Comarca de Alto Rio Doce - MG
Vara Única
Processo nº : 0021 11 000854-3
Natureza : Ação Civil de Improbidade Administrativa
Autor : Ministério Público do Estado de Minas Gerais
Réus : Wilson Teixeira Gonçalves Filho e outros
S E N T E N Ç A
Vistos, etc.
MUNICÍPIO DE ALTO RIO DOCE, já qualificado nos autos,
ajuizou a presente AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA contra
WILSON TEIXEIRA GONÇALVES FILHO, CAROLINA ROBERTA MOTTA
RIBEIRO, ROBERTO XAVIER RIBEIRO e JUSCELINO DA SILVA AMARAL -
ME, também qualificados, alegando, em síntese, que Wilson Teixeira
Gonçalves Filho, na qualidade de Prefeito do Município de Alto Rio Doce,
contratou, para a “Festa do Peão Boiadeiro”, no ano de 2006, a empresa
Pedro Amesteli Eventos Ltda, por inexigibilidade de licitação (n. 03/2006),
através do processo n. 048/2006, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais),
mediante crédito financeiro previsto na Lei Municipal n. 447/2006. Assere que,
da mesma forma, o então Prefeito, Wilson Teixeira Gonçalves Filho, contratou
novamente, em 2007, para a “Festa do Peão Boiadeiro”, a empresa Pedro
Amesteli Eventos Ltda, por inexigibilidade de licitação (n. 04/2007), processo n.
40/2007, pagando, desta vez, a quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais),
mediante crédito aprovado pela Lei Municipal n. 465/2007. Afirma que, mesmo
sendo a empresa Pedro Amesteli Eventos Ltda a responsável pelos serviços
prestados ao respectivo evento durante referidos anos, houve o cercamento da
área, a contratação de seguranças, a exploração de espaço no parque para a
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venda de alimentos e bebidas e a cobrança de ingressos pelos réus Roberto
Xavier Ribeiro e Carolina Roberta Motta Ribeiro, sob a aquiescência do então
alcaide, sem que houvesse qualquer ato administrativo autorizando. Assevera
que o lucro oriundo da exploração do espaço e da cobrança dos ingressos não
foi revertido em favor do Ente. Propala que referida prestação de serviços pelos
réus Roberto e Carolina se deu através da empresa Karol Motta Produções e
Eventos, a qual, data vênia, só foi criada em 2008. Aduz que no ano de 2008, o
então Prefeito e réu, Wilson Teixeira Gonçalves Filho, visando promover a
“Festa do Peão Boiadeiro”, contratou a empresa Karol Motta Produções e
Eventos, agora no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais). Propala que
referida verba foi liberada através da Lei Municipal n. 482, sancionada em 30
de outubro de 2008, quando o evento ocorreu nos dias 17 a 19 de outubro de
2008, em data, pois, posterior a ele. Salienta que a festa foi interrompida no
segundo dia, em decorrência de um “forte temporal”, conquanto, os réus,
Roberto e Carolina, não satisfeitos, valeram-se do show da dupla “Fred e
Paulinho”, que aconteceria neste segundo dia, de forma privada, em um bar da
localidade central daquela urbe. Revela que mesmo não acontecendo a festa
nos dias 17, 18 e 19 de outubro houve o uso integral dos recursos públicos
disponibilizados, inclusive para o gozo do show da dupla “Fred e Paulinho”, que
se deu de forma privada, tudo isso em favor do réu Juscelino da Silva Amaral –
ME, sem que houvesse qualquer licitação ou contrato autorizando. Afirma que
ocorreram ilegalidades que afrontaram os princípios da Administração Pública e
causaram graves prejuízos ao Erário. Requer a concessão de liminar para
bloquear e indisponibilizar os bens dos réus, bem como a quebra do sigilo
bancário dos mesmos. Por fim, pugna pela condenação dos réus Wilson
Teixeira Gonçalves Filho, Roberto Xavier Ribeiro, Carolina Roberta Motta
Ribeiro e Juscelino da Silva Amaral – ME nas sanções do artigo 12, incisos I, II
e III, da Lei n. 8.429/92, por incidirem nas iras dos artigos 9º, inciso IV, 10,
incisos II, XI e XII, e 11, do mesmo diploma legal.
Instruiu a inicial com os documentos de ff. 27/235, dos autos.
A decisão de ff. 236/238 indeferiu o pedido liminar e determinou a
notificação dos réus para apresentarem defesa preliminar.
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Roberto Xavier Ribeiro e Carolina Roberta Motta Ribeiro, em suas
prévias defensivas, alegaram, preliminarmente, continência ou litispendência,
ilegitimidade passiva e inépcia. No mérito, alegaram a inexistência de
ilegalidade lato sensu, aduzindo que a prestação de serviços à “Festa do Peão
Boiadeiro” se deu através da Lei Estadual n. 17.615/08. Afirmaram que, de fato,
não existia a suposta sociedade empresária Karol Motta Produções e Eventos
quando da produção dos eventos, sendo certo que a prestação dos serviços se
deu através de pessoa física (ao invés de jurídica), na figura Carolina Roberta
Mottta Ribeiro, o que é lícito. Defenderam que não houve o uso indevido do
bem público na produção do evento, afirmando que, caso quiser, poderá ser
requisitado ao Ente os alvarás e o respectivo contrato. Asseveraram que não
obstante as verbas estaduais destinadas à realização dos eventos, todos eles,
com prévia antecedência, tiveram créditos autorizados por lei municipal para a
sua promoção. Afirmaram que a lei municipal que autorizou o crédito para a
realização da festa de 2008, de fato, é posterior ao próprio evento, contudo, a
verba só foi liquidada após a sua criação, o que atesta a “licitude constitucional”
do gasto. Argumentaram que a ausência de competição para a prestação dos
serviços culminou na impossibilidade de licitar, sendo perfeitamente lícito ao
agente público, então, fazer o repasse da verba na forma direta. Sustentaram
que não há qualquer lesividade nos atos descritos, eis que não houve prejuízo
ao Ente e, inclusive, tiveram de investir e, portanto, arcar, com gastos muito
maiores. Aduziram que houve autorização para o uso do bem público.
