Comarca de Belo Horizonte

5ª Vara Cível

 

SENTENÇA

 

 

Processo nº 0024.13.113.638-4

 

I – RELATÓRIO:

 

ANA ANGELINA GOMES DE OLIVEIRA propôs a presente ação indenizatória por danos morais e materiais com pedido liminar em face de AUTO OMNIBUS FLORAMAR LTDA., alegando, em síntese que:

Em 22 de agosto de 2012, viajava como passageira no ônibus de transporte público de propriedade da ré, quando, após passar por uma lombada de maneira abrupta, alega ter batido suas costas e nádegas em superfície rígida.

Informou que, em razão das supostas lesões, foi encaminhada à Unidade de Pronto Atendimento (UPA), e, posteriormente, ao Hospital Odilon Behrens, em Belo Horizonte/MG. Aduziu que apresentava ferimentos e hematomas, bem como trauma em coluna lombar e várias dores.

Nesse sentido, sustenta que estava em período de experiência em novo emprego, sendo pago a diária de R$ 60,000 (sessenta reais) pela jornada. Alega que, após o referido acidente, sofre com dores constantes, bem como não consegue desempenhar qualquer tipo de atividade laboral diante da suposta fratura na coluna ocasionada pelo acidente.

Aponta que as lesões foram graves a ponto de ter que adquirir um colete OTLS (Órtese Toraco-lombo-sacral), com a finalidade de proporcionar um tratamento cervical por compressão, no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais). Nessa mesma perspectiva, afirma que despendeu cerca de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) em medicamentos, como também não teria condições de arcar com consultas médicas e sessões de fisioterapia.

Alega a perda de uma chance, já que não conseguiu firmar o vínculo de emprego, tendo em vista que foi supostamente afastada de suas atividades laborativas por profissional médico.

Nesse sentido, pleiteou a concessão da antecipação de tutela, com a finalidade de receber, mensalmente, a quantia de R$ 490,00 (quatrocentos e noventa reais), pelos gastos com seu tratamento médico, assim como a condenação da requerida em danos emergentes, no montante de R$ 87,00 (oitenta e sete reais), como também em lucros cessantes, no valor de R$ 7.920,00 (sete mil, novecentos e vinte reais) e, por fim, indenização a título de danos morais em quantum a ser fixado pelo Juízo.

Ao final, requereu a concessão da gratuidade de justiça, que foi deferida (fls. 60/63) e atribuiu à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

Inicial acompanhada de documentos.

Em decisão proferida às fls. 60/63, foi concedida a tutela antecipada, a fim de que a requerida depositasse mensalmente, em juízo, a quantia de R$ 390,00 (trezentos e noventa reais) referente aos custos com ortopedista e fisioterapeuta, a contar da intimação até decisão final.

Assim sendo, a requerida interpôs Agravo de Instrumento (fls.77/86), bem como apresentou sua defesa em forma de Contestação (fls. 87/102).

Em sede de preliminar, requereu a denunciação da lide à seguradora Companhia Mutual de Seguros. No mérito, em síntese, arguiu a culpa exclusiva da autora e, subsidiariamente, a existência de culpa concorrente. Por fim, aventou que as lesões apontadas pela Autora já existiam antes do acidente, bem como apontou pela ausência de documentos capazes de demonstrar a necessidade de indenização por lucros cessantes ou danos morais, requerendo, ainda, a condenação em litigância de má-fé. Ao final, pleiteou a improcedência total dos pedidos.

Contestação acompanhada de documentos.

Impugnação à Contestação apresentada às fls. 118/129.

Foram solicitadas informações (fls.139) pelo e. TJMG, tendo em vista o Agravo de Instrumento interposto.

Deferida a denunciação à lide e determinada a citação (fl. 148 e fl.163).

Foi negado provimento ao Agravo de Instrumento, conforme decisão exarada em Acórdão as fls. 173/176.

Em decisão proferida à fl.183, foi deferida a expedição de alvará em favor da Autora, no valor de R$190,00 (cento e noventa reais).

 

Citada, a litisdenunciada, Companhia Mutual de Seguros, respondeu contestando (fls. 200/228), ocasião em que discorreu sobre os fatos e o contrato de seguro celebrado com a ré e os limites de indenização previstos na apólice. No mérito, apontou pela ausência de nexo de casualidade entre a conduta da requerida e as supostas lesões da Autora. Aduziu, ainda, a inexistência dos danos morais supostamente sofridos pela autora, assim como a impossibilidade de ressarcimento de despesas médicas, tratamentos de saúde e indenização em lucros cessantes, bem como requereu a dedução relativa ao seguro DPVAT. Por fim, pleiteou a improcedência total dos pedidos autorais.

Contestação acompanhada de documentos.

Foi apresentada manifestação pela Requerida (fls.268/272) em relação à Contestação da Litisdenunciada, bem como Impugnação à Contestação (fls.274/279) pela Autora.

