Processo nº: 0625.14.3743-7

SENTENÇA

 

Vistos etc.

 

PEDRO HENRIQUE MADEIRA LAGE, qualificado nos autos, ajuizou a presente ação de cobrança de despesas materiais, lucros cessantes c/c danos morais c/c antecipação de tutela em desfavor de CLIP EMPREENDIMENTOS E CONSTRUÇÃO LTDA., qualificada nos autos. Liminarmente pugna pela concessão de tutela antecipada para que seja cumprido o disposto na cláusula 10, §, para que seja pago ao requerente o importe de R$ 200,00 (duzentos reais), mensalmente, equivalente ao valor de 0,2% do valor do imóvel, e pelo cancelamento dos pagamentos referentes ao seguro de obra no importe de R$ 400,00 (quatrocentos reais), vez que se da entrega das chaves no período estabelecido o autor já estaria desobrigado de tal múnus. Às razões de fato aduz que foi firmado junto à requerida um contrato de compra e venda de um imóvel em 10/11/2011, tendo data de entrega limite para 30/05/2013 e que até a propositura desta ação não havia sido efetuada a entrega do apartamento, não tendo sequer previsão de uma nova data para entrega das chaves.

 

Ao mérito alega que com o inadimplemento da requerida, em prática abusiva do direito do consumidor, é passível de reparação por danos sofridos. Argui ser autorizado ao adquirente o pleito a resolução do contrato com a restituição integral dos valores por ele pagos em uma única parcela. No que se refere aos danos materiais e aos lucros cessantes afirma ser dever da suplicada pagar pelos lucros cessantes no importe de R$ 8.000,00 (oito mil reais) oriundos do prejuízo causado com o atraso na entrega do apartamento, que impossibilitou o suplicante de tornar rentável o bem adquirido e usufrui-lo como melhor coubesse. No que se refere aos danos morais afirma que a prestação pecuniária jamais poderia suprir os danos sofridos pelo demandante e pugna pela condenação da demandada ao pagamento de 50 (cinquenta) salários-mínimos a título de indenização. Ao final, pugna: 1) pela concessão da liminar requerida inaudita altera pars, com a fixação de multa diária para caso de não devolução dos valores, bem como o pagamento dos aluguéis até o cumprimento da obrigação; 2) pela condenação da requerida ao pagamento de 50 (cinquenta) salários-mínimos a título de indenização por danos morais; 3) pelo pagamento do importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de lucros cessantes; 4) pela rescisão contratual com devolução dos valores já adimplidos incidindo juros e correção monetária; 5) pela inversão do ônus da prova e 6) pela concessão dos benefícios da justiça gratuita, conforme cediço na exordial de f. 02/11. A inicial foi acompanhada dos documentos de f. 12/52. Indeferido o pedido liminar e deferido os benefícios da justiça gratuita às f. 59.

 

Devidamente citado, o réu apresentou contestação às f. 63/84 em que alega, em sede de preliminar a inépcia da inicial quanto aos pedidos de multa de 0,2% do valor do imóvel em favor do autor e de cancelamento dos pagamentos referentes ao seguro da obra, vez que tais pedidos não constaram no rol petitório da peça vestibular. Ao mérito contesta que embora a unidade habitacional não tenha sido entregue no prazo inicialmente acordado, tal atraso teria ocorrido em virtude a fatos alheios à vontade dos contratantes, posto a dificuldade enfrentada apara contratação de mão de obra especializada e para obtenção dos materiais necessários para o cumprimento do cronograma da obra, razão pela qual houve a dilação do prazo para conclusão do empreendimento, sendo enviadas ao autor, periodicamente, comunicações sobre o andamento da obra e as razões para eventuais prorrogações do prazo.