Revelaram que em sendo impossível a realização do show da dupla sertaneja
“Fred e Paulinho”, em 2008, os mesmos se disponibilizaram para participar da
festa do ano seguinte abrindo mão de metade do valor. Aduziram que também
não se faz presente prova de que tenham agido com má-fé e dolo, como requer
a norma. Requereram o acolhimento das preliminares ou, no mérito, o não
recebimento da exordial (ff. 275/312 e 313/346, respetivamente).
Instruíram a defesa com os documentos de ff. 347/464, dos autos.
O réu, Wilson Teixeira Gonçalves Filho, por sua vez, também
apresentou defesa, alegando, preliminarmente, a carência da ação por
impossibilidade jurídica do pedido, tanto por inconstitucionalidade da lei de
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improbidade como pela inaplicabilidade de referida lei a agente políticos, e por
falta de interesse processual, bem como aventou a inépcia parcial da exordial.
No mérito, sustentou que não houve qualquer irregularidade na terceirização da
“Festa do Peão Boiadeiro” para a ré Carolina Roberta Motta Ribeiro, produtora
que investiu vultuosa quantia em dinheiro no evento. Argumentou que houve
autorização para utilização do bem público a referida particular, meio pelo qual
se desobrigou a administração de licitar, não exigiu lei em sentido estrito
autorizando e prescindiu, pois, de instrumento formal próprio, sendo um ato,
seu, amplamente discricionário. Asseriu que a administração apenas ajudou
com a contratação, mediante inexigibilidade, das empresas Pedro Amesteli
Eventos Ltda (em 2006 e 2007) e Juscelino da Silva Amaral – ME (em 2008),
visando exclusivamente estruturar fisicamente o evento, não havendo qualquer
ilegalidade neste quesito. Afirmou que em 2008, em razão do forte temporal, o
evento foi cancelado e o pagamento pelos serviços, de fato, foi efetuado, eis
que já o haviam sido prestados. Asseverou também que os valores
despendidos a título de ingresso foram devidamente restituídos à população e
que o suposto show da dupla sertaneja “Fred e Paulinho”, em um bar local, é
objeto estranho aos autos. Propalou que não houve enriquecimento ilícito,
lesão ao erário ou ofensa aos princípios da administração, não tendo o autor
conseguido demonstrar o elemento volitivo de sua conduta. Requereu o
acolhimento das preliminares ou, no mérito, a rejeição da exordial (ff. 466/497).
Impugnação pelo autor às ff. 498/502, dos autos.
A decisão de f. 535 recebeu a inicial e determinou a citação dos
réus.
O réu, Wilson Teixeira Gonçalves Filho, apresentou contestação,
alegando, nos mesmos termos de sua peça de defesa, preliminarmente, a
carência da ação por impossibilidade jurídica do pedido, tanto por
inconstitucionalidade da lei de improbidade como pela inaplicabilidade de
referida lei a agente políticos, e por falta de interesse processual, bem como
aventou a inépcia parcial da exordial. No mérito, sustentou que não houve
qualquer irregularidade na terceirização da “Festa do Peão Boiadeiro” para a ré
Carolina Roberta Motta Ribeiro, produtora que investiu vultuosa quantia em
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dinheiro no evento. Argumentou que houve autorização para utilização do bem
público a referida particular, meio pelo qual se desobrigou a administração de
licitar, não exigiu lei em sentido estrito autorizando e prescindiu, pois, de
instrumento formal próprio, sendo um ato, seu, amplamente discricionário.
Asseriu que a administração apenas ajudou com a contratação, mediante
inexigibilidade, das empresas Pedro Amesteli Eventos Ltda (em 2006 e 2007) e
Juscelino da Silva Amaral – ME (em 2008), para estruturar fisicamente o
evento, não havendo qualquer ilegalidade neste quesito. Afirmou que em 2008,
em razão do forte temporal, o evento foi cancelado e o pagamento pelos
serviços, de fato, foram efetuados, eis que já o haviam sido prestados.
Asseverou também que os valores despendidos a título de ingresso foram
devidamente restituídos à população e que o suposto show da dupla sertaneja
“Fred e Paulinho”, em um bar local, é objeto estranho aos autos. Propalou que
não houve enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou ofensa aos princípios da
administração, não tendo o autor conseguido demonstrar o elemento volitivo da
sua conduta. Requereu o acolhimento das preliminares ou, no mérito, a
improcedência dos pedidos iniciais (ff. 561/586).
Os réus, Roberto Xavier Ribeiro e Carolina Roberta Motta Ribeiro,
por sua vez, em suas peças contestativas, alegaram, preliminarmente,
incapacidade processual, irregularidade na representação do autor, ausência
de pressuposto válido e regular do processo, coisa julgada, ilegitimidade ativa,
ilegitimidade passiva, litispendência, conexão, inépcia da exordial e
impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, nos mesmos termos de suas
defesas preliminares, alegaram a inexistência de ilegalidade lato sensu,
aduzindo que a prestação de serviços à “Festa do Peão Boiadeiro” se deu
através de patrocínio, ocorrendo a autorização para uso do bem. Afirmaram
que, de fato, não existia a suposta sociedade empresária Karol Motta
Produções e Eventos quando da produção dos eventos, sendo certo que a
prestação dos serviços se deu através de pessoa física (ao invés de jurídica),
na figura Carolina Roberta Mottta Ribeiro, o que é lícito. Asseveraram que não
obstante as verbas estaduais (Lei 17.615/08) destinadas à realização dos
eventos, todos eles, com prévia antecedência, tiveram créditos autorizados por
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lei municipal para a sua promoção. Afirmaram que a lei municipal que autorizou
o crédito para a realização da festa de 2008, de fato, é posterior ao próprio
evento, contudo, a verba só foi liquidada após a sua criação, o que atesta a
“licitude constitucional” do gasto. Argumentaram que a ausência de competição
para a prestação dos serviços culminou na impossibilidade de licitar, sendo
perfeitamente lícito ao alcaide, então, fazer o repasse da verba na forma direta.
Sustentaram que não há qualquer lesividade nos atos descritos, eis que não
houve prejuízo ao Ente e, inclusive, tiveram de investir e, portanto, arcar, com
gastos muito maiores. Defenderam que as bandas que não puderam prestar os
shows no ano de 2008 acordaram de, no ano seguinte, prestá-lo de forma
gratuita. Aduziram inexistir prova de que tenham agido com má-fé e dolo,
lesando o erário, como requer a norma. Requereram o acolhimento das
preliminares ou, no mérito, a improcedência dos pedidos exordiais (ff. 602/632).
Juntaram os documentos de ff. 633/752, dos autos.
O Município de Alto Rio Doce foi substituído pelo Ministério
Público do Estado de Minas Gerais no polo ativo da presente ação, conforme
decisão de f. 757, dos autos, eis que o réu Wilson Teixeira Gonçalves Filho foi
novamente eleito Prefeito Municipal.
O réu, Juscelino da Silva Amaral – ME, mesmo devidamente
citado (f. 547), não apresentou defesa, quedando-se silente.
Impugnação pelo Parquet às ff. 760/768, dos autos.
As partes, em primeiro momento, requereram a produção de
provas em audiência, na qual, realizada, conforme assentada de ff. 788/789,
dos autos, acordaram pelo uso das provas (emprestadas, pois) colhidas no
bojo do processo n. 0021.11.000597-8 (em apenso).
Foi proferida decisão às ff. 795/796, dos autos, reconhecendo a
existência de conexão entre a presente e a ação popular n. 0021.11.000597-8,
a qual foi imediatamente apensada.
Município de Alto Rio Doce apresentou alegações finais às ff.
801/809, dos autos, alegando, preliminarmente, o não cabimento da presente
ação, haja vista a ausência de lesividade ao patrimônio público, bem como
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suscitando sua ilegitimidade passiva. No mérito, defendeu que todos os
princípios preconizados no caput do artigo 37, da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, foram fielmente respeitados, não podendo se
falar em ilegalidade. Pugnou pelo acolhimento das preliminares ou, no mérito, a
improcedência dos pedidos iniciais
Parecer do Parquet às ff. 810/823 (sem marcação), dos autos.
Processo em ordem, vieram os autos conclusos para prolação de
sentença.
É o relatório.
FUNDAMENTO E DECIDO.
Primo ictu oculi, analiso as preliminares insurgidas pelos réus
Roberto Xavier Ribeiro e Carolina Roberta Motta Ribeiro.
Ab initio, requereram o reconhecimento de continência, conexão
ou litispendência parcial entre a presente e a ação popular n.
0021.11.000597-8, sustentando que os pedidos e a causa de pedir possuem
identidade, sendo o objeto desta, pois, ainda mais amplo.
Referido tema já foi tratado na decisão de ff. 795/796, dos autos,
onde foi reconhecida a existência de conexão entre a presente e a ação
popular n. 0021.11.000597-8, que, a partir daquele momento, foi imediatamente
apensada ao feito.
É que, como cediço, são admissíveis, para a defesa dos direitos e
interesses coletivos, todas as espécies de ações que sejam capazes de
propiciar a adequada e efetiva tutela, conforme artigo 83, do Código de Defesa
do Consumidor, diploma que compõe o núcleo duro do microssistema
processual coletivo, assim dispondo, in verbis:
Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código
são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua
adequada e efetiva tutela.
In casu, em que pese a causa de pedir remota de ambas as
ações possuírem identidade, a causa de pedir próxima não (apenas
parcialmente), bem como os pedidos (também parcialmente), eis que na
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presente ação se objetiva a condenação dos réus por ato de improbidade
administrativa. Destarte, em casos como o presente, em que a decisão oriunda
de um processo pode contradizer a do outro, por tratarem da mesma relação
de direito material, o julgamento deve se proceder simultaneamente. Neste
sentido é o magistério de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., in verbis:
É plenamente possível, por exemplo, que uma ação civil pública verse sobre
o mesmo tema de uma ação popular. Nesses casos, inclusive, a
jurisprudência do STJ tem identificado uma ação popular multilegitimária
(STJ, 1ª. T., REsp n. 401.964/RO, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 22.10.2002,
publicado no DJ de 11.11.2002, p. 155), ou seja: é possível que uma mesma
ação coletiva tramite por procedimentos diversos.1
Não é outro o entendimento emanado pelo Egrégio Tribunal
Mineiro, mutatis mutandis, in verbis:
AÇÃO POPULAR - LITISPENDÊNCIA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - EXTINÇÃO
DO PROCESSO - IMPOSSIBILIDADE – CONEXÃO.
-A despeito da controvérsia acerca da configuração da litispendência
entre ações coletivas e seus pressupostos, não se pode perder de
vista que a repetição de demanda não conduzirá à extinção do
processo.
-Afinal, como se sabe, a legitimação para o processo coletivo é
extraordinária, concorrente e disjuntiva. A extinção da ação repetida
não se presta, na hipótese, para promover a efetividade e a celeridade
processual, pois o autor popular, nesse caso, poderia intervir na ação
civil pública.2
Neste prisma também já decidiu o colendo Superior Tribunal de
Justiça, in verbis:
CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL E
JUSTIÇA ESTADUAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÕES POPULARES
COM O FIM COMUM DE ANULAR PROCESSO DE LICITAÇÃO.
CONEXÃO. PORTO DE ITAJAÍ. OBRAS REALIZADAS SOBRE BENS DE
DOMÍNIO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. Competência da Justiça Federal fixada, anteriormente, em conflito julgado
pela Seção. Conflito renovado (CC 32.476-SC), sob o fundamento de que
compete à Justiça Federal apreciar as causas nas quais estão sendo
impugnados projetos que afetam bens da União, ainda que a
implementação dessas obras tenha sido delegada a algum município.
2. A conexão das ações que, tramitando separadamente, podem gerar
1 Didier Jr., Fredie; Zaneti Jr., Zaneti / Curso de direito processual civil: processo coletivo – 10
ed. - Salvador: JusPodivm, 2016; p. 159.
