COMARCA DE PIRAPORA

SENTENÇA



Autos nº: 0512.13.002562-4

Vistos etc.



  1. RELATÓRIO



O Ministério Público do Estado de Minas Gerais ofereceu denúncia em desfavor de:

a) WARMILLON FONSECA BRAGA, brasileiro, casado, empresário, CPF 498.099.116-53, residente na rua Sete Lagoas, 1.736, bairro Nossa Senhora de Fátima, Pirapora/MG;

b) GERALDO IRINEU DOS SANTOS, brasileiro, casado, motorista, CPF 431.113.946-20, residente na av. Otávio Carneiro, 1264, bairro Centro, Pirapora/MG;

c) NÉRIA AMANDA NETA VIEIRA, brasileira, casada, servidora pública, CPF 035.479.106-09, residente na rua Oscar Paraguassu, nº 475, bairro Industrial, Pirapora/MG.

d) HELEN MARIA BRAGA SOARES, brasileira, casada, professora, CPF 553.993.126-20, residente na rua Rio Grande do Sul, nº 40, bairro Santo Antônio, Pirapora/MG, pelos fatos a seguir expostos.

Segundo o Ministério Público, no curso dos anos de 2010 e 2011, no município de Pirapora/MG, nesta comarca, WARMILLON FONSECA BRAGA, na condição de então prefeito municipal de Pirapora, contando com a efetiva colaboração e auxílio dos servidores públicos municipais GERALDO IRINEU DOS SANTOS, NÉRIA AMANDA NETA VIEIRA e HELEN MARIA BRAGA SOARES, desviou bens e rendas públicas municipais em favor de particulares, especialmente em benefício do POSTO SÃO FRANCISCO DE PIRAPORA LTDA.

De acordo com o Parquet, as despesas irregulares ordenadas por WARMILLON FONSECA BRAGA ocorreram na execução de contrato de fornecimento de combustíveis para a prefeitura de Pirapora, após os pregões presenciais de nº 02/2010 e nº 08/2011, vencidos pelo POSTO SÃO FRANCISCO DE PIRAPORA LTDA. Tais despesas irregulares alcançaram o valor total de R$ 2.010.421,69 (dois milhões dez mil quatrocentos e vinte e um reais e sessenta e nove centavos), nos anos de 2010 e 2011.

Serão expostas, a seguir, as principais ilegalidades constatadas pelo Ministério Público nos procedimentos relativos à execução das despesas com fornecimento de combustíveis para a prefeitura de Pirapora pelo POSTO SÃO FRANCISCO DE PIRAPORA LTDA, nos anos de 2010 e 2011.

Referidas ilegalidades permitiram, em tese, a realização de despesas públicas sem o correspondente fornecimento de mercadorias (combustíveis), levando à caracterização do crime previsto no art. 1º, I do Decreto-Lei 201/67.

1. DA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO FORNECIMENTO DE COMBUSTÍVEIS

No curso da inspeção extraordinária realizada na prefeitura municipal de Pirapora, os servidores do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais – TCE – avaliaram a legalidade e a regularidade da execução de despesas relativas ao fornecimento de combustíveis para a prefeitura de Pirapora, nos exercícios de 2010/2011. Nesse período os pagamentos atingiram R$ 2.010.421,69 (dois milhões dez mil quatrocentos e vinte e um reais e sessenta e nove centavos).

Inicialmente, para a condução dos trabalhos, requisitou-se ao órgão de controle interno a apresentação de todos os documentos relativos ao consumo de combustíveis da frota de veículos da prefeitura de Pirapora nos exercícios de 2010 e 2011. Cumprindo a determinação, foram apresentadas as requisições em formulários do Posto São Francisco (constantes das fls. 22/88), as planilhas de fls. 107/200, as notas de empenho e notas fiscais constantes das fls. 208/1096 do anexo I do PIC.

A equipe de inspeção ainda manteve contato com os denunciados GERALDO IRINEU DOS SANTOS e NÉRIA AMANDA NETA VIEIRA para identificar como a prefeitura de Pirapora organizava o procedimento de abastecimento.

Segundo apurado, assim estava organizado esse fluxo administrativo:

1. Os responsáveis pelas autorizações de abastecimento eram NÉRIA AMANDA NETA VIEIRA (veículos da secretaria de saúde) e GERALDO IRINEU DOS SANTOS (demais veículos da frota municipal);

2. Esses servidores expediam requisições em formulários do POSTO SÃO FRANCISCO DE PIRAPORA LTDA;

3. O POSTO SÃO FRANCISCO DE PIRAPORA LTDA, CNPJ 04.568.843/0001-40, retinha cópia de cada requisição e, ao fim do mês, emitia Nota Fiscal com o valor total do abastecimento.

Acrescenta-se a essas informações que, segundo apurado pelo Ministério Público, o denunciado WARMILLON FONSECA BRAGA também podia determinar o abastecimento de veículos pela prefeitura de Pirapora.

Neste ponto, mostra-se necessário esclarecer que, tecnicamente, e de forma lícita, o único documento hábil para comprovar a efetiva saída de combustível de um revendedor é o cupom fiscal emitido pelo equipamento ECF – emissor de cupom fiscal com identificação da placa e hodômetro do veículo a cada abastecimento. Isso porque toda saída de combustível pelo bico da bomba de abastecimento é registrada no equipamento. Assim, caso não haja o correspondente cupom fiscal, não é possível fazer prova de que houve um efetivo abastecimento de veículo.

A exigência de identificação do veículo abastecido (placa) e de seu hodômetro mostra-se de elevada importância nas operações de venda de combustíveis ao Poder Público. Isso porque tal procedimento evita a ocorrência de fraudes, como, por exemplo, abastecimento de veículos de particulares às expensas do Estado e a utilização de cupons de abastecimentos de veículos de outros clientes do revendedor como se correspondessem à frota municipal, dando ensejo ao desvio de recursos públicos (procedimento de “venda de cupons”).

No caso da prefeitura de Pirapora, tanto os técnicos do TCE como a Receita Estadual, que examinaram a documentação relativa ao fornecimento de combustíveis para a prefeitura municipal de Pirapora entre 2010 e 2011, identificaram que não vinham sendo observadas as regras que asseguram a lisura no procedimento de aquisição de combustíveis pelo Poder Público. Vale ressaltar, outrossim, que a prefeitura de Pirapora não dispõe dos cupons fiscais relativos aos abastecimentos de veículos.

Dessa forma, os técnicos do TCE solicitaram ao segundo e terceiro acusados os cupons ou requisições de abastecimento, sendo-lhes apresentados os documentos de fls. 22/88 (Anexo I). Mesmo em relação a essas requisições, constatou-se que não estavam arquivadas todas as requisições de abastecimento dos anos de 2010 e 2011. Além disso, diversas requisições foram expedidas sem a data do abastecimento e a identificação correta do veículo a ser abastecido, impedindo aferir-se se o mesmo pertence ou não à frota municipal.

Ressalta-se que a utilização de material gráfico do POSTO SÃO FRANCISCO DE PIRAPORA LTDA poderia permitir, ainda, que o próprio fornecedor emitisse, a seu bel-prazer, requisições de abastecimento custeadas pela prefeitura de Pirapora.

De outro lado, as planilhas apresentadas pelo denunciado GERALDO IRINEU DOS SANTOS, como suposta forma de controle de abastecimento, contêm diversas falhas que foram percebidas pelos técnicos do TCE. Nesse sentido, por amostragem, constatou-se que o somatório dos abastecimentos relativos à secretaria do trabalho e ação social não conferiam com os valores das planilhas. Além disso, foram verificados indícios de montagem, como repetição de valores e ausência de registros.

Na verdade, conclui-se que a prefeitura de Pirapora não tinha qualquer controle sobre os abastecimentos realizados. Os pagamentos ao POSTO SÃO FRANCISCO DE PIRAPORA LTDA foram feitos à vista, apenas, de notas fiscais, sem qualquer prova de terem os abastecimentos efetivamente ocorrido e, no caso de terem ocorrido, que foram realizados para veículos integrantes do patrimônio público local.

Além do que já se expôs, esclarece-se que o art. 12, §3º, do anexo V do Decreto estadual nº 43.080/2002, que regula o ICMS no Estado de Minas Gerais, estabelece que os documentos juridicamente idôneos para comprovarem que o valor constante na Nota Fiscal correspondente ao efetivo consumo de combustíveis são os cupons fiscais emitidos pela empresa contribuinte após o abastecimento.

Ratificando tudo o que se expôs acima, a Delegacia Fiscal de Montes Claros, após analisar a documentação apresentada pela prefeitura de Pirapora, apontou como irregularidade “a inexistência dos cupons fiscais de abastecimento nos documentos entregues pela Prefeitura ao TCE”. Em seguida, destacou que “a existência de Notas Fiscais de fornecimento por si só não validam a operação de venda, pois é necessária a existência dos cupons fiscais especificando o hodômetro e a placa do veículo abastecido”.

Todas essas irregularidades permitiram a imposição de gravíssimo dano ao erário, em razão do desvio de recursos públicos, como comprovam as situações de fato identificadas pela análise dos documentos.

2. DO EXCESSO NO FORNECIMENTO DE COMBUSTÍVEL EM RELAÇÃO A UM ÚNICO VEÍCULO NO MESMO DIA

Consta, também, que os vícios jurídicos na documentação referente ao fornecimento de combustível ao Município de Pirapora nos anos de 2010 e 2011 não se limitam às omissões e irregularidades supracitadas - as quais por si só já são bastante graves -, mas também revelam gastos diários excessivos de combustíveis em relação a um mesmo veículo, a evidenciar a impossibilidade fática de se fornecer a quantidade de produto indicada e, em razão disto, o consequente desfalque patrimonial e desvio de recursos públicos.

Com efeito, a equipe de inspeção do TCE identificou, a partir da análise dos cupons de abastecimento (fls. 22/88), as seguintes incongruências quantitativas no fornecimento de combustível em relação aos seguintes veículos:

DATA

VEÍCULO / PLACA

QUANTIDADE DE LITROS

Nº DAS FOLHAS NESTES AUTOS

30/06/2010

HNH 0030 - Doblô

405

20/22

04/08/2010

HNH 0030 - Doblô

450

23/25

10/11/10

HNH 0030 - Doblô

400

26/27

07/12/10

HNH 0030 - Doblô

400

28/29

09/12/10

HNH 0030 - Doblô

600

30/32

09/12/10

HMG 2823 - Van

800

33/36

07/01/11

HNH 0030 - Doblô

450

37/38

07/01/11

HMG 4720 - Van

300

39/40

11/02/11

HNH 0030 - Doblô

700

41/44

04/03/11

HNH 0030 - Doblô

500

45/47

09/05/11

HNH 0030 - Doblô

850

48/52

09/05/11

HMG 4720 - Van

300

53/54



A título exemplificativo, esclarece-se que a capacidade do tanque de combustível do veículo FIAT DOBLÔ, pertencente ao município de Pirapora, é de, em média, 60 litros. Ora, para se alcançar a quantidade de 300 litros de combustível, o motorista do FIAT DOBLÔ teria de abastecer com “tanque cheio” o veículo, ao menos, 5 (cinco) vezes em um único dia. Do mesmo modo, para alcançar a quantidade despendida de 850 litros, o município de Pirapora deveria abastecer o mesmo veículo ao menos 14 vezes ao dia. Isto sem contar que com o “tanque cheio” (60 litros), este veículo teria em média uma autonomia de mais de 500 quilômetros.

Isto posto, segundo o Ministério Público, é flagrante o abuso nas requisições de abastecimento nos casos listados na planilha acima apresentada, tudo a indicar que eles não ocorreram de fato, dada a impossibilidade fática. Com isso, não há dúvidas sobre o desfalque do patrimônio municipal e o desvio de recursos públicos, mediante a realização de despesas que não corresponderam a um efetivo fornecimento de combustíveis.

Segundo a exordial acusatória, em razão da enorme quantidade de combustível adquirida pelo Município de Pirapora, num único dia e para um mesmo veículo, a evidenciar um verdadeiro descalabro administrativo, não há dúvidas de que os denunciados GERALDO IRINEU DOS SANTOS (diretor de transportes), NÉRIA AMANDA NETA VIEIRA (responsável pelas autorizações de abastecimento dos veículos da secretaria da Saúde), HELEN MARIA BRAGA SOARES (chefe de almoxarifado e liquidante das despesas), e WARMILLON FONSECA BRAGA (ex-prefeito municipal e ordenador das despesas) tinham ciência destas práticas nefastas ao patrimônio municipal.

Consta, também, que as autoridades denunciadas tiveram plena ciência dos referidos gastos abusivos e concorreram de diversos modos para sua perpetração. Prova disso é que os servidores municipais NÉRIA AMANDA NETA VIEIRA e GERALDO IRINEU DOS SANTOS rubricaram diversos cupons de abastecimentos elaborados pelo POSTO SÃO FRANCISCO DE PIRAPORA LTDA. HELEN BRAGA SOARES, como chefe de almoxarifado e liquidante, atestou o fornecimento dos produtos, mesmo sendo impossível em diversas situações. Por fim, o prefeito WARMILLON FONSECA BRAGA, chefe da administração pública municipal e ordenador de despesas, mesmo diante do consumo exorbitante e desarrazoado de combustíveis, determinou os pagamentos.

3. DO ABASTECIMENTO DE VEÍCULOS PARTICULARES ÀS CUSTAS DO ERÁRIO MUNCIPAL

Outra grave ilegalidade constatada pela inspeção do TCE foi o ilegal favorecimento de veículos particulares nos fornecimentos de combustíveis arcados pelo Município de Pirapora.

