Processo nº: 0393 14 002975-1

 

SENTENÇA

 

Vistos etc.

 

Trata-se de ação civil pública, por ato de improbidade administrativa, promovida pelo Município de Manga em face de Joaquim de Oliveira Sá Filho.

Aduz a parte autora, em síntese, que o requerido é o proprietário da empresa Transportes Fluviais Oliveira desde 2010. Alega, ainda, que durante o período em que o requerido foi prefeito do município de Manga/MG, 2008 a 2012, foram efetuados numerosos pagamentos à referida empresa, cujos empenhos foram realizados na modalidade de dispensa de licitação, nos termos do artigo 24, da Lei nº. 8.666/93.

Afirma que, a despeito da dispensa de licitação, o transporte fluvial era realizado por mais 05 (cinco) balsas, fato que implicaria em nítido ato de improbidade administrativa causador de lesão ao patrimônio público, além de violar os princípios da administração pública

A inicial veio instruída com os documentos de fls. 18/429.

Às fls. 430/433, pelo então Magistrado titular desta Vara, foi indeferido o pedido liminar de indisponibilidade de bens do requerido.

Notificado (fl. 433), o requerido apresentou defesa preliminar, oportunidade em que alegou: preliminar de impossibilidade jurídica do pedido pela inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa a agentes políticos e, no mérito, justificou a dispensa de licitação, alegou inexistência de ato ilegal ou contrário às normas de probidade administrativa, assim como ausência de dolo ou má-fé da conduta (fls. 444/458).

Parecer do Ministério Público às fls. 105/106-v, no qual opinou pelo recebimento da inicial.

Consoante decisão de fls. 473, a inicial foi recebida, determinando-se a citação do réu.

O requerido apresentou contestação às fls. 481/496, reiterando as preliminares e alegações aduzidas na defesa prévia.

Impugnação à contestação às fls. 497/499.

Em seguida, o requerido solicitou a produção de prova testemunhal, depoimento pessoal do representante do Município Autor e prova pericial (fls. 500/501).

Face à posse do requerido como prefeito do Município Autor, após este ter vencido as eleições municipais de 2016, foi incluído no polo ativo do feito o Ministério Público (fl. 513/513-v), permanecendo o Município de Manga/MG como assistente.

Audiência de Instrução e Julgamento realizada em 20/03/2017 com a oitiva de 06 (seis) testemunhas e depoimento pessoal do requerido (fl. 554/554-v). As oitivas foram colhidas por meio de gravação audiovisual, cuja mídia encontra-se acostada à fl. 562.

Nas alegações finais (fls. 564/569), o IRMP entendeu que as condutas do requerido não teriam enquadramento na Lei de Improbidade, requerendo a improcedência dos pedidos.

O requerido, nas alegações finais (fls. 582/604), reiterou as alegações realizadas no curso do processo, requerendo a improcedência dos pedidos.

O município de Manga/MG, não apresentou alegações finais.

É o essencial relatório. Decido.

 

  1. Da Defesa Prévia

Fase já superada quando do recebimento da petição inicial (fl. 473), não tendo o requerido se insurgido daquela decisão.

 

II – Da contestação

Compulsando os autos, verifica-se que o requerido protocolou sua contestação em 21 de junho de 2016.

Nos termos do artigo 231, inciso II, do Código de Processo Civil, o prazo começa a fluir da data de juntada do mandado cumprido aos autos, fato que ocorreu em 30 de maio de 2016, como se observa do carimbo de “Juntada” à fl. 478-v.

Dessa forma, tem-se que o prazo de 15 (quinze) dias úteis, conforme disposto na legislação vigente, se iniciou no dia 31 de maio de 2016, findando no dia 20 de junho de 2016.

Logo, intempestiva a contestação apresentada pelo requerido. Porém, o desentranhamento da referida peça processual não deve acontecer, dada a falta de previsão legal.

Intempestiva a contestação, os fatos e argumentos ali expostos não devem ser levados em consideração quando do julgamento de mérito, tornando-se, assim, a pena imposta pela desídia processual.

Entretanto, para que não se fale em cerceamento de defesa, as preliminares trazidas na contestação, serão apreciadas neste momento, sem prejuízo algum ao regular andamento processual, assim como o mérito das defesas arguidas pelo requerido, com o propósito único de alcançar o melhor direito.

 

III- Das Preliminares arguidas pelo requerido

I.1 – Da Preliminar de Impossibilidade Jurídica do Pedido

Aduz o requerido, em sede de preliminar, a inaplicabilidade da Lei nº. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) aos agentes políticos municipais. Contudo, tal alegação não deve prosperar.

A este respeito, destaco o entendimento dos artigos 2º e 3º da Lei nº. 8.429/92:

 

Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

 

Ademais, ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal, após o exame da Reclamação nº. 2.138/DF, posicionou-se no sentido de que os agentes políticos estão sujeitos a uma dupla normatividade em matéria de improbidade, sujeitando-se tanto àquela fundada na Lei nº. 8.429/92 quanto à decorrente da aplicação da Lei nº. 1.079/50 ou do Decreto-Lei nº. 201/67, o que por sua vez possuem objetivos e natureza distintos – um possui cunho político e o outro natureza administrativa -, não tendo, pois, razões para se falar em ocorrência de bis in idem.

Da detida análise dos autos, tem-se que a pretensão contida na presente ação civil pública tem por fundamento a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), não havendo, portanto, que se falar em aplicação da Lei 1.079/50 ao caso sob exame.