2 TJMG - Ap Cível/Reex Necessário 1.0313.11.010636-3/001, Relator(a): Des.(a) Elpídio
Donizetti, 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/04/2013, publicação da súmula em
29/04/2013.
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decisões contraditórias, implica a reunião dos processos em unum et
idem judex, in casu, ações populares e ação civil pública, de interesse
da União, posto versarem anulação de licitação sobre o Porto de Itajaí.
3. Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo Federal da 2ª Vara
de Itajaí-SJ/SC.3
Ainda, vale consignar que, in casu, referida conexão é parcial, eis
que a presente, por mais ampla, busca a condenação dos réus pela prática de
atos ímprobos.
Por estes termos, referida preliminar, por já apreciada, não carece
de maiores delongas, eis que prejudicada, tendo em vista que referidos
processos já tramitam simultaneamente.
Agora, passo a analisar a preliminar de coisa julgada.
Os réus sustentam que os processos n. 0021.10.000784-4 e
0021.10.001192-9 versavam sobre os mesmos fatos tratados no presente,
possuindo as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.
Neste desiderato, defendem que referidos processos já tiveram decisões que
transitaram em julgado por ausência dos pressupostos válidos e regulares e
por incapacidade e irregularidade de representação.
Em consulta ao site do Tribunal de Justiça deste Estado é visível
que um dos processos, de fato, foi extinto por ausência de pressupostos
processuais e, o outro, por seu turno, foi extinto por litispendência, sendo que
referida decisão se encontra acostada às ff. 210/211, dos autos.
Nada obstante, propaladas decisões foram proferidas sem
resolução de mérito, conforme artigo 267, incisos IV e V, do Código de
Processo Civil de 1973, em vigor na época dos fatos, de modo que, por
terminativas, não obstam o intento de novas demandas tratando do mesmo
tema, haja vista que não houve coisa julgada material.
Essa, aliás, é uma premissa que se extrai do artigo 164, da Lei n.
7.347/85, em que até mesmo havendo resolução de mérito, conquanto
improcedente por insuficiência de provas, se pode intentar uma nova ação com
3 CC 36.439/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2003, DJ
17/11/2003, p. 197.
4 Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial
do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas,
hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento,
valendo-se de nova prova.
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idêntico fundamento.
Rejeito, pois, a preliminar.
Os réus ainda sustentaram a incapacidade processual,
irregularidade de representação do autor e a inexistência de pressuposto
de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo.
Para tanto, argumentaram que o autor, da mesma forma em que
agiu nos processos n. 0021.10.000784-4 e 0021.10.001192-9, se valeu de
advogado que não ocupa cargo efetivo provido mediante concurso público.
Contudo, referida preliminar se encontra por deveras prejudicada,
tendo em vista que, caso houvesse irregularidade de representação, por força
do artigo 765, do Código de Processo Civil Brasileiro (art. 13, do CPC de 1973),
deveria este Juízo suspender o processo e oportunizar prazo para
regularização, só podendo julgar extinto o feito por inércia da parte. Data vênia,
sequer é necessário proceder desta maneira, eis que já houve a regularização
processual à f. 757, dos autos, ocasião em que o Ministério Público deste
Estado assumiu o polo ativo da presente ação.
Portanto, rejeito mais esta preliminar.
Os réus ainda alegaram a existência de ilegitimidade ativa,
asserindo que o Município de Alto Rio Doce, então autor na presente ação, é
réu na popular em apenso, pelo que há conflito de interesses.
Contudo, como cediço, nas ações populares, a demanda será
necessariamente proposta contra a entidade pública que tiver autorizado,
aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, em conjuminância com as
autoridades, funcionários ou administradores, nos termos do artigo 6º6, da Lei
n. 4.717/65, sendo opção do ente, então, ao teor do § 3º7, do referido artigo,
5 Art. 76. Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da
parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o
vício. § 1º Descumprida a determinação, caso o processo esteja na instância originária: I - o
processo será extinto, se a providência couber ao autor;
6 Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades
referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem
autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas,
tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.
7 § 3º A pessoas jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de
impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor,
desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal
ou dirigente.
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contestar o pedido, sendo-lhe facultado atuar ao lado do autor caso se afigure
útil ao interesse público.
Ademais, além de o ente poder, na ação popular, atuar junto ao
autor, é fato que referida preliminar já perdeu seu objeto, eis que o Ministério
Público deste Estado assumiu o polo ativo da presente demanda.
Rejeito a preliminar.
Os réus também suscitaram a carência da ação por ausência de
legitimidade passiva.
Neste diapasão, afirmaram que as notas de empenho, processos
de licitação, por inexigibilidade, e contratos acostados aos autos não lhes
apontam como beneficiários da verba pública empregada, bem como que o
réu, Roberto Xavier Ribeiro, nada teve ligação com as festas de 2006, 2007 e
2008.
Destarte, o que se discute, no presente caso sub examine, é a
irregularidade advinda da prestação de serviços sem licitação e por contrato
verbal, ou, até mesmo, o uso do bem público sem que houvesse título jurídico
formal autorizando e sem ser onerado pelo ente, entre os réus e o Município de
Alto Rio Doce, na figura do então Prefeito Wilson Teixeira Gonçalves Filho.
Nesta mesma senda, fato é que pela narrativa exposta na
exordial, o réu, Roberto Xavier Ribeiro, concorreu e se beneficiou dos atos
ímprobos objetados, possuindo legitimidade, ex vi do artigo 3º8, da Lei n.
8.429/92.
Porquanto, levando em consideração que os réus participaram e
se beneficiaram dos atos administrativos reputados ímprobos, pela teoria da
asserção, considerando verdadeiros os fatos narrados na inicial,
abstratamente, tenho-os como partes legitimas para figurarem no polo passivo
da presente demanda.
Rejeito, pois, a preliminar.
Os réus ainda sustentaram a inépcia da exordial, afirmando que
8 Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não
sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se
beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
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o autor não identificou e individualizou quais os danos causados ao erário, bem
como não demonstrou o dolo na conduta dos agentes.
