Autos de n º 0140.12.001158-4

Natureza: Usucapião Especial

Autora: Simone da Silva e outros

Ré: Adriana Aparecida Silveira e outros

 

Vistos, etc...

 

 

As autoras, qualificadas às fls. 02, ajuizaram a presente demanda visando, com sua procedência, obter, pela prescrição aquisitiva, o imóvel descrito na inicial, situado na rua Ribeiro da Luz, nº 338, com área de 183,48 m2, nesta Comarca.

 

Informa, na inicial datada de 30/07/2012, que possuem o objeto da presente ação, utilizando-o como sua moradia, com “animus domini”, sem interrupção, nem oposição, há mais de 10 anos. Trata-se de um terreno com área de 183,48 m2 e uma casa de morada. Que a casa constante na escritura não existe mais, pois era uma casinha de adobe muito velha e em péssimo estado de conservação. Que há alguns anos, demoliram a antiga casa e construíram uma nova casa no terreno usucapiendo. Que pagam os impostos, bem como todas as obrigações pertinentes ao imóvel. De acordo com a escritura do imóvel objeto da presente ação, a propriedade do imóvel pertence à Adriana Aparecida Silveira, Ivana Aparecida da Silveira, e uma nascituro que é Silvana Aparecida da Silveira e ainda consta a reserva de Usufruto ao vendedor e pai das proprietárias, José Guilhermino da Silva Filho, já falecido. As proprietárias são irmãs por parte de mãe das autoras. Que no imóvel usucapiendo moram as autoras juntamente com sua mãe, Nair Braulina da Silveira, mãe também das proprietárias do imóvel. Acontece que há aproximadamente 02 meses, as proprietárias do imóvel usucapiendo criaram uma animosidade com as autoras e ameaçaram reivindicar o imóvel. As autoras, pessoas pobres, sendo uma delas, Simone da Silva, deficiente física, se sentiram ameaçadas em seu direito possessório e resolveram intentar a presente ação, eis que são carentes economicamente e não possuem ou são proprietárias de imóveis.

 

Pedem pela citação das requeridas e de seus cônjuges, e dos confrontantes e cônjuges.

 

Com a inicial (fls. 02/08), vieram documentos (fls. 09/23).

 

Foram feitas as citações dos confrontantes, bem como de suas esposas.

 

As requeridas Ivana Aparecida da Silveira e Adriana Aparecida Silveira, contestaram às fls. 68/82. Alegam que quanto à versão dos fatos apresentadas pelas autoras, deve evidenciar que se aproveitam poucas palavras e nenhuma verdade. Que as autoras não exercem a posse do aludido imóvel por sua própria conta, como falsamente afirmam na petição de ingresso. Trata-se de mera liberalidade por parte da Rés, as quais permitiram que sua genitora, juntamente as suas meias-irmãs, continuassem habitando o imóvel mesmo após sua mudança para locais diversos. Que tal atitude visou amparar sua mãe e irmãs. Que não se trata de um imóvel abandonado pelas Rés como ardilosamente insinuam as autoras. Até mesmo o prazo de permanência das autoras no imóvel é enganoso, pois, afirmam categoricamente que possuem a posse do bem por mais de 10 anos, sendo que a terceira ré, Ivana Aparecida da Silveira, residiu no imóvel até o mês de outubro do ano de 2010. Que mesmo após a saída da terceira ré do imóvel, essa vem se diligenciando em favor da propriedade. Que por volta do mês de setembro de 2011 a terceira ré iniciou benfeitorias no aludido imóvel, através da construção de paredes no intento de criar um segundo pavimento na construção. Aduzem acerca da ausência do prazo ininterrupto e incontestado de cinco anos e da inexistência de posse e, especialmente, do animus domini. Requerem a improcedência da ação.

 

Publicação do edital de citação às fls. 142/143.

 

Impugnação apresentada às fls. 149/151.

 

Realizada audiência de instrução e julgamento, foram ouvidas 04 (quatro) testemunhas das autoras e 01 (uma) das requeridas, conforme termos de fls. 433/437.

 

Alegações finais pelas autoras, em fls. 439, pela procedência do pedido e a título de tentativa de composição amigável foi proposto acordo; e pelas requeridas, às fls. 443/449, pela improcedência da ação e recusa ao acordo.

 

O Ministério Público, em fls. 456/457, manifestou-se pela improcedência do pedido eis que não preenchidos os requisitos necessários, mormente no que se refere à posse mansa e pacífica pelo prazo legal.

 

Sendo este o sucinto relatório, com os autos conclusos para sentença, fundamento e decido.

 

Cuida-se de ação de usucapião especial onde as autoras pretendem o reconhecimento da posse para efeitos da prescrição aquisitiva.



Nos termos do art. 942, do CPC, procedeu-se à citação daquelas em cujo nome está registrado o imóvel, dos confinantes e de eventuais interessados, tendo havido contestação.



Procedeu-se, também, à oitiva dos representantes da União, Estado e Município, nos termos do art. 943, do CPC, os quais não se opuseram ao pedido das autoras.



A usucapião é uma modalidade de aquisição da propriedade que está regulada no artigo 1240 do Código Civil, nos seguintes termos:

Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.



O fundamento da usucapião especial urbana está para o legislador em poucos e indispensáveis alicerces: posse prolongada por cinco anos; que este tempo seja contínua e sem oposição; que a posse seja com ânimo de proprietário, que o possuidor não tenha sob seu domínio outro imóvel, que o bem usucapiendo não possua área superior a 250m2, e que seja utilizado para a moradia do requerente ou de sua família.