Nesse sentido, trago à colação o seguinte julgado do Superior Tribunal Federal:


E M E N T A: "MEDIDA CAUTELAR INOMINADA INCIDENTAL" - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - AGENTE POLÍTICO - COMPORTAMENTO ALEGADAMENTE OCORRIDO NO EXERCÍCIO DE MANDATO DE GOVERNADOR DE ESTADO - POSSIBILIDADE DE DUPLA SUJEIÇÃO TANTO AO REGIME DE RESPONSABILIZAÇÃO POLÍTICA, MEDIANTE "IMPEACHMENT" (LEI Nº 1.079/50), DESDE QUE AINDA TITULAR DE REFERIDO MANDATO ELETIVO, QUANTO À DISCIPLINA NORMATIVA DA RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI Nº 8.429/92) - EXTINÇÃO SUBSEQUENTE DO MANDATO DE GOVERNADOR DE ESTADO - EXCLUSÃO DO REGIME FUNDADO NA LEI Nº 1.079/50 (ART. 76, PARÁGRAFO ÚNICO) - PLEITO QUE OBJETIVA EXTINGUIR PROCESSO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, EM RAZÃO DE, À ÉPOCA DOS FATOS, A AUTORA OSTENTAR A QUALIDADE DE CHEFE DO PODER EXECUTIVO - LEGITIMIDADE, CONTUDO, DE APLICAÇÃO, A EX-GOVERNADOR DE ESTADO, DO REGIME JURÍDICO FUNDADO NA LEI Nº 8.429/92 - DOUTRINA - PRECEDENTES - REGIME DE PLENA RESPONSABILIDADE DOS AGENTES ESTATAIS, INCLUSIVE DOS AGENTES POLÍTICOS, COMO EXPRESSÃO NECESSÁRIA DO PRIMADO DA IDEIA REPUBLICANA - O RESPEITO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA COMO PRESSUPOSTO LEGITIMADOR DOS ATOS GOVERNAMENTAIS - PRETENSÃO QUE, SE ACOLHIDA, TRANSGREDIRIA O DOGMA REPUBLICANO DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS - DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO À AÇÃO CAUTELAR - INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE AGRAVO - PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA POR SEU IMPROVIMENTO - RECURSO DE AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(AC 3585 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 02/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-211 DIVULG 24-10-2014 PUBLIC 28-10-2014).

 

Nessa mesma linha, é entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça:

 

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGENTES POLÍTICOS. COMPATIBILIDADE ENTRE REGIME ESPECIAL DE RESPONSABILIZAÇÃO POLÍTICA E A LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO AO ART. 11 DA LIA COM CONSEQUENTE APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PREVISTAS NO ART. 12 DO MESMO DIPLOMA NORMATIVO. DANO AO ERÁRIO. DESNECESSIDADE.
1. Esta Corte Superior admite a possibilidade de ajuizamento de ação de improbidade em face de agentes políticos, em razão da perfeita compatibilidade existente entre o regime especial de responsabilização política e o regime de improbidade administrativa previsto na Lei n. 8.429/92, cabendo, apenas e tão-somente, restrições em relação ao órgão competente para impor as sanções quando houver previsão de foro privilegiado ratione personae na Constituição da República vigente. Precedente: Rcl 2.790/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, DJe 4.3.2010.
(AgRg nos EDcl no REsp 1138484/BA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/05/2010, DJe 09/06/2010) .

 

Colaciono, ainda, o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, seguindo este mesmo raciocínio:

 

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL DE REPARAÇÃO DE DANOS - ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - AGENTE PÚBLICO - PREFEITO - PRELIMINAR - INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 8.429/92 - REJEIÇÃO - CONTRATAÇÃO DIRETA DE SERVIÇOS E AQUISIÇÃO DE PRODUTOS - DISPENSA DE LICITAÇÃO - ART. 24, II, DA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS - EXCEÇÃO - NÃO OCORRÊNCIA - FRACIONAMENTO - IMPOSSIBILIDADE - DANO IN RE IPSA - DOSIMETRIA DAS PENAS - PARÂMETROS - PREJUÍZO AO ERÁRIO - PROPORCIONALIDADE - SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS - DECOTAÇÃO - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. A Reclamação 2.138/DF não serve de paradigma para suscitar a inadequação da via eleita em relação a ato de improbidade administrativa praticado por Prefeito Municipal, uma vez que, no referido julgado, o STF analisou a aplicabilidade concomitante da Lei de Improbidade Administrativa e da Lei nº 1.079/50, que trata dos crimes de responsabilidade praticados pelo Presidente da República, Ministros de Estado, Procurador-Geral da República, Ministros do STF, Governadores e Secretários de Estado. 2. De acordo com o entendimento sufragado pelo STJ, a possibilidade de responsabilização dos agentes políticos por crime de responsabilidade e por ato de improbidade administrativa não configura bis in idem, haja vista que aquele tem cunho político e este possui natureza administrativa. Assim, não há óbices à aplicação concomitante do Decreto-Lei nº 201/67 e da Lei nº 8.429/92. 3. De acordo com a jurisprudência do STJ, a dispensa do procedimento licitatório configura hipótese de dano in re ipsa, uma vez que o prejuízo é inerente à conduta do agente pratica a improbidade. 4. Na hipótese dos autos, a não deflagração de certame para aquisição de materiais de informática e a contratação direta de prestação de serviços em quantia superior ao limite previsto na LLC para dispensa de licitação (art. 24, II), por violar os princípios da administração pública, configura ato de improbidade administr ativa e justifica a aplicação das penas previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92. 5. O fracionamento de objeto licitado, diante da ilegalidade da dispensa de procedimento licitatório, causa prejuízo ao erário e gera lesividade apta a ensejar a nulidade e o ressarcimento ao erário, in re ipsa, na medida em que o Poder Público, por condutas de administradores, deixa de contratar a melhor proposta em razão do fracionamento e não-realização da indispensável licitação (REsp 1280321/MG). 6. Além do inegável caráter punitivo, a restrição ao recebimento de benefícios do Poder Público tem por objetivo assegurar a lisura das contratações públicas, impedindo que a administração pública estabeleça relações com pessoas que não demonstraram probidade no trato com a coisa pública. A aplicação de tal penalidade deve guardar correlação com a natureza do ato ímprobo, bem ainda com a observância do princípio da proporcionalidade. 7. A pena de suspensão dos direitos políticos, por se tratar de penalidade de consequências gravosas, e que importa restrição ao exercício do direito de cidadania, deve ser aplicada de acordo com análise da gravidade do caso, da extensão do dano, do proveito patrimonial obtido pelos agentes, bem ainda do elemento volitivo. 8. Em que pese à reprovabilidade da conduta do imputado, não comprovado acréscimo patrimonial, deve ser decotada a pena de suspensão dos direitos políticos. 9. Recurso provido em parte. 

