AUTOS: 2165784-59.2008

IMPUGNANTE(ES): MARIA DO ROSÁRIO DA SILVA CRUZ

IMPUGNADO(S): VERA RAINER TEIXEIRA

 

Vistos, etc.

 

SENTENÇA

 

I – RELATÓRIO

 

MARIA DO ROSÁRIO DA SILVA CRUZ, ré na ação de usucapião de nº 0686.07.202153-4, apresentou impugnação ao valor da causa proposta por VERA RAINER TEIXEIRA, sob a alegação de que o valor atribuído à causa seria ínfimo, se comparado com o valor do imóvel que a parte autora pretende usucapir.

Intimada a se manifestar, a parte impugnada aduziu que a ação de usucapião pretende provimento declaratório que não guarda relação com o valor da avaliação do imóvel (f. 06).

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

O cerne da lide é verificar se o valor atribuído à causa é compatível com as disposições do Código de Processo Civil e com o proveito econômico que a parte visa obter.

A parte autora, ora impugnada, pretende que seja declarado o seu domínio sobre o imóvel situado na avenida Getúlio Vargas nº 1378, centro da cidade Teófilo Otoni, nele existindo uma casa com 215,36m² de área construída e um cômodo medindo 43,02, nº 1378-A, totalizando 490,94m² de área construída, sendo que o valor atribuído à causa foi de apenas R$ 380,00.

Quanto a matéria ora discutida, o artigo 259, VII do Código de Processo Civil prescreve que o valor da causa será “na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, a estimativa oficial para lançamento do imposto”.

Nesse sentido, a jurisprudência firmou o entendimento de que nas ações de usucapião o valor atribuído à causa deverá corresponder ao valor venal do imóvel usucapiendo, utilizando por analogia o artigo supramencionado, conforme julgados do egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais abaixo:

 

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA - - AÇÃO DE USUCAPIÃO VALOR VENAL DO IMÓVEL - APLICAÇÃO DO ART. 259, VII, do CPC. - Nos termos do art. 258, do CPC, "a toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato". - Não dispondo o CPC sobre o valor da causa em ações possessórias e de usucapião, este deve corresponder ao valor venal do imóvel usucapiendo, por aplicação analógica do art. 259, inciso VII, do referido diploma processual. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0287.14.004479-6/001, Relator(a): Des.(a) Octavio Augusto De Nigris Boccalini , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/11/2014, publicação da súmula em 20/11/2014). (destacou-se)

 

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA - AÇÃO DE USUCAPIÃO - VALOR DO IMÓVEL USUCAPIENDO - APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO DISPOSTO NO ART. 259, INCISO VII, DO CPC - RECURSO DESPROVIDO. 
-
O valor da causa, na ação de usucapião, deve corresponder ao valor venal do imóvel usucapiendo, para fins de lançamento do IPTU, por aplicação analógica do art. 259, inciso VII, do CPC. Na falta deste, deve ser levado em conta o valor pelo qual o imóvel foi arrematado em hasta pública. - Recurso a que se nega provimento. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0701.13.035422-1/001, Relator(a): Des.(a) Eduardo Mariné da Cunha , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/04/2014, publicação da súmula em 15/04/2014). (destacou-se)

 

Assim, considerando que a petição inicial atribuiu valor à causa manifestamente diferente do valor venal do imóvel a que se pretende usucapir, necessário que tal valor seja retificado, devendo constar como valor da causa aquele indicado como estimativa para o lançamento do IPTU do ano de 2015, cuja avaliação foi realizada pelo Município de Teófilo Otoni.

No que tange ao(s) deferimento de justiça gratuita à parte autora/impugnada, deveras, não se comprovou a insuficiência de recursos, conforme exigido pelo artigo 5º, LXXIV da Constituição da República.

Assim, em se tratando de questão de ordem pública, a qual pode e deve ser revista, caso necessário, a qualquer tempo, deve ser revogada a decisão de f. 130 do processo principal no que concerne ao deferimento da assistência judiciária gratuita1.

 

III – DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a impugnação ao valor da causa e RETIFICO o valor da ação de usucapião como sendo o valor da estimativa oficial para o lançamento do IPTU do imóvel no ano 2015, e JULGO EXTINTO, com resolução de mérito, o processo nos termos do artigo 269, I c/c artigo 261 do Código de Processo Civil.

Custas e honorários pela parte impugnada. Sem honorários advocatícios nos termos do artigo 20, §1º do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Transitada em julgado, intime-se a parte impugnada/reconvinte/ré para efetuar o pagamento das custas em 5 dias (artigo 14, § 1º da Lei estadual nº 14.939, de 2003).

Teófilo Otoni, 06 de abril de 20152.

 

 

 

FABRÍCIO SIMÃO DA CUNHA ARAÚJO

Juiz de Direito

1Não é demais frisar que é dever do juízo, e não simplesmente faculdade, exigir prova da real condição de miserabilidade autorizativa da assistência judiciária, visto que além de ser este o expresso comando constitucional (artigo 5º, LXXIV), tem-se que os valores das custas são tributos (conforme posição pacífica do STF, a exemplo da ADI-MC 1.772, DJ 08/09/2000) e sua eventual isenção irregular representaria desfalque de receitas públicas estatais, com prejuízo para a coletividade, já que é notória a necessidade de qualificação do sistema de prestação da tutela jurisdicional para a proteção efetiva dos direitos dos cidadãos.

Em se tratando de tributo, eventual isenção do recolhimento do mesmo deve se dar com observância ao disposto no Código Tributário Nacional, especificamente no artigo 179, que prescreve que “A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão” (destacamos).