Com efeito, de posse da relação dos veículos pertencentes à prefeitura de Pirapora (fls. 112/116, Anexo I), evidenciou-se a existência de abastecimentos de combustíveis a veículos não integrantes da frota do executivo municipal, o que, além de caracterizar a lesão ao erário em razão do desvio de recursos públicos, evidencia o enriquecimento ilícito daqueles que foram indevidamente agraciados às custas do erário municipal, em flagrante violação aos princípios da impessoalidade e moralidade administrativa.

Com base nos documentos que instruem o procedimento, apresentam-se planilhas contendo o número das placas dos veículos e o nome dos titulares destes.

Veículo

Placa

Proprietário

Crossfox

GQS 9684

Anselmo Luiz Rocha de Matos

Pampa

GUS 2936

Marlene Moreira de Morais

Fox

GQS 9990

Sind. Servidores Públicos Municipais

Siena

LVY 7580

Gislayne Shirley Oliveira Jorge

Santana

JEV 8142

Edson Brito

Escort

GZK 0657

Carlos Alberto G. de Souza Júnior

Monza

BFP 8705

Alex Moreira dos Anjos

Caminhão Reboque

GYL 4448

Automais Peças e Acessórios Ltda

Honda CG Titan

HDC 9598

Sônia Maria Magalhães Oliveira

VW Gol

MBB 3994

Wellington de Oliveira

VW Gol

JFB 1048

Ademirson Moreira Faria

Celta

HJG 8099

Nei Fernando Tadesco

Nissan Frontier

HAR 1732

Joffre Diniz Marques

Doblô

HNT 2796

Alberto Tricanato

VW Gol

GUX 0091

Rafael Joaquim Quirino

Fiat Palio

GKS 2546

Real Leasing S.A

Corsa

GWA 9110

Nilton Figueiredo de Souza



Diante de todas as graves irregularidades encontradas, o Ministério Público buscou produzir prova testemunhal acerca dos fatos e ouviu as pessoas responsáveis pelos abastecimentos e alguns dos particulares que tiveram seus veículos abastecidos.

Inicialmente, ressalta-se que o denunciado GERALDO IRINEU DOS SANTOS (fl. 32) admitiu ter expedido autorizações de abastecimento para veículos particulares.

Sônia Maria Magalhães Oliveira (fls. 40/41) e Wellington de Oliveira (fl. 42) não souberam explicar os motivos pelos quais havia requisições de abastecimento para seus veículos.

Marlene Moreira de Moraes (fl. 107), Nilton Figueiredo de Souza (fl. 112), Ademirson Moreira Faria (fl. 128), Cícero Campos de Mendonça Júnior (fl. 144) e Nei Fernando Tedesco (fl. 176), pessoas que sequer residem em Pirapora, negaram taxativamente os abastecimentos, afirmando, ainda, que não têm quaisquer atividades nesse município.

Referidos depoimentos corroboram as fraudes na execução dos contratos de abastecimento de veículos, que infligiram grave dano ao erário piraporense.

4. INCONFORMIDADES NAS MOVIMENTAÇÕES DE ENTRADA E SAÍDA DE COMBUSTÍVEIS DO POSTO SÃO FRANCISCO DE PIRAPORA LTDA

Diante das inúmeras irregularidades identificadas, após a Operação Waterloo, que promoveu o cumprimento de mandados de busca e apreensão no município de Pirapora para apuração, dentre outros, também dos fatos que são objeto desta ação, solicitou-se a análise do movimento de entrada e saída de combustíveis no POSTO SÃO FRANCISCO DE PIRAPORA LTDA pela SEF.

Feita referida análise, a Delegacia Fiscal de Montes Claros remeteu para o Ministério Público relatório em que aponta irregularidades que ratificam as demais provas colhidas no sentido de que houve desvio de recursos públicos na execução dos contratos de fornecimento de combustíveis para a prefeitura de Pirapora.

Primeiramente, verificou-se que o total de combustíveis fornecido para a prefeitura de Pirapora teria sido superior ao total das vendas registradas no Livro de Movimentação de Combustíveis – LMC – em duas ocasiões, quais sejam, maio de 2010 e março de 2011.

Período

Produto

Venda total

(LTs)

N.F. emitidas para a Prefeitura (LTs)

Percentual N.F. emitidas para a Pref./venda total (%)

Diferença (LTs)

Maio/10

Gasolina

14.606,00

21.945,20

150,25

7.339,20

Maio/10

Diesel

11.395,00

20.0000,00

175,52

8.605,00

Maio/10

Etanol

3.626,00

4.370,80

120,54

744,80

Março/11

Etanol

6.199,03

6.664,71

107,51

465,68



Assim, pode-se afirmar que as transações mantidas entre o POSTO SÃO FRANCISCO DE PIRAPORA LTDA e a prefeitura de Pirapora, realizadas com base nas notas fiscais constantes dos autos, sobretudo nesses meses de maio de 2010 e março de 2011, não corresponderam a uma efetiva saída de mercadoria.

Outro dado bastante significativo, que corrobora a existência de desvio de recursos públicos na execução dos contratos de fornecimento de combustíveis em análise, advém do estudo do volume de vendas de combustíveis do POSTO SÃO FRANCISCO DE PIRAPORA LTDA no período que compreende os anos de 2010 e 2011.

Segundo o levantamento feito pela Delegacia Fiscal de Montes Claros, nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2011, nos quais não houve fornecimento de combustíveis para a prefeitura de Pirapora, não ocorreu queda no volume de vendas em relação ao mês anterior, quando a prefeitura era seu cliente, como era de se esperar. Ao contrário, houve um aumento médio da venda mensal de todos os combustíveis, o que indica que a emissão de notas fiscais para a prefeitura de Pirapora não correspondeu a uma efetiva saída de mercadoria.

De todo o exposto, verifica-se que o denunciado WARMILLON FONSECA BRAGA, na condição de prefeito municipal, chefe da administração pública local e ordenador de despesas, desviou bens e rendas públicas por meio da ordenação de despesas que não corresponderam a um efetivo fornecimento de mercadorias e do pagamento pelo abastecimento de veículos particulares.

Para a consecução de seu objetivo, contou com a colaboração dos denunciados GERALDO IRINEU DOS SANTOS, Diretor de transportes, e NÉRIA AMANDA NETA VIEIRA, servidora da secretaria da municipal de saúde, ambos responsáveis pela expedição das requisições de abastecimento de veículos e pelo controle desse procedimento.

Também contribuiu decisivamente para o êxito dos desvios a denunciada HELEN MARIA BRAGA SOARES, chefe da divisão de compras e almoxarifado, prima do denunciado WARMILLON FONSECA BRAGA, liquidante das despesas e responsável por atestar o fornecimento dos combustíveis.

Diante do exposto, o Ministério Público denunciou os acusados WARMILLON FONSECA BRAGA, NÉRIA AMANDA NETA VIEIRA, GERALDO IRINEU DOS SANTOS e HELEN MARIA BRAGA SOARES como incursos nas sanções do art. 1º, I do DL nº 201/67, c/c art. 29 do Código Penal.

A denúncia foi oferecida no dia 12 de abril de 2013 (fls. 02/14).

O acusado Warmillon Fonseca Braga, através de advogado constituído, Dr. Leonardo Costa Bandeira, apresentou resposta à acusação às fls. 40/44, alegando, em sede de preliminar, a existência de nulidade absoluta no feito em comento, ao argumento de que foi instaurada investigação criminal em ação civil pública por promotores de justiça contra o acusado Warmillon F. Braga.

Por sua vez, a acusada Néria Amanda Neta Vieira apresentou defesa preliminar às fls. 46/48, sustentando, preliminarmente, a tese da falta de legitimidade do Ministério Público para o desenvolvimento isolado de investigação criminal.

O acusado Geraldo Irineu dos Santos respondeu à acusação às fls. 66/67, oportunidade em que também sustentou a tese da existência de investigação criminal levada a efeito pelo Ministério Público.

A exordial acusatória foi recebida no dia 08 de agosto de 2013 (fls. 69/71), ocasião em que foram afastadas as preliminares aventadas pelos acusados.

A defensora do denunciado Geraldo Irineu dos Santos apresentou defesa prévia às fls. 83/87, negando genericamente os termos da denúncia.

À fl. 137, após a juntada da certidão de óbito da acusada Helen Maria Braga Soares, foi declarada a extinção da punibilidade da mesma, permanecendo o feito em relação aos demais acusados.

O defensor do acusado Warmillon Fonseca Braga apresentou resposta às fls. 138/143, oportunidade em que apresentou o seu rol de testemunhas.

A acusada Néria Amanda Neta Vieira, às fls. 144/154, apresentou defesa técnica, sustentando, preliminarmente, a falta de legitimidade do Parquet para o desenvolvimento de investigação criminal. No mérito, pugnou pela improcedência da denúncia, ao argumento de que a acusada não praticou os fatos descritos na peça de ingresso.

Em 22 de novembro de 2013, após parecer do Ministério Público, foi decretada a prisão preventiva do acusado Warmillon Fonseca Braga, conforme decisão de fls. 963/974.

As testemunhas Cícero Campos de Mendonça Júnior, Josino Marques Neto, Paulo Roberto Medeiros Wanderley, João Paulo Cheloti Bicalo, André Teixeira Tebitt, Roni Gomes Sales, Celso de Lima Freira foram ouvidas às fls. 1006, 1015, 1016, 1064, 1129, 1130, 1131.

Em audiência de instrução, foram colhidos os depoimentos de 9 (nove) testemunhas, conforme termos de fls. 1160/1181.

Realizada audiência em continuação à fl. 1191, foi ouvida a testemunha José Rones Ferreira e realizado o interrogatório do acusado Geraldo Irineu dos Santos, conforme termos de fls. 1193/1198.

Termos de qualificação e interrogatório do acusado Warmillon Fonseca Braga às fls.1261/1262.

Cumprindo a fase do artigo 422, do Código de Processo Penal, os defensores manifestaram-se às fls. 1467/1471, 1472/1474 e 1475/1492.

Decisão saneadora às fls. 1593/1602.

Às fls. 1654/1659, foi juntado acórdão da instância superior, que relaxou a prisão processual do acusado Warmillon Fonseca Braga, não estando o mesmo preso pelos fatos narrados nos autos.

Em alegações finais, o Ministério Público pugnou pela condenação dos acusados nos exatos termos da denúncia, alegando que restou demonstrada a autoria do grave crime atribuído aos mesmos (fls. 1662/1721). Na mesma oportunidade, pugnou pela decretação da prisão preventiva do acusado Warmillon Fonseca Braga, ao argumento de que a referida medida se revela necessária para a preservação da ordem pública, bem como para assegurar a aplicação da lei penal.

A defesa do acusado Geraldo Irineu dos Santos, por seu turno, apresentou memoriais às fls. 1737/1742, alegando, em sede de preliminar, que a acusação foi baseada em provas obtidas através de procedimento realizado unilateralmente, havendo ofensa ao contraditório e à ampla defesa. No mérito, pugnou pela improcedência da denúncia, ao argumento de que o acusado não praticou as irregularidades apontadas na exordial acusatória.

O acusado Warmillon Fonseca Braga, através de advogado constituído, apresentou alegações finais às fls. 1745/1811, oportunidade em que sustentou, preliminarmente, a existência de investigação criminal promovida em ação civil pública por promotores de justiça, violação dos princípios da unicidade do crime e da indisponibilidade da ação penal, além da suposta nulidade decorrente do indeferimento de perícias pleiteadas. Em sede meritória, rechaçou os fatos descritos na peça inicial, requerendo a absolvição do acusado Warmillon Fonseca Braga.

Por fim, a defesa técnica da acusada Néria Amanda Neta Vieira apresentou memoriais às fls. 2192/2220, aduzindo, em sede de preliminar, a existência de nulidade processual em razão da suposta ilegitimidade do Ministério Público para o desenvolvimento de investigação criminal, bem como a existência ilegalidade decorrente da não realização do interrogatório da acusada, além do suposto cerceamento de defesa decorrente do indeferimento do pedido de realização de perícias. No que tange ao mérito, pleiteou a improcedência da denúncia, ao argumento de que a acusada não praticou os fatos que lhe foram atribuídos.

É o relatório.

Fundamento e decido.



  1. FUNDAMENTAÇÃO

  1.  
    1. Das Preliminares

Inicialmente, antes de apreciar as teses meritórias, necessário faz-se deliberar sobre as preliminares alegadas pelos acusados.

2.1.1) Da investigação promovida pelo Ministério Público

Sustentam os defensores dos acusados a suposta ilegitimidade do Ministério Público para o desenvolvimento de investigação criminal. Não somente, argumentam que o Parquet valeu-se de um inquérito civil para realizar a questionada investigação criminal.

No que tange à preliminar em comento, após analisar cuidadosamente os argumentos defensivos, tenho que razão não assiste aos combativos defensores.

Com efeito, saliento que, embora o inquérito civil público tenha por objetivo precípuo apurar fatos que poderão ensejar a propositura de ações de natureza civil, v.g., ação civil pública e ação de improbidade administrativa, não há impedimento, caso posteriormente se entenda haver indícios da prática de infração penal, seja ele utilizado como suporte probatório de eventual ação penal.

In casu, visando a apurar possíveis irregularidades na execução de contrato para fornecimento de combustível para o município de Pirapora/MG foi instaurado o inquérito civil nº 0209.09.000032-1, o que viabilizou a operacionalização das investigações de maneira coordenada e cooperativa.

