1409140915950Autores: Antônio Egídio Gomes Cunha e outros

u: Bradesco Seguros S/A

Natureza: Cominatória c/c Indenizatória

Processo nº: 0024.14.091.595-0

 

 

Sentença

 

 

 

Vistos etc.

 

 

 

 

MIRIAN GAZIRE CUNHA ajuizou inicialmente Ação Ordinária em desfavor de BRADESCO SEGUROS S/A, relatando que era usuária do plano de saúde fornecido pelo réu, e que em foi diagnosticada com câncer de mama, sendo que, após tratamento e recidiva, houve perda das funções cognitivas e motoras, encontrando-se completamente dependente de acompanhamento 24 horas por enfermagem, necessitando ser mantida sob cuidados proporcionados pelo serviço de home care. Informou, contudo, que o serviço lhe foi negado pelo plano, ao argumento de que inexiste previsão contratual de cobertura para o serviço, que é de cunho exclusivamente hospitalar. Disse que vem arcando com despesas para a manutenção de tais cuidados em casa, os quais entende que deveriam ser custeados pelo plano, pelo que faz jus ao ressarcimento. Discorreu sobre a relação de consumo e requereu, em sede de antecipação de tutela, que ou seja impelido a fornecer o tratamento domiciliar necessário (home care), arcando com todos os custos a ele relativos. Ao final, pediu a confirmação desse pleito e a condenação do réu a indenizar pelos danos materiais e morais sofridos. Juntou documentos as fls. 23/138.

 

O pleito antecipatório foi deferido conforme decisão de fls. 163/164.

 

Citado, o réu apresentou contestação às fls. 172/191, alegando que o tratamento domiciliar e as despesas pretendidas pela autora estão excluídas da cobertura de sua apólice. Defendeu a licitude das cláusulas restritivas de direito, concluindo que a negativa da cobertura do home care é exercício regular de direito. Ante a inexistência de ato ilícito, ou de danos materiais ou morais, rechaçou o pedido indenizatório. Pugnou pela improcedência dos pedidos e juntou documentos às fls. 16/170.

 

A parte autora juntou documentos com novas despesas às fls. 192/2215, e, às fls. 216/217 noticiou-se seu falecimento.

 

Às fls. 256/257 procedeu-se à substituição processual pelos herdeiros.

 

Julgado extinto o pedido cominatório (fls. 258).

 

Réplica às fls. 260/301, na qual a parte autora emenda a inicial juntando documentos e requerendo o pagamento de novas despesas. Dada vista ao réu, manifestou-se à fl. 304. Decisão de fl. 308 indefere a emenda.

 

Não foram requeridas outras provas.

 

Em sede de alegações finais, as partes reportaram-se aos seus argumentos e pedidos trazidos no decorrer do processado (fls. 310/319 e 320/323).

 

Vieram-me os autos conclusos.

 

É o relatório.

 

DECIDO.

 

O feito encontra-se em ordem, presentes os pressupostos processuais e, à míngua de preliminares, passo ao exame do mérito, salientando que o presente julgamento refere-se tão somente ao pedido indenizatório, face a decisão de fl. 258 quanto ao pedido cominatório.

 

A princípio, deixo consignado que é indubitável a relação de consumo desenvolvida entre as partes e a submissão do contrato firmado ao Código de Defesa do Consumidor.

 

Nesse sentido as lições de Cláudia Lima Marques:

 

Apesar da Lei 9.656/98, na sua versão atual, nominar os antigos contratos de seguro-saúde como planos privados de assistência à saúde, indiscutível que tanto os antigos contratos de seguro-saúde, os atuais planos de saúde, como os, também comuns, contratos de assistência médica possuem características e sobretudo uma finalidade em comum: o tratamento e a segurança contra os riscos envolvendo a saúde do consumidor e de sua família ou dependentes. Mencione-se, assim, com o eminente Professor e Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que: 'dúvida não pode haver quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor sobre os serviços prestados pelas empresas de medicina em grupo, de prestação especializada em seguro-saúde. A forma jurídica que pode revestir esta categoria de serviços ao consumidor, portanto, não desqualifica a incidência do Código do Consumidor. O reconhecimento da aplicação do Código do Consumidor implica subordinar os contratos aos direitos básicos do consumidor, previstos no art. 6º do Código...'. (Contrato no Código de Defesa do Consumidor - O novo regime das relações contratuais, 4º ed., São Paulo: RT, p. 399).

