SENTENÇA

 

 

Processo nº 14 073 480-7

 

 

Vistos, etc.

 

 

GISELE DE FREITAS SOARES, devidamente qualificada, propôs a presente AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS, COM PEDIDO INCIDENTAL DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS em face de ALAIRCE CORREA DE OLIVEIRA DORFELINO-ME, igualmente qualificado, pelos fatos e fundamentos alinhavados na exordial (fls. 02/14), que veio instruída com a procuração e os documentos de fls. 15/33.

Na peça vestibular, a autora sustenta, em suma: que se inscreveu em Curso de Técnico de Meio Ambiente oferecido pela instituição ré; que o curso teve duração de 18 (dezoito) meses e foi concluído em julho de 2012; que cumpriu com todas as obrigações do contrato e pagou equivalente a R$ 4.265,00 (quatro mil duzentos e sessenta e cinco reais) pelo curso; que ao concluir o curso, requereu o Certificado a instituição, que informou que esse não poderia ser entregue porque a escola não havia conseguido autorização da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais para ministrar o curso; que em nenhum momento foi informado aos alunos que a autorização não existia ou que poderia estar em andamento; que a autora teve enormes prejuízos, devendo a responsabilidade da ré ser reconhecida.

Ao final, requer que sejam julgados procedentes os pedidos para: declarar fraudulento o contrato de prestação de serviços firmado entre as partes; determinar a restituição em dobro dos valores pagos indevidamente pela parte autora; condenar a ré ao pagamento dos danos morais sofridos pela autora.

Devidamente citada (fls. 50), a parte ré deixou transcorrer in albis o prazo para apresentação de contestação.

Instadas as partes a especificarem provas (fls. 54), a autora requereu o julgamento, tendo em vista a revelia da parte ré (fls. 55).

Alegações finais, na forma de memoriais, foram apresentadas pela parte autora às fls. 57.

É o relatório.



DECIDO.



Trata-se de Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais.

É cediço que, em nosso ordenamento jurídico, para a configuração do dever de indenizar, exsurgem quatro elementos da responsabilidade civil: a ofensa a uma norma preexistente; a existência de um dano; a imputabilidade; e o nexo causal.

A ofensa a uma norma, diz respeito a uma ação ou omissão causadora de um dano, subsumindo tanto a modalidade comissiva quanto a omissiva em ato ilícito.

O dano, de outro lado, constitui pressuposto da responsabilidade civil. Sem este elemento, não haverá ato punível, por ausência de afetação da esfera jurídica, quer no plano material quer no imaterial, da pessoa supostamente lesada.

O dano, na lição de Alfredo Orgaz, posta em destaque na obra do renomado autor Arnaldo Rizzardo, desdobra-se em dois aspectos:

(…) a lesão de um direito ou de um bem jurídico qualquer; (...) um comportamento contrário ao direito. (…) A nota da antijuridicidade o caracteriza, de modo geral. Mas não emana, necessariamente, de um desrespeito à lei ou de uma conduta antijurídica. Possível que nenhuma infração se consuma, e nasça o dever de reparação. Isto porque simplesmente apareceu um dano, a que a lei obriga o ressarcimento. (…) Se alguém persegue um animal em propriedade alheia, e causa danos, não é cominada de antijuridicidade a ação, mas os danos provocados devem ser reparados. A lesão determinada por uma conduta impelida pelo estado de necessidade não isenta da indenização, apesar da ausência da ilicitude. No inadimplemento de um contrato, a lei não prevê uma condenação por conduta antijurídica, mas a obrigação de ressarcir é uma consequência lógica. E assim em inúmeras hipóteses, máxime nos casos de responsabilidade objetiva (grifos nossos).1



A imputabilidade, a seu turno, consiste na prática de um comportamento que se exterioriza por uma transgressão deliberada ou aceita em suas consequências, das regras sociais ou jurídicas impostas, ad instar do que dispõe o artigo 186, do Código Civil Brasileiro.

