Autos: 0393.09.033251-0

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

 

 

SENTENÇA

 

Vistos, etc...

 

I- RELATÓRIO

O Ministério público do estado de Minas gerais ajuizou AÇÃO CIVIL PÚBLICA, por ato de improbidade administrativa, em face de CARLOS HUMBERTO DOS GONÇALVES DI SALLES E FERREIRA, então Prefeito do Município de Manga, MG, esclarecendo que foi instaurado, no âmbito da Promotoria, o Inquérito Civil nº 0393.06.000005-5, para apuração de contratação irregular de servidores públicos, em detrimento da realização de concurso público.

Relata que o Município, no período compreendido entre janeiro/2005 a maio/2007, efetuou a contratação de servidores, sem prévio concurso público, desatendendo a regra inscrita no artigo 37, II, da Constituição da República; que foi firmado TAC – Termo de Ajustamento de Conduta estabelecendo-se modos e prazos para a realização de concurso Público; que o Município realizou o concurso nº 01/2006, cujo resultado foi homologado em 09.04.2007.

Aduz que foram contratados servidores para ocuparem cargos efetivos, criados por lei, sem prévio concurso público de provas e títulos; que, não obstante o termo de conduta e a homologação do referido concurso, o réu deixou de nomear e dar posse aos candidatos aprovados, mantendo servidores contratados para os cargos para os quais existiam aprovados; que o Réu, em mandato anterior (1989 a 1992), realizou concurso público e, assim, tinha plena experiência na gestão da Prefeitura Municipal de Manga e, dolosamente, sem qualquer escusa possível, contratou centenas de servidores, ao arrepio da norma constitucional.

Argumenta sobre a nulidade absoluta dos contratos e o prejuízo ao erário.

Tece considerações sobre o direito posto e e conclui por requerer a condenação do réu nas sanções do Artigo 12, II e III, da Lei 8.429/92, no grau máximo de todas as cominações.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 12/1.591.

Após regular notificação, o Réu manifestou-se às fls. 1.595/1.614, pugnando pela improcedência do pedido, sob a alegação de que nenhuma mácula reside nas contratações empreendidas no Município de Manga, as quais observaram a Constituição Federal de 1988 e a Lei Municipal nº 1.467/1997; que a contratação temporária dispensa a exigência de concurso de provas ou de provas e títulos, tais como as contratações nos períodos de licença, férias, etc., dos servidores, não competindo ao Ministério Público impor, como entende, deverem se proceder as contratações temporárias do município.

Rechaça a existência de ato de improbidade administrativa e apresenta decisões que afastam o prejuízo ao erário e a condenação.

Argumentando que o TAC – Termo de Ajustamento de Conduta prova a sua boa-fé, conclui pela improcedência.

Juntou os documentos de fls. 1.616/1.632.

O MP reiterou o pedido de recebimento da inicial (fl. 1.634).

A decisão de fls. 1.634v, que recebeu a inicial com lastro no Artigo 17, § 9º da Lei nº 8.429/92, restou irrecorrida.

Citado, o Réu ofertou contestação às fls. 1.637/1.658, reiterando a defesa prévia, acrescentando que não houve ofensa a princípios, tão pouco prejuízo ao erário decorrente da conduta do contestante, afastando, por completo, a prática de ato improbo.

Acrescenta, ainda, que cabe ao Autor o ônus da prova, robusta e sólida, do contrário, aplica-se o in dubio pro reo.

Impugnação à contestação às fls. 1.660/1.668.

O processo foi instruído com os depoimentos de fls. 1.684/1.690.

O Réu comunicou o falecimento do seu Advogado - Dr. José Nilo de Castro – e requereu a juntada de substabelecimento (fl. 1.707/1.709).

Em alegações finais, via memoriais, as partes reiteraram suas teses (fls. 1.691/1.697 e 1.710/1.746.

 

É o relatório.

 

II- FUNDAMENTAÇÃO

O contraditório foi observado.

Conforme entendimento dominante do STJ - Superior Tribunal de Justiça: “Os juízes não são obrigados a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, nem a examinar, uma a uma, as teses por elas levantadas e os dispositivos apontados, mas, apenas, devem se referir aos princípios e normas que entendem ser, direta e necessariamente, aplicáveis ao caso concreto”1.

O TJMG, apreciando a questão, também já asseverou que “Não há obrigação processual de serem esmiuçados todos os pontos argüidos nos arrazoados das partes, bastando a explicitação dos motivos norteadores do convencimento, sobreconcentrando-se no núcleo da relação jurídico-litigiosa, com suficiência para o deslinde.”2

É com mote nas decisões transcritas que passo a apreciação da vexata quaestio.

Cuida-se de Ação Civil Pública, sem pedido liminar, na qual o Ministério Público estadual alega que o réu, ex-prefeito do Município de Magna, contratou centenas de servidores, sem prévio concurso público, fato este que configura improbidade administrativa.

As provas documentais produzidas revelam o que se passa a expor.

Incontroverso as contratações sem concurso público.

O Réu, por sua vez, defende a legalidade dos atos, invocando, para tanto, a Lei 1.467, de 04.04.1997, que autoriza a contratação para atender a necessidade temporária de excepcional de interesse público.

Dentre as contratações “excepcionais”, o documento de fls. 430, datado de 25.10.2006, dá conta de 10 (dez) servidores em “DESVIO DE FUNÇÃO”, dos quais 04 teriam como destinação: “FORUM”; 04 para a ADMINISTRAÇÃO FAZENDÁRIA – AF, 01 para a SEC. EDUCAÇÃO e 01 para os CORREIOS.

O TAC – Termo de Ajustamento de Conduta foi celebrado em 11.01.2007 (fls. 1.396/1.405, constando do instrumento, dentre outras, as seguintes obrigações:

5. Dispensar, no prazo máximo de até 60 (sessenta) dias da data da homologação do concurso previsto no item 2, todos os servidores admitidos, contratados e/ou designados sem pre´via aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, exceto os profissionais contratados para atender aos programas sociais dos governos federal e estadual.” Grifo meu.

Nos termos do § 1º da Cláusula Segunda: “A contratação por tempo determinado somente será permitida para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, observadas as hipóteses, critérios e procedimentos previstos na Lei Federal nº 8.745 de 1993, e somente poderá ser efetuada através de processo seletivo simplificado, sujeito a ampla divulgação em carros de som da cidade”

Como obrigações de não fazer, pactuou-se a abstenção de admissão, contratação e/ou designação, sem o prévio e regular concurso público, de servidores, sujeito as penalidades impostas pela Lei 8.429/92, com reflexos nas esferas civil, penal e administrativa, fixando-se, desde logo, multa de R$ 300,00 (trezentos reais) (fls. 1.404).

Às fls. 1.565/1.574 e 1.583/1586, encontram-se as relações dos funcionários contratados através de programas.

O Decreto nº 469/2007, homologou o resultado parcial do Concurso Público (fl. 1.577) e o Decreto nº 474/2007, datado de 09.04.2007, homologou o resultado final.

As testemunhas ouvidas, esclareceram o seguinte:

A testemunha José Rainero Barbosa Melo – depoimento de fl. 1684 – afirmou “...que trabalha na Prefeitura Municipal desde 2005, sendo que desde então exerce a função de contador; que assumiu no primeiro dia útil do mandato de requerido; que na Prefeitura, na data do assunção, não havia nada, ou seja, nenhum livro contábil, nenhum registro de empregados, computadores salvo 2 avariados, nenhum de controle de contas bancárias, nenhum registro de lançamentos contábeis futuros; que haviam algumas listas de servidores mas sem indicações precisas; que passado cerca de 1,5 ano ainda se estava organizando a documentação do Município; que para prestar contas, conseguiram poucos dias antes do termo final alguns documentos de um contador de Montes Claros; que nada sabia sobre as contratações de servidores no mandato do requerido; que não fazia qualquer exame acerca das verbas pagas a cada servidor.... ...que o exame de verbas a pagar a cada servidor não era pelo prefeito, mas sim pelo servidor do Recurso Humanos, lembrando-se que se chamava Sizenando de França; que no caso de servidor, independente do vínculo, não pagavam FGTS, salvo ordem judicial, eis que se considerava tal verba indevida; que lembra-se que o requerido tinha preocupação de fazer concurso público, mas face a desordem da Prefeitura, a falta de Plano de Cargos e o desconhecimento de qual era atual de Estatuto de Servidor, não haviam dados suficientes para a realização de concurso; que na época era Secretario de Fazenda e tinham problemas orçamentários eis que os recursos próprios eram quase todos descontados; que só restavam os recursos vinculados; que lembra-se que no afastamento do requerido, o vice-prefeito, ao assumir, exonerou cerca de 200 funcionários, os quais foram reintegrados por ordem judicial.”

A testemunha Vanderlúcia da Silveira Sales – depoimento de fls. 1685 afirmou...que trabalhou na Prefeitura municipal por 2 períodos, no primeiro como dentista contratado temporariamente, por cerca de 10 anos, e no segundo, no mandato requerido, como Secretaria de Saúde; que a prefeitura foi encontrada em situação muito difícil já que não se tinha número real dos servidores; que haviam listas de servidores repassada mensalmente, sendo que passados 4 meses de governo, foi localizado um servido da Secretaria de Saúde lotado no Fórum; que a deliberação do requerido, então, a de manter aqueles que já possuíam conhecimento técnico e conhecimento da função, sobretudo referente ao Programa Saúde da Família, já que há contato necessário com a população já atendida; que a saúde ainda tem a particularidade de ter de presta contas à Secretaria Estadual anualmente; que a solução encontrada foi manter as contratações temporárias do governo anterior, sem aumento de pessoal, salvo de médico; que só foram substituídos os contratados que por opção própria pretendiam se desligar do governo... ….que as tais contratações eram urgentíssimas, pena de a Secretaria não funcionar; que foi então feita contratação temporária e não concurso porque a “saúde não espera”; que o concurso levaria meses incompatíveis com o atendimento médico das pessoas; que não houver mudança da lotação dos servidores; que os médicos também foram mantidos mas 2 médicos que haviam ido embora quiseram voltar para a cidade, o que ensejou sua recontratação para atender ao PSF e ao Hospital; que o Município é polo de sua região, ate mesmo para município da Bahia; que não existiam funcionários efetivos suficientes, eis que os existentes eram originados da FUNASA e estavam lotados na área de epidemiologia”.

A testemunha Neide de Souza Magalhães - depoimento de fls.1686 – afirmou..que é professora do Município de Manga desde 1993; que é concursada, sendo que leciona na Escola CAIC; que é professora até a presente data; que antes do mandato do requerido, a escola estava defasada no que diz respeito ao número de servidores; que o citado quadro decorria do pequeno número de servidores; que no início do mandato do requerido o déficit aumento porque eis que houve aumento de turmas em razão de campanhas de aumento do movimento escolar; que na época houve um programa municipal em que cada aluno, ao sair da aula, ganhava um peixe para levar para casa; que também houve o aumento do transporte escolar; que tais fatores aumentaram o número de alunos no CAIC; que foram então feitas novas contratações de professores.... ...que especificamente no CAIC, a escola funcionava de 1ª a 4ª série, mas na gestão do requerido aumentou-se a oferta para 5ª a 8ª série, o que fez quase dobrar o número de alunos; que a campanha de aumento de aluno incluía atividades extracurriculares como atividades esportivas, crochê, artesanato, capoeira; que não havia pessoal efetivo suficiente para oferecer tais atividades; que também houve melhora na merenda,o que aliado ao aumento de alunos, ensejou a necessidade de aumentar o número de serviçais até porque a merenda era servida em 3 período; que haviam monitores que auxiliavam os professores; que as medidas ampliaram a qualidade da educação no município... ...que sabe que as contratações temporárias alcançaram todas as áreas do serviço educacional, como limpeza.”

A testemunha José Pinheiro Filho – depoimento de fls.1.687 – afirmou ...que era chefe de gabinete do requerido durante seu mandato; que por decisão governamental, houve decisão inicial de fazer contratações temporárias observando-se as necessidades de cada Secretaria; que a previsão governamental era de, em seguida, realizar concurso público; que houve dificuldade para a realização de concurso sobretudo em razão da dificuldade em se avaliar qual era a carência de funcionários; que apurar a carência de funcionários foi muito difícil porque não se tinha conhecimento de números de funcionários eis que os computadores da Prefeitura foram doados a terceiros; que não se tinha noção de número de servidores, até porque não se tinham registros funcionais; que no mandato do requerido foi proposto e aprovado Plano de Cargos e Salários, mas teve muita dificuldade na Câmara; que o concurso público esperou a aprovação do Plano de Cargos no Legislativo.... ...que eram os secretários que indicavam as necessidades de cada secretaria e as pessoas capacitada para o respectivo exercício, o que gerava as contratações.