Tendo em vista que os fatos apurados caracterizavam, em tese, ilícito penal, bem como que o acusado Warmillon Fonseca Braga, à época dos fatos, ocupava o cargo de Prefeito Municipal, foi dada ciência dos mesmos à Procuradoria de Justiça de Combate aos Crimes praticados por Agentes Políticos Municipais, que instaurou o PIC nº 0512.13.00033-8.

Portanto, o Inquérito Civil foi instaurado para apurar a prática de suposto ato de improbidade por parte do denunciado Warmillon Fonseca Braga, não havendo que se falar, a meu ver, em desvio de finalidade.

Noutro vértice, o fato de ter o Inquérito Civil constatado indícios de prática de delito por parte dos acusados em nada obsta sejam os elementos utilizados pelo Parquet para fundamentar oferecimento de denúncia contra os mesmos agentes investigados.

Ademais, quanto à possibilidade de inauguração da persecutio criminis in judicio com base, exclusivamente, em elementos amealhados em sede de inquérito civil público, já se posicionou favoravelmente a jurisprudência do E. Superior Tribunal Justiça:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ARTS. 288, CAPUT, E 299, CAPUT, AMBOS DO CÓDIGO PENAL E ART. 1º, INCISOS I E XIII DO DECRETO-LEI N.º 201/67. PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DENÚNCIA EMBASADA EM ELEMENTOS COLHIDOS EM INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO.

POSSIBILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE.

EXISTÊNCIA DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO SUFICIENTE PARA JUSTIFICAR O INÍCIO DA PERSECUTIO CRIMINIS IN IUDICIO. INÉPCIA DA DENÚNCIA.

INOCORRÊNCIA. PEÇA ACUSATÓRIA QUE NARRA SATISFATORIAMENTE A CONDUTA, EM TESE, DELITUOSA PRATICADA PELOS DENUNCIADOS.

I - Na esteira de precedentes desta Corte, malgrado seja defeso ao Ministério Público presidir o inquérito policial propriamente dito, não lhe é vedado, como titular da ação penal, proceder investigações. A ordem jurídica, aliás, confere explicitamente poderes de investigação ao Ministério Público - art. 129, incisos VI e VIII, da Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e IV, e § 2º, e art. 26 da Lei nº 8.625/1993 (Precedentes).

II - Por outro lado, o inquérito policial, por ser peça meramente informativa, não é pressuposto necessário à propositura da ação penal, podendo essa ser embasada em outros elementos hábeis a formar a opinio delicti de seu titular, a exemplo do inquérito civil público. Se até o particular pode juntar peças, obter declarações, etc., é evidente que o Parquet também pode. Desta forma, o fato da opinio delicti para a propositura da ação penal ter se formado em razão de elementos colhidos em inquérito civil público não pode, por si só, levar à rejeição da denúncia. (Precedentes).

III - O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus se situa no campo da excepcionalidade (HC 901.320/MG, Primeira Turma, Rel.

Min. Marco Aurélio, DJU de 25/05/2007), sendo medida que somente deve ser adotada quando houver comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (HC 87.324/SP, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJU de 18/05/2007). Ainda, a liquidez dos fatos constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa (HC 91.634/GO, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 05/10/2007), pois o exame de provas é inadmissível no espectro processual do habeas corpus, ação constitucional que pressupõe para seu manejo uma ilegalidade ou abuso de poder tão flagrante que pode ser demonstrada de plano (RHC 88.139/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Carlos Britto, DJU de 17/11/2006). Na hipótese, há, com os dados existentes até aqui, o mínimo de elementos que autorizam o prosseguimento da ação penal.

IV - A denúncia deve vir acompanhada com o mínimo embasamento probatório, ou seja, com lastro probatório mínimo (HC 88.601/CE, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 22/06/2007), apto a demonstrar, ainda que de modo incidiário, a efetiva realização do ilícito penal por parte do denunciado. Em outros termos, é imperiosa existência de um suporte legitimador que revele de modo satisfatório e consistente, a materialidade do fato delituoso e a existência de indícios suficientes de autoria do crime, a respaldar a acusação, de modo a tornar esta plausível. Não se revela admissível a imputação penal destituída de base empírica idônea (INQ 1.978/PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 17/08/2007) o que implica a ausência de justa causa a autorizar a instauração da persecutio criminis in iudicio.

V - Na hipótese dos autos, há elementos suficientes que autorizam o prosseguimento da ação penal, evidenciando-se prematura a pretensão de seu trancamento. Com efeito, conforme ressai da leitura da extensa peça acusatória, os vários denunciados, em tese, dentre os quais o primeiro paciente (Lincoln), teriam se associado com a finalidade de cometer diversos crimes, consistentes, em sua maioria, no desvio de vultuosa soma de verbas públicas do Município de Jaguariaíva/PR, por meio de procedimentos licitatórios fraudulentos.

Especificamente em relação ao primeiro paciente consta que ele, na qualidade de assessor jurídico do referido município, era o responsável por receber os processo licitatórios e proceder à análise jurídica, sendo que, segundo a peça acusatória, mesmo consciente da fraude dos referidos certames, emitia parecer favorável à homologação. Já em relação ao segundo (Álamo), teria atestado, na qualidade de Diretor do Departamento de Obras, mediante certidão, a construção de galerias pluviais não edificadas.

VI - A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. (HC 73.271/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 04/09/1996). Denúncias genéricas que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito. (HC 86.000/PE, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 02/02/2007). A inépcia da denúncia caracteriza situação configuradora de desrespeito estatal ao postulado do devido processo legal.

VII - A exordial acusatória, na espécie, apresenta uma narrativa congruente dos fatos (HC 88.359/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, DJU de 09/03/2007), de modo a permitir o pleno exercício da ampla defesa (HC 88.310/PA, Segunda Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU de 06/11/2006), descrevendo conduta que, ao menos em tese, configura crime (HC 86.622/SP, Primeira Turma, Rel. Min.

Ricardo Lewandowski, DJU de 22/09/2006), ou seja, não é inepta a denúncia que atende aos ditames do art. 41 do Código de Processo Penal (HC 87.293/PE, Primeira Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJU de 03/03/2006).

Ordem denegada.

(HC 110.241/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 10/05/2010)

 

Lado outro, no que tange ao poder investigatório do Ministério Público, diante do poder-dever conferido ao Parquet para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, é indissociável às suas funções a autonomia para colheita de elementos de prova, até e em razão da teoria dos poderes implícitos. Em caso similar, em esclarecedora decisão, decidiu a mais alta corte da justiça brasileira:

E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS E DE CONCUSSÃO ATRIBUÍDOS A POLICIAIS CIVIS - POSSIBILIDADE DE O MINISTÉRIO PÚBLICO, FUNDADO EM INVESTIGAÇÃO POR ELE PRÓPRIO PROMOVIDA, FORMULAR DENÚNCIA CONTRA REFERIDOS AGENTES POLICIAIS - VALIDADE JURÍDICA DESSA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA - CONDENAÇÃO PENAL IMPOSTA AOS POLICIAIS - LEGITIMIDADE JURÍDICA DO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - MONOPÓLIO CONSTITUCIONAL DA TITULARIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA PELO "PARQUET" - TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS - CASO "McCULLOCH v. MARYLAND" (1819) - MAGISTÉRIO DA DOUTRINA (RUI BARBOSA, JOHN MARSHALL, JOÃO BARBALHO, MARCELLO CAETANO, CASTRO NUNES, OSWALDO TRIGUEIRO, v.g.) - OUTORGA, AO MINISTÉRIO PÚBLICO, PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, DO PODER DE CONTROLE EXTERNO SOBRE A ATIVIDADE POLICIAL - LIMITAÇÕES DE ORDEM JURÍDICA AO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - "HABEAS CORPUS" INDEFERIDO. NAS HIPÓTESES DE AÇÃO PENAL PÚBLICA, O INQUÉRITO POLICIAL, QUE CONSTITUI UM DOS DIVERSOS INSTRUMENTOS ESTATAIS DE INVESTIGAÇÃO PENAL, TEM POR DESTINATÁRIO PRECÍPUO O MINISTÉRIO PÚBLICO. - O inquérito policial qualifica-se como procedimento administrativo, de caráter pré-processual, ordinariamente vocacionado a subsidiar, nos casos de infrações perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública, a atuação persecutória do Ministério Público, que é o verdadeiro destinatário dos elementos que compõem a "informatio delicti". Precedentes. - A investigação penal, quando realizada por organismos policiais, será sempre dirigida por autoridade policial, a quem igualmente competirá exercer, com exclusividade, a presidência do respectivo inquérito. - A outorga constitucional de funções de polícia judiciária à instituição policial não impede nem exclui a possibilidade de o Ministério Público, que é o "dominus litis", determinar a abertura de inquéritos policiais, requisitar esclarecimentos e diligências investigatórias, estar presente e acompanhar, junto a órgãos e agentes policiais, quaisquer atos de investigação penal, mesmo aqueles sob regime de sigilo, sem prejuízo de outras medidas que lhe pareçam indispensáveis à formação da sua "opinio delicti", sendo-lhe vedado, no entanto, assumir a presidência do inquérito policial, que traduz atribuição privativa da autoridade policial. Precedentes. A ACUSAÇÃO PENAL, PARA SER FORMULADA, NÃO DEPENDE, NECESSARIAMENTE, DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. - Ainda que inexista qualquer investigação penal promovida pela Polícia Judiciária, o Ministério Público, mesmo assim, pode fazer instaurar, validamente, a pertinente "persecutio criminis in judicio", desde que disponha, para tanto, de elementos mínimos de informação, fundados em base empírica idônea, que o habilitem a deduzir, perante juízes e Tribunais, a acusação penal. Doutrina. Precedentes. A QUESTÃO DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DE EXCLUSIVIDADE E A ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA. - A cláusula de exclusividade inscrita no art. 144, § 1º, inciso IV, da Constituição da República - que não inibe a atividade de investigação criminal do Ministério Público - tem por única finalidade conferir à Polícia Federal, dentre os diversos organismos policiais que compõem o aparato repressivo da União Federal (polícia federal, polícia rodoviária federal e polícia ferroviária federal), primazia investigatória na apuração dos crimes previstos no próprio texto da Lei Fundamental ou, ainda, em tratados ou convenções internacionais. - Incumbe, à Polícia Civil dos Estados-membros e do Distrito Federal, ressalvada a competência da União Federal e excetuada a apuração dos crimes militares, a função de proceder à investigação dos ilícitos penais (crimes e contravenções), sem prejuízo do poder investigatório de que dispõe, como atividade subsidiária, o Ministério Público. - Função de polícia judiciária e função de investigação penal: uma distinção conceitual relevante, que também justifica o reconhecimento, ao Ministério Público, do poder investigatório em matéria penal. Doutrina. É PLENA A LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO PODER DE INVESTIGAR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, POIS OS ORGANISMOS POLICIAIS (EMBORA DETENTORES DA FUNÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA) NÃO TÊM, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, O MONOPÓLIO DA COMPETÊNCIA PENAL INVESTIGATÓRIA. - O poder de investigar compõe, em sede penal, o complexo de funções institucionais do Ministério Público, que dispõe, na condição de "dominus litis" e, também, como expressão de sua competência para exercer o controle externo da atividade policial, da atribuição de fazer instaurar, ainda que em caráter subsidiário, mas por autoridade própria e sob sua direção, procedimentos de investigação penal destinados a viabilizar a obtenção de dados informativos, de subsídios probatórios e de elementos de convicção que lhe permitam formar a "opinio delicti", em ordem a propiciar eventual ajuizamento da ação penal de iniciativa pública. Doutrina. Precedentes: RE 535.478/SC, Rel. Min. ELLEN GRACIE - HC 91.661/PE, Rel. Min. ELLEN GRACIE - HC 85.419/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 89.837/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO. CONTROLE JURISDICIONAL DA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO: OPONIBILIDADE, A ESTES, DO SISTEMA DE DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, QUANDO EXERCIDO, PELO "PARQUET", O PODER DE INVESTIGAÇÃO PENAL. - O Ministério Público, sem prejuízo da fiscalização intra--orgânica e daquela desempenhada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, está permanentemente sujeito ao controle jurisdicional dos atos que pratique no âmbito das investigações penais que promova "ex propria auctoritate", não podendo, dentre outras limitações de ordem jurídica, desrespeitar o direito do investigado ao silêncio ("nemo tenetur se detegere"), nem lhe ordenar a condução coercitiva, nem constrangê-lo a produzir prova contra si próprio, nem lhe recusar o conhecimento das razões motivadoras do procedimento investigatório, nem submetê-lo a medidas sujeitas à reserva constitucional de jurisdição, nem impedi-lo de fazer-se acompanhar de Advogado, nem impor, a este, indevidas restrições ao regular desempenho de suas prerrogativas profissionais (Lei nº 8.906/94, art. 7º, v.g.). - O procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público deverá conter todas as peças, termos de declarações ou depoimentos, laudos periciais e demais subsídios probatórios coligidos no curso da investigação, não podendo, o "Parquet", sonegar, selecionar ou deixar de juntar, aos autos, quaisquer desses elementos de informação, cujo conteúdo, por referir-se ao objeto da apuração penal, deve ser tornado acessível tanto à pessoa sob investigação quanto ao seu Advogado. - O regime de sigilo, sempre excepcional, eventualmente prevalecente no contexto de investigação penal promovida pelo Ministério Público, não se revelará oponível ao investigado e ao Advogado por este constituído, que terão direito de acesso - considerado o princípio da comunhão das provas - a todos os elementos de informação que já tenham sido formalmente incorporados aos autos do respectivo procedimento investigatório.
(HC 87610, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 27/10/2009, DJe-228 DIVULG 03-12-2009 PUBLIC 04-12-2009 EMENT VOL-02385-02 PP-00387)

 

Por fim, visando a afastar possíveis dúvidas, saliento que o oferecimento de denúncia pelo Parquet prescinde de inquérito policial, necessitando somente da existência de justa causa, qual seja, prova de materialidade e indícios suficientes de autoria, para que seja possível o ajuizamento de ação penal pública, conforme previsto no artigo 39, § 5º, do Código de Processo Penal.