Trata-se de um comportamento doloso – dirigido para produzir a ação ou omissão danosa – ou culposo – consistente em uma prática pautada pela negligência, imprudência ou imperícia. Todavia, se não há vontade, como na coação, não haverá imputabilidade.

Essa imputabilidade não se limita a pessoa provocadora do dano (imputabilidade subjetiva), mas se estende àquele que deve responder pelo comportamento de outrem, como o prejuízo causado por menores, incapazes e prepostos de empresas (imputabilidade objetiva).

Fala-se aqui da responsabilidade objetiva, que emerge da prática ou ocorrência do fato, desvinculada do pressuposto da conduta antijurídica – já que não se questiona a respeito da culpa. Nesta hipótese, é suficiente a causalidade entre o mal sofrido e o fato provocador.

Na mesma linha de pensamento, instituiu o legislador a responsabilidade objetiva do fornecedor pela reparação aos danos causados aos consumidores em decorrência de defeitos relativos à prestação do serviço, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos (CDC, artigo 14).

Neste caso, a responsabilidade decorre da relação de causalidade entre a ação e o dano. Verificado o nexo de causalidade entre o dano e a atividade do fornecedor do serviço, surge o dever da reparação civil, uma vez que se funda no risco (sendo objetiva propriamente dita ou pura).

O nexo causal constitui pressuposto indispensável para se estabelecer o liame entre a causa (fato provocador) e o dano (mal sofrido).

No caso sub judice, a parte autora alega em síntese, que se inscreveu no Curso Técnico oferecido pela instituição ré; que após concluída sua formação, a requerida se recusou a entregar o Certificado sob o argumento de que a escola não havia conseguido autorização da Secretaria do Estado de Educação de Minas Gerais para ministrar o referido curso.

Embora tenha sido citada (fls. 50), a instituição ré não apresentou defesa, incorrendo nos efeitos da revelia, razão pela qual, reputo verdadeiros os fatos alegados pela parte autora na exordial, a teor do disposto no artigo 344 do Código de Processo Civil.

Entretanto, o dano material, ao contrário do dano moral, não pode ser presumido e deve ser cabalmente comprovado. Neste campo, do dano material, a parte autora aduz que pagou o equivalente a R$4.265,00 (quatro mil duzentos e sessenta e cinco reais) pelo Curso de Técnico em Meio Ambiente, mas não junta o contrato. Faz prova, tão somente, do pagamento da quantia de R$1.817,00 (hum mil, oitocentos e dezessete reais) – docs. fls. 20 a 24. Portanto, esse deve ser o montante considerado para fins de ressarcimento.

A propósito, referidos documentos são sufientes para comprovar a existência da relação jurídica obrigacional entre as partes.



Cumpre esclarecer que o oferecimento de curso educacional sem a devida autorização da Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais não caracteriza de per si o ato ilícito, sendo necessário, para tanto, que se comprove a falta de informação ao aluno sobre este fato, ou que seja demonstrada a negligência da escola em obter a autorização legal sobredita, no decorrer do curso.

No mesmo sentido, é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, in verbis:



EMENTA: <AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - CURSO TÉCNICO - AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO LEGAL PARA FUNCIONAMENTO DO CURSO PELA SEEMG - CIÊNCIA DA PARTE AUTORA - INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO - AUTORIZAÇÃO LEGAL CONCEDIDA POSTERIORMENTE - CURTO PRAZO ENTRE A AUTORIZAÇÃO E A COLAÇÃO DE GRAU - AUSÊNCIA DE PREJUÍZOS - SENTENÇA MANTIDA. Inexiste dano moral quando a instituição de ensino houver informado ao aluno sobre a ausência momentânea de autorização pela Secretaria Estadual de Educação de funcionamento de curso técnico. Só haverá dever de indenizar por parte da Instituição Educacional quando esta não houver informado ao aluno sobre a ausência de autorização legal para funcionamento do curso ou caso seja comprovado que a referida instituição não providenciou os documentos necessários para se obter a chancela legal. > (TJMG - Apelação Cível 1.0024.10.272044-8/001, Relator(a): Des.(a) Aparecida Grossi , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/01/2015, publicação da súmula em 09/02/2015)



Neste contexto, passo a análise da formação da relação jurídica, bem da responsabilidade civil ou não de parte ré.

