AUTOS: 0140058-49.2010

IMPUGNANTE(S): VERA RAINER TEIXEIRA

IMPUGNADO(S): JOÃO CARLOS HOLLERBACH

 

 

Vistos, etc.

 

 

SENTENÇA

 

I – RELATÓRIO

 

VERA RAINER TEIXEIRA ajuizou a presente impugnação à assistência judiciária gratuita em face de JOÃO CARLOS HOLLERBACH aduzindo, em síntese, que esse benefício não pode ser deferido ao réu.

Alega que o impugnado é proprietário de uma empresa tradicional do ramo de peças para veículos automotores na cidade de Teófilo Otoni, bem como de imóveis nesta cidade. Juntou os documentos de ff. 04-06.

A parte impugnada se manifestou às ff. 10-13 alegando, em síntese, não ter condições para arcar com eventuais custas processuais, que a empresa da qual é proprietário não dá lucro e que aufere apenas o valor relativo a sua aposentadoria.

Pois bem.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

No que tange ao(s) pedido(s) de justiça gratuita formulado(s) pela parte impugnante, não se comprovou insuficiência de recursos, conforme exigido pelo artigo 5º, LXXIV da Constituição da República, motivo pelo qual a decisão de f. 09 merece ser revogada, em parte, e a gratuidade de justiça indeferida1.

Observa-se dos autos que, apesar da parte impugnada ter requerido o deferimento do benefício da assistência judiciária gratuita, esse pedido não foi analisado por este Juízo.

Sobre a impugnação à justiça gratuita, o artigo 7º da Lei nº 1060, de 1950 estipula que “a parte contrária poderá, em qualquer fase da lide, requerer a revogação dos benefícios de assistência, desde que prove a inexistência ou o desaparecimento dos requisitos essenciais à sua concessão” (destacou-se).

Assim, considerando que não houve a concessão do benefício, não poderia a parte impugnante requerer a sua revogação, uma vez que tal pedido se mostra inadequado, falecendo de utilidade.

Quanto ao interesse de agir, esta condição da ação consiste na presença de adequação, necessidade e utilidade do provimento jurisdicional pretendido à parte que o pleiteia (artigo 3º do Código de Processo Civil). Nesse contexto, considerando a falta de necessidade de revogação de um benefício que sequer foi concedido, o feito merece ser extinto, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, VI, do Código de Processo Civil.

Corroborando esse entendimento, julgado do egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - INCIDENTE DE IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA - AUSÊNCIA DE ANTERIOR DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO - INTERESSE DE AGIR INEXISTENTE - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO -A Lei n° 1.060/1950 permite que a parte contrária requeira a revogação do benefício da justiça gratuita, uma vez provada a inexistência ou desaparecimento dos requisitos legais. -Inexiste interesse de agir à parte que apresenta incidente de impugnação ao benefício da justiça gratuita que sequer foi deferida. Destarte, a extinção do feito sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, é medida que se impõe. (TJMG- Apelação Cível1.0027.12.020949-2/001, Relator(a): Des.(a) Luiz Artur Hilário , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/10/2014, publicação da súmula em 21/10/2014)

 

III – DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, JULGO EXTINTA a presente impugnação à justiça gratuita, sem resolução de mérito, por ausência de interesse de agir, nos termos do artigo 267, VI, do Código de Processo Civil.

REVOGO, em parte, a decisão de f. 09 e condeno a parte impugnante ao pagamento das custas. Sem honorários advocatícios, nos termos do artigo 20, §1º do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Teófilo Otoni, 08 de abril de 20152.

 

 

 

FABRÍCIO SIMÃO DA CUNHA ARAÚJO

Juiz de Direito

1 Não é demais frisar que é dever do juízo, e não simplesmente faculdade, exigir prova da real condição de miserabilidade autorizativa da assistência judiciária, visto que além de ser este o expresso comando constitucional (artigo 5º, LXXIV), tem-se que os valores das custas são tributos (conforme posição pacífica do STF, a exemplo da ADI-MC 1.772, DJ 08/09/2000) e sua eventual isenção irregular representaria desfalque de receitas públicas estatais, com prejuízo para a coletividade, já que é notória a necessidade de qualificação do sistema de prestação da tutela jurisdicional para a proteção efetiva dos direitos dos cidadãos.

Em se tratando de tributo, eventual isenção do recolhimento do mesmo deve se dar com observância ao disposto no Código Tributário Nacional, especificamente no artigo 179, que prescreve que “A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão” (destacamos).

Conforme se verifica, portanto, a disposição do artigo 4º da Lei nº 1.060, de 1950, que autoriza a concessão da assistência judiciária gratuita mediante simples afirmação está em dissonância com as disposições constitucionais e tributárias pertinentes, as quais impõem expressamente ao solicitante o ônus de provar (e não meramente declarar) a condição de hipossuficiência de recursos.

Não há que se falar, data venia, tampouco, que a apresentação de declaração de pobreza teria o condão de gerar presunção relativa de miserabilidade, a qual somente seria passível de ser afastada por circunstâncias outras verificadas no processo.

É que, no sistema jurídico pátrio, ao se admitir qualquer presunção relativa, tem-se como consequência processual automática a transferência, à parte contrária, do ônus da prova de desconstituir o conteúdo declarado.