Assim, diante do exposto, rejeito a preliminar em comento, tendo em vista a inexistência de amparo legal.

2.1.2) Violação dos Princípios da "Unicidade do crime" e da "Indisponibilidade da ação penal"

Sustenta do douto defensor do acusado Warmillon Fonseca Braga a existência de nulidade em razão da suposta violação dos Princípios da Unicidade do Crime e da Indisponibilidade da Ação Penal.

No que tange ao Princípio da Obrigatoriedade, o festejado doutrinador Fernando Capez, em esclarecedoras lições, assevera que

"no Brasil, quanto à ação penal pública, vigora o princípio da legalidade, ou obrigatoriedade, impondo ao órgão do Ministério Público, dada a natureza indisponível do objeto da relação jurídica material, a sua propositura, sempre que a hipótese preencher os requisitos mínimos exigidos. Não cabe a ele adotar critérios de política ou de utilidade social". (Fernando Capez, Curso de PROCESSO PENAL. ed. Saraiva,16º ed., p. 115).

 

No caso dos autos, em que pesem os argumentos defensivos, entendo não haver se falar em nulidade processual.

Isso porque, ainda que vigore o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, do qual se extrai o princípio da indivisibilidade – o qual estabelece que todos aqueles que cometeram a infração devem ser processados –, certo é que apenas em relação àqueles em que existe prova da materialidade do crime e indícios de autoria é que a ação penal deverá ser proposta.

Vale dizer, é dever do Ministério Público analisar os requisitos exigidos para a propositura da ação, de sorte que, se encontrar esses indícios apenas em relação a um dos investigados, cabe o oferecimento da denúncia contra ele, mesmo porque nada impede que, mais tarde nova ação penal seja proposta contra demais envolvidos.

Observe-se, ademais, que nos Tribunais Superiores o entendimento que vem prevalecendo é o de que, em relação à ação penal de iniciativa pública, é conferida ao órgão acusatório a possibilidade de propor outra ação penal em face dos demais responsáveis pela infração.

Nesse sentido, confira-se:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS. EXCLUSÃO DE CO-RÉUS DA DENÚNCIA. OFERECIMENTO DE NOVA DENÚNCIA CONTRA PACIENTE PELOS MESMOS FATOS. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA INDISPONIBILIDADE E OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO PENAL. INOCORRÊNCIA.

1. Por se tratar de ação pública incondicionada, o fato de, eventualmente, existirem outros agentes não denunciados, que teriam participado dos crimes em questão, não induz à anulação do processo já instaurado, porquanto os princípios da indivisibilidade e da obrigatoriedade da ação penal não obstam o ajuizamento, em separado, de outra ação pelo Ministério Público, ou mesmo o aditamento da denúncia, em momento oportuno, depois de coligidos elementos suficientes para embasar a acusação. A nulidade pretendida só teria lugar se fosse o caso de ação penal privada, nos termos do art. 48 do Código de Processo Penal. Precedentes do STJ e do STF.

2. Ordem denegada.

(HC 59.302/PE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2007, DJ 07/02/2008, p. 1) (grifei)



Igualmente, em recente decisão, decidiu o E. Tribunal de Justiça Mineiro:

EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL - APELAÇÃO CRIMINAL - INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÕES - ART. 313-A - 1ª PRELIMINAR DEFENSIVA - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE - MORTE DE UM DOS AGENTES - ART. 107, I, DO CP - PRELIMINAR ACOLHIDA - 2ª PRELIMINAR DEFENSIVA - LITISPENDÊNCIA - FEITOS PENDENTES EXTINTOS - FEITO SUBSISTENTE VÁLIDO - PRELIMINAR REJEITADA - 3ª PRELIMINAR DEFENSIVA - "EXCESSO DE LINGUAGEM" - PROCEDIMENTO COMUM - IRRELEVÂNCIA - PRELIMINAR REJEITADA - 4ª PRELIMINAR DEFENSIVA - CERCEAMENTO DE DEFESA - PROVA PERICIAL - ARBÍTRIO JUDICIÁRIO - PRELIMINAR REJEITADA - 5ª PRELIMINAR DEFENSIVA - IMPEDIMENTO DO MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - AÇÃO DE DANOS MORAIS CONTRA RÉU - IRRELEVÂNCIA - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 252 E 254, DO CPP - PRELIMINAR REJEITADA - 6ª PRELIMINAR DEFENSIVA - VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA INDIVISIBILIDADE, OBRIGATORIEDADE E INDISPONIBILIDADE DA AÇÃO PENAL - INAPLICABILIDADE À AÇÃO PENAL PÚBLICA - PRELIMINAR REJEITADA - 7ª PRELIMINAR DEFENSIVA - PODERES DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE - PRELIMINAR REJEITADA - MÉRITO - MATERIALIDADE E AUTORIA - SUPRESSÃO IRREGULAR DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO SISTEMA INFORMATIZADO DO MUNICÍPIO - PROVA DOCUMENTAL CONSISTENTE - VASTA PROVA TESTEMUNHAL - FATO TÍPICO PROVADO - PENA-BASE - REDUÇÃO - POSSIBILIDADE - RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
- Comprovada a morte de um dos apelantes, mister se faz a extinção de sua punibilidade, nos termos do art. 107, inciso I do CP.
- Extintos os feitos instaurados em litispendência (precisamente porquanto devidamente oposta a exceção), não se cogita da extinção do feito restante, pelo mesmo motivo.
- No procedimento comum, o "excesso de linguagem" do magistrado que avalia com rigor excessivo a postura técnica das partes em litígio não configura causa de nulidade.
- Não tendo os acusados suportado qualquer prejuízo em razão do indeferimento de diligência requerida pela defesa, não há falar em nulidade, tratando-se de ato discricionário do juiz.
- Não constitui causa de impedimento ou suspeição do membro do Ministério Público o fato de que estar ele em litígio cível com o réu, em ação de indenização por danos morais.
- A indivisibilidade, obrigatoriedade e indisponibilidade da ação penal pública não são violadas pela opção do parquet de oferecer denúncia contra alguns dos acusados, enquanto aguarda a produção de provas mais robustas quanto aos demais investigados, uma vez autorizado o posterior aditamento da imputação, durante o curso da ação penal.
- O Ministério Público tem legitimidade para efetuar diligências investigativas, desde que não presida Inquérito Policial, função da polícia judiciária.
- O acervo testemunhal coerente descrevendo a ocorrência do fato, aliado à prova documental suficiente e às confissões de alguns dos acusados, é prova suficiente para fundamentar o juízo positivo de ocorrência do crime previsto no crime 313-A.
- Fixada em excesso a pena-base, em razão das circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do Código Penal, a redução é medida que se impõe.
- Recursos defensivos providos em parte.  (TJMG -  Apelação Criminal  1.0083.09.016382-1/001, Relator(a): Des.(a) Agostinho Gomes de Azevedo , 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 20/03/2014, publicação da súmula em 28/03/2014)

 

Finalmente, a meu juízo, não existiu qualquer prejuízo para o acusado Warmillon Fonseca Braga, que teve condições de se defender amplamente da imputação, nos termos do art. 563, do Código de Processo Penal, não havendo, pois, que se falar em nulidade a ser reconhecida.

2.1.3) Nulidade decorrente da ausência de interrogatório da acusada Neria Amanda Neta Vieira

Inobstante o fato de ter sido apreciada a preliminar em comento (fls. 1593/1602), objetivando assegurar a plenitude de defesa e prestigiar o contraditório, analisarei novamente a referida tese.

Como sabido, o artigo 222 do Código de Processo Penal prescreve que a expedição de carta precatória não suspende a instrução processual, razão pela qual o interrogatório da acusada Néria Amanda Vieira poderia ter sido realizado quando da audiência de instrução e julgamento, em observância, também, ao princípio constitucional da celeridade do processo, que também é consentâneo com os interesses da defesa.

A propósito, em diversas ocasiões, os tribunais superiores chancelaram o entendimento de que a expedição de carta precatória não suspende o processo, e, via de consequência, não gera a nulidade sustentada pela defesa. Nesse sentido:

HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ORDINÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. RESPEITO AO SISTEMA RECURSAL PREVISTO NA CARTA MAGNA. NÃO CONHECIMENTO.

1. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, buscando dar efetividade às normas previstas na Constituição Federal e na Lei 8.038/1990, passou a não mais admitir o manejo do habeas corpus originário em substituição ao recurso ordinário cabível, entendimento que deve ser adotado por este Superior Tribunal de Justiça, a fim de que seja restabelecida a organicidade da prestação jurisdicional que envolve a tutela do direito de locomoção.

2. O constrangimento apontado na inicial será analisado, a fim de que se verifique a existência de flagrante ilegalidade que justifique a atuação de ofício por este Superior Tribunal de Justiça.

ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PROCESSO PENAL. NULIDADE. CARTA PRECATÓRIA.

OITIVA DE TESTEMUNHAS. INTIMAÇÃO PARA A DATA DA AUDIÊNCIA NO JUÍZO DEPRECADO. DESNECESSIDADE. SUFICIÊNCIA DA CIENTIFICAÇÃO ACERCA DA EXPEDIÇÃO. ENUNCIADO 273 DA SÚMULA DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MÁCULA NÃO CARACTERIZADA.

1. Ao interpretar o artigo 222 do Código de Processo Penal, este Sodalício consolidou o entendimento de que é desnecessária a intimação do acusado e do seu defensor acerca da data da audiência realizada no juízo deprecado, sendo suficiente que sejam cientificados acerca da expedição da carta precatória. Inteligência do verbete 273 da Súmula deste Sodalício.

INOBSERVÂNCIA DO PRAZO ESTIPULADO PARA O CUMPRIMENTO DA CARTA PRECATÓRIA. IRRELEVÂNCIA. POSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO DO FEITO ATÉ MESMO SEM A EFETIVAÇÃO DA DILIGÊNCIA REQUERIDA AO JUÍZO DEPRECADO. PRAZO IMPRÓPRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.

1. O lapso temporal fixado para o cumprimento da carta precatória só é estipulado tendo em conta que a instrução não é interrompida em face da sua expedição, sendo certo que, se esgotado o período para a sua devolução, sem que a providência nela determinada tenha sido efetivada, é possível até mesmo que o magistrado profira sentença nos autos, sem que se cogite de eiva a contaminar o feito.

2. O simples fato de as precatórias expedidas para a oitiva da vítima e de testemunhas não terem sido cumpridas no tempo estipulado pelo magistrado deprecante não enseja a nulidade da ação penal, por se tratar de prazo impróprio, cujo descumprimento não enseja qualquer sanção processual.

NULIDADE DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. INOBSERVÂNCIA DA ORDEM DE INQUIRIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.

TESTEMUNHAS OUVIDAS POR CARTA PRECATÓRIA. ATO REALIZADO EM CONFORMIDADE COM A NORMA PROCESSUAL VIGENTE. EIVA INEXISTENTE.

1. O Código de Processo Penal, no caput do seu artigo 400, preceitua a desnecessidade de observância à ordem de inquirição nele estabelecida quando for expedida carta precatória para oitiva de testemunhas, permitindo que o magistrado designe e realize a audiência de instrução e julgamento.

2. Por sua vez, os §§ 1º e 2º do artigo 222 da Lei Processual Penal disciplinam que na hipótese de oitiva de testemunha que se encontra fora da jurisdição processante, a expedição da carta precatória não suspende a instrução criminal, razão pela qual o togado singular poderá dar prosseguimento ao feito, em respeito ao princípio da celeridade processual, procedendo à oitiva das demais testemunhas, ao interrogatório do acusado e, inclusive, ao julgamento da causa, ainda que pendente a devolução da carta pelo juízo deprecado.

PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO DA SEGREGAÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. ENUNCIADO N. 52 DA SÚMULA DESTE STJ. PERDA DO OBJETO.

1. Tendo o remédio constitucional sido dirigido contra o alegado excesso de prazo da custódia do paciente, e verificando-se a superveniente prolação de sentença condenatória, esvazia-se o objeto da impetração no ponto. Enunciado n. 52 da Súmula do STJ.

2. Habeas corpus não conhecido.

(HC 277.376/RO, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 08/04/2014, DJe 23/04/2014)

 

In casu, como já salientado anteriormente, não houve o interrogatório da acusada Néria Amanda Neta Vieira por opção da mesma, conforme se vê à fl. 1193, não havendo, pois, que se falar em nulidade processual, pelo que rejeito a presente preliminar. Vale ressaltar que este magistrado, na própria audiência de instrução, explicitou a todos os presentes que esse seria o posicionamento adotado caso a dita nulidade fosse arguida.

2.1.4) Nulidade decorrente do indeferimento de provas periciais

Antes de deliberar sobre a preliminar em comento, entendo pertinente transcrever o preceito do art. 184 do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 184. Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade.



Guilherme de Souza Nucci, ao tratar do assunto, assevera, com maestria, que:

"trata-se de uma providência natural, no quadro de produção de provas, que a autoridade policial ou judiciária indefira aquelas que forem impertinentes para a solução do caso." (Guilherme de Souza Nucci, Código de Processo Penal Comentado. Ed. RT, 11º ed., p. 182).

