Autos do processo nº 0132.10.001985-1

Autor: Ministério Público do Estado de Minas Gerais

Réus: Moacir Tostes de Oliveira e outros

Ação Civil Pública

 

 

 

SENTENÇA

 

 

 

Vistos.

 

 

I- RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS propôs AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face de MOACIR TOSTES DE OLIVEIRA, MÁRIO DO LIVRAMENTO RODRIGUES PEREIRA, MUNICÍPIO DE CARANDAÍ e FRANCISCO DE ASSIS FONSECA, todos qualificados, requerendo, em antecipação de tutela, a declaração de que a jornada de trabalho a ser cumprida pelo requerido Francisco de Assis Fonseca é de 44 horas semanais e, no mérito: (i) a condenação dos réus, com exceção do ente municipal, nas sanções do art.12, III, da Lei nº 8.429/92; (ii) seja o requerido Moacir Tostes de Oliveira condenado a ressarcir aos cofres públicos todos os valores devidos pelo município ao servidor, ora réu, Francisco de Assis Fonseca, no período compreendido entre 1º de janeiro de 2001 e 31 de dezembro de 2007; (iii) a confirmação da liminar, caso não haja perda da função pública de Francisco de Assis Fonseca; (iv) a extinção do cargo de Defensor Público do quadro de cargos do serviço público municipal de Carandaí.

Para tanto, alegou: (i) foi instaurado inquérito civil para apuração de irregularidades em nomeações de Assistentes Jurídicos e no funcionamento da “Defensoria Pública Municipal” de Carandaí; (ii) por meio das portarias nº 061/2001 e 114/2002, o réu Moacir Tostes de Oliveira nomeou para o cargo de Assistente Jurídico pessoas que não tinham curso de Direito completo, contrariando a Lei Municipal nº 14/95; (iii) em seguida, um dos assistentes foi nomeado para o cargo de Defensor Público Municipal, não havendo critérios objetivos para o funcionamento da referida defensoria; (iv) apurou-se, ainda, que o réu Moacir Tostes de Oliveira manteve oficiosamente o servidor Francisco de Assis Fonseca afastado de suas atividades na função pública de advogado, deixando de exigir o cumprimento da carga honorária devida, qual seja, 44 horas semanais; (v) verificou-se, porém, que o réu Francisco de Assis Fonseca vem recebendo por todo o período em que ficou afastado e sem trabalhar, mesmo sabendo do seu dever de prestar serviço público; (vi) o réu Mário do Livramento Rodrigues Pereira tem conhecimento de toda a situação envolvendo o servidor e também réu Francisco de Assis Fonseca e, ainda assim, mantém-se inerte, deixando de exigir o cumprimento do serviço público pelo referido advogado; (vii) por ser irregular e atentar contra a Constituição da República, o cargo de Defensor Público Municipal deve ser extinto dos quadros do município de Carandaí.

Juntou documentos às ff.27/223.

A tutela antecipada foi deferida em parte, determinando ao réu Francisco de Assis Fonseca o cumprimento de jornada mínima de trabalho de 20 horas semanais junto à Prefeitura Municipal de Carandaí (ff.227/231).

Notificado, o réu Francisco de Assis Fonseca apresentou defesa e documentos às ff.238/365 pugnando pela improcedência dos pedidos, aduzindo: (i) não praticou nenhum ato lesivo aos interesses da comunidade de Carandaí; (ii) é servidor estável do município, por força do art.19, do ADCT, da CR; (iii) ocupou, por duas vezes, o cargo em comissão de Assessor Jurídico, sendo que, a partir de 31/12/2000, voltou a exercer somente o cargo de Advogado II; (iv) “com a mudança eleitoral ocorrida no município em 2001, foi colocado em disponibilidade remunerada pela Administração Municipal, o que, segundo a Administração Municipal, estaria arrimada no art.41, §3º da Carta Régia, corroborada pela Legislação Municipal através da Lei Complementar nº 14/95 e, o pagamento justificado pela Lei Complementar 2, de 1.11.90 e, esta seria a condição de sua disponibilidade remunerada” (f.239, sic); (v) em 2006, foi determinado que o réu passasse a prestar serviços no Procon municipal, o que vem fazendo desde então; (vi) foi contratado para jornada especial de trabalho – de uma hora diária – e recebe vencimentos de forma proporcional.