Neste ponto, em que pese o pedido da parte autora, para que seja declarado fraudulento o contrato, deve ser tida como válida a relação jurídica estabelecida entre as mesmas, sobretudo quando prestados os serviços contratados no estabelecimento de ensino.

Em contrato de prestação de serviços educacionais, como no caso em exame, há por parte do aluno um escopo final de obter uma certificação de graduação, que o habilite profissionalmente e permita seu ingresso no mercado de trabalho. Nesta senda de ideias, o curso oferecido sem a devida regularização do órgão competente torna-se inútil para o aluno, que se vê frustrado em seu objetivo, após vários meses de investimento de tempo e dinheiro.

No caso sub judice, vejo que há uma boa-fé objetiva da parte autora, que se inscreveu no curso da ré, acreditando na idoneidade da escola e que obteria ao final do ensino, a almejada certificação. Em contrapartida, verifico uma conduta maliciosa da parte ré, na medida em que omite em sua propaganda (fls. 31), a informação de que não estava autorizada pelo Órgão competente, a ministrar aulas e emitir a devida certificação do curso.

Desta forma, provada a conduta da ré e o dano material experimentado pela autora, como acima consignado, responde objetivamente a instituição de ensino ré, ex vi do disposto no artigo 14 do CDC e artigo 932, inciso III, do Estatuto Civil.

No que tange ao dano moral ou não patrimonial, na lição de Pontes de Miranda, é aquele “que atinge o ofendido como ser humano, sem repercussão no patrimônio.” Ele reclama dois elementos: o dano e a não diminuição do patrimônio material da pessoa afetada pela ação ilícita. Não significa, com isso, que não possa haver reflexos de natureza patrimonial em decorrência do dano moral. Neste sentido, pode ser destacada a situação de um abalo do crédito decorrente do ilícito civil, capaz de gerar comprometimento de tempo e desgastes econômicos à parte lesada.

Há várias espécies de danos morais: a) o que afeta o sentimento, o mundo interior, os valores do espírito; b) o decorrente da dor ou sofrimento físico; c) o que afeta a honra, verificável com a calúnia, difamação e injúria; d) o que ofende a imagem e ao nome, equivalente a honra, mas dirigido a bom nome, ao prestígio, à reputação, à estima, ao decoro, à consideração e ao respeito; e) o que decorre dos direitos de personalidade, contidos nos incisos V e X do artigo 5º da Constituição Federal, agrupados em direitos à integridade física (direito à vida; ao próprio corpo; e ao cadáver de um ente querido) e a integridade moral (direito a honra; a liberdade; ao recato; à imagem; ao nome; de autoria) – compreendida nas anteriores; f) advindo da cicatriz, aleijão, marca deixada no corpo por ferimento, importando na modificação da aparência externa, de grande relevo da imagem corporal1.

São inegáveis também os graves transtornos gerados no campo imaterial à parte autora, que não podem ser tidos como meros aborrecimentos. Afinal, a autora investiu no sonho de profissionalização, com a dedicação de tempo e investimento de recursos, mas se viu frustrada conforme fundamentação já expendida.

Entendo que aqui também estão presentes os pressupostos da responsabilidade civil, estando o dano moral configurado in re ipsa.

Resta, neste ponto da sentença, ser analisado o quantum debeatur da indenização.

Embora a indenização não se preste a reparar o dano - porquanto inestimável a dor moral ou física experimentada, assim como o abalo a honra ou a imagem vivenciado - e, seja de valor em linha de princípio não mensurável, deve ser capaz de representar um lenitivo e ao mesmo tempo uma compensação para a parte ofendida, sob pena de se perpetuar os efeitos decorrentes do ato ilícito, potencializados por um indesejável sentimento de injustiça.

