PROCESSO Nº 0024.12.160.322-9

 

AUTORES: JOSÉ OTÁVIO DE MAGALHÃES JÚNIOR

CARMEM MARTA DE ARAÚJO MAGALHÃES

 

RÉUS: LEROY MERLIN COMPANHIA BRASILEIRA DE BRICOLAGEM LTDA

PAMESA DO BRASIL S/A

 

 

 

SENTENÇA

 

 

Vistos, etc.

 

I – RELATÓRIO

 

JOSÉ OTÁVIO DE MAGALHÃES JÚNIOR e CARMEM MARTA DE ARAÚJO MAGALHÃES ajuizaram a presente “ação de indenização por reparação de danos morais e materiais com pedido liminar” em desfavor de LEROY MERLIN COMPANHIA BRASILEIRA DE BRICOLAGEM LTDA e PAMESA DO BRASIL S/A, todos qualificados, sustentando, em síntese, que no intuito de reformar a cozinha de sua residência, adquiriram o piso de porcelanato PORC NERO MARQUINA 80X80 pelo valor de R$7.228,63.

 

Asseveraram que o piso foi assentado por profissional experiente, sendo que o produto passou a apresentar arranhões e manchas.

 

Afirmaram que solicitaram visita da arquiteta e da equipe de reforma, na pessoa do Sr. José Nilson, que apresentou relatório técnico e orçamento para retirada e assentamento de novo piso, no valor de R$8.200,00.

 

Pleitearam liminarmente a antecipação da perícia e requereram, ao final, a condenação da parte Ré ao pagamento de indenização por danos morais e materiais. Documentos às f.11/83.

 

Devidamente citada (f.87), a 1ª Ré apresentou contestação às f.89/107, arguindo, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva. Quanto ao mérito, alegou a imprestabilidade probatória dos documentos juntados pelo Autor, visto que foram produzidos de forma unilateral. Teceu considerações acerca da ausência de vício de fabricação e da inexistência do dever de indenizar os danos morais e materiais pleiteados. Requereu a improcedência dos pedidos iniciais.

 

Regularmente citada (f.88), a 2ª Ré ofertou contestação às f.108/118, suscitando, preliminarmente, inépcia da inicial e ilegitimidade passiva. No mérito, argumentou que o piso adquirido foi assentado em local desaconselhado pelo fabricante, sendo que o suposto vício decorreu de mau uso do produto. Bateu-se contra o pedido de dano moral e de inversão do ônus da prova. Afirmou que a parte Autora apresentou apenas um orçamento, não podendo este prevalecer. Pleiteou a improcedência dos pedidos autorais. Documentos às f.119/126.

 

Impugnação às f.171/178.

 

Manifestação da 1ª Ré às f.181/186 e da 2ª Ré às f.190/192.

 

Intimadas para especificação de provas (f.193), a 1ª Ré informou que não pretende produzir outras provas (f.194) e a parte Autora requereu a produção de prova testemunhal, pericial e o depoimento pessoal dos representantes das Rés (f.195).

 

Termo da audiência de conciliação à f. 196. Não houve acordo. Na oportunidade foi rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva da 1ª Ré e deferidas as provas requeridas.

 

Apresentação de quesitos pela 2ª Ré às f.224/226, pela 1ª Ré às f.233/235 e pela parte Autora às f.236/237.

 

A parte Autora desistiu da prova pericial (f.241/242), sendo homologada a desistência às f.243.

 

Designada audiência de instrução e julgamento, o ato transcorreu conforme termo de f.245. Foram ouvidas duas testemunhas arroladas pelos Autores. O preposto da 2ª Ré prestou depoimento pessoal à f.246.

 

Memoriais da 2ª Ré às f.253/263, da parte Autora às f.264/269 e da 1ª Ré às f.272/278.

 

É o relatório. Decido.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

PRELIMINARES

 

a) Inépcia da inicial

 

A preliminar de inépcia da inicial arguida pela 2ª Ré não merece prosperar, pois a exordial preenche os requisitos do art.282 do CPC, estando ausentes os vícios que ensejam seu indeferimento (art.295 do CPC).