 

In casu, no que tange às perícias pleiteadas, sem desconsiderar os argumentos defensivos, não vislumbro a necessidade da produção da referida prova, sobretudo diante do sólido acervo probatório existente nos autos, o qual permite o correto deslinde do feito, razão pela qual não há, por certo, cerceamento de defesa ou violação do contraditório, mormente ao se considerar que o magistrado não está adstrito a deferir a produção de provas que reputar impertinentes ao deslinde da ação penal.

Outrossim, embora a análise meritória encontre momento próprio, entendo pertinente transcrever parte do depoimento da testemunha Ademirson Moreira Faria:

"(...) Que o declarante afirma que nunca esteve no município de Pirapora-MG; Que nunca prestou serviços para a prefeitura do referido município, tampouco a qualquer pessoa de lá (...)" "(...) Que durante o tempo em que os carros permaneceram com o declarante, não se lembra de terem saído do município Alexânia-GO; Que não sabe informar porque consta seu nome como proprietário de um veículo abastecido pela prefeitura do citado município". (fl. 129 dos autos nº 0512.13.002562-4). (Negritado por este Juízo).



Por sua vez, Rafael Joaquim Quirino, à fl. 28 dos autos anteriormente mencionados, consignou que:

"(...) que o depoente é o proprietário do veículo VW gol, placa GUX-0091; que é o depoente quem utiliza o referido veículo; que não sabe explicar a razão pela qual o seu veículo consta como abastecido às custas da Prefeitura Municipal de Pirapora; que adquiriu o veículo, salvo melhor juízo, em novembro de 2011, no estabelecimento Wilton Car, situado na Rua Rio Grande do Sul, em número que não se recorda; que desde a data da aquisição, o automóvel nunca foi abastecido pela Prefeitura de Pirapora, esclarecendo que nunca emprestou o seu carro a ninguém; que adquiriu o veículo da pessoa de Adonai, Brasileiro, policial civil lotado na cidade de Pirapora; que conhece o Posto São Francisco, acrescentando que nunca abasteceu o seu veículo naquele local; que nunca foi ao referido posto, tampouco ouviu dizer quem seria o seu proprietário" (Negritado por este Juízo).

 

Ademais, o entendimento ora apresentado está em conformidade com a remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que não configura constrangimento ilegal o indeferimento de produção de prova pericial, desde que devidamente fundamentado.

A propósito, visando esclarecer a questão, transcrevo ementas de dois julgados que bem sintetizam o referido entendimento:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. REPRODUÇÃO SIMULADA DO FATO. INDEFERIMENTO. JUIZ DE CONVENIÊNCIA A PROPÓSITO DA IMPORTÂNCIA DA DILIGÊNCIA. 1. O artigo 7º do CPP confere à autoridade policial a faculdade de proceder à reconstituição do crime ou reprodução simulada dos fatos. Nada impede que o juiz, no exercício dos poderes instrutórios, a determine se achar relevante para dirimir dúvidas (CPP, art. 156). 2. Por seu turno, o artigo 184 do CPP dispõe que [s]salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade". Tem-se aí juízo de conveniência tanto da autoridade policial, quanto do magistrado, no que tange à relevância, ou não, da prova resultante da diligência requerida. O Supremo Tribunal Federal não pode, em lugar do juiz, aferir a importância da prova para o caso concreto. (Precedentes). 3. A decisão que indeferiu a diligência está amplamente fundamentada no sentido de sua desnecessidade, não havendo, portanto, constrangimento ilegal a ser sanado por esta Corte. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.
(RHC 88320, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 25/04/2006, DJ 26-05-2006 PP-00039 EMENT VOL-02234-02 PP-00390 RTJ VOL-00200-03 PP-01333 LEXSTF v. 28, n. 333, 2006, p. 505-510 RT v. 95, n. 853, 2006, p. 513-515)



EMENTA Habeas corpus. Constitucional e processual penal. Indeferimento de perícia técnica pelo Juízo de 1º Grau. Alegação de cerceamento de defesa e violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Constrangimento ilegal não-caracterizado. Precedentes. 1. A jurisprudência predominante desta Suprema Corte é no sentido de que "não constitui constrangimento ilegal a prolação de decisão de primeiro grau que, de maneira fundamentada, indefere pedido de produção de prova pericial" (HC nº 91.121/MS, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 1º/2/08). 2. No caso concreto, não parece estar eivada de ilegalidade flagrante a decisão do Juízo processante, que indeferiu o requerimento pericial da defesa. Muito pelo contrário, apresenta-se devidamente fundamentada na impertinência da prova requerida e por não ser concludente para o deslinde do caso. 3. Habeas corpus denegado.
(HC 95694, Relator(a):  Min. MENEZES DIREITO, Primeira Turma, julgado em 10/02/2009, DJe-053 DIVULG 19-03-2009 PUBLIC 20-03-2009 EMENT VOL-02353-03 PP-00489)



Ademais, saliento que esse entendimento também está em consonância com recente acórdão oriundo também do STF, in verbis:

Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE USO DE DOMUMENTO FALSO. CRIME IMPOSSÍVEL. MATÉRIA NÃO APRECIADA NO ACÓRDÃO IMPUGNADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRECEDENTES. NULIDADE. NÃO REALIZAÇÃO DE PERÍCIA TÉCNICA PARA ATESTAR A MATERIALIDADE DO CRIME PREVISTO NO ART. 304 DO CÓDIGO PENAL. DESNECESSIDADE. EXISTÊNCIA DE OUTROS MEIOS DE PROVAS. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. O acórdão impugnado não apreciou os fundamentos relativos à configuração ou não de crime impossível (art. 17 do CP). Desse modo, qualquer juízo desta Corte sobre a matéria implicaria indevida supressão de instância e contrariedade à repartição constitucional de competências. 2. Embora a produção da prova técnica seja necessária para esclarecer situações de dúvida objetiva acerca da existência da infração penal, o seu afastamento é sistemático e teleologicamente autorizado pela legislação processual penal nos casos em que há nos autos outros elementos idôneos aptos a comprovar a materialidade do delito. Precedentes. 3. Ordem parcialmente conhecida, mas denegada.
(HC 108463, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 27/08/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-177 DIVULG 09-09-2013 PUBLIC 10-09-2013)



Outrossim, observo que o defensor do acusado Warmillon Fonseca Braga, quando da apresentação de alegações finais, justificou a necessidade da prova pericial pretendida mencionando os depoimentos de algumas testemunhas, in verbis:

"(...) 48. Aliás, duas testemunhas da acusação foram decisivas para demonstrar a inequívoca necessidade da prova pericial requerida.

49. Segundo JOSINO MARQUES NETO - que elaborou o relatório TCE (esteio da acusação) - "a falta de cupons fiscais pode ser suprida facilmente pela impressão de um espelho a partir da memória fiscal" (fl. 1257), asseverando que "é possível verificar os dados dos cupons fiscais através do PAF (programa aplicativo fiscal), tratando-se o PAF do programa que gerencia todo o serviço de venda de combustíveis do posto, justamente para evitar fraudes, tanto é que só é possível cancelar o último cupom emitido(...)" (fls. 1756/1757).



Assim, a defesa justifica a necessidade da prova pericial, dentre outros fatores, em razão da falta dos chamados cupons fiscais, argumentando que "a falta de cupons fiscais pode ser suprida facilmente pela impressão de um espelho a partir da memória fiscal".

Ocorre que as testemunhas arroladas pela defesa afirmaram, com convicção, que todos os cupons fiscais são guardados nos diversos setores da Prefeitura Municipal de Pirapora:

"(...) que os cupons eram todos guardados pelo setor de transportes, não chegando ao setor do depoente (...)" (Depoimento prestado por Omar Rogério Barbosa, fls. 1169/1171).

 

"(...) que os cupons fiscais eram encaminhados à secretaria e posteriormente encaminhados à garagem (...). (Depoimento prestado por José Miguel de Souza Vieira Filho, fls. 1172/1174).

 

"(...) que não era comum o posto deixar de mandar os cupons fiscais (...)". (Depoimento prestado por Elias Sacramento dos Santos, fls.1177/1179).



Ora, considerando que representa ônus exclusivo das partes diligenciar a fim de obter os documentos e informações referentes aos fatos alegados, bem como que os referidos cupons, segundo as testemunhas arroladas pela própria defesa, encontram-se nas dependências da Prefeitura local, caberia aos acusados diligenciar no sentido de juntar ao feito os citados documentos, não cabendo ao Juízo atuar em prol da parte, sob pena de violar o princípio da imparcialidade do juiz. O egrégio STJ, em caso similar, decidiu que:

HABEAS CORPUS. CRIME DE RESPONSABILIDADE. PREFEITO. APROPRIAÇÃO E UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE RENDA PÚBLICA. TESTEMUNHA ARROLADA NÃO LOCALIZADA. FALTA DE INDICAÇÃO DE NOVO ENDEREÇO PELA DEFESA.

INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA PELO INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE PERÍCIA DE OBRA REALIZADA 6 ANOS ANTES E JUNTADA DE DOCUMENTOS REQUERIDA COMO DILIGÊNCIA COMPLEMENTAR, NA FASE DO ART. 499 DO CPP.

INDEFERIMENTO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO NO FATO DE NÃO SE TRATAR DE PROVA NOVA, SURGIDA NO DECORRER DA INSTRUÇÃO CRIMINAL, E QUE A DEFESA NÃO TIVESSE CONHECIMENTO NA ÉPOCA OPORTUNA. NÃO HÁ AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA SE O ACUSADO E REPRESENTADO COM ESMERO PELA DEFENSORIA PÚBLICA, DIANTE DA INÉRCIA DO ADVOGADO CONSTITUÍDO.

ALEGAÇÃO DE DEFICIÊNCIA DA DEFESA. AUSÊNCIA D PREJUÍZO. SÚMULA 523 DO STF. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL (4 ANOS). CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS CULPABILIDADE, PERSONALIDADE, MOTIVOS E CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME, MERA UTILIZAÇÃO DE REFERÊNCIAS VAGAS. ANTECEDENTES E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME QUE JUSTIFICAM O AUMENTO DA PENA-BASE EM APENAS 1 ANO. PARECER MINISTERIAL PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA, APENAS PARA REDIMENSIONAR A PENA PARA 3 ANOS E 9 MESES DE RECLUSÃO.

1. A não inquirição de testemunha declarada como imprescindível não caracteriza nulidade no julgamento, quando a parte não fornece dados para a sua localização. Precedentes do STJ e STF.

2. O pedido de diligência complementar, feito na fase do art. 499 do CPP, pode ser indeferido pelo douto Magistrado, conforme sua convicção, caso as julgue, fundamentadamente, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias ao julgamento do feito. Precedentes do STJ.

3. In casu, em que pese a argumentação defensiva de que se trata de diligência indispensável à busca da verdade real, o pleito foi indeferido, fundamentadamente, pelo Juízo processante, por não se tratar de prova nova, surgida no decorrer da instrução criminal, e que a defesa não tivesse conhecimento na época oportuna a juntada de documentos, a fim de afastar a preclusão, e por ser impertinente a realização de perícia em obra realizada 6 anos antes.

4. Infirmar a assertiva constante do acórdão impugnado de que o paciente foi intimado pessoalmente da ausência de apresentação das alegações finais por seu Advogado enseja o reexame do conjunto fático-probatório o que é incompatível com a via do Habeas Corpus que exige prova pré-constituída do alegado.

5. Não há que se falar em ausência de defesa técnica se o paciente é representado com esmero pela Defensoria Pública, diante da inércia do Advogado constituído.

6. Da mesma forma, o exame da alegada deficiência da defesa técnica a ponto de eivar de nulidade a Ação Penal dependeria de acurada avaliação da real importância de cada uma das intervenções defensivas no resultado final da persecução penal, bem como da análise da justiça da decisão condenatória, tudo a implicar exame aprofundado da prova dos autos, medida inadequada nesta estreita via mandamental.

7. No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu (Súmula 523/STF).

8. A pena deve ser fixada com estrita observância dos arts. 59 e 68 do CPB, porquanto a fuga dos parâmetros estabelecidos legalmente ou a ausência de fundamentação válida no momento da dosimetria da pena constitui constrangimento ilegal passível de ser sanado por meio de Habeas Corpus, sempre que não houver necessidade de dilação probatória, pois pode submeter o apenado à prisão por tempo superior ou inferior ao que seria admissível e adequado para a prevenção e reprovação do delito.

9. In casu, houve a mera utilização de referências vagas quando do aumento da pena-base com relação à valoração da culpabilidade, personalidade, motivos e circunstâncias do crime. Assim, a pena-base mínima de 2 anos deve ser aumentada em apenas 1 ano diante dos antecedentes e das consequências do crime, tornando-se definitiva em 3 anos e 9 meses, após o acréscimo de 1/4 pela continuidade delitiva.

10. Ordem parcialmente concedida, para redimensionar a pena para 3 anos e 9 meses de reclusão, em que pese o parecer ministerial em sentido contrário.

(HC 109.129/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 15/04/2010, DJe 30/08/2010)



Assim, diante do exposto, considerando a prova oral colhida no curso do feito, bem como o teor dos diversos documentos juntados pelas partes, além dos outros elementos de prova, visando evitar diligências protelatórias, rejeito a preliminar em questão, uma vez que inexiste qualquer nulidade a inquinar o feito, relativa ao indeferimento das pericias reclamadas.

2.2) Do Mérito:

Após analisar as diversas preliminares suscitadas pelos defensores dos acusados, passo à análise das teses meritórias.

Materialidade:

A materialidade delitiva encontra-se demonstrada pelos documentos carreados ao feito, bem como pela prova testemunhal produzida durante a instrução criminal.