Intimadas para especificarem provas, a ré pugnou pela produção de prova oral, consistindo no depoimento pessoal da Autora, bem como prova testemunhal e juntada de documentos. Por sua vez, a Autora pugnou pela produção de prova pericial. A litisdenunciada manifestou interesse na produção de prova oral, bem como expedição de ofício à Seguradora Líder, para que informasse se a requerente recebeu algum valor pelo seguro DPVAT.

Audiência de Conciliação realizada às fls.285.

A litisdenunciada, por sua vez, em petição juntada às fls.298/305, informou que estava atravessando um momento de liquidação extrajudicial, motivo pelo qual requereu a retificação de seu nome para COMPANHIA MUTUAL DE SEGUROS – EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL, bem como a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, e, por fim, a vedação da incidência de correção monetária e juros moratórios.

A Seguradora Líder informou às fls.310/311, que a Autora levantou o valor de R$ 933,41 (novecentos e trinta e três reais e quarenta e um centavos), a título de reembolso de Despesas de Assistência Médica e Suplementares (DAMS).

Em decisão exarada às fls. 319/320v, foi indeferido o pedido de inversão do ônus da prova pleiteado pela Autora. Foram deferidas, ainda, a produção de prova pericial médica, prova testemunhal e depoimento pessoal da Autora.

Foram opostos Embargos de Declaração pela requerida (fls.327/329), apontando que não requereu a produção de prova pericial, razão pela qual os honorários do expert deveriam ser custeados pela Autora.

Com isso, em decisão prolatada às fls. 331/333v, foi indeferido o pedido de suspensão do feito, como também o pleito de concessão dos benefícios da justiça gratuita. No que tange à incidência dos juros moratórios, foi deferida sua suspensão diante da decretação de liquidação extrajudicial da litisdenunciada. Por outro lado, foi deferida a oitiva do preposto da empresa ré, assim como foram acolhidos os referidos Embargos de Declaração, ao passo que foi nomeado perito que integra o Banco de Peritos do TJMG.

Nesse sentido, a litisdenunciada interpôs Agravo de Instrumento, a fim de obter a concessão de assistência judiciária gratuita. O referido recurso foi provido, conforme Acórdão juntado às fls. 369/371v.

A Audiência de Instrução e Julgamento foi realizada às fls. 374/376.

A prova pericial foi realizada e o laudo foi juntado às fls.395/405.

As partes foram intimadas para se manifestarem. A ré juntou manifestação às fls.409/411 e a litisdenunciada às fls.412/416. Foi certificado o decurso de prazo da Autora a fl.417v.

As partes foram intimadas para apresentação de Alegações Finais (fls.428). Nesse sentido, a autora juntou sua manifestação às fls.438/448, a litisdenunciada às fls.452/455, enquanto que a ré apresentou às fls.473/480, reiterando os termos de sua Contestação.

Vieram-me, então, conclusos os autos para sentença.

É o relatório.

Decido.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO:

Após relatar o processo, passo à fase da fundamentação, atendendo às exigências do art. 93, inciso IX, da Constituição da República, e do art. 489 do Código de Processo Civil/2015.

Nesse sentido, o processo se encontra em ordem, inexistindo vícios e irregularidades que possam levar à sua nulidade, estando presentes os pressupostos processuais.

Assim sendo, trata-se de matéria exclusivamente de direito, motivo pelo qual se passa a analisar a questão da responsabilidade da empresa de transporte requerida.

A responsabilidade da empresa de transporte relativa a seus passageiros é objetiva e, no caso dos autos, não vejo presente nenhuma causa que altere a natureza da responsabilidade, a demandar que se julgue pautado em outro entendimento.

São fatos incontroversos nestes autos que a autora viajava em ônibus coletivo de responsabilidade da Ré, dirigido por preposto dessa, e que sofreu um simples acidente no instante em que o coletivo passou por um quebra-molas.

Resta afastada a tese de defesa de excludente de responsabilidade, em virtude de culpa exclusiva da Autora, pois se tratando de responsabilidade objetiva da empresa de transporte, para que haja o dever de indenizar, a parte lesada fica encarregada de demonstrar o dano ocorrido e o nexo de causalidade, não havendo que se apurar a ocorrência de dolo ou culpa do prestador de serviço.

Entretanto, tendo em vista os ditames da responsabilidade objetiva, para que seja possível a caracterização da responsabilidade civil, é necessário que se verifique a incidência de dois pressupostos, ou seja, o dano e o nexo causal. A ausência de qualquer um destes elementos afasta o dever de indenizar.

Nesse sentido, a análise do caderno processual e dos documentos acostados, bem como do Laudo Pericial juntado às fls. 395/405, se depreende que não é possível se traçar um liame entre o fato, isto é, a passagem do coletivo pelo quebra-molas, e o dano causado à Autora, como se observa em excerto do referido laudo, a seguir:

 

O perito não pôde fixar o nexo de causalidade entre o acidente referido nos autos e a fratura de compressão da vértebra T11 apresentada pela autora.