A testemunha Edílson da Silva Pinto - depoimento de fls.1688/1689 – afirmou...que durante todo o mandato do requerido, exerceu o cargo de assessor jurídico no Município de Manga; que o cargo em questão é de provimento comissionado; que não se recorda se exarou parecer quanto à contratação de servidores temporários; que não emitiu ainda parecer tendente à definição das verbas que seriam pagas a servidores temporários; que sabe que foi mantida a forma de gestão de exercente do mandato anterior; que à época temporárias, inclusive de parte dos mesmos contratados no mandato anterior; que à época sequer tinham a noção da quantidade de servidores que o Município tinha; que no dia da posse, a Prefeitura não tinha computador, o gabinete tinha apenas uma mesa, sem caneta ou papel; que lembra-se de ter manejado ação de busca do computador do setor contábil da prefeitura, eis que tal aparelho teria sido levado para um escritório de contabilidade pelo ex-Prefeito; que o ex-Prefeito era Haroldo Bandeira; que lembra-se que o requerido buscou papel e cadeira em sua própria casa; que não lembra se havia registro de empregados e servidores; que ao início do mandato houve levantamento geral de cada setor do governo; que foi pedido pelo requerido um governo de transição, o que lhe foi negado; que não sabe se houve aumento ou diminuição do número de contratados no início do mandato do requerido; que as contratações temporárias foram mantidas porque “o município precisava andar, precisava de professoras nas salas, na saúde e na limpeza urbana”; que este contexto acarretou as contratações; que houve realização de concurso no mandato do requerido, mas este demorou porque o Prefeito tinha 8 vereadores contra si no legislativo, o que acarretava inúmeras denúncias em vários órgãos; que os levantamentos para apurar o números de servidores que precisariam contratar também demorou muito por tais dificuldades; que o TAC firmado com o MP ocorreu quando já estava em andamento o concurso, o que ensejou a alteração do edital; que o município efetivamente precisava dos servidores contratados, já que haviam salas sem professores; que concluído o concurso, todos os aprovados foram nomeados, não se recordando se ainda durante o mandato do requerido; que cassado o requerido, o novo prefeito concluiu nomeações e ainda realizou outro concurso para preencher outras vagas, o que revela a necessidade dos servidores sido contratados temporários; que até hoje há informações de que o município mantém servidores contratados, sendo que há notícias de que pode haver novo concurso; que a cidade estava suja pela falta de garis, bem como faltavam cantineiras e faxineiras nas escolas.... ….que o Município não tinha plano de cargos e salários, o que foi feito no mandato de requerido, todavia sua aprovação na Câmara foi “um Deus nos acuda”; que a aprovação foi antes de abertura do concurso público; que a realização do concurso era uma das prioridades do concurso, o que ensejou a proposição do Plano de Cargos e Salários; que no primeiro dia do governo, já foi determinado o levantamento do quantitativo de servidores mas tal demorou em razão da condição do Município; que o almoxarifado da Prefeitura sequer tinha energia; que lembra-se que houve até denúncia de que teria sido colocada açúcar no tanque dos veículos da Prefeitura; que o veículo do gabinete estava em uma oficina em Montes Claros, sendo que sequer se sabia de seu paradeiro; que os veículos estavam sucateados; que alguns computadores foram objeto de busca e apreensão judicial em razão de terem sido doados, com mesas de cadeiras, para o Sindicato de Servidores e para a polícia Militar; que os computadores foram recuperados mas não tinham qualquer informação de Prefeitura; que lembra-se que no mandato do Prefeito que antecedeu o requerido, foi feito parcelamento com INSS em valor mensais incompatíveis com o FPM; que se recorda de ter havido ainda outro parcelamento com a CEMIG, não se recordando se no mandato do requerido ou Prefeito que o antecedeu; que Manga não conseguia, à época, aprovar a cobrança de taxa de iluminação pública na Câmara Municipal, o que foi aprovado imediatamente após sua cassação... …..que foram tomadas perante a Polícia e o Ministério Público, além de ações de ressarcimento por danos causados pelo ex-Prefeito, objetivando a responsabilização dos outrora administradores pela dilapidação de patrimônio; que também haviam as tomadas de contas do Tribunal de Contas; que na sala de licitações não havia nada; que lembra-se que havia uma caixa de grampeador nova mas com um grampeador quebrado dentro; que na Escola CAIC constatou-se que todas as torneiras estavam quebradas de forma a vazar água; que não se lembra se houve procedimento administrativo prévia antecedente às contratações; que lembra-se que alguns servidores foram mantidos até por terem experiência na atividade; que salvo engano havia lei municipal que autorizava a contratação temporária; que as contratações foram nos termos da referida legislação”.