A seu turno, o réu Mário do Livramento Rodrigues Pereira apresentou defesa e documentos às ff.366/814. Aduziu a necessidade de aplicação do art.191 c/c art.241, III, ambos do CPC. Em preliminar, suscitou a ilegitimidade passiva do Município de Carandaí. No mérito, requereu a total improcedência dos pedidos, alegando: (i) as nomeações de pessoas não graduadas em Direito para os cargos de Assistente Jurídico e de “Defensor Público” se deu em razão da desnecessidade prática da exigência de formação em curso superior de Direito; (ii) noutro giro, as nomeações eram essenciais para dar cumprimento a diversos convênios firmados pelo município; (iii) a intenção da chamada “Defensoria Pública Municipal” era somente prestar assistência judiciária no âmbito do município, sendo a questão aduzida na inicial, em verdade, mero erro material de nomenclatura; (iv) em relação ao réu Francisco de Assis Fonseca, não há que se falar em pagamento sem a devida contraprestação laboral, vez que houve disponibilidade remunerada proporcionalmente, tudo de acordo com a legislação vigente; (v) a jornada de trabalho para o cargo de advogado é de 20 horas semanais; (vi) consideradas as peculiaridades do servidor Francisco de Assis Fonseca, que em verdade é detentor de função pública em razão da estabilidade constitucional do art.19 do ADCT, sua carga horária foi estabelecida pela Portaria nº 187/2006.

Finalmente, o réu Moacir Tostes de Oliveira apresentou defesa preliminar e documentos às ff.815/828. Requereu o não recebimento da inicial, alegando: (i) embora conste de lei municipal a exigência de graduação em Direito para exercício do cargo de Assistente Jurídico, tal formação é desnecessária frente as atribuições do cargo; (ii) houve erro quanto à nomenclatura do cargo de “Defensor Público Municipal”; (iii) a assistência jurídica prestada pelo município independia de preferências políticas; (iv) a disponibilidade remunerada do servidor Francisco de Assis Fonseca se deu de acordo com a legislação vigente e de forma proporcional; (v) a carga horária cumprida pelo referido servidor também está de acordo com a lei.

O Ministério Público se manifestou à f.829.

Decisão às ff. 831/834, rejeitando a preliminar e recebendo a peça inaugural.

Devidamente citado, o réu Mário do Livramento Rodrigues Pereira apresentou contestação e documentos às ff.855/880. De início, aduziu a necessidade de aplicação do art.191 c/c art.241, III, ambos do CPC. No mérito, requereu a total improcedência dos pedidos, alegando: (i) as nomeações de pessoas não graduadas em Direito para os cargos de Assistente Jurídico e de “Defensor Público” se deu em razão da desnecessidade prática da exigência de formação em curso superior de Direito; (ii) noutro giro, as nomeações eram essenciais para dar cumprimento a diversos convênios firmados pelo município; (iii) a intenção da chamada “Defensoria Pública Municipal” era somente prestar assistência judiciária no âmbito do município, sendo a questão aduzida na inicial, em verdade, mero erro material de nomenclatura; (iv) no que tange ao réu Francisco de Assis Fonseca, não há que se falar em pagamento sem a devida contraprestação laboral, vez que houve disponibilidade remunerada proporcionalmente, tudo de acordo com a legislação vigente; (v) a jornada de trabalho para o cargo de advogado é de 20 horas semanais; (vi) consideradas as peculiaridades do servidor Francisco de Assis Fonseca, que em verdade é detentor de função pública em razão da estabilidade constitucional do art.19 do ADCT, sua carga horária foi estabelecida pela Portaria nº 187/2006; (vii) não há nenhum indício da prática de ato de improbidade.