Data vênia, completamente sem lastro se encontra referida
preliminar, a uma, por ser a quantificação precisa dos danos objeto intangível
nesta fase cognoscível, eis que os réus não observaram qualquer ato formal na
conflagração dos atos, não se podendo apontar com absoluta certeza qual o
tamanho dos danos causados ao município, o que apenas será viável em fase
de cumprimento de sentença, e, a duas, por ser o exame do dolo dos agentes
questão exclusivamente adstrita ao mérito.
Portanto, levando em consideração que o autor narrou atos
administrativos que causaram danos ao Erário, em uma análise
prodromicamente abstrata, mesmo que com valores intangíveis, e que
descreveu condutas imbuídas em intenso animus dolandi, pelos réus, torna-se
necessário o acurado julgamento do mérito, motivo pelo qual, rejeito mais esta
preliminar.
Os réus, por fim, suscitaram a prefacial de impossibilidade
jurídica dos pedidos, afirmando que as sanções previstas na Lei n. 8.429/92
são inconstitucionais.
Neste azimute, levando em consideração que referida preliminar
se encontra intimamente arraigada a preliminar arguida pelo réu Wilson
Teixeira Gonçalves Filho, de inconstitucionalidade da Lei n. 8.429/92, examinoas
em conjunto.
No que toca a tese de suposta inconstitucionalidade
nomodinâmica, levantada por Wilson Teixeira Gonçalves Filho, o Supremo
Tribunal Federal, guardião da Magna Carta, já decidiu pela sua
constitucionalidade, nos seguintes termos, in verbis:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. 1. QUESTÃO DE ORDEM:
PEDIDO ÚNICO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
FORMAL DE LEI. IMPOSSIBILIDADE DE EXAMINAR A
CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. 2. MÉRITO: ART. 65 DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL
DA LEI 8.429/1992 (LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA):
INEXISTÊNCIA. 1. Questão de ordem resolvida no sentido da
impossibilidade de se examinar a constitucionalidade material dos
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dispositivos da Lei 8.429/1992 dada a circunstância de o pedido da ação
direta de inconstitucionalidade se limitar única e exclusivamente à
declaração de inconstitucionalidade formal da lei, sem qualquer
argumentação relativa a eventuais vícios materiais de constitucionalidade da
norma. 2. Iniciado o projeto de lei na Câmara de Deputados, cabia a
esta o encaminhamento à sanção do Presidente da República depois
de examinada a emenda apresentada pelo Senado da República. O
substitutivo aprovado no Senado da República, atuando como Casa
revisora, não caracterizou novo projeto de lei a exigir uma segunda
revisão. 3. Ação direta de inconstitucionalidade improcedente.9
Diametralmente, no que toca a constitucionalidade nomoestática,
suscitada pelos réus Roberto Xavier Ribeiro, Wilson Teixeira Gonçalves Filho e
Carolina Roberta Motta Ribeiro, quanto às penalidades previstas no artigo 12,
da Lei n. 8.429/92, também não verifico qualquer vício, eis que a grande
maioria das penas ali previstas se encontram expressamente incutidas no rol
do artigo 37, § 4º10, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
que é exemplificativo, pelo que é perfeitamente passível ao legislador ordinário,
como o foi com o édito da referida lei, tipificar condutas ilícitas e suas referidas
sanções, como forma de dar maior efetividade ao árduo combate à
improbidade administrativa.
Portanto, levando em consideração que o pedido de condenação
dos réus por improbidade administrativa é juridicamente possível, rejeito mais
esta preliminar.
Agora, analiso as preliminares sustentadas pelo réu Wilson
Teixeira Gonçalves Filho.
O réu argumenta a carência da ação, por impossibilidade
jurídica do pedido, em vista da inaplicabilidade da lei de improbidade
administrativa a agentes políticos.
Contudo, a este mister, já firmou remansoso posicionamento o
Superior Tribunal de Justiça, sendo amplamente possível a subserviência de
agente políticos, aqui a pessoa de Wilson Teixeira Gonçalves Público, à
9 ADI 2182, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CÁRMEN
LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 12/05/2010, DJe-168 DIVULG 09-09-2010 PUBLIC 10-
09-2010 EMENT VOL-02414-01 PP-00129 RTJ VOL-00218-01 PP-00060.
10 Art. 37 - § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos
políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao
erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
13
referida lei, por não haver incompatibilidade junto ao Decreto-Lei n. 201/67, não
se podendo falar em bis in idem.
Colha-se o seguinte aresto, in verbis:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO AOS AGENTES POLÍTICOS.
PRECEDENTES. REVISÃO DAS SANÇÕES IMPOSTAS.
VERIFICAÇÃO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO PROBATÓRIA.
IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULA 7/STJ.
1. Nos termos do que decidido pelo Plenário do STJ, "[a]os recursos
interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões
publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de
admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até
então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado
Administrativo n. 2).
2. A jurisprudência do STJ já firmou a compreensão de que os Agentes
Políticos se submetem a Lei de Improbidade Administrativa,
entendimento esse que se aplica inclusive aos Prefeitos, pois a
jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que os Prefeitos
Municipais, apesar do regime de responsabilidade políticoadministrativa
previsto no Decreto-Lei 201/67, estão submetidos à
Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), em face da
inexistência de incompatibilidade entre as referidas normas.
Precedentes: AgRg no REsp 1321111/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes
Maia Filho, Primeira Turma, DJe 13/05/2016; AgRg no AREsp
692292/PB, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe
22/09/2015; AgRg no AREsp 173359/AM, Rel. Min. Sergio Kukina,
Primeira Turma, DJe 24/03/2015.
3. A jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de que a revisão
da dosimetria das sanções aplicadas em ações de improbidade
administrativa implica reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o
que esbarra na Súmula 7/STJ, salvo em casos excepcionais, nos quais da
leitura do acórdão exsurgir a desproporcionalidade entre o ato praticado e
as sanções aplicadas, o que não é o caso dos autos. Precedentes: AgRg
no REsp 1307843/PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe
10/08/2016; REsp 1445348/CE, Rel. Min. Sergio Kukina, Primeira Turma,
DJe 11/05/2016.