A testemunha Suely Massini Silva Montalvão – depoimento de fls.1.690 – afirmou “...que é servidora de Estado de Minas Gerais, mediante contrato temporário há cerca de 2,5 anos; que ocupa a função de professora de ensino fundamental; que é professora de turma regular, e não turma específicas ou transitórias; que foi servidora do Município de Manga aproximadamente desde 1989; que foi servidora por 2 período distintos, sendo efetiva no primeiro período, para o qual foi aprovada mediante concurso público; que foi exonerada, apesar de já haver superado o estágio probatório, com troca de Prefeito, de Élzio Mota para Haroldo Bandeira; que não questionou tal ato judicialmente; que não sabe indicar o período de sua exoneração; que voltou a trabalhar no Município em 2005, mediante contrato temporário; que nos 2 período da contratação teve atribuições de professora, sendo que no primeiro período chegou a exercer atribuições de cargo administrativo; que foi definitivamente exonerada em 2007; que conheceu alguns outros professores contratados sob o regime temporário, mediante contrato; que no período em que foi contratada, recebia salario e décimo - terceiro salário; que as férias eram gozadas, não sendo pagas indenizadas;que reside nesta cidade desde 1975, sendo que se lembra de ter havido concurso público para professor apenas no mandato de Haroldo Bandeira.... ….que no início do mandato do requerido, houver a criação de programas estadual que ensejou início da vida escolar aos 4 e 5 anos de idade; que o município de Manga ficou incumbido de implementar tais providência na comunidade local, o que efetivamente foi feito, oportunizando- se matrícula regular, fornecendo merenda e material escolar; que também era era ofertado pelo Município de Manga transporte de alunos na zona rural; que lembra- se que na escola onde trabalhava foi ampliado o número de turmas, de 4 para 6, sendo, em seguida, criada nova sede da escola,com o nome, também com 6 turmas; que era uma escola funcionando em 2 endereços; que o número de turma aumentou de 4 para 12 turmas; que o número de servidores era pequeno, o que ensejou a necessidade da contratação; que a referida contratação foi mediante temporária, encerrando- se ao final do ano letivo; que o mandato do requerido foi cassado em junho de 2007, tendo se iniciado em 2005 que no mandato do requerido, foi realizado concurso para professor e outro cargos, não podendo precisar se no ano de 2006 ou de 2007; que o aumento da demanda escolar foi em 2005 e antes da cassação do requerido, que ocorreu em 2007, houve a realização de concurso para gargo de professor; que no referido concurso, que agora se lembra ter ocorrido em 2006, também eram ofertados cargos administrativos vinculados à educação.”

 

Pois bem.

Quanto ao direito, dispõe a Lei 8.429, de 1992:

 

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência (...).

 

No entanto, para a configuração do ato de improbidade, não basta a caracterização do elemento objetivo, sendo necessário, segundo a doutrina e a jurisprudência majoritárias, a existência do elemento subjetivo, constituído por dolo ou culpa. A propósito, transcrevo a lição de Maria Sylvia Zanella di Pietro:

 

(...) O enquadramento na lei de improbidade exige culpa ou dolo por parte do sujeito ativo. Mesmo quando algum ato ilegal seja praticado, é preciso verificar se houve culpa ou dolo, se houve um mínimo de má-fé que revele realmente a presença de um comportamento desonesto. A quantidade de leis, decretos, medidas provisórias, regulamentos, portarias torna praticamente impossível a aplicação do velho princípio de que todos conhecem a lei. Além do mais, algumas normas admitem diferentes interpretações e são aplicadas por servidores públicos estranhos à área jurídica. Por isso mesmo, a aplicação da lei de improbidade exige bom-senso, pesquisa da intenção do agente, sob pena de sobrecarregar inutilmente o Judiciário com questões irrelevantes, que podem ser adequadamente resolvidas na própria esfera administrativa. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi o de punir infrações que tenham o mínimo de gravidade, por apresentarem consequências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros. A aplicação das medidas previstas na lei exige observância do principio da razoabilidade, sob o seu aspecto de proporcionalidade entre meios e fins. (...). (in Direito Administrativo, 18ª ed., Atlas, São Paulo, p. 726/728).