 

Ademais, os pedidos, além de devidamente fundamentados, possuem relação lógica com os fatos narrados, uma vez que a parte Ré demonstrou, a todo o momento, entender o que motivou a parte Autora a ingressar em Juízo, o que a permitiu exercer amplamente o seu direito de defesa.

 

Assim, rejeito a preliminar.

b) Ilegitimidade passiva

 

A preliminar de ilegitimidade passiva apresentada pela 2ª Ré se confunde com o mérito e com o tal será analisada.

 

Consigna-se que a ilegitimidade passiva da 1ª Ré já foi devidamente afastada às f.196) pelo que passo a análise do mérito.

 

MÉRITO

 

De início, salienta-se que a relação jurídica travada entre as partes é inegavelmente de consumo, estando, pois, submetida às disposições da Lei nº 8.078/90.

 

Sem mais delongas, no caso em questão, pretendem os Autores que a parte Ré seja condenada ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, devido ao vício apresentado pelo produto fabricado pela 2ª Ré e comercializado pela 1ª Ré.

 

Importante destacar, em princípio, a distinção entre fato do produto e vício do produto, previstos nos arts. 12 e 18 do CDC, respectivamente.

 

O fato do produto ocorre nos casos em que a utilização do produto causa danos ao consumidor, expondo a sua segurança e saúde, tratando-se de acidente de consumo.

 

De outro norte, o vício do produto denota vício de adequação, sucedendo quando uma desconformidade do produto comprometer sua utilização. Normalmente, envolve a perda do valor do produto.

 

Sobre a responsabilidade por danos decorrentes do vício do produto, disserta a ilustre Ada Pellegrini Grinover:

 

O Código distingue dois modelos de responsabilidade: por vícios de qualidade ou qualidade dos produtos ou serviços, e por danos causados aos consumidores, ditos acidentes de consumo.


O art. 12 disciplina este último modelo, ocupando-se da responsabilidade do fornecedor por danos decorrentes dos vícios de qualidade dos bens, rectius, de defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento dos produtos.


A responsabilidade por danos decorre da propagação do vício de qualidade, alcançando o consumidor e inclusive terceiros, vítimas do evento (cf. art. 17), e supõe a ocorrência de três pressupostos: a) defeito do produto; b) eventus damni; e c) relação de causalidade entre o defeito e o evento danoso.


Figurativamente, podem ser lembrados os seguintes acidentes de consumo que suscitam responsabilidade por danos: - defeito no sistema de freio do veículo que causa danos materiais ou pessoais; - defeito na fabricação ou montagem de eletrodomésticos que provoca incêndio; - defeito na formulação de medicamento que causa danos à saúde do consumidor: - defeito na formulação ou acondicionamento de vacinas ou agrotóxicos que afeta o rebanho ou prejudica a plantação.


Atente-se, contudo, que o produto, às vezes, não ostenta vício de qualidade, mas é fornecido com informações "insuficientes ou inadequadas sobre a utilização e riscos" - como dispõe in fine o art. 12 - ocasionando danos ao consumidor ou terceiros e que, da mesma sorte, implicam a obrigação de indenizar.


Portanto, além dos vícios de qualidade, os vícios de informação podem ocasionar acidentes de consumo, passíveis de indenização se as instruções relativas à utilização do produto ou à fruição do serviço não o acompanharem ou pecarem pela falta de clareza e precisão” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 5º ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 141-142)

 

O direito de informar é uma prerrogativa constitucional prevista em seu art.220, caput, que se subdivide em três espécies: a) o direito de informar; b) o direito de se informar; c) o direito de ser informado.

 

Dessa maneira, é necessário o oferecimento pela parte Ré de informação adequada ao consumidor, para que este não tenha restringida a sua manifestação de vontade quanto à aquisição do produto.

 

Compulsando os autos, percebe-se que a 2ª Ré reconhece que o produto não pode ser utilizado em cozinhas, limitando-se a afirmar que o local em que foi assentado o piso era inadequado e desaconselhado pela fabricante.