V.P.V.: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL DE REPARAÇÃO DE DANOS - ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - AGENTE PÚBLICO PREFEITO -DISPENSA DE LICITAÇÃO - SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS - MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. Constatada a lesividade e a reprovabilidade da conduta ímproba, deve ser aplicada também à pena de suspensão dos direitos políticos, previsto no artigo 12, II, da Lei 8.429/92(Des. Hilda Teixeira da Costa e Des. Marcelo Rodrigues). (Apelação Cível 
1.0471.11.015320-5/001, Relator Des.(a) Raimundo Messias Júnior, data do julgamento 21/03/2017, data de publicação da súmula 31/03/2017).

 

Tendo em vista o exposto, afasto a preliminar arguida, visto que plenamente aplicável ao caso exposto nos autos a Lei nº. 8.429/92.

 

1.2 – Do Sobrestamento do Feito

O requerido alega que em razão de reconhecida a Repercussão Geral no ARE nº 683.235/PA, substituído pelo RE nº 976.566, DJe: 20.06.2016, da questão envolvendo a possibilidade de aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos, deveria o feito ser sobrestado até a decisão do Supremo Tribunal Federal.

Entretanto, ainda que pendente de julgamento quanto ao mérito, é certo que se deve continuar adotando a jurisprudência pacífica do citado Tribunal Superior no sentido de que "a ação de improbidade administrativa, com fundamento na Lei nº 8.429/92, também pode ser ajuizada em face de agentes políticos" (AI nº 809.338 AgR, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe: 24.03.2014), conforme já explicitado no tópico anterior.

O que o requerido pleiteia é a nefasta procrastinação do feito, o que deve ser combatido por este juízo, pois zeloso pela célere prestação jurisdicional. Tal pleito não tem amparo na lei ou jurisprudência, bem como não há nenhuma orientação ou determinação de Tribunal Superior neste sentido.

Ante o exposto, rejeito a preliminar aduzida pelo requerido.

Superada esta fase, passo ao exame de mérito propriamente dito.

 

IV – Do mérito da Contestação e das Alegações Finais

1.1- Do mérito da improbidade administrativa

Como cediço, a impessoalidade e a moralidade constituem princípios constitucionais norteadores da atuação administrativa e são imperativos aos atos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Dispõe o artigo 37, caput, da Constituição da República de 1988:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte [...].

 

Por seu turno, estabelece o parágrafo 4º do mesmo artigo que:

 

Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

 

Objetivando especificar o comando do caput do artigo 37 da Constituição República de 1988, no âmbito da improbidade administrativa, a Lei nº 8.429/1992, estabeleceu em seu artigo 4º que:

 

Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade.

 

Pretende o Município de Manga/MG, então titular do polo ativo, posteriormente assumido pelo Ministério Público, a condenação do requerido por prática de atos de improbidade administrativa que causaram dano ao erário e atentaram contra os princípios da Administração Pública, artigos 11 e 12 da Lei nº 8.429/92.

A conduta supostamente ímproba foi autorizar o pagamento pela Prefeitura Municipal de Manga/MG, por meio de dispensa de licitação, de valores à empresa do próprio prefeito municipal, Transportes Fluviais Oliveira LTDA- EPP, conforme se depreende das numerosas notas de empenho colacionadas aos autos, por ter realizado transporte fluvial da frota de veículos da prefeitura entre as cidades de Manga e Matias Cardoso em diferentes datas.

Primeiro, cumpre destacar que o requerido não impugnou que a empresa de transporte fluvial seja de sua propriedade, tendo inclusive apresentado o Contrato Social de constituição da Pessoa Jurídica (fls. 460/461), no qual se depreende que o Sr. Joaquim de Oliveira Sá Filho é o sócio majoritário e conforme cláusula quarta do referido contrato social é o responsável pela gerência e administração da sociedade desde a sua constituição no ano de 1991, ou seja, há mais de 20 (vinte) anos.

