PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

COMARCA DE BELO HORIZONTE

7ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA E AUTARQUIAS

 

PROCESSO: 0024.14.304.775-1

Impetrante: GISLENE DE SOUZA FERREIRA

Impetrado: CHEFE DO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

 

 

S E N T E N Ç A





I - RELATÓRIO



Vistos etc.



GISLENE DE SOUZA FERREIRA impetrou o presente mandado de segurança contra ato do CHEFE DO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO DE MINAS GERAIS – DETRAN/MG.

Aduziu que era portadora de permissão para dirigir, na categoria “A”, e foi notificada por ter cometido infração de natureza grave, qual seja, deixar de efetuar registro de veículo no prazo de 30 (trinta) dias.

Alegou que, diante disso, foi impedida de obter a sua Carteira Nacional de Habilitação.

Discorreu sobre questões de direito e, ao final, requereu seja autorizada a expedição de sua CNH definitiva.

Pugnou, ainda, pelos benefícios da justiça gratuita.

A inicial veio instruída de documentos às f. 15/20.

Decisão às f. 21/22v deferindo a liminar. Na mesma oportunidade, foi deferido o pedido de justiça gratuita.

Informações prestadas pela autoridade coatora às f. 28/30, com documentos juntados às f. 31/49.

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais apresentou parecer às f. 50/55, opinando pela denegação da segurança.

A seguir, os autos vieram-me conclusos.



Relatados. Decido.



II – FUNDAMENTAÇÃO



Diante das informações trazidas, bem como dos documentos carreados aos autos, verifica-se que a pontuação presente no prontuário da parte impetrante está impedindo a concessão de sua CNH definitiva, uma vez que consta uma autuação em virtude de cometimento de infração de natureza grave.

Em concordância com a tese da falta de razoabilidade ou proporcionalidade da punição, com a cassação da “permissão para dirigir”, em decorrência de “não ter realizado o registro do veículo no prazo de 30 dias”, tem pertinência no caso em apreço.

Com efeito, o CTB prescreve que:

 

Art. 148. Os exames de habilitação, exceto os de direção veicular, poderão ser aplicados por entidades públicas ou privadas credenciadas pelo órgão executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, de acordo com as normas estabelecidas pelo CONTRAN.

(...)

§ 3º. A Carteira Nacional de Habilitação será conferida ao condutor no término de um ano, desde que o mesmo não tenha cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima ou seja reincidente em infração média. (grifei).

 

O período de um ano, no qual é outorgado ao postulante da CNH uma “permissão”, é denominado de período de prova, cujo escopo é verificar se o candidato possui méritos para alçar à CNH definitiva, os quais serão mensurados a partir do cometimento ou não de infrações de trânsito.

Lógico que apenas as infrações de trânsito que denotem desleixo, negligência ou periculosidade do condutor é que podem desencadear a “cassação da permissão para dirigir”, pena de se perder o sentido da norma, qual seja, possibilitar carteira de habilitação apenas para os “motoristas cônscios dos seus deveres ou obrigações”.

Pois bem, o CTB não esmiúça a tal ponto as infrações que poderiam levar à perda da “permissão para dirigir”, avaliando-as apenas pela “natureza grave ou gravíssima ou reincidência em infração média”; assim, qualquer situação que seja rotulada como “infração grave ou gravíssima”, ou ainda, “reincidência em infração média”, desfecha a perda da permissão para dirigir, como é o caso de “deixar de registrar o veículo no prazo de 30 dias”, verbis:

 

Art. 233. Deixar de efetuar o registro de veículo no prazo de trinta dias, junto ao órgão executivo de trânsito, ocorridas as hipóteses previstas no artigo 123:

Infração - grave;

Penalidade - multa;

Medida administrativa - retenção do veículo para regularização.

 

Essa situação parece-me de pouquíssima gravidade, por se tratar de uma mera providência administrativa, quando conectada à punição que pode desencadear a “perda da permissão para dirigir”, pois como disse inicialmente, há um escopo teleológico no “período de prova de um ano”, que está ligado ao cuidado com que o motorista vai se comportar. Assim, sendo a infração desvinculada de qualquer ligação com o “cuidado do motorista ao volante”, a “perda da permissão para dirigir” não pode ser admitida como razoável.