 

No caso, as contratações irregulares dos servidores, para ocupação de cargos administrativos, exclusivos de servidores efetivos, não são suficientes para comprovação de prejuízo ao erário, tendo em vista que os ex-servidores, exerciam, efetivamente, as funções previstas para o cargo que ocupavam, mediante contraprestação mensal, salvo aqueles que estavam em “desvio de função”, mas que, até prova em contrário, laboravam mensalmente, inexistindo prova de que seriam “servidores fantasmas”!

Assim, ausentes, na hipótese, comprovação de dolo e ausentes prejuízos ao erário, incabível a condenação em ressarcimento.

Mas, em época de recrudescimento do controle dos atos da administração pública, com a adoção de normas que reprimem atos desta natureza, mormente a Lei de Responsabilidade Fiscal, desacolher integralmente o pedido ao argumento de que não há prova de “prejuízo”, em abstrato, para o ente público, é fazer vista grossa sobre os novos rumos que o Administrador Público deve seguir e o Judiciário tem o dever de cobrar.

É verdade, por outro lado, que a ausência de lesão material ao erário tem sido tratada, não raro, indevidamente, como se nenhuma sanção pudesse ser imposta ao administrador público, o que constitui claro equívoco.

Ora, é justamente para a ausência de lesão ao erário e ausência de enriquecimento ilícito que existe o Art. 11, caput, da Lei nº 8.429/923.

Não se pode, todavia, ir ao ponto de sustentar que somente se pune o administrador desonesto, não o administrador incompetente, pois nesse caso se estaria exigindo aquilo que o legislador não exige4.

O certo é que, a priori, o administrador público responde com seus próprios bens pelos erros que eventualmente cometer, culposa ou dolosamente, pois deveria, rigorosamente, proceder hipoteca legal de seus bens no momento em que iniciasse uma administração.

Coube a sociedade escolher, “...por seus representantes constitucionais, o caminho do combate rigoroso à improbidade administrativa. Tal linha de pensamento há de nortear os lidadores do direito comprometidos com a busca, a promoção e a distribuição da justiça. A estreiteza da lógica puramente formal, como suporte para absurda impunidade, não deve imperar em detrimento de uma compreensão mais ampla da legislação regressiva da improbidade administrativa, no atual contexto histórico, sob pena de se esvaziarem importantes e legítimas expectativas da sociedade organizada”5.

Por fim, a princípio não se mostrava possível ao julgador, após concluir pela presença dos requisitos autorizadores do reconhecimento da improbidade administrativa, em qualquer de suas modalidades, optar pela exclusão de algumas das sanções legais, ou reduzir o quantum sancionatório a um patamar aquém do mínimo legal, sob pena de afronta expressa ao próprio texto constitucional (art. 37, § 4º, da Carta Constitucional) e as normas legais específicas (art. 12, incisos I, II e III da Lei nº 8.429/92)6.

Contudo, em 2009 o legislador alterou a redação do Artigo 12 da Lei 8.429/92, nos seguintes termos:

“Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.” Grifo meu.

Em caso análogo, o TJMG reconheceu que a contratação sem concurso público enseja a aplicação de penalidades de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, e, ainda, a proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

Eis a ementa:

EMENTA: APELAÇÃO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA POR VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS - ART. 11, CAPUT DA LEI FEDERAL N. 8.429/92 - DOLO LATO SENSU - PRESCINDIBILIDADE DE DANO AO ERÁRIO - PRECEDENTE DO STJ - DOSIMETRIA DA PENA - PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO.

- Conforme precedente do colendo STJ, "para caracterização dos atos previstos no art. 11 da Lei Federal n. 8.429/1992, basta a configuração de dolo lato sensu ou genérico" (Resp 951.389/SC).

- A contratação irregular, sem a realização de concurso público, configura improbidade administrativa por violação a princípios que orientam o atuar do administrador público, nos termos do art. 11, caput da Lei Federal n. 8.429/92, ainda que ausente dano direto ao erário.