O Município de Carandaí apresentou contestação às ff.881/894. De início, aduziu a necessidade de aplicação do art.191 c/c art.241, III, ambos do CPC. Em preliminar, suscitou sua ilegitimidade passiva. No mérito, requereu a improcedência dos pedidos, defendendo a legalidade dos atos narrados na inicial. Juntou documento à f.892.

Por sua vez, o réu Moacir Tostes de Oliveira apresentou contestação às ff.893/901. Requereu a improcedência dos pedidos, alegando: (i) embora conste de lei municipal a exigência de graduação em Direito para exercício do cargo de Assistente Jurídico, tal formação é desnecessária frente as atribuições do cargo; (ii) houve equívoco quanto à nomenclatura do cargo de “Defensor Público Municipal”; (iii) a assistência jurídica prestada pelo município independia de preferências políticas; (iv) a disponibilidade remunerada do servidor Francisco de Assis Fonseca se deu de acordo com a legislação vigente e de forma proporcional; (v) a carga horária cumprida pelo referido servidor também está de acordo com a lei. Juntou documento às ff.902/903.

Finalmente, o réu Francisco de Assis Fonseca apresentou contestação às ff.912/919, acompanhada do documento de f.920. Em prejudicial, aduziu a prescrição. Em sede de preliminar, arguiu a impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, pleiteou a improcedência dos pedidos, sob os seguintes argumentos: (i) toda a questão se deu pois o então prefeito afastou o réu de suas funções para possibilitar a nomeação de estudante de direito para cargo técnico de advogado; (ii) o réu sempre esteve à disposição do município para prestação de serviços; (iii) não houve dolo ou má-fé em sua conduta.

Impugnação às ff.921/927.

Despacho saneador às ff. 928/931, afastando a prejudicial de prescrição.

Em audiência, foi tomado depoimento pessoal dos réus e ouvida uma testemunha (ff.987/991).

Documento à f.992.

Alegações finais pelo Ministério Público às ff. 993/997, reiterando os pedidos da inicial. Os réus apresentaram memoriais às ff.998/1004, 1005/1018 e 1031/1042, ratificando as teses que sustentam a improcedência dos pedidos.

Os autos vieram conclusos.

II- FUNDAMENTAÇÃO

Trata-se de ação civil pública ajuizada em razão de suposto ato de improbidade administrativa praticado por Moacir Tostes de Oliveira, Mário do Livramento Rodrigues Pereira e Francisco de Assis Fonseca.

Houve inclusão do Município de Carandaí no polo passivo da lide e, após citado, o ente público optou por oferecer contestação.

Não há nulidades a serem pronunciadas de ofício, uma vez que o feito seguiu o rito legalmente previsto.

1. Preliminares

Quanto às preliminares, de início cumpre esclarecer que a aplicação do art.191 e do art.241, III, ambos do CPC, suscitada pelo réu Mário do Livramento Rodrigues Pereira e pelo Município de Carandaí, não se trata tecnicamente de questão que obsta o exame do mérito (art.301 do CPC), mas sim de regra procedimental, devidamente observada no presente processo.

Ainda em relação às preliminares, em contestação, o Município de Carandaí aduziu sua ilegitimidade passiva ad causam. Entretanto, tratando-se de ação em que se imputa ato de improbidade administrativa, obrigatória a citação da pessoa jurídica de direito público cujo ato é objeto de impugnação, a fim de que possa exercer uma das opções que lhe são facultadas pela lei, quais sejam: atuação ao lado do autor e contestação ou não do pedido (art.17, §3º, da Lei 8429/92 c/c art.6º, §3º, da Lei 4717/65).

No caso em tela, como já mencionado, o Município optou por contestar o pedido, sendo legítimo que figure no polo passivo da lide.

Finalmente, o réu Francisco de Assis Fonseca suscitou a impossibilidade jurídica do pedido, em razão de os fatos já terem sido objeto de processo administrativo disciplinar, no qual foi absolvido.