Ademais, o requerido também não impugnou que a pessoa que recebeu as notas de empenho colacionadas aos autos seja funcionária da referia empresa. Assim, são fatos incontroversos.

Também se afigura como dado incontroverso o fato de que o requerido era, ao tempo da ação, período compreendido entre 2008 a 2012, Vice-Prefeito ou Prefeito Municipal de Manga/MG, tendo exercido porquanto a função de gestor público máximo do município.

Por outro lado, quanto à tese defensiva do requerido de que a dispensa de licitação para o serviço é melhor para o interesse público, pelos critérios de oportunidade e conveniência, tenho que havendo a dispensa de licitação não se pode entender que qualquer pessoa, seja jurídica ou física, poderá ser eventualmente contratada. Sendo assim, a norma permissiva de contratar sem o certame licitatório seria uma brecha legal para fraudar todo o ordenamento jurídico público remanescente.

Ademais, as alegações de que se trata de conduta reiterada da região, praticada pelos demais gestores do município e que, durante o período, foram atendidas as cláusulas ajustadas nos Termos de Ajustamento de Condutas - TAC, permissa vênia, não retira o caráter ímprobo da conduta do requerido, conforme sugerido pelo Ilustre Representante do Ministério Público em suas alegações finais (fls. 564/657).

Ora, como pode o gestor do município, no exercício de função que deve obediência ao regime administrativo público, assinar notas de empenho e cheques para pagamento de sua própria empresa? Não estou aqui falando de figura de linguagem ou exemplo, é, sim, o caso dos autos, como se denota das inúmeras notas de empenho colacionadas às fls. 32, 37, 41, 45, 65, 79, 91, 97, 106, 111, 117, 169, 172, 176, 201, 220, 225, 230, 235, 260, 265, 270, 274, 280, 283, 287, 291, 298, 301, 309, 319, 357, 360, 364, 368, 371, 374, 380, 404, 406, 410, 414, 417 e dos cheques de fls. 36, 40, 175, 264, 269, 273, 282, 286, 297, 300, 308, 318, 356, 359, 370, 373, 378, 379, 403, 409, 412, 416, 429, todas subscritas por Joaquim de Oliveira Sá Filho em nome da Prefeitura Municipal de Manga/MG, tendo como favorecida sua própria empresa Transportes Fluviais Oliveira Ltda. Destaca-se, ainda, a realização de transferências bancárias efetuadas pelo próprio requerido, na condição de operador da conta corrente do município, em benefício de sua empresa, conforme comprovantes de fls. 31, 44, 64, 78, 90, 96, 105, 110, 116, 168, 200, 224, 234 e 259.

Tais fatos provados nos autos atestam a materialidade do tipo cível-administrativo de improbidade. A autoria da conduta também é provada pelas assinaturas e confessado nas manifestações da defesa, bem como confirmado em depoimento pessoal pelo requerido.

A completa promiscuidade entre o público e o privado restou fartamente provada nos autos quando se tem um gestor público (detentor dos cofres públicos municipais) pagando a si próprio (empresário que naturalmente busca o lucro), por uma atividade comercial. São posturas inconciliáveis, com interesses que jamais podem andar juntos, sob pena de rasgar todos os princípios da Administração Pública constitucionalmente estabelecidos.

No caso em apreço, depois de compulsar, detidamente, todo o contexto probatório produzido, vislumbro que o requerido agiu de forma ilegal, desidiosa e praticou ato incompatível com o exercício do cargo que ocupava. Ressalta-se que, ainda que o ato praticado não envolva valores de grande monta, a conduta foi de extrema gravidade e está em desconformidade com os princípios básicos da Administração Pública, o que representa manifesta afronta aos princípios da moralidade, legalidade e impessoalidade.

A defesa alega que havia duas balsas e que elas atuavam sob o regime de revezamento, o que comprovaria a ausência de direcionamento. Tal situação não retira a torpeza da conduta, não se pode justificar uma ilegalidade com outra. Tal fato ter perdurado durante anos apenas ressalta o dolo da conduta e a intenção de nunca se ver resolvido a questão, demonstra o aproveitamento de uma situação para fins particulares.

O que a lei de licitações exige e incentiva é a imparcialidade e livre concorrência. A existência dessas duas balsas mais se aproxima de um cartel do que uma suposta concorrência. Estranhamente uma balsa era de propriedade do então Prefeito – ora réu – e a outra balsa era de propriedade do Presidente da Câmara de Vereadores da época, conhecido por Tim 2000. Assim, notória e vergonhosa era a situação dos representantes máximos dos Poderes Executivo e Legislativo de Manga, ora se dedicando à gestão da coisa pública, ora se dedicando à rentável exploração empresarial do transporte fluvial sobre o rio São Francisco. Em todos esses anos certamente os princípios da Administração Pública foram cotidianamente violentados.

No próprio depoimento pessoal do réu Joaquim de Oliveira Sá Filho, ele declara que havia duas balsas, a sua e a do “Tim 2000”. Informando também que na ocasião os donos das balsas eram também respectivamente o prefeito e o presidente da câmara. Declarou que achava estranho tal fato e que gerava desconforto, porém não conseguiu outra saída para solucioná-lo. Entretanto, quando perguntado por que tal situação, que ele mesmo concordou que era desconfortável, perdurou tanto tempo, não soube justificar.