- A dosimetria da sanção deve atender aos princípios constitucionais implícitos da razoabilidade e proporcionalidade, observada, por óbvio, a extensão do dano e proveito patrimonial do agente nos termos do art. 12, parágrafo único da Lei Federal n. 8.429/92. (TJMG - APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0313.07.211471-0/003 - COMARCA DE IPATINGA - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): FRANCISCO CARLOS CHICO FERRAMENTA DELFINO. REL. DES. VERSIANI PENNA. Data da publicação da súmula: 28.03.2014).

 

No caso dos autos, atento as particularidades do processo, inclusive que o Réu já havia exercido o cargo de chefe do executivo e não deu ao TAC – Termo de Ajustamento de Conduta o devido cumprimento, cabível a perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 04 (quatro) anos, pagamento de sanção civil equivalente a 10 (dez) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente, e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos, de forma a reprimir fatos dessa natureza.

Assim sendo, reconhecendo a força da prova produzida e preenchidos os requisitos da lei civil, impõe-se a procedência, em parte, do pedido formulado na exordial.

 

III- DISPOSITIVO

 

EX POSITIS e, por tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE, em parte, o pedido contido na inicial para APLICAR ao Réu CARLOS HUMBERTO DOS GONÇALVES DI SALLES E FERREIRA as penalidades da perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 04 (quatro) anos, pagamento de sanção civil equivalente a 10 (dez) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos, com resolução do mérito, nos termos do Artigo 269, I, do CPC.

Condeno-o, ainda, no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), devidamente corrigido.

Cientifico o(s) vencido(s) para, no prazo de 15 dias, efetuarem o pagamento do montante da condenação sob pena de multa no percentual de 10% (dez por cento) e, a requerimento do credor, observado o disposto no Artigo 614, inciso II, do CPC72, ser expedido o competente mandado de penhora e avaliação, que poderão recair, inclusive, sobre bens já indicados pelo Exeqüente (Art. 475-J, caput, e § 3º do CPC).

Se efetuado o pagamento parcial do débito, no prazo acima, a multa de 10% (dez por cento) incidirá apenas sobre o restante (§ 4º do Art. 475-J, do mesmo diploma legal).

Transitada em julgado, não sendo requerida a execução, arquivem-se os autos, ressalvado o desarquivamento a pedido da parte (§ 5º do CPC).

P.R.I.

Cumpra-se.

De Belo Horizonte p/Manga, 15 de abril de 2014.

 

 

1 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO N° 2.0000.00.468541-4/003 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - EMBARGANTE(S): ESPÓLIO DE RENÉ RENAULT NETO - EMBARGADO(A)(S): CIA. AGRÍCOLA SANTA BÁRBARA - RELATOR: EXMO. SR. DES. EDUARDO MARINÉ DA CUNHA. Data da Publicação: 11/05/2007.

2 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.08.077615-6/002 EM APELAÇÃO CÍVEL N. 1.0024.08.077615-6/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - EMBARGANTE(S): VIVAMED COOP DE USUÁRIOS DE ASSISTÊNCIA MÉDICO HOSP DO SICOOB LTDA - EMBARGADO(A)(S): UNIMED BH COOPERATIVA TRABALHO MEDICO LTDA, LUCIO MARINHO DE OLIVEIRA - RELATOR: EXMO. SR. DES. ROGÉRIO MEDEIROS. Data da publicação: 18/08/2009.

 

3Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais;

V - frustrar a licitude de concurso público;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

4MELLO, CLÁUDIO ARI, Improbidade administrativa - Considerações sobre a Lei 8.429/92, in Revista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul nº 36, Ed. RT, 1995, pág. 176.

5Sobre a importância de o ato interpretativo atentar às exigências da vida real, ver DU PASQUIER, CLAUDE, Introduction à la théorie générale et à la philosophie du droit, quatrième édition mise à jour et augmentée, Delachaux & Niestlé S.A., págs. 198/199. Citado por Fábio Medina Osório (RJ nº 235 - MAI/97, pág. 134).

6IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DECORRENTE DE DESPESAS PÚBLICAS ILEGAIS E IMORAIS: ASPECTOS PRÁTICOS DA LEI Nº 8.429/92 - por Fábio Medina Osório - Publicada na RJ nº 235 - MAI/97, pág. 134)”.

7 Cumpre ao Credor, ao requerer a execução, instruir o pedido com o demonstrativo do débito, devidamente atualizado.