Caso se admita que mera declaração enseja presunção relativa, o que se está a concluir, data venia, é que bastaria a qualquer autor trazer com a petição inicial declaração de que os fatos constitutivos de seu direito ocorreram conforme narrado para que o ônus da prova passasse a recair sobre o réu.

Percebe-se, então, que tal conclusão contraria a lógica sistemático-processual vigente no ordenamento jurídico pátrio, assim como inviabiliza qualquer reconstrução dos fatos em contraditório, visto que na medida em que o autor “declara” que os fatos ocorreram de uma determinada forma, o réu “declara” que ocorreram de outra.

Somente prova (e não mera declaração) dos fatos que reforçam a tese sustentanda em juízo ensejam, em favor de quem defende a tese, a presunção relativa, a qual é sempre relativa, vale frisar, pois invariavelmente pode ser desconstituída por prova mais robusta e verossímil trazida pela parte contrária.

Dessarte, para que se respeite coerência lógico-sistemática do ordenamento processual pátrio vigente, mister concluir que mera declaração não pode ser confundida com prova e, muito menos, é suficiente para gerar presunção relativa. Ademais, ao se equiparar declaração e prova, estar-se-ia atribuindo interpretação extensiva à norma concessiva de isenção tributária, o que contraria axioma hermenêutico tributário consubstanciado no disposto no artigo 111, II do Código Tributário Nacional e sufragado de forma pacífica pela jurisprudência (por todos, STF, Rext nº 562351, Rext nº 474132, Rext nº 79897 e STJ, Resp nº 958736 e Resp nº 921269).

Por fim, não há que se falar que a interpretação que ora se sufraga ofende direito fundamental de acesso à tutela processual-jurisdicional. É que argumento nesse sentido seria o mesmo que advogar a tese de que para o cidadão fazer jus a determinado medicamento fornecido pelo Sistema Único de Saúde bastaria mera declaração, sendo vedado lhe exigir prova de sua situação médica ou que a declaração de que realmente padece de uma doença geraria presunção relativa que imporia ao Estado o dever de fazer prova em sentido contrário, tudo sob pena de se lhe negar/ofender direito fundamental à saúde.

Obviamente, data venia, não é este o caso. A prestação e respeito do respectivo direito fundamental é dever do Estado nos estritos termos previstos constitucionalmente, portanto, exclusivamente em relação àqueles que preenchem os requisitos exigidos normativamente para fruírem o direito. Quando não preenchidos os requisitos erigidos para a prestação do dever estatal, negar tal prestação consiste não em ofensa a direito fundamental, mas sim em cumprimento legítimo da Constituição e das leis bem como, em última análise, afirmação do direito fundamental e pilar do Estado Democrático de Direito, o princípio da reserva legal.

Portanto, considerando que a Constituição Brasileira e o Código Tributário Nacional expressamente exigem prova para a concessão da justiça gratuita, tem-se que é insuficiente mera declaração conforme previsto no artigo 4º da Lei nº 1.060, de 1950, visto que, além de este dispositivo contrariar normas gerais de direito tributário, estando em conflito com a lei fundamental superveniente, não foi recepcionado pela ordem constitucional vigente e carece de validade.

Não é demais consignar que a jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais vem se direcionando no sentido do que se expôs acima, senão vejamos: “A Constituição em seu art. 5º, LXXIV assegura a assistência jurídica gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, sendo que o dispositivo constitucional se sobrepõe à Lei 1.060/50, sejam pessoas físicas ou pessoas jurídicas. Ausente a comprovação de hipossuficiência não há como se deferir o pedido de justiça gratuita” (Agravo de Instrumento-Cv 0464870-64.2014.8.13.0000 (1). Relator(a) Des.(a) Roberto Vasconcellos. 18ª CÂMARA CÍVEL. DJE: 18/08/2014).

No mesmo sentido, “a comprovação de insuficiência de recursos não pode ser entendida como 'simples afirmação' preceituada pelo art. 4º da Lei 1.060/50, sendo indispensável que o requerente comprove, quando do requerimento, a insuficiência de recursos”.(AI nº 0461682-63.2014.8.13.0000, 13ª Câmara Cível). Ainda, “para a concessão da assistência judiciária gratuita não basta mera declaração de que o requerente é pobre no sentido legal, fazendo-se necessária, na forma preceituada na Constituição da República, artigo 5º, LXXIV, a comprovação da insuficiência de recurso” (AI nº 0190984-50.2013.8.13.0000. 16ª CÂMARA CÍVEL).

Em sentido idêntico, há inúmeros outros precedentes: AI nº 0481384-92.2014.8.13.0000. 11ª CÂMARA CÍVEL; AI nº 0202505-55.2014.8.13.0000 18ª CÂMARA CÍVEL; AI nº 0457226-41.2012.8.13.0000 (1) 10ª CÂMARA CÍVEL.

2 Somente nesta data tendo em vista que, quando este magistrado assumiu a titularidade da 1ª Vara Cível de Teófilo Otoni, em 19/05/2014, havia mais de 2110 processos conclusos, sendo 571 para sentença.