No que tange à questão, é de se notar que pretende o autor objeto plenamente admitido pelo ordenamento jurídico pátrio, qual seja, análise de atos praticados pelos réus à luz das regras vigentes sobre improbidade administrativa. Destaque-se que a existência ou não do direito diz respeito ao mérito.

Ademais, vige no ordenamento pátrio a regra da independência entre as instâncias administrativa e judicial, segundo a qual a absolvição naquela não impede a análise do mesmo ato por esta.

Destarte, AFASTO AS PRELIMINARES, passando ao exame do mérito.

2. Mérito

Como prejudicial de mérito, o réu Francisco de Assis Fonseca suscitou a prescrição. O tema, porém, já foi devidamente analisado e afastado no despacho saneador, à f.930, decisão não impugnada por nenhum recurso, não cabendo nova análise na presente sentença.

2.1. Da nomeação ilegal de servidores

O autor imputou ao réu Moacir Tostes de Oliveira ato de improbidade que atenta contra os princípios da administração pública uma vez que, por meio das portarias nº 061/2001 e 114/2002, teria nomeado para o cargo de Assistente Jurídico pessoas que não tinham curso de Direito completo, contrariando a Lei Municipal nº 14/95.

O documento de f.30 – extraído do Anexo I da Lei Complementar Municipal nº 14/95, vigente à época – confirma que o cargo de Assistente Jurídico exige como grau de instrução curso superior completo em Direito.

A seu turno, os atos de nomeação de ff.31 e 178, assinados pelo então Prefeito Moacir Tostes de Oliveira, ora réu, demonstram a nomeação do Sr. Anderson Coelho Pereira e da Sra. Renata Maria de Sousa para responderem pelo cargo de Assistente Jurídico.

Tais pessoas, contudo, conforme se depreende da contestação do réu Moacir Tostes de Oliveira (ff.893/901), não possuíam curso superior completo em Direito, tratando-se, em verdade, de bacharelandos no referido curso.

A alegação de que a exigência, ainda que prevista pela legislação municipal, era desnecessária frente as atribuições do cargo, não merece prosperar, uma vez que o agente público deve estrita obediência ao princípio da legalidade, conforme consagrado pelo art.37, caput, da Constituição da República.

Hely Lopes Meirelles, em sua obra Direito Administrativa Brasileiro1, define:

A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

 

Dessa forma, não cabe ao administrador decidir sobre a aplicação ou não de uma lei vigente, devendo obedecer fielmente as disposições legais. Caso considerasse a exigência indevida, poderia tomar as medidas legais cabíveis para a revisão e modificação da lei, mas, jamais, deixar de cumpri-la por ato próprio.

Outrossim, não se pode permitir a desobediência de dispositivo legal para adimplemento de convênios celebrados pelo Município. Com efeito, antes de assinar tais contratos o ente público deveria ter analisado a possibilidade de fiel cumprimento e não simplesmente ignorar lei em plena vigência.

O dolo resta sem dúvida configurado, vez que, conforme admitido pelo próprio réu, este tinha conhecimento da desobediência ao dispositivo legal vigente.

Assim, a conduta do réu Moacir Tostes de Oliveira configura ato de improbidade administrativa, por se enquadrar no art.11 da Lei nº 8429/92, estando sujeito às penalidades previstas no art.12, III, da mesma lei, que serão abaixo aplicadas.

As questões relativas ao cargo de “Defensor Público Municipal” serão analisadas em tópico próprio.

2.2. Do pagamento irregular de remuneração a servidor público sem a devida contraprestação do serviço

De acordo com a inicial, o réu Moacir Tostes de Oliveira manteve oficiosamente o servidor Francisco de Assis Fonseca afastado de suas atividades na função pública de advogado, deixando de exigir o cumprimento da carga horária devida, qual seja, 44 horas semanais.