Conforme se verifica, portanto, a disposição do artigo 4º da Lei nº 1.060, de 1950, que autoriza a concessão da assistência judiciária gratuita mediante simples afirmação está em dissonância com as disposições constitucionais e tributárias pertinentes, as quais impõem expressamente ao solicitante o ônus de provar (e não meramente declarar) a condição de hipossuficiência de recursos.

Não há que se falar, data venia, tampouco, que a apresentação de declaração de pobreza teria o condão de gerar presunção relativa de miserabilidade, a qual somente seria passível de ser afastada por circunstâncias outras verificadas no processo.

É que, no sistema jurídico pátrio, ao se admitir qualquer presunção relativa, tem-se como consequência processual automática a transferência, à parte contrária, do ônus da prova de desconstituir o conteúdo declarado.

Caso se admita que mera declaração enseja presunção relativa, o que se está a concluir, data venia, é que bastaria a qualquer autor trazer com a petição inicial declaração de que os fatos constitutivos de seu direito ocorreram conforme narrado para que o ônus da prova passasse a recair sobre o réu.

Percebe-se, então, que tal conclusão contraria a lógica sistemático-processual vigente no ordenamento jurídico pátrio, assim como inviabiliza qualquer reconstrução dos fatos em contraditório, visto que na medida em que o autor “declara” que os fatos ocorreram de uma determinada forma, o réu “declara” que ocorreram de outra.

Somente prova (e não mera declaração) dos fatos que reforçam a tese sustentanda em juízo ensejam, em favor de quem defende a tese, a presunção relativa, a qual é sempre relativa, vale frisar, pois invariavelmente pode ser desconstituída por prova mais robusta e verossímil trazida pela parte contrária.

Dessarte, para que se respeite coerência lógico-sistemática do ordenamento processual pátrio vigente, mister concluir que mera declaração não pode ser confundida com prova e, muito menos, é suficiente para gerar presunção relativa. Ademais, ao se equiparar declaração e prova, estar-se-ia atribuindo interpretação extensiva à norma concessiva de isenção tributária, o que contraria axioma hermenêutico tributário consubstanciado no disposto no artigo 111, II do Código Tributário Nacional e sufragado de forma pacífica pela jurisprudência (por todos, STF, Rext nº 562351, Rext nº 474132, Rext nº 79897 e STJ, Resp nº 958736 e Resp nº 921269).

Por fim, não há que se falar que a interpretação que ora se sufraga ofende direito fundamental de acesso à tutela processual-jurisdicional. É que argumento nesse sentido seria o mesmo que advogar a tese de que para o cidadão fazer jus a determinado medicamento fornecido pelo Sistema Único de Saúde bastaria mera declaração, sendo vedado lhe exigir prova de sua situação médica ou que a declaração de que realmente padece de uma doença geraria presunção relativa que imporia ao Estado o dever de fazer prova em sentido contrário, tudo sob pena de se lhe negar/ofender direito fundamental à saúde.

Obviamente, data venia, não é este o caso. A prestação e respeito do respectivo direito fundamental é dever do Estado nos estritos termos previstos constitucionalmente, portanto, exclusivamente em relação àqueles que preenchem os requisitos exigidos normativamente para fruírem o direito. Quando não preenchidos os requisitos erigidos para a prestação do dever estatal, negar tal prestação consiste não em ofensa a direito fundamental, mas sim em cumprimento legítimo da Constituição e das leis bem como, em última análise, afirmação do direito fundamental e pilar do Estado Democrático de Direito, o princípio da reserva legal.

Portanto, considerando que a Constituição Brasileira e o Código Tributário Nacional expressamente exigem prova para a concessão da justiça gratuita, tem-se que é insuficiente mera declaração conforme previsto no artigo 4º da Lei nº 1.060, de 1950, visto que, além de este dispositivo contrariar normas gerais de direito tributário, estando em conflito com a lei fundamental superveniente, não foi recepcionado pela ordem constitucional vigente e carece de validade.

Não é demais consignar que a jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais vem se direcionando no sentido do que se expôs acima, senão vejamos: “A Constituição em seu art. 5º, LXXIV assegura a assistência jurídica gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, sendo que o dispositivo constitucional se sobrepõe à Lei 1.060/50, sejam pessoas físicas ou pessoas jurídicas. Ausente a comprovação de hipossuficiência não há como se deferir o pedido de justiça gratuita” (Agravo de Instrumento-Cv 0464870-64.2014.8.13.0000 (1). Relator(a) Des.(a) Roberto Vasconcellos. 18ª CÂMARA CÍVEL. DJE: 18/08/2014).

No mesmo sentido, “a comprovação de insuficiência de recursos não pode ser entendida como 'simples afirmação' preceituada pelo art. 4º da Lei 1.060/50, sendo indispensável que o requerente comprove, quando do requerimento, a insuficiência de recursos”.(AI nº 0461682-63.2014.8.13.0000, 13ª Câmara Cível). Ainda, “para a concessão da assistência judiciária gratuita não basta mera declaração de que o requerente é pobre no sentido legal, fazendo-se necessária, na forma preceituada na Constituição da República, artigo 5º, LXXIV, a comprovação da insuficiência de recurso” (AI nº 0190984-50.2013.8.13.0000. 16ª CÂMARA CÍVEL).

Em sentido idêntico, há inúmeros outros precedentes: AI nº 0481384-92.2014.8.13.0000. 11ª CÂMARA CÍVEL; AI nº 0202505-55.2014.8.13.0000 18ª CÂMARA CÍVEL; AI nº 0457226-41.2012.8.13.0000 (1) 10ª CÂMARA CÍVEL.

2 Somente nesta data tendo em vista que, quando este magistrado assumiu a titularidade da 1ª Vara Cível de Teófilo Otoni, em 19/05/2014, havia mais de 2110 processos conclusos, sendo 571 para sentença.