 

Ademais, no depoimento pessoal do representante da 2ª Ré, denota-se:

 

[...] que não sabe se existe alerta na internet propagado pela empresa de que o piso objeto do processo não pode ser usado em cozinha; que desconhece o fato de que na embalagem do produto existe algum alerta [...]”. (f.246)

 

Dessa maneira, entendo que cabia à parte Ré o fornecimento de informações ao consumidor quanto às limitações de utilização do material que disponibilizou no mercado, de forma que o consumidor pudesse ter ciência da qualidade do produto adquirido.

 

Assim, evidenciada a ausência de informação quanto à imprestabilidade do piso para ambiente de cozinha, presente está o vício do produto, devendo ser indenizado o consumidor.

 

Outro não é o entendimento do Eg. TJMG:

 

APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO - DANO MATERIAL - PISO CERÂMICO - LINHA COMERCIAL - QUALIDADE INFERIOR - INFORMAÇÃO INSUFICIENTE AO CONSUMIDOR - VÍCIO DO PRODUTO CONFIGURADO. A inserção no mercado de piso cerâmico de qualidade inferior obriga ao produtor a acondicioná-lo em embalagem que informe ao consumidor, de forma clara e precisa, que se trata de produto de segunda linha e, por isso, passível de apresentar defeitos e diferenças entre as peças que o compõe, pois, caso contrário, resta configurado o vício do produto, obrigando-se o fabricante a indenizar o consumidor em caso de dano.” (Apelação Cível  1.0686.05.138514-0/001, Relator(a): Des.(a) Luciano Pinto , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/07/2008, publicação da súmula em 22/07/2008)

 

Destarte, evidenciada a conduta antijurídica da parte Ré, passo ao exame dos danos morais e materiais pleiteados.

 

Os danos morais, na definição do ilustre civilista Carlos Alberto Bittar, caracterizam-se por:

 

''lesões sofridas pelas pessoas, físicas ou jurídicas, em certos aspectos de sua personalidade. Em razão de investidas injustas de outrem. São aquelas que atingem a moralidade e a afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas.'' (Reparação Civil por Danos Morais'', artigo publicado na Revista do Advogado/AASP. nº 44, 1994, p. 24). - grifo meu.

 

Os direitos da personalidade, como se sabe, além da imagem, do nome, da boa fama, englobam também o ânimo psíquico.

 

Partindo-se dessa premissa, no caso em tela, tenho que a conduta antijurídica praticada pelas Rés, que causou danos morais à parte Autora, restou suficientemente demonstrada.

Isso porque, inconteste o grande desgaste emocional e a frustração enfrentada pelos Autores em razão de conduta perpetrada pela parte Ré (dano e nexo de causalidade), visto que sentiram-se impotentes, aflitos e angustiados, diante da situação de se deparar com o piso da cozinha da residência deteriorado em tão curto espaço de tempo e em dissonância com o almejado, havendo a necessidade de enfrentamento de uma nova reforma, sendo que tal fato ultrapassa os limites do mero aborrecimento, causando verdadeiro abalo psicológico, devendo as Rés serem condenadas a compensá-los moralmente.

 

Tratando-se de dano moral, o conceito de ressarcimento abrange duas forças: uma de caráter punitivo, com vistas a castigar o causador do dano pela ofensa praticada e outra de caráter compensatório, destinada a proporcionar à vítima algum benefício em contrapartida ao mal sofrido.

 

Tal ressarcimento presta-se a minimizar o desequilíbrio e a aflição suportada pela vítima do dano, não podendo constituir fonte de enriquecimento ilícito.

 

O quantum a ser fixado para a indenização competirá ao prudente arbítrio do magistrado que, tendo em vista as dificuldades da positivação, traços e contornos do dano moral, deverá estabelecer uma reparação equitativa, levando-se em conta as peculiaridades de cada caso, como a culpa do agente, a extensão do prejuízo causado, a capacidade econômica das partes, bem como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

 

Por isso, entendo que o valor da indenização deve perfazer o montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

 

Já os danos materiais são aqueles que atingem diretamente o patrimônio das pessoas físicas ou jurídicas e podem ser configurados por uma despesa que foi gerada por uma ação ou omissão indevida de terceiros, ou ainda, pelo que se deixou de auferir em razão de tal conduta, caracterizando a necessidade de reparação material dos chamados lucros cessantes.