Ainda conforme narrado pelo Ministério Público, mesmo com o seu afastamento, o réu Francisco de Assis Fonseca vem recebendo por todo o período em que ficou afastado e sem trabalhar, mesmo sabendo do seu dever de prestar serviço público.

A seu turno, conforme a petição inicial, o réu Mário do Livramento Rodrigues Pereira, quando no exercício do cargo de Prefeito, tinha conhecimento de toda a situação envolvendo o servidor e também réu Francisco de Assis Fonseca e, ainda assim, manteve-se inerte, deixando de exigir o cumprimento do serviço público pelo referido advogado.

Dessa forma, a inicial imputou aos corréus ato de improbidade administrativa fundado no art.11 da Lei nº 8429/92.

Analisando a farta documentação juntada aos autos, tem-se que o servidor Francisco de Assis Fonseca, ora réu, foi contratado para exercer o cargo de Advogado II do Município de Carandaí, no ano de 1983, em regime celetista (f.245).

Com o advento da Constituição da República de 1988, referido servidor, por força do art.19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, passou a gozar de estabilidade no serviço público.

Adiante, referido cargo foi extinto dos quadros do serviço público municipal, passando o servidor à condição de disponibilidade remunerada com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço entre os anos de 2001 e 2007, tudo com base no art.166 da Lei Complementar Municipal nº 02/90.

Importante mencionar que a análise da possibilidade de aproveitamento do servidor em cargo equivalente ao extinto integra a discricionariedade do agente público, não havendo nos autos prova de que houve ofensa aos princípios da administração pública pelos primeiro e segundo réus.

O aproveitamento do servidor foi possível a partir do ano de 2008 até sua aposentadoria, que ocorreu em 13.10.2012 (f.992).

Assim, por se encontrar a situação amparada por lei em vigor, não há que se falar em prática de ato de improbidade administrativa pelo afastamento do servidor entre os anos de 2001 e 2007.

Quanto à tutela antecipada deferida às ff.227/231, que determinou ao réu Francisco de Assis Fonseca o cumprimento de jornada mínima de trabalho de 20 horas semanais junto à Prefeitura Municipal de Carandaí, perdeu seu objeto quando da aposentadoria do servidor, ocorrida em 13.10.2012 (f.992).

2.3. Do cargo de “Defensor Público Municipal” no Município de Carandaí

De acordo com o narrado na inicial, o réu Moacir Tostes de Oliveira, na condição de Prefeito, nomeou pessoas para exercício do cargo de Defensor Público Municipal, não havendo critérios objetivos para o funcionamento da referida defensoria.

Em sua defesa, afirmou o réu que a intenção da chamada “Defensoria Pública Municipal” era somente prestar assistência judiciária no âmbito do município, sendo a questão aduzida na inicial, em verdade, mero erro material quanto à nomenclatura do cargo.

Entretanto, nota-se que as atribuições dos referidos cargos são afins. Vejamos.

Conforme Anexo II da Lei Complementar Municipal nº 14/95, com as alterações trazidas pela Lei Complementar Municipal nº 41/02, o cargo de Defensor Público no Município de Carandaí somente pode ser ocupado por profissional com curso superior em Direito completo.

Quanto às atribuições do cargo, prevê a lei que compete ao Defensor Público atender pessoas carentes que residem no Município, elaborar e acompanhar processos, participar de audiências, impetrar recursos, dentre outras.

Já a Defensoria Pública, de acordo com o art.134, caput, da CR, é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º [da] Constituição Federal.

Vê-se, portanto, que o “Defensor Público Municipal” possui funções análogas à Defensoria Pública, não se tratando de mero equívoco terminológico.

Assim, houve, na criação do cargo de “Defensor Público Municipal”, infração à Constituição da República – art.134, §1º – e também à Constituição do Estado de Minas Gerais – art.165, §1º –, sendo de rigor a extinção do cargo de Defensor Público do quadro de cargos do serviço público municipal de Carandaí.