As autoras alegam que estão na posse do imóvel utilizando-o para sua moradia, sem interrupção nem oposição, há mais de 10 (dez) anos e que demoliram a antiga casa e construíram uma nova no terreno usucapiendo. Que moram com sua mãe, Nadir Braulina da Silveira, que também é mãe das proprietárias do imóvel.



As contestantes afirmam que as autoras não exercem a posse do imóvel em questão por sua própria conta, que trata-se de mera liberalidade por parte das mesmas. Que tal atitude visou amparar sua mãe e irmãs. Que a requerida Ivana Aparecida da Silveira residiu no imóvel até o mês de outubro do ano de 2010.



Passo à análise dos requisitos indispensáveis para a configuração da usucapião especial urbana. Quanto a posse, verifica-se que, embora as requerentes tenham residido no imóvel em questão por tempo superior a 05 anos, segundo a inteligência do artigo 1.208 do CC não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância. As proprietárias são filhas de uma das moradoras do imóvel e irmãs por parte de mãe das demais, ficando evidente nos autos que a permanência das autoras no imóvel se deu por mera permissão das requeridas, e que as requerentes tinham plena ciência de que o imóvel não lhes pertenciam.



Assim, o contexto probatório existente nos autos demonstra a ausência do ânimo de dono das requerentes, que detêm o imóvel por ato de mera liberalidade por parte das requeridas, em decorrência da confiança inerente as relações familiares, não se tratando de abandono do imóvel, vez que as últimas nunca renunciaram a condição de proprietárias do mesmo.



Nesse sentido encontram-se os seguintes depoimentos:

A testemunha e mãe das partes, Nair Braulina da Silveira, às fls. 434, afirmou: “… as rés viveram no imóvel até os 16 ou 17 anos e depois se mudaram… ; … que após a saída das rés, elas iam no imóvel apenas de vez em quando”.

A testemunha Maria Salomé Canuto Gonçalves afirmou: “… que Ivana iniciou a obra porque pretendia morar no imóvel… ; … que o segundo andar da casa foi erguido há aproximadamente 04 anos...”.

Nessa mesma acepção a testemunha Jussara Maria de Souza Dias afirmou: “… que Ivana morou um tempo em Nova Serrana, mas posteriormente, em torno de 2008, a depoente viu que ela estava construindo o segundo pavimento… ; … que Ivana morou no imóvel no período em que estava construindo; que ela morava na casa de baixo, enquanto construía o segundo pavimento...”.

Há ainda, em consonância com os depoimentos, documentos acostados aos autos que corroboram com a alegação de que a requerida Ivana Aparecida da Silveira, em meados do ano de 2008 realizou benfeitorias no imóvel, o que sem dúvidas demonstra interesse pelo mesmo.



A jurisprudência é neste entendimento:



USUCAPIÃO. REQUISITOS. LIBERALIDADE. PERMISSÃO. TOLERÂNCIA. AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI. TRANSMUTAÇÃO DO CARÁTER DA POSSE. INOCORRÊNCIA. Para a concessão da usucapião devem estar presentes os requisitos: tempo, posse e animus domini. Aquele que possui o imóvel por mera liberalidade do proprietário, mediante permissão ou tolerância, não pode adquirir a propriedade do bem por meio da usucapião, porquanto não possui ânimo de dono, requisito indispensável para a caracterização da prescrição aquisitiva. Aqueles que recebem a posse direta de um bem em decorrência de atos de mera tolerância ou permissão conservam a qualidade de meros possuidores diretos, pouco importando sua vontade, salvo comprovação de causa externa a induzir a transmutação da mera detenção em posse ad usucapionem. (Apelação Cível nº 1.0188.05.031343-9/001, Relator: Estevão Lucchesi, data do julgamento: 28/06/2018; data da publicação: 06/07/2018).



APELAÇÃO CÍVEL - USUCAPIÃO - DOAÇÃO VERBAL - NECESSIDADE DE REGISTRO EM CARTÓRIO - PERMISSÃO PARA OCUPAÇÃO DO IMÓVEL - POSSE PRECÁRIA. - A doação de bem imóvel sem registro em cartório não se perfaz válida. - Para a configuração da usucapião, necessária se faz a comprovação de existência de posse mansa, pacífica e ininterrupta, exercida com animus domini, durante lapso de tempo legalmente previsto, sendo dispensável a comprovação do justo título e a boa-fé. - É precária a posse originada de ato de mera liberalidade do proprietário do imóvel, que permitiu que os autores usufruíssem o bem, sem, contudo, renunciar à condição de titular dos direitos sobre o imóvel. - Não induzem a posse com animus domini os atos de mera permissão ou tolerância. (Apelação Cível nº 1.0518.14.015540-0/002, Relator: Marco Aurélio Ferenzini, data do julgamento: 05/04/2018; data da publicação: 13/04/2018).



O que se extrai dos autos é que muito embora o imóvel tenha área menor que 250 metros quadrados, seja utilizado para moradia das autoras e que as mesmas não tenham a propriedade de outro imóvel, e que tenham residido no mesmo por prazo superior a 05 anos, tem-se que não restaram comprovados todos os requisitos necessários para a aquisição da propriedade pela usucapião, haja vista a permanência das autoras no imóvel se dar por atos de mera permissão, que não induzem à posse.



No mesmo sentido parecer do Ministério Público.

Posto isto e, por tudo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial e, em consequência, JULGO EXTINTO o presente feito, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.

Sem custas (Lei Estadual nº 14.939, de 2003, art. 10, II).



P.R.I. Cientifique-se o MP.



Carmo da Mata, 03 de julho de 2018

 

 

CHRISTIANO DE OLIVEIRA CESARINO

Juiz de Direito em substituição