Autos nº: 0024.11.259.303-3

Autora: Fábio Peixoto Gondim

Réu: Cruzeiro Esporte Clube

Espécie: Danos Morais

 

 

SENTENÇA

 

I – RELATÓRIO

Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais proposta por Fábio Peixoto Gondim em face de Cruzeiro Esporte Clube, aduzindo que no dia 14/09/2008 compareceu ao Estádio de Futebol Magalhães Pinto - “Mineirão”, na companhia de amigos, para assistir à partida realizada entre Cruzeiro e Palmeiras.

Relatou o demandante, que naquele dia fez uso do estacionamento do estádio, e quando caminhava em direção ao portão de entrada, foi cercado por quatro homens desconhecidos, que o agrediram fisicamente.

Afirmou, que após conseguir fugir dos agressores, encontrou policiais militares, os quais lhe conduziram até a delegacia mais próxima, onde foi lavrado um boletim de ocorrência.

Ressaltou, que naquela ocasião o contingente policial era insuficiente, principalmente pela ausência de pessoal no local da agressão.

Destacou, que em razão do ocorrido sofreu diversas escoriações e hematomas, que inclusive lhe impediram de assistir ao jogo.

Diante disso, requereu a procedência da ação para condenar o réu ao pagamento de indenização por danos morais e materiais.

Emenda à inicial (f. 44/48), adequando o feito ao rito sumário e comprovando o autor a hipossuficiência financeira por ele alegada.

Gratuidade judiciária concedida ao autor (f. 49).

Audiência de conciliação à f. 53, sem êxito.

Contestação apresentada pelou (f. 54/75), arguindo, em sede preliminar, a necessidade de denunciação da lide do Estado de Minas Gerais - ADEMG e da Confederação Brasileira de Futebol, além de suscitar a sua ilegitimidade passiva. No mérito, aduziu, em apertada síntese, a inaplicabilidade da teoria do risco integral; a impossibilidade de ser responsabilizado por todo e qualquer acontecimento no estádio; inexistência de omissão; adoção de todas as medidas para garantir a presença de contingente policial em número compatível com a dimensão do evento; ausência de registros, inclusive B.O., que comprove o fato; ausência de falha na segurança; inexistência de ato ilícito de sua parte; não comprovação das agressões; imprecisão da data das fotografias; demora do autor para ajuizamento da ação; correta prestação de serviços; inexistência de danos materiais, em razão da utilização do estacionamento e da colocação à disposição do autor do serviço, além da utilização do ingresso, que está com sua tarja queimada. Requereu o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva e, caso ultrapassada, o indeferimento dos pedidos iniciais.

Impugnação à contestação (f. 109/113).

Decisão de f. 114, que rejeitou a preliminar de ilegitimidade passiva arguida e a denunciação da lide promovida pelo réu. Agravo retido pelo réu (f 121/124), contrarrazões (f. 127/130), decisão de f. 114 mantida (f. 134).

Audiência de instrução e julgamento (f. 145), na qual foram colhidos o depoimento pessoal do autor (f. 146), e as oitivas das testemunhas arroladas pela ré (f. 147/148).

Audiência realizada na comarca de Bom Despacho para oitiva da testemunha Vitor Freitas de Pádua (f. 160).

Alegações finais pelo réu (f. 165/169), e pelo autor (f. 170/173).

Eis o relatório, em síntese.

II – FUNDAMENTAÇÃO

À falta de preliminares a se apreciar, passa-se ao exame do mérito.

Trata-se de ação proposta por Fábio Peixoto Gondim, em face de Cruzeiro Esporte Clube, pela qual pugnou pela condenação do Clube de Futebol ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, alegando ter sofrido agressões de quatro homens desconhecidos na entrada do Estádio Magalhães Pinto, onde foi realizada partida válida do clube réu contra o Palmeiras.

Alegou que o réu não adotou as providências necessárias para o evento, mormente por não ter policiamento no local dos fatos, sendo ele o detentor do mando do jogo na ocasião.

Para provar o alegado, o demandante acostou aos autos o ingresso adquirido, o tíquete de estacionamento, boletim de ocorrência, fotografias e arrolou testemunha que presenciou o ocorrido.

Lado outro, a parte ré negou que houve falha na segurança, argumentando ter comunicado as autoridades competentes da realização da partida, para fins de fornecimento de policiais em número compatível com o evento. Salientou, ainda, que o autor não comprovou as agressões, sendo a data das fotografias imprecisas.

Cinge-se a lide à discussão quanto a ocorrência das agressões, bem como à apuração da responsabilidade civil do réu em reparar os possíveis danos alegados pelo autor.

Inegável a incidência do Código de Defesa do Consumidor no caso presente, eis que a parte autora é consumidora dos serviços prestados pela ré, subsumem-se, pois, nos conceitos dos art. 2º e 3º da lei consumerista.

Ademais, também aplica-se ao caso em questão a Lei 10.671/03 (Estatuto de Defesa do Torcedor), que em seus arts. 13 e 14 trazem a seguinte redação:

Art. 13. O torcedor tem direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas.


Art. 14. Sem prejuízo do disposto nos arts. 12 a 14 da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, que deverão:

I - solicitar ao Poder Público competente a presença de agentes públicos de segurança, devidamente identificados, responsáveis pela segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos.

Percebe-se, pela leitura dos referidos artigos, que o Clube réu, responsável pela organização do evento e da segurança de seus torcedores, deveria propiciar toda a segurança necessária à realização do espetáculo, seja pela contratação de seguranças particulares, seja pela solicitação de policiais militares ao Poder Público.

O autor comprovou que estava nas dependências do estádio no dia da realização da partida, pois procedeu à juntada do tíquete de estacionamento e do bilhete de acesso ao estádio (f. 10); ademais, também comprovou que foi agredido por marginais na entrada do estádio, o que foi registrado no B.O. de f. 11/12.

Corrobora com as demais provas a oitiva da testemunha compromissada Vitor Freitas de Pádua (f. 160), que assim narrou o ocorrido:

(…) que deixaram o veículo no estacionamento do estádio e já estavam no último “anel” para a entrada no estádio quando foram abordados por cerca de 10 torcedores do Cruzeiro, que estavam com uniformes da torcida organizada Máfia Azul; que tais torcedores acharam que o autor e o depoente eram torcedores do Palmeiras e partiram para a agressão física; que o depoente conseguiu correr, sendo que chegou a cair e esfolar os braços; que pegaram o autor e bateram muito no mesmo com chutes por todo o corpo; que a polícia demorou cerca de 7 minutos para chegar ao local (…)’’

A despeito do réu ter comunicado e providenciado contingente policial para prover a segurança do local, fato é que o número ofertado se mostrou insuficiente, tanto é, que mesmo após o autor ter sido agredido, ainda houve espera significativa para a chegada dos primeiros policiais ao local da agressão.

Comprovada as agressões sofridas pelo autor, bem como a ausência de policiais e/ou seguranças privados no local, além da demora da chegada destes agentes ao local dos fatos, inegável a falha na segurança, que, sem dúvida, trouxe prejuízos ao autor.

O art. 19, também do Estatuto do Torcedor, assim dispõe:

Art. 19. As entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que trata o art. 15 e seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios ou da inobservância do disposto neste capítulo.

Art. 15. O detentor do mando de jogo será uma das entidades de prática desportiva envolvidas na partida, de acordo com os critérios definidos no regulamento da competição.

Consoante a legislação vigente, portanto, comprovando o autor os danos sofridos em razão da falha na segurança, como de fato o fez, é responsabilidade do detentor do mando de jogo, no caso o Cruzeiro Esporte Clube, arcar com os prejuízos sofridos pela vítima das agressões.

Sofrer agressões físicas publicamente, em local no qual deveria estar protegido, causa, indubitavelmente, dano moral, seja pelo sentimento de humilhação, e/ou pela frustração do serviço prestado.