4. Agravo regimental não provido.11
Não é outro o posicionamento do Egrégio Tribunal Mineiro, in
verbis:
REEXAME NECESSÁRIO. RECURSOS VOLUNTÁRIOS (PRINCIPAL E
ADESIVO). RECURSOS SUBORDINADOS. NÃO CONHECIMENTO.
PRELIMINARES REJEITADAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EX-PREFEITO. EXSECRETÁRIO
DE SAÚDE. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGENTES
POLÍTICOS. SUJEIÇÃO À LEI Nº 8.429/92. CONTRATAÇÃO ALÉM DO
LIMITE PREVISTO NO ART. 3º, DA LEI Nº 7.125/96. PRINCÍPIO DA
11 AgRg no AREsp 719.390/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 15/09/2016, DJe 23/09/2016.
14
RAZOABILIDADE. AUSÊNCIA DE CANDIDATOS APROVADOS PARA
SUPRIR TODAS AS VAGAS OFERECIDAS NO CONCURSO PÚBLICO.
CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. NECESSIDADE. ATO DE
IMPROBIDADE. NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA.
I. Para conhecimento do recurso subordinado, além dos pressupostos
previstos no art. 500, incisos I, II e III, do CPC, a matéria ventilada
adesivamente deve ser contraposta àquela suscitada no recurso principal,
sob pena de não conhecimento.
II. É admissível o manejo de ação de improbidade administrativa em
desfavor de agente político (Precedentes do STF e do STJ).
III. Segundo o disposto no art. 3º, da Lei nº 7.125, de 1996, somente
poderão ser preenchidas por servidores contratados, 20% (vinte por cento)
das vagas de cada categoria profissional.
IV. Afasta-se a conduta de improbidade administrativa, com base nos artigos
10 e 11, ambos da Lei n. 8.429, de 1992, quando evidenciado que a
contratação de temporário, mesmo que excedente ao percentual previsto no
art. 3º da Lei nº 7.125, de 1996, ocorreu por falta de aprovados dentro do
número de vagas ofertadas no concurso público para o cargo de técnico em
radiologia.12
Portanto, rejeito mais esta preliminar.
O réu ainda suscitou a preliminar de carência da ação por
ausência de interesse processual, defendendo que não houve qualquer
irregularidade na realização da “Festa do Peão Boiadeiro” durante os anos de
2006, 2007 e 2008, eis que agiu dentro da estrita legalidade, inexistindo, ainda,
dano ao Erário Municipal.
Como cediço, sob a égide do antigo Código de Processo Civil (Lei
n. 5.869/73), seguindo a teoria eclética de Enrico Tullio Liebman, três eram as
condições da ação: a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a
legitimidade ad causam.
Entretanto, o próprio Liebman reformou seu posicionamento
original, passando a entender que a possibilidade jurídica do pedido se
encontra junto ao interesse de agir, razão pela qual, apenas duas seriam as
condições da ação: o interesse de agir e a legitimidade ad causam.
Porquanto, o Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/73),
ombreando-se na mais recente teoria de Liebman, agora, em seu artigo 17,
dispõe que para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade,
consagrando, pois, que apenas duas são as condições da ação.
12 TJMG - Ap Cível/Reex Necessário 1.0024.07.682676-7/005, Relator(a): Des.(a) Washington
Ferreira, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/05/2016, publicação da súmula em
08/06/2016.
15
Assim, a possibilidade jurídica do pedido passou ao status de
interesse de agir, no seu critério adequação, quando derivada das partes ou da
causa de pedir, posto que, quando pertinente ao pedido, deve ser analisada
meritoriamente.
Data vênia, interesse de agir, na pureza de sua concepção,
representa o binômio necessidade e adequação. Nas palavras de Marcus
Vinícius Rios Gonçalves, é preciso que a pretensão só possa ser alcançada
por meio do aforamento da demanda e que esta seja adequada para a
postulação formulada13.
Conforme o magistério de Daniel Amorim Assumpção Neves, por
adequação se entende que o pedido formulado pelo autor deve ser apto a
resolver o conflito de interesses apresentado na petição inicial14.
In casu, a questão suscitada pelo réu se atrela especificamente
ao mérito do processo, eis que para o exame das questões prefaciais
pertinentes a carência da ação, como cediço, adota-se a teoria da asserção,
considerando-se hipoteticamente verdadeiros os fatos narrados pelo autor, na
exordial, o que, de per si, no presente caso, a meu ver, torna necessário o
julgamento do mérito.
O autor narra elementos que tornam os atos administrativos
empregados absolutamente ilegais, sendo necessário e adequado o exame do
caderno cognoscível para apurar as lesões e irregularidades narradas.
Rejeito a preliminar.
Por fim, o réu defendeu a prefacial de inépcia parcial da
exordial por intangibilidade do pedido de ressarcimento dos danos
causados ao Erário.
Nada obstante, como cediço, incumbe ao magistrado, na hora de
fixar o apenamento, por uma dosimetria acurada, decidir quais sanções serão
aplicadas aos réus, de modo que, prever uma possível impossibilidade de
fixação de uma das supostas penas, agora, é objeto peremptoriamente
13 Gonçalves, Marcus Vinicius Rios / Direito processual civil esquematizado; coordenador
Pedro Lenza. -6. ed.-São Paulo: Saraiva, 2016/ p. 163.
14 Neves, Daniel Amorim Assumpção / Manual de direito processual civil – Volume único – 8.
ed. - Salvador: Ed. JusPodvm, 2016; p. 172/173, epub.
16
teratológico nesta sede preambular, sendo uma questão a ser analisada em
momento oportuno.
Rejeito a preliminar.
Por último, consigno que as preliminares sustentadas pelo
Município de Alto Rio Doce, em suas alegações finais acostadas às ff. 801/809,
dos autos, restam prejudicadas, eis que, a uma, ele alega a ausência de
lesividade da ação popular, o que não é caso dos autos, em que se discute
ação civil por improbidade administrativa, e, a duas, ele defende sua
ilegitimidade passiva, o que, in casu, é impossível, eis que não é ele parte
integrante do polo passivo da presente ação.