 

Alude que a cláusula 10ª do instrumento firmado entre o suplicante e a suplicada é plenamente válida, vez que em seu caput prevê um prazo de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias para entrega do imóvel, tendo o contestado plena ciência de todas as condições acertadas e a elas aderido sem qualquer discussão contrária. Argui que o requerente em momento algum fez prova do dano patrimonial supostamente sofrido, buscando enriquecer-se ilicitamente, não se podendo falar em existência de dano por lucro cessante. Argumenta não ser cabível a inversão da multa contratual prevista em prol do autor e do pedido de cancelamento dos pagamentos referentes ao seguro da obra, uma vez que não constam nos pedidos elencados na inicial e que a não entrega no prazo estipulado se deu em virtude de caso fortuito ou força maior.

 

Fundamenta que a desistência unilateral manifesta pelo requerente poderia ter se dado na esfera privada, sendo passível de devolução da quantia já paga mediante os descontos previstos em contrato, inexistindo razão para que o fizesse pelas vias judiciais. Aduz não ter havido caracterização de dano moral, haja vista não ter sido efetivamente demonstrado, tampouco comprovado, e ainda, afirma não ser cabível a inversão do ônus da prova, posto que não possui a contestante melhores condições e/ou possibilidades maiores para produzir as provas pretendidas. Ao final, pugna: 1) pelo acolhimento da preliminar arguida de inépcia da inicial; 2) pela improcedência total dos pedidos elencados na exordial; 3) em caso de acolhimento do pleito indenizatório por lucros cessantes, que seja fixado levando-se em conta o montante efetivamente comprovado nos autos e a prorrogação firmada de 180 (cento e oitenta) dias e 4) pelo indeferimento do pedido de inversão do ônus da prova. A peça defesa foi acompanhada dos documentos de f. 85/176. Impugnação à contestação às f. 179/182.

 

Aos 10 dias do mês de dezembro de 2015, aberta a audiência de conciliação (f.190), tentada a conciliação, esta restou infrutífera.

 

Vieram-me os autos conclusos para decisão (f. 192, v).

 

É o breve histórico.

 

DECIDO.

 

Alega a requerida, em sede de preliminar, a inépcia da inicial quanto aos pedidos de multa de 0,2% do valor do imóvel em favor do autor e de cancelamento dos pagamentos referentes ao seguro da obra, vez que tais pedidos não constaram no rol petitório da peça vestibular. Com efeito, não consta pedido a respeito da aplicação da referida multa, razão pela qual não será apreciado, sob pena de julgamento ultra petita.

 

O contrato foi firmado em 10/11/11, com previsão de entrega do imóvel em 30/05/13 (f. 29/31). Considerando que o contrato prevê prazo de tolerância sem justificativa de 180 (cento e oitenta) dias (cláusula 10.ª, f.17, v.), o termo final era 30/11/13, obrigação descumprida pela requerida, pois não consta comprovação de entrega do imóvel no prazo estipulado.

 

A concessão do prazo de tolerância de 180 dias não espelha qualquer abusividade.

 

O prazo previsto para entrega de uma obra raramente coincide com a efetiva data de sua entrega.

 

As variáveis presentes são variadas, principalmente diante do atual mercado imobiliário, em franca ascensão e crescimento, pelo que, não se pode considerar como abusiva a cláusula que prevê prazo de tolerância para a ocorrência da efetiva entrega da obra.

 

Ademais, o prazo estabelecido no termo, de 180 (cento e oitenta) dias, é razoável e cumpre de acordo com o fim ao qual se destina, garantindo adequadamente o construtor sem importar em demasiado sacrifício ao comprador da unidade.

 

Nesse sentido:

 

Válida a cláusula contratual que estipula prazo de tolerância para a entrega do imóvel, mormente para que possa a construtora se prevenir contra intempéries, ausência de mão-de-obra especializada ou de material que prejudique a conclusão da obra. (...)." (Apelação Cível 1.0024.10.098518-3/001, Rel. Des.(a) Otávio Portes, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/11/2011, publicação da súmula em 22/11/2011).