Autoria:

Primeiramente, ressalto que, como os acusados agiram no mesmo contexto fático e com o mesmo modus operandi, analisarei conjuntamente a autoria atribuída aos três acusados.

O delito imputado aos denunciados está assim descrito, in verbis:

Decreto-lei nº 201/1967

Art. 1º. São crimes de responsabilidade dos prefeitos municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio;

(...)

§ 1º. Os crimes definidos neste artigo são de ordem pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e os demais, com a pena de detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.



In casu, antes de apreciar o mérito dos fatos em comento, considero pertinente esclarecer alguns pontos relevantes acerca do procedimento para a aquisição de combustível pela Municipalidade.

Como sabido, o Cupom Fiscal é o documento que comprova, efetivamente, a venda de combustível ao adquirente, devendo conter os números das placas e do hodômetro do veículo abastecido, os quais passarão a fazer parte integrante da nota fiscal global.

Por sua vez, a existência de nota fiscal de fornecimento de combustível, por si só, não valida a operação de venda, pois é necessária a existência do cupom fiscal especificando o hodômetro e a placa do veículo abastecido. O cupom fiscal, como já salientado, é o documento hábil para comprovar a efetividade do fornecimento, nos termos legais.

A propósito, visando a demonstrar a imprescindibilidade dos cupons fiscais, peço venia para transcrever o esclarecedor depoimento prestado Auditor Fiscal da Receita Federal, Sr. Paulo Roberto Medeiros Wanderley, quando o mesmo, de forma precisa, afirmou que:

"o documento que comprova o efetivo abastecimento de combustível é o cupom fiscal, pois a bomba de combustível, desde de 2009, é conectada ao emissor de cupom fiscal (ECF). A emissão de nota fiscal, não comprova, por si só, o efetivo fornecimento de combustíveis, devendo estar apoiada nos cupons fiscais emitidos". (fls. 1242/1243).

 

No que concerne às irregularidades imputadas aos acusados, foram apresentadas pelo Ministério Público as seguintes constatações:

  1. Ausência de comprovação do fornecimento de combustíveis;

  2. Excesso no fornecimento de combustíveis em relação a um único veículo no mesmo dia;

  3. Abastecimento de veículos particulares às custas do erário municipal;

  4. Inconformidades nas movimentações de entrada e saída de combustíveis do Posto São Francisco de Pirapora Ltda.

No caso dos autos, após detida análise do amplo acervo probatório existente no feito, bem como das fundamentadas teses aventadas pelas partes, cheguei à conclusão de que os acusados Warmillon F. Braga, Geraldo Irineu dos Santos e Néria Amanda Neta Vieira, de fato, praticaram o crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-Lei 201/67. Explico.

Com efeito, observo que Omar Rogério Barbosa, testemunha arrolada pela defesa, na época responsável pelo controle interno da prefeitura, disse que todos os cupons fiscais ficavam guardados no setor de transportes, bem como que a nota fiscal supria a análise dos referidos cupons, asseverando que:

"(...) a função do depoente é a de, depois do processamento final da despesa, verificar a regularidade de tudo o que foi feito até então; que essa verificação é feita mediante análise de documentação, antes da efetivação do pagamento (...)" "(...) que os cupons fiscais não chegavam às mãos do depoente porque o confronto já havia sido feito pelo setor de transporte e lá conferido, emitindo-se a nota fiscal correspondente; que a nota fiscal devidamente atestada supria a necessidade de análise do cupom fiscal (...)" "(...) que os cupons eram todos guardados pelo setor de transportes, não chegando ao setor do depoente (...)" (fls. 1169/1170). (Grifei).

 

José Miguel de Souza Vieira Filho, servidor público municipal, forneceu relato similar, especificando a precariedade do controle do pagamento de combustíveis pela Prefeitura de Pirapora:

"(...) chegando na garagem, foram atendidos pelo Geraldo, onde ele mostrou os controles que possuía; que o Geraldo mostrou fichas preenchidas à mão, onde ele colocava cada abastecimento referente a cada veículo; que os técnicos do Tribunal viram numa mesa ao lado um maço de cupons, amarrados numa gominha, que conforme constatado pelos técnicos eram referentes aos abastecimentos da secretaria de saúde; que os técnicos perguntaram se havia outros controles referentes a abastecimento, tendo sido mostrado pelo Elias Sacramento a pasta individual de cada veículo, onde havia várias notas de consumo de materiais referentes ao conserto dos veículos, havendo uma pasta individual para cada um dos veículos; que após a inspeção na garagem, os técnicos comentaram com o depoente e com o Geraldo Irineu "que os controles eram falhos, principalmente porque as requisições que iam para o posto usavam um formulário confeccionado pelo próprio posto (...)" "(...) que na visita feita à garagem, quando foi aberto a ficha de controle de veículos, foi detectado o abastecimento de um veículo que não pertencia à prefeitura; que, questionado o senhor Geraldo, ele respondeu que esse veículo pertencia a um prestador de serviços da prefeitura responsável pela coleta de animais mortos na via pública e que esse abastecimento foi em razão de a prefeitura estar inadimplente com o pagamento de serviço; que por conta dessa inadimplência o prestador de serviço disse que só atenderia o chamado da prefeitura se pelo menos houvesse o prévio abastecimento do carro dele, sendo que isso seria compensado em posterior ordem de pagamento pelo serviço (...)" (fls. 1172/1174). (grifei).



Por sua vez, Elias Sacramento dos Santos, Agente Administrativo, relatou sobre o abastecimento de veículos particulares às custas da Prefeitura de Pirapora, in verbis:

"(...) que era possível o abastecimento de automóveis particulares que estivessem a serviço da prefeitura, mediante aquele mesmo procedimento de confirmação frente ao chefe do depoente; que não constava do memorando o motivo que ensejou o abastecimento; que não vinha especificado o serviço que esse carro particular prestaria para a prefeitura (...)" (fls. 1177/1179). (Grifei).



O acusado Geraldo Irineu dos Santos, em juízo, confirmou que o abastecimento de veículos particulares era prática corriqueira na Prefeitura de Pirapora:

"(...) que o depoente chegou a autorizar o abastecimento de veículos particulares, não pertencentes à frota do Município; que esse abastecimento de veículos particulares era possível quando estes estavam a serviço do Município; que o interrogando constatava que o veículo particular estava a serviço do Município através de um memorando apresentado pela Secretaria interessada (...)" (fls. 1195/1198).

 

Por sua vez, o acusado Warmillon Fonseca Braga negou genericamente os fatos descritos na exordial acusatória, alegando ser vítima de perseguição por parte do Ministério Público (fls. 1261/1262).

A testemunha Josino Marques Neto, Auditor Fiscal, prestou depoimento de suma importância para o esclarecimento dos fatos, declarando, com convicção, a existência de irregularidades na aquisição de combustíveis pela Prefeitura Municipal de Pirapora:

"(...) nenhuma das notas fiscais de aquisição de combustíveis pelo município de Pirapora no Posto São Francisco, remetidas pelo TCE à Delegacia Fiscal de Montes Claros, continha informações sobre os cupons fiscais respectivos, pois deveria haver na parte debaixo da nota, no campo " dados adicionais" os números de cada cupom fiscal. Com a análise das notas fiscais referidas, o depoente produziu o quadro de fls. 29 desta CP, demonstrando que houve um lançamento de venda de combustíveis superior à venda total do posto nos meses de maio de 2010 e março de 2011, neste último mês apenas no tocante ao etanol. Quanto ao primeiro quadro de fls. 30 desta CP., o depoente esclarece que não é fácil para um posto vender a mesma quantidade de combustível depois da perda de um grande cliente, ainda mais se tratando de um cliente que adquiria cerca de metade dos combustíveis ali vendidos (...)" "(...) Perguntado ao depoente se tem ocorrido fraudes do mesmo tipo em prefeituras da região, disse que isto ocorre rotineiramente (fls. 1257/1258). (grifei)



E a par da prova oral acusatória ser sintomática no sentido de incriminar os três acusados como descrito na denúncia, também a prova documental, a meu ver, não os favorece.

Nesse sentido a conclusão da inspeção extraordinária realizada na Prefeitura Municipal de Pirapora (fls. 04/12 dos autos nº 0512 13 002562-4), demonstrando que existem fortíssimos indícios de desvio de dinheiro público pelos acusados, conforme detalhada narrativa formulada pelos técnicos do TCE-MG, cuja conclusão entendo pertinente transcrever, in verbis:

"Em razão da inexistência de controle efetivo e da não apresentação dos cupons fiscais relativos ao consumo de combustíveis, bem como pelos diversos indícios de fraude encontrados, conclui-se que o município não comprovou o uso lícito do combustível. Ao contrário, todos os dados levantados indicam ter havido gritante ilicitude nos procedimentos realizados na Prefeitura Municipal de Pirapora, tais como, atendimentos a interesses privados, a exemplo do abastecimento dos veículos particulares, destruição de documentos comprobatórios de abastecimentos, que tenderiam a comprovar mais abastecimentos de veículos particulares e abastecimento de veículo de prestador de serviço.

Diante destas circunstâncias que demonstram desvios, aliado ao fato de o Administrador Público ter a obrigação de comprovar o correto uso dos recursos públicos, deve responder pelo dano ao erário, no montante total de R$ 2.010.421,69, o Prefeito Municipal, Warmillon Fonseca Braga (autoridade contratante e ordenador de despesas). Respondem solidariamente Néria Amanda Neta Vieira (responsável pelas autorizações de abastecimento dos veículos da saúde), Geraldo Irineu dos Santos (Diretor de Transportes, responsável pelas autorizações de abastecimento e liquidante das despesas) e Helen Maria Braga Soares (Chefe de Almoxarifado e liquidante das despesas)". (Grifei)



Assim, a meu ver, restou demonstrado que a Administração Pública local, gerida à época dos fatos pelo acusado Warmillon Fonseca Braga, adquiriu, sem qualquer controle uma grande quantidade de combustível pelo impressionante valor de R$ 2.010.421,69 (dois milhões dez mil quatrocentos e vinte e um reais e sessenta e nove centavos).

Com efeito, resta evidenciada a tipicidade da conduta dos acusados Warmillon F. Braga, Néria Amanda Neta Vieira e Geraldo Irineu dos Santos, uma vez que os mesmos, como responsáveis pela aquisição de combustíveis pela Prefeitura Municipal de Pirapora, participaram e chancelaram o indevido, viciado e equivocado processo de aquisição de combustíveis.

Reitero que a exigência dos cupons fiscais destina-se a evitar contratações desarrazoadas e arbitrárias, como nos casos em que o gestor público adquire combustíveis de forma fraudulenta.

In casu, entendo que a Administração Pública local não se ateve às exigências legais, adquirindo, sem o necessário e indispensável controle, uma enorme quantidade de combustível, o que ocasionou, via de consequência, o desvio de dinheiro público, havendo, assim, subsunção entre a conduta dos acusados os preceitos do art. 1º do Decreto-lei nº 201/1967.

Outrossim, visando demonstrar o desvio de dinheiro público pelos acusados, saliento que os técnicos do Tribunal de Consta do Estado de Minas Gerais, após minucioso trabalho, constataram que diversos veículos foram supostamente abastecidos várias vezes no mesmo dia, com quantidade exorbitante de combustível.

À guisa de exemplo, peço licença para transcrever a tabela demonstrativa da quantidade de combustível "recebida" por cada veículo:

DATA

VEÍCULO / PLACA

QUANTIDADE DE LITROS

Nº DAS FOLHAS NESTES AUTOS

30/06/2010

HNH 0030 - Doblô

405

20/22

04/08/2010

HNH 0030 - Doblô

450

23/25

10/11/10

HNH 0030 - Doblô

400

26/27

07/12/10

HNH 0030 - Doblô

400

28/29

09/12/10

HNH 0030 - Doblô

600

30/32

09/12/10

HMG 2823 - Van

800

33/36

07/01/11

HNH 0030 - Doblô

450

37/38

07/01/11

HMG 4720 - Van

300

39/40

11/02/11

HNH 0030 - Doblô

700

41/44

04/03/11

HNH 0030 - Doblô

500

45/47

09/05/11

HNH 0030 - Doblô

850

48/52

09/05/11

HMG 4720 - Van

300

53/54



Ora, conforme bem salientado pelo TCE-MG, usando-se como exemplo o consumo de 850 litros de gasolina realizado pelo veículo Dôblo, placa HNH 0030, em 9 de maio de 2011, e levando-se em consideração uma distância de 10 KM percorrida com 1 litro de gasolina, o veículo teria percorrido 8500 Km em um mesmo dia. Se considerarmos a velocidade média de 100 KM/H, conclui-se que para consumir o montante de combustível, autorizado pela servidora da Secretaria de Saúde Néria Amanda Neta Vieira, o veículo teria que rodar por 85 horas ininterruptas, ou seja, fica patente a impossibilidade factual do abastecimento em um mesmo dia com 850 litros de gasolina.

A defesa, por sua vez, alega que a referida quantidade de combustível foi utilizada durante um determinado período e não em um único dia. Todavia, não se desincumbiu do ônus de juntar documentos hábeis a comprovar a veracidade da tese sustentada, aptas a desconstruir o raciocínio acima exposto.

Ademais, ainda que a quantidade de combustível informada tivesse, de fato, sido consumida durante vários dias, a regularidade dos abastecimentos somente seria aferida através dos respectivos cupons fiscais. Entretanto, a defesa, apesar da existência de diversos depoimentos confirmando que os referidos cupons são guardados nas dependências da Prefeitura local, bem como que representa ônus exclusivo das partes diligenciar a fim de obter os documentos e informações referentes aos fatos alegados, não juntou aos autos os citados cupons ou mesmo documento atestando o indeferimento do pedido de acesso aos mesmos na via administrativa.