Rejeito as preliminares.
Porquanto, antes de adentrar ao mérito, tenho detida questão a
aclarar.
O réu, Juscelino da Silva Amaral – ME, mesmo devidamente
citado, não apresentou defesa, sagrando-se revel.
Dita o artigo 344, do Código de Processo Civil Brasileiro, que, se
o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão
verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor.
Tal efeito, malgrado, não se aplica quando, havendo pluralidade
de réus, um deles contesta a ação, nos termos do artigo 345, inciso I, do
Código de Processo Civil.
In casu, é fato que o réu, Juscelino da Silva Amaral – ME, não
contestou a exordial, contudo, levando em consideração que os demais
requeridos a contestaram, dentro do prazo legal, deixo de lhe aplicar os
efeitos da revelia decorrentes.
Processo em ordem, passo ao mérito.
Cuidam os autos de ação civil de improbidade administrativa para
responsabilização dos réus pelos prejuízos causados ao Erário Municipal em
face de irregularidades na produção e realização da “Festa do Peão Boiadeiro”
durante os anos de 2006, 2007 e 2008.
Argumenta o autor, neste quejando, que o réu, Wilson Teixeira
17
Gonçalves Filho, então Prefeito da urbe de Alto Rio Doce, mesmo já tendo
contratado, via inexigibilidade de licitação, a empresa Pedro Amesteli Eventos
Ltda, para a produção da “Festa do Peão Boiadeiro” nos anos de 2006 e 2007,
contratou, de forma direta e verbal, dispensando qualquer formalidade na
constituição do ato administrativo, os réus Carolina Roberta Motta Ribeiro e
Roberto Xavier Ribeiro, os quais exploraram o espaço do parque, organizaram
o evento e cobraram ingressos para entrada, tudo isso sem que os lucros
advindos fossem revertidos em favor do município.
Da mesma forma, sustenta que, no ano de 2008, o réu, Wilson
Teixeira Gonçalves Filho, na qualidade de Prefeito da urbe de Alto Rio Doce,
novamente contratou de forma direta e verbal, sem qualquer formalidade para
o ato administrativo, os réus Carolina Roberta Motta Ribeiro e Roberto Xavier
Ribeiro, para a produção da famigerada “Festa do Peão Boiadeiro”, sendo que,
tal evento, desta vez, por motivo de força maior, só ocorreu no primeiro dia,
conquanto o pagamento tendo se dado de forma integral e a pessoa diversa da
contratada, eis que o empenho foi emitido para a empresa Juscelino da Silva
Amaral – ME.
Afirma que a Lei Municipal n. 482/08, que instituiu e liberou verba
para a realização do evento, foi promulgada a posteriori, sendo o repasse do
dinheiro, portanto, ilegal.
Assere que os produtores se valeram, de forma privada, do show
da dupla sertaneja “Fred e Paulinho”, que não pôde ocorrer na festa por motivo
de força maior, tendo a administração arcado com os custos.
Propala, por fim, que os réus, Carolina Roberta Motta Ribeiro e
Roberto Xavier Ribeiro, quando da ilegal produção dos eventos, se homiziavam
através da empresa Karol Motta Produções e Eventos, a qual só foi existir, de
fato, em 2008, após a realização das festas supracitadas.
Os réus, Carolina Roberta Motta Ribeiro e Roberto Xavier Ribeiro,
por sua vez, defendem que a Lei Municipal n. 390/04, que teria “criado” a
“Festa do Peão Boiadeiro”, na verdade não a embrionou, eis que só se perfez
em detrimento da liberação de recursos pela Lei Estadual n. 17.615/08.
18
Asseveram que o ente não pode monopolizar e, assim, tomar
para si o evento cultural em testilha, eis que se deve privilegiar a iniciativa
privada.
Neste desiderato, sustentam que o autor se olvidou ao fato de
que referida “Festa do Peão Boiadeiro” é realizada em conjunto com o “Torneio
Leiteiro e Exposição de Alto Rio Doce”, o qual recebeu verbas através da Lei
Estadual n. 17.615/08.
Sustentam, também, que, de fato, nunca existiu a empresa Karol
Motta Produções e Eventos, sendo certo que os contratos foram entabulados
entre o Ente e a pessoa da ré Carolina Roberta Motta Ribeiro, bem como que
Roberto Xavier Ribeiro nunca se vinculou a propalados eventos.
Afirmam que o uso do bem público se deu de forma legal, eis que,
em que pese, segundo fundamentam, ser dispensável contrato formal, existem
sim alvarás e contratos da ré Carolina para com o Município, os quais sugerem
que deveria requisitar este Juízo (defesa preliminar e nos autos da ação
popular em apenso).
Posteriormente, em segundo momento (contestação), sustentam
que houve autorização verbal para uso do bem público, o que defendem ser
lícito e corriqueiro, sendo os serviços prestados pela administração mero
patrocínio público a evento particular.
Aduzem que existiam Lei Municipais (n. 447/06, 465/07 e 482/08)
autorizando gastos com os eventos, o que prova a legalidade e a legitimidade
dos atos administrativos labutados. Revelam, neste diapasão, que a Lei
Municipal n. 482/08 retroagiu, de forma expressa, seus efeitos até o início
daquele mês, tornando lícito os gastos.
Ao disparate, afirmam, ainda, que em razão da não
competitividade decorrente das contratações era impossível licitar.
Nesta mesma pegada, aduzem que não houve qualquer
lesividade, in casu, tendo em vista que os valores destinados pelo Erário foram
sobejamente inferiores aos investidos por Carolina Roberta Motta Ribeiro.
19
Argumentaram, por fim, que a dupla sertaneja “Fred e Paulinho”
não prestou serviços privados mediante verba pública, alinhavando que, em
vista da impossibilidade por motivo de força maior, prestaram, no ano seguinte,
os contratados serviços, liberando, para tanto, metade do cachê.