 

No mesmo horizonte o enunciado 469 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: "aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde".

 

Com efeito, impõe-se ao contrato que delimita procedimentos e tratamentos, ou a cobertura dos planos de saúde, a interpretação mais benéfica ao consumidor (art. 47 do CDC).

 

Vale ressaltar que o consumidor que contrata o plano de saúde não detém sequer o conhecimento técnico para que se admita estar excluído do atendimento médico, portanto, maculada está a manifestação de vontade quanto à admissão pelas partes da cláusula restritiva, nascendo daí a aplicação do princípio da boa-fé objetiva.

 

Acerca da matéria, cito novamente as lições doutrinárias de Cláudia Lima Marques:

 

Neste contexto, serão nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam restrições à categoria de doenças cobertas, já que o art. 51, I, do Código de Defesa do Consumidor estabelece a nulidade das cláusulas que estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor.

 

(...)

 

Com efeito, estabelecem os arts. 18, § 6º, III, e 20, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor a necessidade da adequação dos produtos e serviços à expectativa legítima do consumidor. É evidente que, ao contratar um plano ou seguro de assistência privada à saúde, o consumidor tem a legítima expectativa de que, caso fique doente, a empresa contratada arcará com os custos necessários ao restabelecimento de sua saúde. Assim, a sua expectativa é a de integral assistência para a cura da doença. As cláusulas restritivas, que impeçam o restabelecimento da saúde em virtude da espécie de doença sofrida, atentam contra a expectativa legítima do consumidor.

 

Ainda podemos ponderar que há desvirtuamento da natureza do contrato quando uma só das partes limita o risco, que é assumido integralmente pela outra. Enquanto os contratantes assumem integralmente o risco de eventualmente pagarem a vida inteira o plano e jamais beneficiarem-se dele, a operadora apenas assume o risco de arcar com os custos de tratamento de determinadas doenças, normalmente de mais simples (e, conseqüentemente, barata) solução. Portanto, restringir por demais, a favor do fornecedor, o risco envolvido no contrato, implicaria contrariar a própria natureza aleatória do mesmo, infringindo, assim, as normas do inc. IV e § 1º, do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor. (Cláudia Lima Marques e outros. Saúde e Responsabilidade: seguros e planos de assistência privada à saúde, São Paulo: RT, 1999. p. 80-1).

 

Assim sendo, ao contratar o plano de saúde, o consumidor tem legítima expectativa de que serão cobertos todos os procedimentos necessários ao tratamento de enfermidade contratualmente prevista.

 

No caso, se existe previsão contratual para o tratamento requerido, e cobertura conveniada na cidade da paciente, não há motivo para a negativa do serviço de home care para a autora.

 

Note-se que o contrato celebrado entre as partes não consta nenhuma exclusão expressa do serviço requerido. Ainda que assim não fosse, especificamente sobre a cláusula que eventualmente exclui da cobertura contratual o tratamento domiciliar, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

 

PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO DOMICILIAR. RECUSA INDEVIDA A COBERTURA. 1. O plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma. 2. É abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento domiciliar quando essencial para garantir a saúde e, em algumas vezes, a vida do segurado. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 368.748/SP, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, j. 10/06/2014, DJe 20/06/2014)

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTIGOS 458, II, E 535 DO CPC. PRAZO PRESCRICIONAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA DATA DA RECUSA DO PAGAMENTO PELA SEGURADORA. SÚMULA 7/STJ. TRATAMENTO HOME CARE. RECUSA INDEVIDA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. (…). 3. De acordo com a orientação jurisprudencial do STJ, o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma, sendo abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento domiciliar quando essencial para garantir a saúde ou a vida do segurado. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1325939/DF, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, j. 03/04/2014, DJe 09/05/2014)

 

No caso dos autos, a autora trouxe os relatórios médicos de fls. 49/52, firmados pelo médico que o acompanha, do qual se extrai expressa recomendação para utilização do serviço de home care, devido à sua precária condição de saúde.

 

Constata-se dos demais documentos coligidos, que a autora era pessoa idosa, que padeceu de câncer, tendo sido submetida a quimioterapia, mas que apresentou recidiva pulmonar e cerebral, tendo ficado com sequelas motoras e cognitivas, totalmente dependente, sem possibilidade de locomoção, necessitando de cuidados especiais de enfermagem 24 horas e fisioterapia motora e respiratória.

 

Dessa forma resta patente que os gastos efetivados pela autora para a manutenção de cuidados hospitalares em sua própria residência deveriam ter sido custeados pelo seu plano de saúde, de modo que a negativa de cobertura configura ato ilícito, a atrair a responsabilização para ressarcimento pelos danos decorrentes.

 

Nesta linha, quanto aos danos materiais, conforme documentos de fls. 68/107 e 192/215, a parte autora comprovou gastos relativos ao pagamento de técnicos de enfermagem, medicamentos e insumos hospitalares, aluguel de cadeira de rodas, oxigênio e contratação de ambulância para transporte da paciente, os quais não teria que ter desembolsado caso estivesse em regime de home care pelo plano.

 

Dessa forma, caracterizado o dano, com nexo causal direto com o ato ilícito praticado pelo réu, procede a indenização material, que deverá ser objeto de liquidação conforme os documentos juntados.

 

No que tange aos danos morais, com efeito, ainda que o mero descumprimento contratual não seja causa geradora de dano moral indenizável, no caso, tenho que a falha na prestação dos serviços de plano de saúde pelou, ensejou danos extrapatrimoniais à autora. Isso porque a negativa do tratamento adequado à sua condição certamente agravam a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito da segurada, uma vez que, ao se submeter a tratamento tão drástico, estando na legítima expectativa de estar acobertada em suas necessidades, teve que conviver com a inadequação de seu tratamento, que poderia comprometer seu estado de saúde, em um momento em que já se encontra em condição terminal, de dor e abalo psicológico.

 

Portanto, considerando a dor causada pela negativa de tratamento, diante da gravidade da moléstia que acometia a autora, cabível a indenização por danos morais, em observância aos princípios da dignidade da pessoa humana e do direito à saúde.

 

A orientação jurisprudencial do egrégio STJ em torno do assunto, não discrepa da presente decisão traçada, senão veja-se

 

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. RECUSA INDEVIDA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. CABIMENTO. PRECEDENTES. 1.A jurisprudência desta Corte firmou posicionamento no sentido de que há direito ao ressarcimento do dano moral oriundo da injusta recusa de cobertura securitária médica, pois esta conduta agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, já fragilizado em virtude da doença. 2. Agravo regimental não provido.(AgRg nos EDcl no REsp 1236875/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe 24/02/2012)


AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. DANO MORAL CONFIGURADO EM DECORRÊNCIA DA NEGATIVA DE ATENDIMENTO MÉDICO HOSPITALAR. CLÁUSULA DE REEMBOLSO. LIMITATIVA EM CASOS DE EMERGÊNCIA. CARÁTER ABUSIVO CONFIGURADO. QUANTUM. VALOR RAZOÁVEL. SÚMULA 7/STJ. 1. O Tribunal a quo, ao condenar a recorrente ao pagamento de danos materiais e morais em decorrência da negativa de prestação de serviços médicos, julgou a demanda em consonância com a jurisprudência deste colendo Tribunal, ao considerar abusiva cláusula contratual que limite tratamento médico em casos de emergência, como ocorreu na hipótese. 2. É pacífico o entendimento deste Pretório no sentido de que o valor estabelecido pelas instâncias ordinárias a título de danos morais pode ser revisto tão somente nas hipóteses em que a condenação se revelar irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade, o que não se evidencia no presente caso. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.(AgRg no REsp 1028384/MA, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17/04/2012, DJe 18/05/2012)