De outro lado, a indenização deve apresentar o caráter punitivo e inibitório da conduta ilícita, servindo de exemplo para a parte e para a sociedade como um todo. Destarte, a equação indenizatória deve conter o binômio: “valor de desestímulo” e “valor compensatório”.

Da mesma forma, deverá o arbitramento judicial da indenização ponderar, cum grano salis, qual o valor justo para indenização no caso concreto, evitando-se os extremos: de um lado, da penúria do lesado com a fixação simbólica e, do outro, do enriquecimento sem justa causa.

Deverá também diferenciar o montante indenizatório segundo a gravidade, a extensão e a natureza da lesão; e, ainda, averiguar os benefícios obtidos pelo lesante com o ilícito, suas atitudes anteriores em casos análogos e a sua condição econômica, para estimar com exatidão o caráter retributivo e inibitório da condenação.

Por fim, deve ser avaliada a pessoa do lesado, considerando dentro do possível, seu sofrimento, princípios religiosos, postura social ou política, grau de educação, cultura e profissão.

Os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade, aliados a cautela e a prudência objetiva que alicerçam o princípio da equidade (LICC, artigo 4º), servem de fundamento e norte para a fixação do quantum indenizatório nesta sentença.

Neste norte, vejo que o Superior Tribunal de Justiça já consolidou entendimento de que a indenização pode ser fixada, até o montante de 50 salários-mínimos (Ag. Int. no AREsp. 988161/SP).

A indenização por dano moral deve ser corrigida monetariamente a partir do arbitramento, nos termos da súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça e os juros de mora contados da citação, a teor do artigo 405 do Código Civil, por se tratar de responsabilidade contratual.

Em matéria de juros de mora, vigorava o percentual de 6% ao ano até 2003, ex vi do artigo 1.062, do Código Civil/1916.

Com a vigência do novo Código Civil, em face do disposto no artigo 406 deste Diploma Legal, os juros de mora não convencionados ficaram subordinados a taxa em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à fazenda pública, que é de 1% (um por cento) ao mês, a teor do artigo 161, caput e §1º, do Código Tributário Nacional (AgRg no REsp 1286785/SP).

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE os pedidos iniciais, com resolução de mérito, o que faço com espeque no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil e demais dispostivos supracitados, para condenar a parte ré ao pagamento:

a) da indenização por danos materiais dos valores gastos, que totalizam a importância de R$1.817,00 (hum mil, oitocentos e dezessete reais), os quais deverão ser corrigidos monetariamente pelo índice da tabela da Corregedoria de Justiça, a contar do desembolso, acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação (CC, artigos 405 e 406; CTN, artigo 161, caput e §1º);

b) da indenização por danos morais, a qual arbitro em R$ 18.740,00 (dezoito mil e setecentos e quarenta reais), quantia a ser corrigida monetariamente pelo índice da tabela da Corregedoria de Justiça, a partir deste arbitramento (STJ, súmula 362), acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação (CC, artigos 397, 405 e 406; CTN, artigo 161, caput e §1º).

Em razão da sucumbência, condeno parte ré ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários de sucumbência, os quais arbitro em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, o que faço com amparo no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

Certificado o trânsito em julgado, remetam-se os autos ao Contador Judicial para apuração das custas finais. Caso existam, intime-se a parte sucumbente para solvê-las, na proporção de sua sucumbência, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de inscrição do débito, acrescido de multa de 10% (dez por cento), em dívida ativa e de registro no CADIM-MG, pela Advocacia-Geral do Estado.

Saliento que eventual cumprimento de sentença, decorrida a fase de liquidação, deverá ocorrer via sistema PJe junto a CENTRASE.

Finalmente, cumpridas todas as determinações, arquivem-se os autos com baixa na distribuição.

P. R. I. C

Belo Horizonte, 05 de julho de 2017.







ALEXANDRE MAGNO MENDES DO VALLE

JUIZ DE DIREITO 8ª VARA CÍVEL

1

Rizzardo, Arnaldo – Parte Geral do Código Civil; Editora Forense; 3ª edição; páginas 597/598.