A defesa do requerido levanta também a tese de que era inviável a competição e que as contratações diretas já eram realizadas a anos e que sempre foi assim. De plano ficam rejeitadas. É inadmissível aceitar a tese que pretende legalizar o ilegal com outro argumento de ilegalidade. É de tamanho absurdo a introspecção de que a prática ilegal e inconstitucional por anos tornaria uma conduta legal. Seria acreditar que uma mentira contada mil vezes transforma-se numa verdade ou uma conduta ilegal realizada durante anos a fio terminaria se tornando legal. É a completa inversão dos valores constitucionais. Cabe ao Judiciário rechaçar veementemente tais posturas, do contrário estaríamos reconhecendo que o texto constitucional é letra morta.

A defesa quando declara que seria inviável haver competição entre as duas balsas, por isso estaria justificada a contratação direta, desconsidera por completo a existência de um mercado forte, rentável e extremamente disputado por todo o Brasil. Será que não havia competição exatamente pelos argumentos que a defesa levanta. Onde há um monopólio, não há disputa, por isso a Administração Pública possui o instrumento que estimula e regulariza a competição entre todos os interessados que possam aparecer, após ampla divulgação, é para isso que existe a Lei nº. 8.666/93.

A possibilidade real e concreta de competição entre outros empresários interessados em explorar o transporte fluvial entre os Municípios de Manga e Matias Cardoso – balsa, é vista à olhos nus atualmente. Anos de ilegalidade foi regularizado, realizou-se o devido processo licitatório e, sagrou-se vencedora empresa do ramo fluvial do Estado do Pará. Tal empresa nunca passaria a operar suas balsas nesse porto enquanto persistisse o monopólio das duas citadas balsas, ainda mais se uma fosse do Prefeito e a outra fosse do Presidente da Câmara de Vereadores do município. Parece óbvio para quem quer enxergar e tem postura republicana, porém é turvo para quem não tem interesse que a cômoda situação seja alterada.

No depoimento da testemunha Francisco Farias Gonçalves, conhecido por “Tim 2000”, então Vereador e Presidente da Câmara à época dos fatos, amigo íntimo do réu, conforme declarou em audiência, razão pela qual foi ouvido como informante, este reconheceu os fatos e informou que atualmente a contratação da empresa que explora o transporte de balsa foi mediante processo de licitação, sendo que inclusive concorreu, porém não venceu. Isso faz prova cabal que a competição sempre foi possível e sempre será. Por isso, não se pode fingir ou presumir que não há competição se não se aplica a lei de licitações.

Ademais, para situações excepcionais, como quer a defesa, a Lei de Licitações prevê toda uma sequência de formalidades para o reconhecimento de casos de dispensa ou inexigibilidade de licitação. Acontece que, no caso dos autos, nunca houve qualquer procedimento específico de justificação para as sucessivas e intermináveis contratações diretas das duas balsas, quais sejam, a do prefeito ora réu e do seu amigo íntimo, então presidente da Câmara de Vereadores. Tudo isso faz a existência de dolo tornar uma obviedade para qualquer raciocínio intermediário.

Apenas por abstração, poder-se-ia imaginar afastar a ilegalidade de tal conduta em alguma situação isolada, particular e excepcional de o Prefeito Joaquim contratar a balsa do empresário Joaquim diante de uma situação emergencial. Em um único caso com tais características justificadoras poder-se-ia até adotar a tese da defesa. Entretanto, admitir a tese da defesa durante longos anos é irrazoável, é desprezar a seriedade com a qual devemos lidar com a coisa pública, é querer fazer da Prefeitura uma empresa a ser explorada por poucos.

A defesa e o Ministério Público em suas alegações finais também alegam que não teria havido prejuízo aos cofres públicos, pois os preços pagos eram justos e normais à época. Citaram, inclusive, a celebração de Termos de Ajustamento de Conduta - TAC com o Ministério Público.

Assiste razão à defesa e ao Ministério Público nesse ponto, pois não ficou comprovado nos autos qualquer prejuízo ao erário municipal. Sendo assim, fica afastada a condenação do requerido ao ressarcimento do erário, como pleiteado na peça inicial. Entretanto, tal situação não impede a configuração do ato de improbidade, pois o tipo previsto do artigo 11 da Lei de improbidade não prevê prejuízo ao erário.

 

Passo, então, ao enquadramento do ato praticado à norma legal e ao pedido inicial, artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa – LIA.

 

V – Art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa

A prática de atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública tem previsão legal no artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa – LIA.

Neste enfoque, tem-se que houve flagrante violação direta aos princípios administrativos constitucionais da moralidade, legalidade e impessoalidade. Vejamos.

Como dito alhures, o requerido na qualidade de gestor municipal autorizou o pagamento de diversas notas de empenho e cheques, tendo, inclusive, realizado transações bancárias entre contas correntes, tendo como favorecida sua empresa de transporte fluvial, Transportes Fluviais Oliveira Ltda.

Apesar da alegada dispensa de licitação, é vedado aos agentes políticos, na condição de gestor de órgãos públicos, contratar empresa de sua propriedade, como se apresenta o caso em testilha, nos termos do § 3º, do artigo 9º, da Lei nº. 8.666/93. Ora, se a contratação até mesmo de seus parentes é conduta ilícita, mais rigorosa é a “própria”. É a completa subversão do que busca impedir a lei de licitações.

Esse dispositivo visa garantir que a conduta do gestor seja honesta, sem desvio do interesse público para beneficiar interesse próprio ou de terceiro. A contratação na execução de obras e serviços com o particular deve ser transparente, sem pontos obscuros, que possam indicar ofensa à moralidade pública.