 

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. NEGATIVA INJUSTA DE COBERTURA SECURITÁRIA MÉDICA. CABIMENTO. 1. Afigura-se a ocorrência de dano moral na hipótese de a parte, já internada e prestes a ser operada - naturalmente abalada pela notícia de que estava acometida de câncer -, ser surpreendida pela notícia de que a prótese a ser utilizada na cirurgia não seria custeada pelo plano de saúde no qual depositava confiança há quase 20 anos, sendo obrigada a emitir cheque desprovido de fundos para garantir a realização da intervenção médica. A toda a carga emocional que antecede uma operação somou-se a angústia decorrente não apenas da incerteza quanto à própria realização da cirurgia mas também acerca dos seus desdobramentos, em especial a alta hospitalar, sua recuperação e a continuidade do tratamento, tudo em virtude de uma negativa de cobertura que, ao final, se demonstrou injustificada, ilegal e abusiva. 2. Conquanto geralmente nos contratos o mero inadimplemento não seja causa para ocorrência de danos morais, a jurisprudência do STJ vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura securitária médica, na medida em que a conduta agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, o qual, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada. 3. Recurso especial provido.(REsp 1190880/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/05/2011, DJe 20/06/2011)

 

Quanto à fixação do quantum debeatur da indenização, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano moral não pode ser fonte de lucro, posto que extrapatrimonial, fundado na dor, no sentimento de perda e na diminuição da autoestima pessoal e familiar, no caso em comento.

 

Dessa forma, o valor a ser arbitrado deve ser compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes.

 

Portanto, valorando-se as peculiaridades da hipótese concreta, bem como os parâmetros adotados normalmente pela jurisprudência para a fixação de indenização em hipóteses símiles, entendo que a quantia R$15.000,00 (quinze mil reais) encontra-se condizente  com a gravidade da conduta praticada pelo réu e a sua condição econômica, não constituindo enriquecimento ilícito da autora.

 

Pelo exposto e por tudo mais que nos autos consta, JULGO PROCEDENTES os pedidos para condenar o demandado a pagar à parte autora A) verba indenizatória no valor de R$15.000,00 (quinze mil reais), a título de danos morais, acrescida de correção monetária pelos índices divulgados pela CGJ/MG e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, tudo a partir da publicação da sentença; e B) despesas médicas, conforme documentos de fls. 68/107 e 192/215, a título de danos materiais, acrescidas de correção monetária pelos índices da CGJ/MG, a partir do desembolso, e juros moratórios de 1% ao mês, estes a partir da citação, valor este a ser apurado em liquidação de sentença.

 

Face a sucumbência, condeno o u a arcar com as custas e despesas processuais, além dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, observada a natureza da causa, o trabalho desenvolvido pelo profissional e o local de sua prestação, nos termos do art. 85, § 2º, do diploma processual civil.

 

P.R.I.

 

Após o trânsito em julgado da presente decisão e não havendo custas pendentes de recolhimento, arquivem-se os autos com baixa na distribuição.

 

 

Belo Horizonte, 23 de janeiro de 2018

 

 

EDUARDO HENRIQUE DE OLIVEIRA RAMIRO

Juiz de Direito

 

 

Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais

CERTIDÃO – PUBLICAÇÃO

Certifico e dou fé que a(o)

( ) sentença_______________________

( ) despacho________________________ ( ) ato ordinatório_________________

foi disponibilizada(o) em____/____/____ no DJe/TJMG, considerando-se publicada(o) em ____/____/____, nos termos do art. 4º, § 1º,

§ 2º da Portaria Conjunta nº 119/2008.

Disponibilizado no site do TJMG, via sistema de Publicação de Sentenças, Decisões e Despachos na rede mundial de computadores (Portaria Conjunta nº 312/2013), em ____/_____/______.

Belo Horizonte,____de__________de_____

O(A) Escrivão(ã) _______________________