Sobre o assunto, já decidiu o egrégio TJMG:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEIS MUNICIPAIS - CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO - FUNÇÕES DA ROTINA ADMINISTRATIVA - INEXISTÊNCIA DE CHEFIA, ASSESSORAMENTO E DIREÇÃO - CRIAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA MUNICIPAL - COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE DA UNIÃO E DOS ESTADOS - OFENSA AO ART.165, §1º, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - PROCEDÊNCIA DA AÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA.

Declara-se a inconstitucionalidade dos artigos das Leis do Município de Itamarandiba que criam cargos de provimento em comissão para funções da rotina administrativa e que devem ser ocupados por servidores de carreira da Administração.

É inconstitucional, por ofensa ao art.165, §1º, da Constituição do Estado de Minas Gerais, artigo de Lei Municipal que dispõe sobre a criação da Defensoria Pública Municipal, já que compete concorrentemente à União e aos Estados legislar sobre tal matéria.

Julgada procedente a ação. (TJMG - Ação Direta Inconst 1.0000.12.126006-1/000, Relator(a): Des.(a) Kildare Carvalho , ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 13/11/2013, publicação da súmula em 10/01/2014, grifos).

 

Quanto à improbidade administrativa cometida pelo réu Moacir Tostes de Oliveira nas nomeações em análise, tem-se que não restou comprovado o dolo de sua conduta.

Com efeito, os atos de nomeação foram amparados em lei municipal então em plena vigência. Ademais, tratava-se de cargo em comissão (f.124), de livre nomeação e exoneração (art.37, II, da CR c/c art.22, parágrafo único, da Lei Complementar Municipal nº 14/95).

Outrossim, não foi comprovada a ocorrência de favorecimento pessoal nas nomeações efetivadas, restando afastada, assim, a configuração de ato de improbidade administrativa pelo ato em análise neste tópico.

2.4. Sanções aplicáveis

Configurado ato de improbidade cometido pelo réu Moacir Tostes de Oliveira, conforme item 2.2 acima, passa-se à aplicação das penalidades.

Tratando-se do art. 11 da Lei nº 8.429/92, as sanções aplicáveis são aquelas previstas no art.12, III, do mesmo diploma legal, in verbis:

 

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

(...)

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.



O juiz, ao aplicar e graduar as penalidades da lei, que podem ser impostas cumulativa ou isoladamente, deve guardar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Assim, à luz do caso concreto, considerando as circunstâncias fáticas acima já explicitadas, entendo como razoável e suficiente a condenação do réu ao pagamento de multa civil em valor equivalente a vinte vezes a última remuneração percebida quando ocupante do cargo de Prefeito de Carandaí.

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES EM PARTE os pedidos da ação civil pública, resolvendo o mérito, com fulcro no artigo 269, I, do Código de Processo Civil, para, nos termos do artigo 12, III, da Lei nº 8.429/92:

  1. condenar o réu Moacir Tostes de Oliveira ao pagamento de multa civil em valor equivalente a vinte vezes a última remuneração percebida quando ocupante do cargo de Prefeito de Carandaí, a ser devidamente atualizado pelo índice da egrégia Corregedoria de Justiça, desde a data do ajuizamento da ação;

  2. declarar extinto o cargo de Defensor Público do quadro de cargos do serviço público municipal de Carandaí.

(c) confirmo a validade da tutela antecipada deferida às ff.227/231, desde a data da referida decisão até 13.10.2012, conforme fundamentação acima.

Os demais pedidos feitos são improcedentes.

Diante da sucumbência recíproca, condeno o réu Moacir Tostes de Oliveira ao pagamento de 50% das custas processuais. Deixo de impor condenação em honorários, bem como a obrigação de o autor indenizar parcialmente as custas processuais, uma vez que a ação foi proposta pelo Ministério Público.

Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se.

Carandaí, 23 de janeiro de 2016.



Fernanda Campos de Cerqueira Lana

Juíza de Direito

1MIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30. Ed. São Paulo: Malheiros, 2005.