2ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Autarquias

Comarca de Belo Horizonte

 

PROCESSO N. 11.069.646-5

REQUERENTE: MUNICÍPIO DE SANTOS DUMONT

REQUERIDO: COMPANHIA DE SANEAMENTO DE MINAS GERAIS - COPASA

NATUREZA: AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

 

S E N T E N Ç A

 

Vistos, etc.

O MUNICÍPIO DE SANTOS DUMONT, qualificado e devidamente representado nos autos, ajuíza ação ordinária com pedido de tutela antecipada em face da COMPANHIA DE SANEMENTO DE MINAS GERAIS - COPASA, na qual alegou que:

- as partes firmaram um convênio em 10.03.2009, visando a instalação do abastecimento de água, bem como da rede de esgoto naquele município;

- “Por força do mencionado contrato, ou seja, em função da COPASA ser responsável contratualmente pelo esgotamento sanitário, a Requerida está cobrando de todos os consumidores residentes em Santos Dumont a chamada “Taxa de Esgoto”, que atualmente é de 40% sobre o consumo mensal em todas as contas dos consumidores.”;

- entretanto, a requerida não vem cumprindo com as obras inscritas no cronograma de instalação da rede de esgoto e, por outro lado, continua a efetuar a cobrança da respectiva taxa;

- “Como dito, a ilegalidade patente no que diz respeito à cobrança relativa ao esgoto que envolve a constatação de que a COPASA simplesmente não cumpre com o contrato e por tal motivo não poderia cobrar por um serviço que não executa ou o faz de forma deficitária.”;

Em sede liminar, requer a concessão de medida que determine ao requerido a abstenção quanto à cobrança da taxa de esgoto lançada na fatura dos consumidores residentes em Santos Dumont.

No mérito propriamente, requereu a condenação da ré para recapear trechos da “Rota 14 Bis”, e da Rua Dr. Constantino Horta, bem como a indenizar o requerente pelos danos materiais apresentados no município, decorrentes da má realização de serviço pela requerida. Por fim, pleiteou a indenização a título de danos morais, em vista da situação que seus moradores passam.

Documentos acostados à inicial em fls. 24/105, custas à f.106.

Tutelas antecipadas indeferidas, e extinção parcial do feito no tocante aos pedidos de suspensão da cobrança da taxa de esgoto, bem como no que se refere à restituição em dobro dos valores já pagos, por ilegitimidade ativa.

Devidamente citada, a requerida apresentou contestação às fls. 114/127, arguindo, preliminarmente, a ilegitimidade ativa da parte autora quanto ao pedido de indenização a título de danos morais, posto que pleiteia o município, in casu, direito alheio em nome próprio sem a devida permissão, tal qual os pedidos concernentes à taxa de esgoto e a repetição

No mérito propriamente, alega a parte autora que não existem provas nos autos com conteúdo apto a comprovar que a requerida fora a causadora dos danos alegados pela parte autora.

Alega, ainda, que serviço de esgotamento sanitário apresenta natureza de extrema complexidade e, por tabela, onerosidade, sendo imperativa a cobrança da taxa de esgoto para que sejam angariados fundos para o devido prosseguimento dos serviços prestados.

Impugnação às fls. 181/184.

Intimados acerca da especificação de provas, pugnou a parte autora pela prova pericial, oral e testemunhal (f.185), enquanto a ré não se manifestou(f.185-v).

No entanto,quando fora a parte autora intimada para depositar os valores dos honorários periciais, quedara-se inerte (fls.197-v/198), precluindo-se a prova pericial.

Ademais, intimada acerca da produção de outras provas, novamente a parte autora se manteve silente(fls. 198/200-v).

É o relato. DECIDO.

DA ILEGITIMIDADE ATIVA ARGUIDA

A requerida apresentou tese alegando a ilegitimidade ativa do Município de Santos Dumont para pleitear indenização, a título de danos morais, pois, tal quais os pedidos envolvendo a taxa de esgoto, constituiria tal pleito tentativa de se requisitar, em nome próprio, direito alheio.