Esclareço que, mesmo havendo dispensa de licitação, há, de fato, a contratação por parte do poder público para execução da obra ou serviço. Percebe-se, no caso, que o “contrato” realizado pelo ente público, mesmo que com a dispensa, não pode acontecer “ad eternum”. Deveria o requerido, quando do início de sua gestão rever os contratos administrativos realizados pela instituição pública que administra com sua extensa rede de empresas, com o propósito de evitar conflito de interesses, como ocorreu.

Incumbiria ao requerido, no exercício de seu mandato, agir com zelo e dedicação às atribuições do cargo; a lealdade à instituição que servir; a observância das normas legais e regulamentares; zelar pela economia do patrimônio público; e manter conduta compatível com a moralidade administrativa.

Entretanto, o que se verifica da análise do conteúdo probatório produzido nos autos, é uma verdadeira confusão entre o público e o privado, numa clara ofensa aos princípios administrativos constitucionais. Tais comportamentos, talvez, possam ajudar a explicar o caos moral pelo qual o Brasil está passando, onde se tornou um grande desafio o simples fato de viver honestamente. A completa inversão dos valores honestidade x desonestidade sempre deve pender para o primeiro, e este juízo empreenderá todos os esforços para assim manter, tudo dentro do devido processo legal.

O Ministério Público em sua peça de alegações finais reconheceu que houve ilegalidade na conduta do requerido no trato com a coisa pública, falou inclusive que existia nestes autos “fato curioso”, entretanto afirmou que tudo isso não pode ser tipificado como improbidade. Este juízo respeita a manifestação, porém discorda radicalmente desta conclusão, por tudo que ora se expõe.

Interpretar como o promotor quer seria esvaziar por completo o artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa. Demonstro que o réu ofendeu os princípios previstos em tal dispositivo, desdenhou da coisa pública quando aproximou sua atividade empresarial da sua atuação como gestor público. Por fim, esclareço que é pacífico que em tais ações a resposta jurisdicional do julgador não está adstrita à manifestação final do autor. Sendo assim, este juízo não se encontra vinculado a qualquer Termo de Ajustamento de Conduta - TAC ou ao parecer final do Parquet. O interesse público e a probidade dos gestores públicos na condução da Administração Pública sempre devem prevalecer, cabendo a este juízo zelar por isso, o que ora se faz.

Destaca-se, ainda, que a despeito do que informa em seu depoimento, no qual afirma que durante o período em que ocupou a função de Prefeito Municipal se afastou da administração das suas empresas, verifica-se do Termo de Ajustamento de Conduta realizado entre o Ministério Público e os responsáveis legais pelas empresas administradoras das balsas, juntado às fls. 466/468, assinado em 10/10/2011, durante a vigência do mandato do requerido, que este participou daquela avença, conforme aposição de sua assinatura no documento supra. Fato este que restou muito claro na fase de coleta de prova oral.

Pode-se extrair do depoimento da própria testemunha da defesa, Rosimeyre Alves Mota, a qual, em síntese, declarou neste juízo que é funcionária do réu há mais de 16 (dezesseis) anos. Que cuida da parte financeira da balsa do réu. Alegou que as contratações com o Município era de forma direta. Durante o mandato do réu existiam 02 (duas) balsas, as quais recebiam o mesmo tratamento pelo Município. A balsa tinha faturamento aproximado de 10 (dez) a 12 (doze) mil reais por mês, sendo que a Prefeitura pagava de R$ 300,00 (trezentos) a R$ 400,00 (quatrocentos) reais mensais. Afirmou, ainda, que o réu nunca deixou a efetiva, concreta e diária administração da balsa. A depoente não tinha poder de decisão, sempre se reportava ao réu para decidir as questões mais importantes. Grifo nosso.

Conclui-se facilmente que o requerido era ativo empresário e, mesmo quando Prefeito, continuou sendo um atuante empresário no ramo de transporte fluvial – balsa, a qual, por coincidência inaceitável e ilegal, foi reiteradamente por anos a fio contratada pela mesma Prefeitura, a qual, por coincidência, esse mesmo empresário ocupava o cargo de Prefeito Municipal.

Observa-se, dessa forma, que a conduta do requerido infringiu o princípio da legalidade, princípio este basilar do regime jurídico-administrativo, o qual estava vinculado em razão do cargo que ocupava naquele período. Pois não realizou licitação nem justificou a ausência dela, contrariando a Lei de Licitações e Contratos.

Em relação à moralidade e à impessoalidade, a afronta é demasiada, porquanto o réu contratou com sua própria empresa para que esta recebesse dinheiro público.

Acerca do dispositivo legal, precisa é a lição de José dos Santos Carvalho Filho:

 

o texto referiu-se aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, mas tal relação é nitidamente aleatória. Na verdade, o legislador disse menos do que queria. O intuito é o da preservação dos princípios gerais da administração pública, como consta do título da seção III.(CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 25ª. Ed, 2012. p.1073).

 

No mesmo sentido a lição de Wallace Paiva Martins Júnior:

 

A enumeração legal dos princípios constantes é mera exemplificação. Traduzem de forma bem ampla a preocupação com a violação ao princípio da moralidade administrativa. Os cogitados no art. 11 são, em verdade, também deveres do agente público de observância indeclinável, consistindo em conceitos de significação fornecida pela ética administrativa (MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2001.p 227).