 

Com isso, o Laudo Pericial é enfático ao apontar para impossibilidade de fixação de nexo sem grande margem de dúvida, de modo que a parte Autora não se desincumbiu do ônus que lhe era devido, nos termos do art. 373, inciso I, do CPC.

 

Nessa mesma perspectiva é o entendimento do e. TJMG, conforme vasta jurisprudência colacionada abaixo:


AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO INDEVIDA. CADASTROS RESTRITIVOS AO CRÉDITO. COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA. DEVER DE INDENIZAR. INEXISTÊNCIA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. É cediço que para a configuração do dever de indenizar há que se ter como inequivocamente provado e comprovado pela parte ofendida as seguintes condições: o dano, a culpa ou dolo e o nexo causal. Não tendo a parte autora se desincumbido do ônus de comprovar os fatos constitutivos do seu direito, nos termos do artigo 373, I, do Código de Processo Civil infere-se que a manutenção da r. sentença que julgou improcedente a pretensão autoral é medida que se impõe. Comprovada a má-fé da parte, que altera a verdade dos fatos a fim de obter provimento jurisdicional que lhe seja favorável, cabível a sua condenação nas penas por litigância de má-fé, nos termos do art. 81 do CPC.

(TJMGApelação Cível 1.0000.21.141429-7/001, Relator(a): Des.(a) Cabral da Silva, 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/10/2021, publicação da súmula em 28/10/2021).


APELAÇÃO CÍVELINDENIZAÇÃOCEMIGSUPOSTA DEMORA NA INSTALAÇÃODANO MORALELEMENTOSAUSÊNCIARECURSO NÃO PROVIDO
1. Conforme entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas que prestam o serviço de fornecimento de energia elétrica é objetiva, em decorrência do risco o qual envolve a realização da atividade, independentemente de prova de culpa.
2.
A responsabilização civil por danos morais deve ser reconhecida se demonstrado nos autos o nexo causal entre a existência do dano e o evento danoso.
3. Tendo em vista a ausência de provas de que houve a prática de ato ilícito e abalo moral, inexiste dever de indenizar.

(TJMG – Apelação Cível 1.0000.21.001213-4/001, Relator(a): Des.(a) Carlos Roberto de Faria, 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/10/2021, publicação da súmula em 28/10/2021).

 

Portanto, não tendo sido demonstrado nos autos a soma dos elementos inerentes à responsabilização civil, a improcedência do presente feito é medida que se impõe.

Dessa forma, quaisquer pedidos que visem indenização por danos morais ou materiais, como é o caso dos pedidos de indenização em danos emergentes e lucros cessantes, restam completamente prejudicados, já que não foi possível identificar a responsabilidade da empresa ré e da seguradora litisdenunciada no caso em comento.

Ademais, entendo que não há que se falar na perda da chance de contratação em emprego, suscitada pela Autora, uma vez que não houve a fixação de liame entre o fato e as lesões na coluna da requerente, motivo pelo qual é necessário afastar tal alegação, sendo indevida qualquer indenização, haja vista a ausência de dano.

Por fim, quanto ao pedido de condenação da requerente às penalidades da litigância de má-fé, vejo que não merece prosperar, vez que a mera improcedência da pretensão autoral não conduz à imposição das sanções legais.

Assim, como no presente caso não restou configurada nenhuma das hipóteses dispostas no artigo 80 do CPC, não há que se falar em litigância de má-fé.

Ante todo o exposto, tem-se a improcedência dos pedidos autorais, uma vez que não foi possível traçar o liame objetivo entre o fato, isto é, a passagem no quebra-molas e as lesões apontada pela Autora, estando ausentes os pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil que ensejam o dever de indenizar.

 

III- DISPOSITIVO:

 

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos contidos na peça inaugural, nos termos do art. 487, I, do CPC, condenando a Autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa. Suspendo, contudo, a exigibilidade de tais verbas, eis que a autora litiga sob o pálio da justiça gratuita (fls. 60/63).

Determino, ainda, a expedição de alvará em favor da Requerida para que proceda ao levantamento do saldo depositado em conta vinculada a este Juízo.

Ademais, determino que a Autora proceda à devolução do montante de R$ 190,00 (cento e noventa reais), que fora levantado conforme decisão exarada em fl.183, por meio de depósito em conta vinculada a este Juízo, com posterior expedição de alvará em favor da Requerida.

Transitada em julgado a presente decisão e nada requerendo as partes, no prazo de 15 dias, remetam-se os autos ao arquivo com baixa.

 

Publique-se, registre-se, intimem-se, cumpra-se.

 

Belo Horizonte, 16 de novembro de 2021.

 

Cláudia Costa Cruz Teixeira Fontes

Juíza de Direito