COMARCA DE BELO HORIZONTE

7ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL E AUTARQUIAS

PROCESSO N. 0024.14.304.775-1









D E C I S Ã O











I – RELATÓRIO



Vistos etc.



GISLENE DE SOUZA FERREIRA impetra o presente mandado de segurança contra ato do CHEFE DO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO DE MINAS GERAIS – DETRAN/MG.

Aduz que por precisar de transporte próprio para trabalhar obteve sua aprovação no exame de motorista, estando apta para condução de veículo automotor da categoria “A”.

Alega que no dia 03/10/2014 recebeu do DETRAN/MG uma notificação de que seu registro na BINCO estava cancelado em decorrência de infração de trânsito prevista no art. 233 do Código de Transito Brasileiro, qual seja, “deixar de efetuar registro de veículo no prazo de 30 dias”.

Discorre sobre questões de direito e, ao final, requer seja assegurado a expedição da CNH definitiva.

Pugna pelos benefícios da justiça gratuita.

A inicial veio instruída de documentos às f. 15/20.

A seguir, os autos vieram-me conclusos.



Relatados. Decido.





II – FUNDAMENTAÇÃO



A medida liminar é provimento cautelar admitido pela própria lei de mandado de segurança, quando sejam relevantes os fundamentos da impetração e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da ordem judicial, se concedida a final.

Para a concessão da liminar devem concorrer os dois requisitos legais, ou seja, a relevância dos motivos em que se assenta o pedido na inicial (fumus boni iuris) e a possibilidade da ocorrência de lesão irreparável ao direito do impetrante (periculum in mora), se vier a ser reconhecido na decisão de mérito.

No caso em apreço, após detida leitura da inicial e análise da documentação apresentada, vê-se que se encontram presentes os requisitos para antecipação de tutela.

Da análise da documentação trazida aos autos, verifica-se que restou demonstrado satisfatoriamente que a parte autora é titular de uma “permissão para dirigir veículos”, bem assim que foi autuada por infração de trânsito, dado que não teria realizado o registro do veículo no prazo de 30 dias, conforme prescrição do Código de Trânsito Brasileiro.

Em concordância com a tese da falta de razoabilidade ou proporcionalidade da punição, com a cassação da “permissão para dirigir”, em decorrência de “não ter realizado o registro do veículo no prazo de 30 dias”, tem pertinência no caso em apreço.

Com efeito, o CTB prescreve que:



Art. 148. Os exames de habilitação, exceto os de direção veicular, poderão ser aplicados por entidades públicas ou privadas credenciadas pelo órgão executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, de acordo com as normas estabelecidas pelo CONTRAN.

(...)

§ 3º. A Carteira Nacional de Habilitação será conferida ao condutor no término de um ano, desde que o mesmo não tenha cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima ou seja reincidente em infração média. (grifei)



O período de um ano, no qual é outorgado ao postulante da CNH uma “permissão”, é denominado de período de prova, cujo escopo é verificar se o candidato possui méritos para alçar à CNH definitiva, os quais serão mensurados a partir do cometimento ou não de infrações de trânsito.

Lógico que apenas as infrações de trânsito que denotem desleixo, negligência ou periculosidade do condutor é que podem desencadear a “cassação da permissão para dirigir”, sob pena de se perder o sentido da norma, qual seja, possibilitar carteira de habilitação apenas para os “motoristas cônscios dos seus deveres ou obrigações”.

Pois bem, o CTB não esmiúça a tal ponto as infrações que poderiam levar à perda da “permissão para dirigir”, avaliando-as apenas pela “natureza grave ou gravíssima ou reincidência em infração média”; assim, qualquer situação que seja rotulada como “infração grave ou gravíssima”, ou ainda, “reincidência em infração média”, desfecha a perda da permissão para dirigir, como é o caso de “deixar de registrar o veículo no prazo de 30 dias”, verbis:



Art. 233. Deixar de efetuar o registro de veículo no prazo de trinta dias, junto ao órgão executivo de trânsito, ocorridas as hipóteses previstas no artigo 123:

Infração - grave;

Penalidade - multa;

Medida administrativa - retenção do veículo para regularização.



Essa situação parece-me de pouquíssima gravidade, ou nenhuma, por se tratar de uma mera providência administrativa, quando conectada à punição que pode desencadear a “perda da permissão para dirigir”, pois como disse inicialmente, há um escopo teleológico no “período de prova de um ano”, que está ligado ao cuidado com que o motorista vai se comportar; assim, quando deparamos com o fato de uma “mera providência administrativa”, sem qualquer ligação com o “cuidado do motorista ao volante”, implicando na “perda da permissão para dirigir” ficamos, realmente, abismados.

Esse abismar nos confronta com o que seja justo, razoável ou proporcional e nos convida a uma reflexão sobre o problema.

Luís Roberto Barroso (Interpretação e aplicação da Constituição. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 219), sobre a questão, disserta que:



O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É ‘razoável’ o que seja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não é arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar.



Ao retornar sobre a situação posta e estatelado com a solução legal, não há quem deixe de reclamar por “justiça”, como o fez a parte autora e, ponderando que nosso ordenamento jurídico não admite nenhum ato que não seja “equilibrado, harmônico, moderado e razoável”, indubitável a conclusão de que há relevantes fundamentos na argumentação deduzida e, por conseguinte, presentes os requisitos do art. 273, I, do CPC, circunstância que recomenda um juízo de deferimento da medida liminar.







III – CONCLUSÃO



Isso posto, nos termos da fundamentação, e por tudo mais que dos autos consta, DEFIRO a liminar pretendida, determinando ao requerido que proceda à expedição da CNH do impetrado GISLENE DE SOUZA FERREIRA, se a infração que motivou essa demanda for seu único impedimento.

Defiro o pedido de justiça gratuita.

Notifique-se, com brevidade, a autoridade apontada como coatora, intimando-a, inclusive, acerca desta decisão.

Determino que a Secretaria dê cumprimento à disposição do artigo 7º, II, da Lei n. 12.016/2009, dando ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando?lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito.

Em seguida, dê-se vista ao Ministério Público, com posterior conclusão.



Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se.



Belo Horizonte, 06 de novembro de 2014.





Guilherme Lima Nogueira da Silva

Juiz de Direito

7ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias