito líquido e certo do impetrante.





III. Dispositivo



Ex positis, diante da ausência de violação a direito líquido e certo do impetrante, revogo a liminar concedida e denego a segurança pleiteada, resolvendo o processo, com julgamento de mérito, nos termos do art. 269, I, CPC.

Em relação ao impetrado Gilmar Monteiro Granzinoli, Presidente da Comissão Processante, extingo o processo, sem resolução do mérito, por sua ilegitimidade passiva, nos termos do art. 267, VI, do CPC.

Sem honorários, porquanto incabíveis na espécie, em face da Súmula 105 do STJ.

Custas suspensas, em virtude da assistência judiciária que ora defiro.

Ciência à autoridade coatora, com cópia da sentença.

PRI

Matias Barbosa, 23 de abril de 2014.





Mônica Barbosa dos Santos

Juíza de Direito