Necessário registrar que em se tratando da conduta prevista no artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, irrelevante a comprovação de dano ao erário:

 

Na dicção do art.21, I, da Lei n 8429/1992, a aplicação das sanções previstas no art.12 independe “da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público”, logo, não sendo o dano substrato legitimador da sanção, constata-se que é elemento prescindível à configuração da improbidade. À luz da sistemática a adotada pela Lei de Improbidade, tal dispositivo seria plenamente dispensável, pois como deflui da própria tipologia legal, a presença do dano não é da essência de todos os atos que importem enriquecimento ilícito (art.9) ou que atentem contra os princípios regentes da atividade estatal (art.11). Essa constatação é robustecida pelos feixes de sanções cominadas a tais ilícitos, sendo claros os incisos I e III do art. 12 ao falarem em ressarcimento integral do dano, quando houver, o que demonstra de forma induvidosa a dispensabilidade deste. De qualquer modo, a previsão normativa é justificável, pois a objetividade jurídica tutela pela Lei de Improbidade não se encontra delimitada pela concepção de patrimônio público, possuindo amplitude condizente com os valores constitucionais que informam atividade estatal, garantido sua credibilidade. (Grifo nosso). (GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 4ª ed.2008).

 

Assim também dispõe a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

 

REEXAME NECESSÁRIO: DE OFÍCIO - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONCESSÃO DE BOLSAS DE ESTUDO SEM CRITÉRIOS OBJETIVOS - NÃO OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPOS ADMINISTRATIVOS - IMPROBIDADE CONFIGURADA. 1. É obrigatório o reexame necessário das ações civis públicas julgadas improcedentes, por aplicação analógica da Lei de Ação Popular. 2. Configura-se ato de improbidade administrativa aquele que fere direta ou indiretamente os princípios constitucionais e legais da administração pública, independentemente da existência de enriquecimento ilícito ou de lesão ao erário público. Imperioso, para tanto, o dolo genérico - vontade livre e consciente do agente em praticar a conduta descrita na lei -, prescindível, para tanto, a existência de dano material ao erário. Inteligência do art. 11, da Lei federal no 8.429/1992. 3. Configura ato de improbidade administrativa a concessão de bolsa de estudos, sem critérios objetivos, para pessoas certas e determinadas, sem qualquer publicidade, em total ofensa aos princípios da moralidade, impessoalidade e publicidade. (Grifo nosso). (TJMG - Apelação Cível 1.0151.09.033799-0/001, Relator(a): Des.(a) Oliveira Firmo , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 17/03/2015, publicação da súmula em 24/03/2015).

 

Quanto ao elemento subjetivo, verifica-se pela sistemática da Lei nº 8.429/1992, que as condutas previstas no artigo 11 da lei supra, exigem a demonstração do dolo do agente, ou seja, de sua vontade livre e consciente de praticar o ato.

Assim sendo, resta comprovado nos autos que o requerido agiu dolosamente ao efetuar pagamento através da Prefeitura Municipal à sua empresa privada, em benefício próprio, violando deveres de honestidade e legalidade no desempenho da função pública. Havia conhecimento da situação como irregular, pois réu o é pessoa esclarecida, experiente empresário e político de mais de um mandato; seus interesses de homem público e de empresário lhe turvaram as vistas para buscar outras alternativas; uma balsa era sua e a outra era de seu amigo íntimo, um era o chefe do executivo e o outro era o chefe do legislativo; tal fato perdurou por anos. De tudo isso, confessado e provado nos autos, resta clarividente a presença de dolo, de má-fé declarada, de comportamento deliberado na contramão daquilo que se espera de um gestor público.

Pertinente salientar, que segundo a jurisprudência predominante (STJ), tem-se entendido que suficiente, na hipótese em tela, a configuração do dolo genérico nos termos de sua previsão na seara penal¹.

A este respeito, preciso é o pronunciamento da então Ministra Eliana Calmon em julgamento de hipótese análoga:

extremo seria exigir, para fins de enquadramento no art. 11 da LIA, que o agente ímprobo agisse com dolo específico de infringir determinado preceito principiológico. Caso fosse essa a intenção do legislador, poderíamos dizer que as situações previstas nos incisos do mencionado dispositivo configurariam rol enumerativo das condutas reprováveis, o que é absolutamente inaceitável, diante da redação do caput, ao mencionar ações e omissões que ‘notadamente’ são passíveis de sanção (Primeira Seção, EREsp 654721/MT, Rel. Min. Eliana Calmon, julg 25.08.2010).

 

Desse modo, sua responsabilização nos termos da legislação aplicável é a providência adequada.

 

VI - Da dosimetria

Reconhecida a conduta ímproba, passa-se a ponderar acerca da fixação do respectivo sancionamento ao requerido, nos termos do preconizado na Lei nº 8429/92, de modo que a sanção deverá ser adequada à conduta, observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Nesse sentido, esclarecedor o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

 

As sanções do art. 12, incisos I, II e III, da Lei nº 8.429/92, não são necessariamente cumulativas, cabendo ao magistrado a sua dosimetria; em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que, evidentemente, perpassa pela adequação, necessidade e proporcionalidade estrito senso, aliás, como deixa entrever o parágrafo único do referido dispositivo, a fim de que a reprimenda a ser aplicada ao agente ímprobo seja suficiente à repressão e à prevenção da improbidade (REsp 980706/RS, Rel. Ministro LUIZ. FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/02/2011, DJe 23/02/2011).

 

Desse modo, verificada a subsunção da conduta ímproba ao disposto no artigo 11, caput, da Lei de Improbidade Administrativa.