Luís Roberto Barroso (Interpretação e aplicação da Constituição. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 219), sobre a questão, disserta que:

 

O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É ‘razoável’ o que seja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não é arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar.

 

Nesse sentido também é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

 

EMENTA: ADMINISTRATIVO - AÇÃO ANULATÓRIA DE PONTUAÇÃO REFERENTE À MULTA – TRANSFERÊNCIA DO VEÍCULO - INFRAÇÃO ANTERIOR AO PERÍODO DE LICENÇA PROVISÓRIA - AUTUAÇÃO - INFRAÇÃO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA - OBTENÇÃO DA CNH DEFINITIVA - POSSIBILIDADE. Não é plausível impossibilitar a obtenção da CNH definitiva em razão de infração meramente administrativa. (Processo n. 1.0024.09.690921-3/001, Relator: Des. Barros Levenhagen, DJ: 24/11/2011).

 

EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA - NEGATIVA DE EMISSÃO DE CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÀO DEFINITIVA - PRÁTICA DE INFRAÇÃO GRAVE DURANTE O PRAZO DA PERMISSÃO PARA DIRIGIR - ""DEIXAR DE EFETUAR O REGISTRO DA PROPRIEDADE DO VEÍCULO NO PRAZO DE TRINTA DIAS"" - INFRAÇÃO DE NATUREZA MERAMENTE ADMINISTRATIVA - AUSÊNCIA DE RISCO À SEGURANÇA NO TRÂNSITO - DESARRAZOABILIDADE E DESPROPORCIONALIDADE DA MEDIDA - PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. - Considerando que a infração de trânsito prevista no art. 233, do CTB, consubstanciada no ato de ""deixar de efetuar o registro de veículo no prazo de trinta dias, junto ao órgão executivo de trânsito"", embora seja de natureza grave, apresenta cunho meramente administrativo, relacionada ao descumprimento de exigências burocráticas, tem-se que a cassação da Permissão para Dirigir, seguida da negativa de expedição da Carteira Nacional de Habilitação, são medidas que não passam pelo crivo da razoabilidade, eis que não observado o necessário equilíbrio entre a conduta praticada e a sanção consequente. - Sendo assim, a expedição da CNH da condutora, mesmo diante do cometimento de infração grave durante o prazo de um ano contado da concessão da permissão para dirigir, não representa, no caso dos autos, afronta à legalidade, porquanto, como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, ""é obvio que uma providência administrativa desarrazoada, incapaz de passar com sucesso pelo crivo da razoabilidade, não pode estar conforme à finalidade da lei"". (Processo nº 1.0024.10.035003-2/001, Relator: Des. Eduardo Andrade, DJ: 07/06/2011).

 

Ao retornar sobre a situação posta e estatelado com a solução legal, não há quem deixe de reclamar por “justiça”, como o fez a impetrante e, ponderando que nosso ordenamento jurídico não admite nenhum ato que não seja “equilibrado, harmônico, moderado e razoável”.



III – CONCLUSÃO



Isso posto, nos termos da fundamentação, e por tudo mais que dos autos consta, CONCEDO A SEGURANÇA, para determinar que a autoridade coatora proceda à emissão da CNH definitiva da parte impetrante, GISLENE DE SOUZA FERREIRA, caso o seja o objeto da presente lide o único motivo da não emissão da CNH definitiva. Permanece a exigibilidade da multa aplicada.

Deixo de condenar a autoridade coatora ao pagamento das custas processuais por disposição legal. Sem honorários advocatícios, por incabíveis na espécie, em função do disposto no art. 25 da Lei de Mandado de Segurança, e a teor das Súmulas 512 do Supremo Tribunal Federal, e 105 do Superior Tribunal de Justiça.

Decisão sujeita a reexame necessário.



Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.

 

Belo Horizonte, 19 de janeiro de 2016.

 

 

Guilherme Lima Nogueira da Silva

Juiz de Direito

7ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias

 

 

 

CERTIDÃO DE PUBLICAÇÃO

Certifico e dou fé que remeti, nesta data, ao DJE a presente sentença para publicação em _______/________/________.

Belo Horizonte, _______/__________/_______. p/A Escrivã:__________.