Neste sentido, vejamos decisão do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

PROCESSUAL CIVIL - ADMINISTRATIVO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ARRASTÃO EM SAÍDA DE ESTÁDIO - AGRAVO RETIDO - CONTRADITA DE TESTEMUNHA - SUSPEIÇÃO - AUSÊNCIA DE PROVA - CLUBE DE FUTEBOL - ESTATUTO DO TORCEDOR - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - ESTADO DE MINAS GERAIS E ADEMG (AUTARQUIA) - OMISSÃO NÃO COMPROVADA QUE EXCLUI RESPONSABILIDADE DESTES - DANO MORAL - OCORRÊNCIA - INDENIZAÇÃO DEVIDA. 1 - É ônus do réu, que busca desacreditar os depoimentos das testemunhas do autor à alegação de existência de amizade entre eles, comprovar que tal laço trouxesse interesse, por parte delas, em direcionar o litígio. 2 - É objetiva a responsabilidade da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo, nos termos do art. 14, da Lei nº 10.671/03 (Estatuto do Torcedor). 3 - Não há como responsabilizar o Estado de Minas Gerais e a ADEMG (autarquia) pelos danos sofridos pelo autor, pois, conquanto seja dever legal daquele promover a segurança pública e desta desenvolver um plano de segurança especial em dias de jogos, não restaram provadas as omissões por parte deles. 4 - Deve ser mantido o 'quantum' indenizatório fixado em primeira instância quando, mesmo que minimamente, atende os objetivos que norteiam o instituto da indenização por dano moral, quais sejam, reparar o dano sofrido e desestimular nova prática por parte do agente ofensor. 5 - Preliminar rejeitada, agravo retido e recurso principal e adesivo não providos. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.03.032419-8/002, Relator(a): Des.(a) Edgard Penna Amorim , 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/05/2011, publicação da súmula em 13/07/2011).

Ante o exposto, considerando as provas produzidas e a legislação em vigor, merece guarida o pedido do autor em relação aos danos morais, devendo o réu ser condenado a reparar os danos extrapatrimoniais por ele suportados.

Insta consignar, in fine, que o quantum debeatur na indenização por danos morais é pautado, precipuamente, pelos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, sem se descurar de sopesar a tríplice funcionalidade do instituto, vale dizer, pedagógica, punitiva e compensatória. Ressalta-se, igualmente, que deve guardar perfeita correspondência com a gravidade objetiva do fato e de seu efeito lesivo, bem como com as condições sociais e econômicas das partes.

Destarte, em observância ao conjunto probatório dos autos, aos princípios supra, à jurisprudência, bem como às funcionalidades que balizam sua aplicabilidade, fixo a indenização por danos morais na quantia de R$10.000,00 (dez mil reais).

No que tange aos danos materiais, entretanto, razão não assiste ao autor. O estacionamento, apesar de estar nas dependências do estádio, não é gerido pelo clube réu, constituindo negócio jurídico diverso daquele realizado entre o autor e o réu. E, como de fato o serviço foi prestado, não há que se falar em restituição deste valor.

Ainda em relação ao ingresso, o réu alegou em sede de contestação que o ingresso teria sido utilizado, pois a tarjeta do mesmo estaria queimada, fato tal que não foi especificamente impugnado pelo autor, restando, pois, incontroverso.

Por tais motivos, improcede o pleito do autor no que pertine aos danos materiais.

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, resolvendo-se, assim, o mérito, em conformidade com o disposto no art. 487, I do Novo Código de Processo Civil, para condenar o réu ao pagamento da indenização ao autor, a título de danos morais, a quantia de R$10.000,00 (dez mil reais), acrescida de correção monetária, segundo índices da CGJ do TJMG, e juros de mora de 1% ao mês, tudo a contar da data do arbitramento.

Em razão sucumbência mínima do autor, conforme disposto no art. 86, par. único, do Novo Código de Processo Civil, condeno o réu a arcar com o pagamento integral das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 15% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2° do NCPC.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

 

Belo Horizonte, 16 de fevereiro de 2018.

 

 

Fernanda Baeta Vicente

Juíza de Direito (em cooperação)