 

Para a reparação do dano material mostra-se imprescindível demostrar-se o nexo de causalidade entre a conduta indevida do terceiro e o efetivo prejuízo patrimonial que foi efetivamente suportado. Por sua natureza, evidentemente, a demonstração da extensão do dano material deve ser precisa também quanto ao valor da indenização pretendida, pois o que se visa através da ação judicial é a recomposição da efetiva situação patrimonial que se tinha antes da ocorrência do dano.

 

Logo, é ônus da parte Autora a demonstração nos autos do valor que lhe é devido quanto à indenização.

 

Conforme o art. 18, § 1° do CDC, que trata da responsabilidade dos fornecedores por vícios do produto, não sendo o vício sanado no prazo de 30 dias o consumidor tem o direito de exigir à sua escolha a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos ou o abatimento proporcional do preço.

 

No caso em discussão, a Autora apresentou a nota fiscal da compra do produto (f.23) no valor de R$ 7.228,63, e, também, o orçamento para a realização da retirada e recolocação de um novo piso (f.81), no valor de R$ 8.200,00, estes que não foram devidamente impugnados pela parte Ré, já que esta refutou o valor exposto sem apresentar, contudo, os valores que entende devidos, passando ao largo da sua obrigação legal (art.333, II, CPC).

 

Consigna-se que quanto à alegação da parte Ré quanto à imprestabilidade dos documentos juntados, tal não prospera, visto que caberia esta apresentar os valores que entende devidos, sendo que quedou-se inerte.

 

Todavia, quanto ao pedido de indenização pelos valores que serão gastos com alimentação, estes não foram demonstrados de forma suficiente, tendo em vista que não há indício de gastos diários quanto à alimentação e, ainda, não houve comprovação de que os Autores mantinham o hábito de cozinhar em sua residência, não tendo a parte Autora cumprido com a sua obrigação, esta prevista no art.333, I, do CPC.

 

III – DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, com fulcro no art. 269, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais formulados pelos Autores para:

 

a) condenar a 2ª Ré ao pagamento de indenização por dano moral no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

 

O valor será corrigido monetariamente, a partir da presente data (súmula 362, STJ), pelos índices divulgados pela Corregedoria de Justiça de Minas Gerais, acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, desde a citação, tudo calculado e apurado até a data do efetivo pagamento.

 

b) condenar a 2ª Ré ao ressarcimento do valor de R$7.228,63 (sete mil duzentos e vinte e oito reais e sessenta e três centavos) referente à compra do porcelanato polido nero marquina 80x80 (f.23).

 

O valor deverá ser atualizado pelos índices da Eg. Corregedoria de Justiça de MG desde a data do desembolso e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação.

 

c) condenar a 2ª Ré ao pagamento de danos materiais de R$8.200,00 (oito mil e duzentos reais), atinentes ao serviço de retirada e colocação de um novo piso na cozinha dos Autores.

O referido valor deverá ser deverá ser atualizado pelos índices da Eg. Corregedoria de Justiça de MG desde a data do orçamento e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação.

 

Diante da sucumbência mínima da parte Autora (art.21, parágrafo único, do CPC), condeno a 2ª Ré ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 15% sobre o valor da condenação, na forma do art. 20, § 3º, do CPC.

 

JULGO EXTINTO O PROCESSO, SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, nos termos do art. 267, XVIII, do CPC em relação à 1ª Ré Leroy Merlin Companhia Brasileira de Bricolagem Ltda, conforme requerimento de f.269 e concordância de f.280.

 

Condeno a parte Autora ao pagamento dos honorários advocatícios ao patrono da 1ª Ré no valor de R$1.000,00 (hum mil reais) – art. 20, §4º c/c art. 26 do CPC.

 

P.R.I.C.

Belo Horizonte, 24 de março de 2013.

 

 

MARCO AURÉLIO FERRARA MARCOLINO

Juiz de Direito da 14ª Vara Cível