Assim, temos que suas sanções são as previstas no artigo 12, inciso III, quais sejam:

 

1- ressarcimento integral do dano, se houver: aqui não merece aplicação, diante da ausência de comprovação de dano nos autos.

2 - perda da função pública que ocupa: trata-se de questão já pacificada na jurisprudência pátria, sendo perfeitamente justificável a aplicação ao presente caso, haja vista que o requerido se encontra, atualmente, no desempenho das funções de Prefeito Municipal de Manga/MG e considerando, ainda, a gravidade que envolve os fatos discutidos nestes autos, dada a violação de vários princípios inerentes à administração pública, como a impessoalidade, a moralidade e a legalidade, circunstância esta de extrema gravidade para a gestão pública, tenho por legítima sua aplicação.

3 - suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos: aqui merece aplicação. Passo a dosar. Considerando que a conduta do requerido, evidenciada pela promiscuidade da confusão entre patrimônio público e privado, o tempo de duração das ilegalidades, a intensidade do dolo, pois é pessoa esclarecida e com experiência na vida pública, ofende mais de um princípio administrativo, deixo de fixar no mínimo legal. Entretanto, dada a ausência de dano patrimonial aos cofres públicos e por se tratar de conduta já regularizada devido a processo licitatório posterior, não seria razoável fixar no patamar máximo. Portanto, considero a suspensão dos direitos políticos no patamar de 4 (quatro) anos como a indicada ao caso concreto.

4 - pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração recebida pelo agente: também merece aplicação. Passo a dosar. Considerando e utilizando-me das mesmas disposições do item anterior, bem como considerando o longo período pelo qual perdurou a prevalência do interesse privado em detrimento do interesse público, a condição esclarecida do requerido, sua boa condição financeira, sua larga experiência como gestor público, a ousadia em prolongar tamanho abuso por anos, por tudo isso é de bom alvitre e pedagógico que a presente multa seja exasperada, porém, por outro lado também se faz justiça amenizá-la face à inexistência de dano ao patrimônio público, porém não afastando as sanções. Assim sopesando, considero como razoável a fixação da pena de multa no importe de ¼ (um quarto) da previsão legal máxima, ou seja, fixo a multa em comento no patamar de 25 (vinte e cinco) vezes a média do valor bruto da remuneração recebida pelo agente público durante o período que atuou como gestor do município, seja como vice-prefeito ou como prefeito, qual seja, de 01/01/2008 a 31/12/2012.

5 - proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos. Não é necessária a realização de dosimetria da sanção, pois se trata de prazo fixo, sendo apenas reconhecida como aplicável ao caso concreto. Assim, aplica-se o prazo de 3 (três) anos para o requerido Joaquim de Oliveira Sá Filho.

 

Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, fazendo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, reconhecendo que o requerido incorreu nas iras dos artigos 11, “caput” e 12, inciso III, ambos da Lei nº 8.429/92, razão pela qual o CONDENO nos exatos termos que seguem:

  1. suspensão dos direitos políticos por 4 (quatro) anos;

  2. perda do cargo público que ocupa atualmente, qual seja, Prefeito Municipal de Manga/MG;

  3. pagamento de multa civil no patamar de 25 (vinte e cinco) vezes a média do valor bruto da remuneração recebida pelo agente público durante o período que atuou como gestor do município, seja como vice-prefeito ou como prefeito, qual seja, 01/01/2008 a 31/12/2012, valor este que deve ser corrigido monetariamente pela tabela da Corregedoria deste Egrégio Tribunal de Justiça e ainda com incidência de juros legais de 1% ao mês, ambos a partir da data do último dia do mandato do requerido no qual ocorreram as irregularidades objeto desta ação, qual seja: 31 de dezembro de 2012, devendo tais correções e juros incidirem até o efetivo pagamento;

  4. proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos.

 

Transitada em julgado:

  1. intimem-se o Departamento Pessoal ou setor análogo da Prefeitura de Manga, na pessoa de seu representante legal, para que, no prazo improrrogável de 10 (dez) dias, informe as remunerações recebidas pelo requerido Joaquim de Oliveira Sá Filho referente ao período de 01/01/2008 a 31/12/2012, seja como vice-prefeito ou como prefeito, anexando os respectivos contracheques ou outros documentos hábeis à comprovação dos valores informados. Caso não se tenham documentos referentes a todo o período supracitado, deverá ser encaminhado os documentos existentes naquele setor, devendo a média ser calculada utilizando os valores ali constantes. Fixo multa diária no valor de R$500,00 (quinhentos reais), limitada à R$ 50.000,00 (cinquenta mil) reais, pessoalmente ao Secretário Municipal responsável pelo setor, na hipótese de descumprimento injustificado da presente determinação devendo constar tal advertência do mandado de intimação.

  2. informado o valor, remetam-se os autos a Contadoria para que, no prazo de 05 (cinco) dias, seja apurado valor da multa civil fixada na presente sentença, bem como das custas devidas.

  3. em seguida, intime-se pessoalmente o requerido para pagamento da multa civil aplicada e custas processuais no prazo de 10 (dez) dias.

 

 

Custas e honorários, estes que fixo em 10% (dez) por cento do valor da condenação, pelo requerido.

P.R.I. Oportunamente, ao arquivo.

Cumpra-se.

Manga/MG, 10 de julho de 2017.

 

 

João Carneiro Duarte Neto

Juiz de Direito