Se não bastassem tais fatos, observo que durante a inspeção extraordinária realizada na Prefeitura local, foi constatado que foram abastecidos veículos não identificados, constando apenas os nomes dos beneficiários, por exemplo, Léo Silveira e Sinvaldo, além da existência de requisições em branco - ausência de data, nome, placa e carro (fls. 09 e 10 dos autos nº 0512 13 002562-4).

Outrossim, observo que as irregularidades mencionadas na denúncia foram confirmadas por várias testemunhas ouvidas no curso do feito, in verbis:

"(...) que nunca prestou qualquer serviço para a Prefeitura Municipal de Pirapora (...)" "(...) que a depoente não tem como explicar porque seu nome e o veículo, cuja placa é idêntica ao seu, consta como abastecido às custas do Município de Pirapora; que acredita terem clonado a placa de seu veículo; que desconhece o Posto São Francisco e seu proprietário, assim como desconhece o Prefeito de Pirapora acima referido, já que nunca esteve em Pirapora, nem seus parentes; que ao receber a intimação é que soube que o Prefeito de Pirapora está sendo investigado por corrupção e a depoente quer frisar que por ele ter utilizado seu nome, indevidamente, só pode ter havido má fé por parte daquele; que ficou muito chateada de ter sido envolvida na investigação em face do Prefeito de Pirapora; que não tem nada a ver com estes fatos e só pode acreditar ter sido utilizado sua placa por terceiros sem seu conhecimento e autorização" (Depoimento prestado pela testemunha Marlene Moreira de Moraes, fl. 107 dos autos nº 0512 13 002562-4). (Grifei)

 

"(...) que nunca prestou serviço para a Prefeitura Municipal de Pirapora; que o declarante não é parente ou amigo de servidor de Pirapora e que não conhece o Prefeito Warmillon Fonseca Braga; que o declarante é proprietário do veículo Corsa, Placa GWA-9110, citado no relatório do TCE; que o declarante afirma que seu veículo nunca foi à Comarca de Pirapora (...)". (Depoimento prestado pela testemunha Nilton Figueiredo de Souza fl. 112 dos autos nº 0512 13 002562-4). (Negritado por este Juízo).



Destarte, como bem salientado pelos Promotores de Justiça, subscritores das alegações finais de fls. 1662/1721, "tais fatos, por si sós, são mais que suficientes para comprovar que as notas fiscais emitidas pelo Posto São Francisco contra a Prefeitura Municipal serviram apenas como eficiente estratégia que possibilitou o desvio de alguns milhões de reais a favor do grupo criminoso liderado pelo ex-prefeito Warmillon Fonseca Braga".

Haja vista tais fatos, e não obstante a alegada ausência de dolo específico, a intenção dos denunciados em praticar o delito está claramente evidenciada.

Consoante se infere do conjunto fático-probatório, resta claro que os acusados, enquanto servidores públicos municipais, tinham pleno conhecimento das irregularidades ocorrentes e foram com elas coniventes, o que também se denota pelas circunstâncias em que foram supostamente adquiridos os combustíveis.

Assim, completamente isolada e inverossímil as teses trazidas pelos defensores, de negativa de autoria e de responsabilidade objetiva.

No que tange à responsabilidade do acusado Warmilon Fonseca Braga, a negativa da prática de crime não pode ser aceita como justificativa para inocentá-lo, especialmente no presente caso, em que o acusado era o próprio Prefeito Municipal, responsável direto pela gestão do orçamento e controle dos gastos, o qual, ao se candidatar ao cargo eletivo, reputou-se competente para o exercício da chefia do executivo municipal, além do que é tido como um empresário bem sucedido e proprietário, inclusive, de postos de combustíveis, portanto, conhecedor das regras mercantis referentes à compra e venda de combustíveis.

Note-se, ademais, que segundo o artigo 21, parágrafo único (erro sobre a ilicitude do fato), do Código Penal, ninguém pode alegar o desconhecimento da lei, sendo essa conduta inescusável, não sendo apta a excluir a culpabilidade, pois, presente um mínimo de empenho, o delito certamente teria sido evitado.

Assim, agiu o acusado com má-fé ao chancelar o procedimento de aquisição de combustível pela Prefeitura de Pirapora, deixando de observar as formalidades necessárias ao presente caso, ignorando-se os princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade, não havendo que se falar em atipicidade de conduta.

Em caso análogo, ao enfrentar a questão, já foi decidido pela responsabilidade penal do agente. Vejamos:

AÇÃO PENAL - PREFEITO E FUNCIONÁRIO DE EMPRESA PRIVADA -- CRIMES DE RESPONSABILIDADE - DESVIO DE RENDAS PÚBLICAS EM CONCURSO DE PESSOAS - FRAUDE À LICITAÇÃO - UTILIZAÇÃO DE NOTAS FISCAIS FALSAS - PAGAMENTO DE MERCADORIAS NÃO RECEBIDAS - DESPESA ORDENADA SEM PRÉVIO EMPENHO - ARTIGO 1º, INCISOS I e V DO DECRETO-LEI Nº 201/67 - ARTIGO 304 DO CÓDIGO PENAL - CONCURSO MATERIAL - PROVA CONDENATÓRIA FIRME E SEGURA - PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA - EFEITO DA CONDENAÇÃO - INABILITAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA POR TRÊS ANOS - APENAMENTO - REGIME PRISIONAL - COMUNICAÇÃO AO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL - RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA EM RELAÇÃO AO CRIME APENADO COM DETENÇÃO - MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA, DE OBRIGATÓRIO - ARTIGOS 107, INCISO IV, 109, INCISO VI E 110, §§ 1º E 2º, DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. (TJPR, 1ª CCr., Ação Penal 68930-3, Rel. Des. CLOTÁRIO PORTUGAL NETO, j. 14/08/03, DJ 6445).



Igualmente, os acusados Geraldo Irineu dos Santos (Diretor de Transportes da Prefeitura de Pirapora) e Néria Amanda Neta Vieira (responsável pela autorização de abastecimento dos veículos da frota municipal) participaram ativamente do iter criminis do crime sub judice, uma vez que cabia aos mesmos oferecer os instrumentos e as condições necessárias e imprescindíveis para viabilizar a prática do crime em comento.

Tem-se que as atividades conscientemente criminosas assumidas pelos denunciados Geraldo e Néria foram determinantes para o sucesso da empreitada criminosa, sendo tal fato destacado, inclusive, pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, conforme relatório juntado ao feito em apenso, cuja conclusão sugere que

"(...) deve responder pelo dano ao erário, no montante total de R$ 2.010.421,69, o Prefeito Municipal, Warmillon Fonseca Braga (autoridade contratante e ordenador de despesas). Respondem solidariamente Néria Amanda Neta Vieira (responsável pelas autorizações de abastecimento dos veículos da saúde), Geraldo Irineu dos Santos (Diretor de Transportes, responsável pelas autorizações de abastecimento e liquidante das despesas) (...)". (fls. 04/12 dos autos nº 0512 13 002562-4).

 

Ademais, com relação à possibilidade de se imputar aos acusados Geraldo e Néria a prática de crime previsto no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67, saliento que inexiste qualquer ilegalidade, tendo em vista que a possibilidade de se condenar o partícipe (art. 29, do CP) em delitos de mão própria, adotada que foi a Teoria Monista pela sistemática processual penal brasileira.

Merece colação ementa de pertinente julgado do E. Tribunal de Justiça Paulista, in verbis:

HABEAS CORPUS - CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - AÇÃO PENAL - TRANCAMENTO - DESCABIMENTO - A Denúncia descreve condutas típicas que reclamam efetiva apuração em processo criminal com observância dos ditames da ampla defesa e do contraditório - Matéria de mérito, exigindo exame aprofundado de provas, inviável nos estreitos limites deste remédio constitucional - Delito praticado em coautoria - Imputação da norma ao particular Circunstância pessoal da titularidade de cargo público que se comunica - Autos que aguardam manifestação do Ministério Público acerca das preliminares arguidas pela Defesa - CONSTRANGIMENTO ILEGAL - INEXISTÊNCIA - ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA” (15ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Des. Amado de Faria, habeas corpus n.º 0031056-71.2011.8.26.0000, j. 06.06.2011).



Nesse passo, a meu juízo, encontra-se plenamente evidenciado o prejuízo aos cofres públicos da Municipalidade, pelo que acato a pretensão ministerial em relação ao crime previsto no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67.

No que tange ao acusado Warmillon Fonseca Braga, reconheço a incidência das agravantes previstas no art. 62, I e II, do Código Penal, uma vez que o mesmo, na condição de Prefeito Municipal, comandava, organizava e facilitava a prática do crime sub judice, sendo o líder do esquema criminoso que desfalcou os cofres públicos municipais, o que enseja a incidência das agravantes em comento.

Por fim, tendo em vista que inexistem elementos seguros para afirmar o número exato de crimes praticados pelos acusados, bem como a existência de regularidade temporal, deixo de reconhecer a tese da continuidade delitiva.

Destarte, comprovadas a materialidade e autoria do delito e não havendo causas de exclusão de tipicidade, ilicitude ou culpabilidade que militem em favor dos acusados Warmillon F. Braga, Geraldo Irineu dos Santos e Néria Amanda Neta Vieira, a condenação dos mesmos é medida que se impõe.

Analisados todos os pontos relevantes referentes às condutas típicas dos denunciados, passo à conclusão.



  1. CONCLUSÃO



À vista do acima lançado e de tudo o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva contida na denúncia oferecida pelo Ministério Público para o fim de SUBMETER os acusados Warmillon Fonseca Braga, Geraldo Irineu dos Santos e Néria Amanda Neta Vieira às disposições contidas no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67.

Nos termos do art. 5º, XLVI, da Constituição da República e atento ao disposto nos artigos 59 e 68 do Código Penal, passo à dosimetria da pena.



3.1) Acusado Warmillon Fonseca Braga

A culpabilidade do acusado, a meu ver, deve ser considerada desfavorável, sendo a reprovabilidade da conduta explicitada na vasta experiência como administrador público, a demonstrar que possuía ele maior ciência das possíveis consequências que poderiam advir dos atos por ele praticados, e que acabaram por efetivamente causar prejuízos à administração pública local.

O acusado possui bons antecedentes, uma vez que, apesar de já ter sido condenado anteriormente em primeiro grau, inexiste condenação transitada em julgado em desfavor do mesmo.

A conduta social do acusado deve ser considerada negativa, tendo em vista a existência de um número assustador de feitos (aproximadamente cem processos judiciais) por improbidade administrativa, além de vários processos criminais que tramitam nesta Comarca de Pirapora, o que demonstra a conduta social inadequada do denunciado.

A personalidade do acusado deve ser considerada boa, ante a falta de elementos em contrário nos autos.

No que toca aos motivos do crime, entendo que são desfavoráveis ao denunciado, tendo em vista que as razões que levaram a prática do crime, tendo o acusado agido para satisfazer interesses pessoais em detrimento do interesse público.

As circunstâncias do crime são as próprias dos delitos desta natureza.

No que toca às consequências do crime, a meu juízo, as mesmas são extremamente negativas, na medida em que que ação do acusado gerou consequências nefastas para a população local, causando verdadeira devastação no seio da sofrida sociedade piraporense. Os crimes praticados pelo denunciado contribuem para que hospitais passem a funcionar de maneira insatisfatória, obras deixem de ser realizadas, bem como para que a parte da população passe por toda sorte de restrições, o que enseja uma reposta enérgica do Poder Judiciário.

Quanto ao comportamento da vítima, entendo que esta em nada interferiu na prática do delito, já que se trata da coletividade.

Tendo em vista as circunstâncias judiciais acima mencionadas, fixo a pena-base em 06 (seis) anos de reclusão.

Na segunda fase de aplicação da pena, não vislumbro a incidência de atenuantes. Presente, contudo, as agravantes previstas no art. 62, incs. I e II, do Código Penal, motivo pelo qual aumento a pena em 1/6 (um sexto) e fixo a pena intermediária em 07 (sete) anos de reclusão.

Na terceira fase de aplicação da reprimenda, não vislumbro a incidência de causas de aumento ou diminuição de pena, pelo que mantenho a pena definitiva em 07 (sete) anos de reclusão.

A pena deverá ser cumprida inicialmente em regime semiaberto, tendo em vista o quantum da reprimenda, adequada ao disposto no art. 33, §2º, b, do Código Penal.

Diante do quantum da pena, deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, bem como de suspender sua execução, o que faço embasado nos artigos 44, I, e 77, caput, ambos do Código Penal.

Com relação à detração penal (art. 387, §2º, do CPP), verifico que o acusado permaneceu preso processualmente entre o dia 03/01/2014 (fl. 1075) e o dia 19/05/2014 (fl. 1650), perfazendo 04 (quatro) meses e 16 (dezesseis) dias de prisão cautelar. Assim, considerando o tempo de prisão provisória, promovo a detração de 04 (quatro) meses e 16 (dezesseis) dias de pena, restando ao acusado o cumprimento de 06 (seis) anos, 07 (sete) meses e 14 (quatorze) dias de reclusão. Percebe-se, pois, que ainda não decorreu prazo suficiente para progressão, razão pela qual deverá o denunciado prosseguir no cumprimento da pena em regime semiaberto.