Pertinente a argumentação tecida pela requerida, uma vez que, inclusive, na própria formulação do pedido, justifica-se da seguinte forma:

(...)Seja a requerida condenada ao pagamento de danos morais por violação de direitos do consumidor que atingiu o Ente Público e a coletividade, considerada em cada unidade de consumo de água, (...)”

 

Deste modo, o próprio autor afirma buscar indenização às custas de seus cidadãos, claramente pleiteando um direito que cabe, exclusiva e individualmente, a cada consumidor residente no local.

Assim, impossível que se dê guarida a tal busca, inclusive pois entendimento contrário – com eventual procedência – imporia a entrega de pecúnia a pessoa diversa de quem eventualmente sofrera qualquer mácula a sua imagem.

Neste ponto, de ímpar precisão é o que disposto no artigo 6º, do Código Processual Civil, o qual segue transcrição, em seus exatos termos:

Art. 6º Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.

 

Logo, a extinção do processo, quanto a este pedido, nos moldes do artigo 267, inciso VI do diploma supra, é medida que se impõe.

DO MÉRITO

Pleiteia em juízo a parte autora, o ressarcimento pelos danos materiais que alega ter sofrido pela má execução dos serviços da requerida ao implantar o sistema de esgoto em suas vias, bem como a reexecução do recapeamento das vias que já apresentam defeitos em sua superfície.

Para tanto, necessário que se apresentem os requisitos essenciais à configuração do dever de indenizar.

Em linhas gerais, a responsabilidade civil pode ser definida, nos termos do art. 186 do Código Civil, como a obrigação imposta àquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, vez que comete ato ilícito.

Deste conceito, exsurgem os requisitos essenciais da reparação civil, quais sejam: a) a verificação de uma conduta antijurídica, dolosa ou culposa; b) a existência de um dano, seja este de ordem material ou imaterial, de natureza patrimonial ou não-patrimonial; e c) o estabelecimento de um nexo de causalidade entre uma e outro.

Sabe-se, contudo, que a responsabilidade da Administração Pública, assim como das empresas concessionárias de serviço público, hoje atingiu o ápice de seu caminho evolutivo, consagrando o princípio do risco administrativo.

O artigo 37, § 6º, da Constituição da República de 1988, repetindo a política legislativa adotada nas determinações constitucionais anteriores, estabelece o princípio da responsabilidade do Estado pelos danos que os seus agentes causem a terceiros. A Administração responde sempre, uma vez que se estabeleça o nexo de causalidade entre o seu ato ilícito e o prejuízo sofrido pelo particular (Revista dos Tribunais 484/68).

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(omissis)

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

 

A propósito, preleciona a ilustre administrativista Maria Sylvia Zanella di Pietro, em sua obra Direito Administrativo:

A regra da responsabilidade objetiva exige, segundo o artigo 37, § 6º, da Constituição:

1. que se trate de pessoa jurídica de direito público ou de direito privado prestadora de serviços públicos; a norma constitucional veio pôr fim às divergências doutrinárias quanto à incidência de responsabilidade objetiva quando se tratasse de entidades de direito privado prestadoras de serviços públicos (fundações governamentais de direito privado, empresas públicas, sociedades de economia mista, empresas permissionárias e concessionárias de serviços públicos), já que mencionadas, no art. 107 da Constituição de 1967, apenas as pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Municípios, Distrito Federal, Territórios e autarquias);

2. que essas entidades prestem serviços públicos, o que exclui as entidades da administração indireta que executem atividade econômica de natureza privada; assim é que, em relação às sociedades de economia mista e empresas públicas, não se aplicará a regra constitucional, mas a responsabilidade disciplinada pelo direito privado, quando não desempenharem serviço público;

3. que haja um dano causado a terceiros em decorrência da prestação de serviço público; aqui está o nexo de causa e efeito;

4. que o dano seja causado por agente das aludidas pessoas jurídicas, o que abrange todas as categorias, de agentes políticos, administrativos ou particulares em colaboração com a Administração, sem interessar o título sob o qual prestam o serviço;

  1. que o agente, ao causar o dano, aja nessa qualidade; não basta ter a qualidade de agente público, pois, ainda que o seja, não acarretará a responsabilidade estatal se, ao causar o dano, não estiver agindo no exercício de suas funções.” (PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 15 ed. São Paulo: Atlas: 2003, p. 530/531)

     

Entrementes, há que se salientar que a adoção da teoria do risco administrativo não significa que o Estado será responsabilizado em qualquer circunstância, pois, embora predomine a doutrina objetiva, circunstâncias excludentes ou atenuantes de responsabilidade, como a culpa da vítima, o caso fortuito ou a força maior, podem afastar ou diminuir a responsabilidade da Administração.