 

O “caso fortuito” ou “força maior” tão alegado pelas construtoras para justificar o atraso da obra não poderá estar vinculado com fatos diretamente ligados com a atividade que elas exercem, pois é absolutamente previsível por elas, como a falta de mão de obra e materiais, diligências junto a empresas e órgãos públicos, que se encontram no âmbito da previsibilidade da atividade empresarial das requeridas. Do mesmo modo, a previsão de necessidade de construção de poço artesiano, emissão da carta de iluminação pública e instalação de rede elétrica em cada unidade, se situam no âmbito de previsibilidade dos empreendedores da construção civil.

 

Portanto, não há razão plausível para o descumprimento contratual por parte da requerida, que desrespeitou flagrantemente o prazo para entrega do imóvel.

 

No caso em foco, o dano moral não se mostra presumido, pelo que necessário seria a prova da efetivamente ocorrência deste.

 

No caso, o desgosto com o negócio e, em especial com o descumprimento do prazo fixado no contrato, não impinge ao requerente um constrangimento de forma tal a ensejar dor passível de reparação.

 

O requerente, a despeito de não ter ingressado no imóvel, não comprovou um contratempo sequer, que não os decorrentes da frustração de suas expectativas com o negócio.

 

O eminente Desembargador Wagner Wilson, membro desta 16ª Câmara Cível, acerca do fato e do dano, em casos de frustração de negócio jurídico, assim entendeu:

 

"EMENTA: CONTRATO DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO. CULPA DO VENDEDOR. PARCELAS PAGAS. DEVOLUÇÃO. DANOS MORAIS INDEVIDOS (...) 4. Embora demonstrada nos autos a conduta indevida por parte do vendedor, o natural aborrecimento advindo da celebração de um negócio jurídico insatisfatório e a conseqüente necessidade de recorrer ao Judiciário não são hábeis a ensejar condenação por dano moral." (Processo nº 1.0245.05.062144-1/001, pub em 16/09/2008)

 

Assim, malgrado a não entrega do bem, foram experimentados, no caso, apenas meros dissabores e aborrecimentos pelo requerente, não tendo sido configurado dano moral.

 

Considerando que a unidade imobiliária não fora entregue, o requerente faz jus à restituição do que pagou, importância que deve ser restituída pela requerida, bem como decretada a rescisão contratual.

 

O atraso injustificado da construtora na entrega do imóvel adquirido pelo consumidor acarreta ofensa de ordem material que deve ser indenizado.

 

Registre-se que foi pedido liminarmente a aplicação de multa para descumprimento de obrigações de pagar quantia certa, o que não é cabível, já que a referida sanção é aplicada em caso de descumprimento de obrigações de fazer ou não fazer.

 

Não há demonstração de lucros cessantes, de que o requerente deixou de ganhar algo em virtude do atraso na obra.

 

As pretensões liminares não foram apreciadas e não consta pedido de concessão das tutelas no rol dos pedidos principais, devendo ser entendidas apenas como pretensões cautelares.

 

Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos para: 1. Declarar rescindido o contrato celebrado entre as partes; 2. Condenar CLIP EMPREENDIMENTOS E CONSTRUÇÃO LTDA à restituição do que das importâncias pagas pelo requerente durante a fase de construção, sem qualquer desconto, corrigidas monetariamente pelos índices adotados pela Corregedoria Geral de Justiça a contar de cada desembolso e juros moratórios de 1% ao mês desde a data da citação.

 

Extingo o processo com fincas no art. 487, I, do Código de Processo Civil.

 

Condeno o requerente ao pagamento de 20% das custas e a requerida aos restantes 80%. Condeno o requerente ao pagamento de 10% do valor atualizado da causa a título de honorários advocatícios devidos aos patronos das partes adversas. Condeno os requeridos ao pagamento de 10% do valor atualizado da condenação a título de honorários advocatícios devidos aos patronos da parte adversa, vedada a compensação.

 

As verbas sucumbenciais devidas pelo requerente ficarão com a exigibilidade suspensa pelo prazo legal, em razão da justiça gratuita concedida.

 

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.

 

São João del-Rei/MG, 10 de novembro de 2017.

 

 

 

ARMANDO BARRETO MARRA

Juiz de Direito