Quanto à possibilidade de apelar em liberdade, nego-a ao sentenciado Warmillon Fonseca Braga. É que o acusado Warmillon F. Braga responde pela prática de crime gravíssimo, de modo que a gravidade concreta da conduta traduz suficiente segurança para que, em nome da garantia da ordem pública, seja decretada a sua custódia preventiva. Outrossim, a meu Juízo, a colocação do acusado em liberdade poderá dar motivo a novos crimes, bem como causar repercussão danosa no meio social, sendo a custódia cautelar necessária para resguardar a ordem pública. Cumpre ressaltar, por oportuno, que o acusado Warmillon foi apenado com pena privativa de liberdade superior a quatro anos, há prova concreta da materialidade e da autoria, sendo, portanto, plausível a decretação da prisão preventiva, com fulcro nos artigos 312 e 313, incisos I e II, ambos do CPP. Conceder o direito a aguardar o julgamento em liberdade, a meu ver, seria um contrassenso, pois, tendo permanecido preso durante parte do processo, quando somente existiam indícios de autoria e materialidade, não pode agora, após a apuração dos fatos, sobrevindo sentença condenatória, permitir que recorra em liberdade.

Com efeito, entendo presentes os requisitos ensejadores da custódia cautelar do acusado, baseado em provas de envolvimento no crime denunciado, com aferição da necessidade de aprisionamento provisório do mesmo. A custódia cautelar, in casu, visa a prevenir risco futuro, em relação à ordem pública e à aplicação da lei penal, não podendo a sociedade permanecer à mercê de pessoas que se revelam perigosas e predispostas à prática de infrações penais.

Ademais, saliento que o fato de a custódia cautelar ter sido decretada na sentença condenatória, por si só, não descaracteriza a sua necessidade, pois amparada em fatos concretos, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.

A propósito, confira-se a jurisprudência do egrégio STJ:

CRIMINAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA NA SENTENÇA. RÉU QUE PERMANECEU SOLTO DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL.

POSSIBILIDADE. REITERAÇÃO DELITIVA. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA EM GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.

I. A prisão preventiva pode ser decretada mesmo em sede de sentença, não caracterizando afronta ao princípio constitucional da inocência, desde que o decreto esteja devidamente motivado.

II. A reiteração de condutas criminosas, o que denota a personalidade voltada para a prática delitiva do réu, obsta a revogação da medida constritiva para garantia da ordem pública.

III. Hipótese em que o paciente teria praticado a conduta a ele imputada enquanto cumpria pena em regime intermediário, sendo que existem outros processos em curso em seu desfavor, nos quais são apurados supostos crimes símiles ao que ensejou a propositura da ação penal em comento.

IV. Ordem denegada, nos termos do voto do Relator.

(HC 181.897/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 04/11/2010, DJe 22/11/2010)

 

Não fosse somente isso, é de se ter presente a gravidade concreta dos fatos imputados ao acusado que liderava, juntamente com alguns comparsas, o "esquema" organizado com o objetivo de desviar rendas públicas do sofrido município de Pirapora.

Chama a atenção, ainda, a informação de que Warmillon Fonseca Braga já foi condenado em outros dois processos criminais, sendo apenado com aproximadamente 25 (vinte e cinco) anos de prisão, pela prática dos mais variados crimes.

Assim, tendo em vista as circunstâncias que envolveram o delito, e principalmente por não ser este um fato isolado na vida do acusado, que delinquiu reiteradas vezes durante o período em que esteve solto, entendo que sua prisão cautelar se encontra devidamente justificada.

Outrossim, acrescento que a simples manutenção da liberdade durante parte da instrução criminal não vincula e nem constitui qualquer óbice a que seja decretada a prisão preventiva por ocasião da condenação (art. 316 do CPP), sobretudo quando presentes elementos contundentes que demandam a constrição (art. 312 do CPP), como no caso dos autos, devendo ser lembrado que o acusado foi beneficiado com o relaxamento de prisão por excesso de prazo, não se questionando a incidência dos requisitos da prisão preventiva.

Por fim, saliente-se que primariedade, bons antecedentes, residência fixa no distrito da culpa e emprego lícito não são circunstâncias aptas a infirmarem os fundamentos apresentados para decretar a segregação cautelar do sentenciado.

Nesse sentido:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES.

LIBERDADE PROVISÓRIA. VEDAÇÃO IMPOSTA PELA CONSTITUIÇÃO, PELO ART.

2º, INCISO II, DA LEI 8.072/90 E PELO ART. 44 DA LEI 11.343/06.

DESPROPORCIONALIDADE DA CUSTÓDIA CAUTELAR EM FACE DE EVENTUAL CONDENAÇÃO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPROPRIEDADE DA VIA.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA.

1. O inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal estabelece que o crime de tráfico ilícito de entorpecentes é inafiançável. Não sendo possível a concessão de liberdade provisória com fiança, com maior razão é a não-concessão de liberdade provisória sem fiança.

2. A legislação infraconstitucional (art. 2º, II, da Lei 8.072/90 e art. 44 da Lei 11.343/06) também veda a liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico ilícito de entorpecentes.

3. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a vedação legal é fundamento suficiente para o indeferimento da liberdade provisória (HC 76.779/MT, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ 4/4/08). No mesmo sentido: STF, HC 93.302/SP, Rel. Min.

CÁRMEN LÚCIA, DJ 9/5/08 (Informativo 499 do Supremo Tribunal Federal).

4. Eventuais condições favoráveis ao paciente – tais como a primariedade, bons antecedentes, família constituída, emprego e residência fixa – não são suficientes para autorizar a liberdade provisória, notadamente quando há vedação legal à sua concessão.

5. A prisão cautelar decorrente da imputação pela prática dos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e de associação para o tráfico (arts. 33, caput, e 35, caput, da Lei 11.343/06) não se mostra desproporcional, tendo em vista que esses delitos são apenados, em abstrato, com até 15 e 10 anos de reclusão, respectivamente, não sendo possível, nesse momento, fazer ilações sobre a perspectiva de pena in concreto, uma vez que a fixação do regime prisional decorre da ponderação dos elementos de prova a serem produzidos na instrução criminal.

6. Ordem denegada.

(HC 81.515/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 07/10/2008, DJe 03/11/2008)

 

Assim, diante do exposto, decreto a prisão preventiva do acusado Warmillon Fonseca Braga, e, via de consequência, indefiro ao mesmo o direito de recorrer em liberdade.

Expeça-se mandado de prisão, constando como prazo de validade o prazo prescricional da pena aplicada, in casu, 12 anos.

Independentemente do trânsito em julgado, com fundamento no verbete da Súmula nº. 716, do Supremo Tribunal Federal, extraia-se carta de guia para a execução provisória da pena e remeta-se à execução penal.

Recomendo o acusado na prisão em que se encontra.



3.2) Acusado Geraldo Irineu dos Santos

A culpabilidade do acusado, expressada pela reprovabilidade de sua conduta, não extrapolou a censurabilidade do próprio tipo penal, razão pela qual não considero desfavorável esta circunstância.

O acusado possui bons antecedentes, sendo tecnicamente primário.

Não há nos autos qualquer evidência da conduta social do acusado, se positiva ou negativa, razão por que tal circunstância não pode ser valorada para fins de recrudescimento da pena-base.

A personalidade do acusado deve ser considerada boa, ante a falta de elementos em contrário nos autos.

No que toca aos motivos do crime, como salientando quando da dosimetria da pena do acusado Warmillon, são desfavoráveis ao denunciado, tendo em vista que as razões que levaram a prática do crime, tendo o acusado agido para satisfazer interesses pessoais em detrimento do interesse público.

As circunstâncias do crime são as próprias dos delitos desta natureza.

No que toca às consequências do crime, entendo que as mesmas são negativas, na medida em que que ação do acusado contribuiu para o agravamento da situação social da sofrida cidade de Pirapora. Como já salientado, o crime praticado pelo denunciado contribui para que hospitais passem a funcionar de maneira precária, obras deixem de ser realizadas, bem como para que a parte da população passe por diversas necessidades.

Quanto ao comportamento da vítima, entendo que esta em nada interferiu na prática do delito, já que se trata da coletividade.

Tendo em vista as circunstâncias judiciais desfavoráveis acima mencionadas, fixo a pena-base em 04 (quatro) anos de reclusão.

Na segunda fase de aplicação da pena, não vislumbro a incidência de atenuantes ou agravantes, motivo pelo qual mantenho a pena intermediária em 04 (quatro) anos de reclusão.

Igualmente, na terceira fase de aplicação da reprimenda, não vislumbro a incidência de causas de aumento ou diminuição de pena, pelo que fixo a pena definitiva em 04 (quatro) anos de reclusão.

A pena deverá ser cumprida inicialmente em regime aberto, tendo em vista o quantum da reprimenda aplicada, na forma do art. 33, §2º, c, do Código Penal.

Presentes os requisitos objetivos e subjetivos que autorizam a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do artigo 44, § 2º, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade aplicada por duas penas restritivas de direitos, sendo:

  1. Prestação pecuniária, no valor de quatro salários mínimos, em benefício de entidade a ser designada por ocasião da audiência admonitória.

  2. Prestação de serviços à comunidade pelo prazo de 04 (quatro) anos, à razão de 01 (uma) hora de serviço por dia de condenação, em local a ser determinado por ocasião da audiência admonitória.

Na hipótese de não cumprimento, a pena substituinte converter-se-á em pena privativa de liberdade (§ 4º do artigo 44, do Código Penal), fixado o regime aberto para início de cumprimento, suficiente para prevenção e repressão do delito, com fundamento no §2º, letra “c”, do artigo 33, do Código Penal.

Concedo ao acusado o direito de recorrer em liberdade, uma vez que o mesmo permaneceu solto durante a instrução criminal e não se encontram presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva.



3.3) Acusada Néria Amanda Neta Vieira

A culpabilidade da acusada, expressada pela reprovabilidade de sua conduta, não extrapolou a censurabilidade do próprio tipo penal, razão pela qual não considero desfavorável esta circunstância.

A acusada possui bons antecedentes, sendo tecnicamente primária.

Não há nos autos qualquer evidência da conduta social da acusada, se positiva ou negativa, razão por que tal circunstância não pode ser valorada para fins de recrudescimento da pena-base.

A personalidade da acusada deve ser considerada boa, ante a falta de elementos em contrário nos autos.

No que toca aos motivos do crime, como salientando quando da dosimetria da pena do acusado Warmillon são desfavoráveis, tendo em vista que as razões que levaram a prática do crime, tendo a acusada agido para satisfazer interesses pessoais em detrimento do interesse público.

As circunstâncias do crime são as próprias dos delitos desta natureza.

No que toca às consequências do crime, entendo que as mesmas são negativas, na medida em que que ação da acusada contribuiu para o agravamento da situação social da sofrida cidade de Pirapora. Como já salientado, o crime praticado pela denunciada contribui para que hospitais passem a funcionar de maneira precária, obras deixem de ser realizadas, bem como para que a parte da população passe por diversas necessidades.

Quanto ao comportamento da vítima, entendo que esta em nada interferiu na prática do delito, já que se trata da coletividade.

Tendo em vista as circunstâncias judiciais acima mencionadas, fixo a pena-base em 04 (quatro) anos de reclusão.

Na segunda fase de aplicação da pena, não vislumbro a incidência de atenuantes ou agravantes, motivo pelo qual mantenho a pena provisória em 04 (quatro) anos de reclusão.

Igualmente, na terceira fase de aplicação da reprimenda, não vislumbro a incidência de causas de aumento ou diminuição de pena, pelo que fixo a pena definitiva em 04 (quatro) anos de reclusão.

A pena deverá ser cumprida inicialmente em regime aberto, tendo em vista o quantum da reprimenda aplicada, na forma prevista no art. 33, §2º, c, do Código Penal.

Presentes os requisitos objetivos e subjetivos que autorizam a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do artigo 44, § 2º, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade aplicada por duas penas restritivas de direitos, sendo:

  1. Prestação pecuniária, no valor de quatro salários mínimos, em benefício de entidade a ser designada por ocasião da audiência admonitória.

  2. Prestação de serviços à comunidade pelo prazo de 04 (quatro) anos, à razão de 01 (uma) hora de serviço por dia de condenação, em local a ser determinado por ocasião da audiência admonitória.

Na hipótese de não cumprimento, a pena substituinte converter-se-á em pena privativa de liberdade (§ 4º do artigo 44, do Código Penal), fixado o regime aberto para início de cumprimento, suficiente para prevenção e repressão do delito, com fundamento no §2º, letra “c”, do artigo 33, do Código Penal.

Concedo à acusada ao direito de recorrer em liberdade, uma vez que a mesma permaneceu solta durante a instrução criminal e não se encontram presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva.

3.4) Disposições comuns a todos os acusados

Condeno os acusados ao pagamento das custas processuais, na proporção de 33,33 % (trinta e três virgula trinta e três por cento) para cada um, nos termos do artigo 804, do Código de Processo Penal.

Transitada em julgado a sentença:

a) Expeça-se guia de execução definitiva;

b) Oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral para os fins do artigo 15, III, da Constituição da República;

c) Providencie a secretaria o lançamento dos nomes dos acusados no rol dos culpados, preenchendo-se ainda o boletim individual, com remessa ao Instituto de Identificação para as anotações de estilo (art. 809, § 3º, do CPP);

d) Declaro a suspensão dos direitos políticos dos sentenciados, em virtude de condenação criminal, enquanto durarem seus efeitos, nos termos do art. 15, III da Constituição da República;

e) Declaro, também, a perda e a inabilitação, pelo prazo de 05 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eleito ou de nomeação, nos termos do art. 1º, § 2º, do Dec-Lei 201/67.

P.R.I.C.

Pirapora, 30 de outubro de 2014.

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Dimas Ramon Esper

Juiz de Direito Substituto