Desta forma, é necessário que, aquele que pretende ser ressarcido, demonstre o ato lesivo bem como seu liame de causalidade com a conduta assim praticada.

Pois bem, adentrando-se no trinômio Ato ilícito – nexo de causalidade – dano, fixo-me, primeiramente, na análise do ato ilícito alegado pela parte autora.

Conferindo os documentos carreados, percebo que as únicas evidências de que houve ato ilícito por parte da ré, colacionadas pela parte autora, são reportagens produzidas pelos jornais locais, imputando à COPASA os danos causados em diversos pontos na cidade.

Muito embora se respeite o trabalho jornalístico desenvolvido, inviável que se tenham os relatos ali contidos, como fonte de relatos fiáveis e imparciais.

Tais reportagens não foram produzidas em juízo, ou por autores imparciais, ou apresentando documentação que não consistisse em relato oral repassado ao escritor.

Logo, estes documentos não tem o condão, por si, de imputar os fatos neles alegados.

Ademais, em detida análise dos contratos apresentados pelo município, verifico a existência de dois (fls. 78/81), firmados com E&R Tratores Ltda. e com PAVEL -Pavimentadora Vertentes Ltda., que versam justamente sobre a pavimentação da “Rota 14 Bis” e de trechos da Rua Dr. Constantino Horta, ambos firmados em 2010.

O contrato firmado entre as partes (fls. 32/49), lado outro, data de 2009.

Ora, com a apresentação de tais documentos, é posto em xeque a plausibilidade de cobranças sobre a COPASA, em razão dos defeitos apresentados nas vias.

Havendo prova nos autos de que houveram duas entidades distintas procedendo a sucessivas obras nos mesmos locais, a única maneira de se imputar a uma delas uma cobrança qualquer pelo mal serviço prestado, é por meio da comprovação cabal de que as falhas apontadas, no proceder de uma ou outra.

No entanto a parte autora, quando da oportunidade de produzir a prova pericial e testemunhal – a qual inclusive requisitara – permanecera inerte, não apresentando rol de testemunhas, ou mesmo depositando os honorários do perito (fls. 197/200).

Ora, com o conjunto fático probatório carreado, a única conclusão lógica possível, seria a de que procedera a COPASA às primeira obras nos locais, para posterior incursão da demais empresas contratadas.

Assim, impossível, de plano, que se separem as responsabilidades de cada ente, eis que não foram coligidas provas aptas a imputar, a qualquer destes, eventuais danos presentes nas vias supramencionadas.

Portanto, como já fora salientado, é necessário que, aquele que pretende ser ressarcido, demonstre o ato lesivo bem como seu liame de causalidade com a conduta assim praticada, ou seja o nexo causal.

Deste modo, não existindo provas suficientes a comprovar, sequer, o ato ilícito alegado pela parte autora, a improcedência dos pedidos formulados é a única medida cabível.

C O N C L U S Ã O

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE EXTINTO o processo, sem resolução de mérito, quanto ao pedido de indenização por danos morais, com fulcro no art. 267, inciso VI do CPC.

Ademais, JULGO IMPROCEDENTES os demais pedidos formulados por MUNICÍPIO DE SANTOS DUMONT, em face da COMPANHIA DE SANEAMENTO DE MINAS GERAIS – COPASA.

Condeno o requerente ainda, no pagamento das custas e honorários advocatícios, nos quais arbitro em R$ 1.000,00 (um mil reais), “ex vi” do artigo 20, §4º do Código de Processo Civil.

P.R.I.

Belo Horizonte, 26 de junho de 2015.

 

 

Luis Fernando de Oliveira Benfatti

Juiz de Direito