O réu, Wilson Teixeira Gonçalves Filho, por sua vez, sustentou
que terceirizou à Carolina Roberta Motta Ribeiro a produção do evento, que
não se ateve apenas a “Festa do Peão Boiadeiro”, sendo que a reversão do
lucro se deu com a exploração de alimentação e bebida, bem como com a
cobrança de ingressos, que se destinaram a particular em razão de ter
investido seu próprio dinheiro (a particular) no pagamento dos shows e na
contratação de seguranças.
Argumenta, pois, que a Lei Orgânica do Município, por fomentar o
desenvolvimento da cultura em geral, legitima referida contratação.
Afirma que restando impossibilitada a realização do evento no
ano de 2008, todas as bandas contratadas prestaram os respectivos serviços
no ano seguinte, sem qualquer custo, eis que já haviam recebido no ano
anterior.
Nesta mesma senda, propala que o dinheiro pago pela população
a título de ingresso no ano de 2008 foi devidamente reembolsado e que o
suposto show privado da banda “Fred e Paulinho” é objeto estranho aos autos.
Defendeu, por fim, que não houve prejuízo ao Erário, haja vista
que os serviços contratados foram fielmente prestados.
O artigo 37, inciso XXI, da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, dispõe, in verbis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte:
XXI - ressalvados os casos especificados na legislaçã o, as obras ,
serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo
de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os
concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento,
mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual
somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
20
A licitação, conforme conceitua Fernanda Marinela, é um
procedimento administrativo destinado à seleção da melhor proposta dentre as
apresentadas por aqueles que desejam contratar com a Administração Pública.
Esse instrumento estriba-se na ideia de competição a ser travada,
isonomicamente, entre os que preenchem os atributos e as aptidões
necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir15.
Sua finalidade, nos termos do artigo 3º, da Lei n. 8.666/93, é
garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da
proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do
desenvolvimento nacional sustentável.
As modalidades de licitação se encontram previstas no artigo 22,
da Lei n. 8666/93, sendo: (a) concorrência; (b) tomada de preços; (c) convite;
(d) concurso; e (e) leilão.
Porquanto, a licitação, na sua essência, tem como locus
fundamental a legalidade.
Ainda, para a prestação de serviços públicos, nos termos do
artigo 175, da Carta Política, é a licitação modalidade obrigatória, mesmo que
em regime de concessão ou permissão, in verbis:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob
regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a
prestação de serviços públicos.
O artigo 2º, caput, da Lei n. 8666/93, dispõe:
Art. 2º As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações,
concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando
contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de
licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.
Como se vê, a regra geral é de que as contratações, como no
presente caso as de serviços (organização da Festa do Peão Boiadeiro), de
terceiros (réus) para com a Administração Pública (Município de Alto Rio Doce),
devem ser precedidas de licitação, conquanto possam existir exceções
previstas em Lei.
15 Marinela, Fernanda / Direito administrativo – 9. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2015; p. 522.
21
Destarte, dentro da própria Lei n. 8.666/93 existem exceções à
licitação, dada a sua inviabilidade, podendo ser ela dispensada, nos termos do
artigo 24, ou inexigível, no caso do artigo 25.
Conforme ensina Marcelo Alexandrino, há inexigibilidade quando
a licitação é juridicamente impossível. A impossibilidade jurídica de licitar
decorre da impossibilidade de competição, em razão da inexistência de
pluralidade de potenciais proponentes16. Bem como há dispensa de licitação
quando esta é possível, ou seja, há possibilidade de competição, mas a lei
dispensa ou permite que seja dispensada a licitação17.
Portanto, como se vê, a licitação é a regra básica para a
contratação de serviços pela Administração, considerando-se, no entanto, que
em determinados e específicos casos possa ser ela inviável, tanto por dispensa
quanto por inexigibilidade.
Ainda assim, no caso de inviabilidade, são exigidas formalidades
para a conflagração do ato, tal como a formulação de um contrato.
Neste sentido alerta o artigo 62, da Lei n. 8.666/93, in verbis:
Art. 62. O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de
concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e
inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites
destas duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que
a Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis,
tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de
compra ou ordem de execução de serviço.
Nota-se que o instrumento contratual é obrigatório, podendo,
contudo, ser preterido em determinados casos, conquanto, ainda sim, deve ser
substituído por outros meios mais hábeis, de modo que sempre existirá uma
formalidade solene, seja ela qual for.
Os réus defendem, em suas peças de resistência, que é
plenamente possível a contratação mediante a forma verbal, o que, nos termos
do artigo 60, parágrafo único, da Lei n. 8.666/93, regra geral, é expressamente
vedado, in verbis:
16 Alexandrino, Marcelo; Paulo, Vicente / Direito administrativo descomplicado – 23. Ed. rev.,
atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015; p. 700.
17 Idem. Ibidem.
22
Art. 60. Os contratos e seus aditamentos serão lavrados nas repartições
interessadas, as quais manterão arquivo cronológico dos seus autógrafos e
registro sistemático do seu extrato, salvo os relativos a direitos reais sobre
imóveis, que se formalizam por instrumento lavrado em cartório de notas, de
tudo juntando-se cópia no processo que lhe deu origem.
Parágrafo único. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a
Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim
entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite
estabelecido no art. 23, inciso II, alínea "a" desta Lei, feitas em regime de
adiantamento.
Como se vê, só é possível a pactuação mediante a via verbal
para a consecução de pequenas compras, o que não foi o caso dos autos, em
que os próprios réus afirmaram que os gastos na produção do evento giraram
em torno de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), para cada um deles
(dos anos), de modo que era imprescindível a lavratura de um contrato solene.
Neste sentido é a jurisprudência da colenda Corte Cidadã,
mutatis mutandis, in verbis:
ADMINISTRATIVO. CONTRATO VERBAL COM ENTE PÚBLICO.
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ARTÍSTICOS. INOBSERVÂNCIA DA
FORMA ESCRITA.
1. O parágrafo único do art. 60 da Lei 8666/93 prevê que será nulo e de
nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de
pequenas compras de pronto pagamento cujo valor não exceda a R$
4.000,00 (quatro mil reais).
2. Conforme se extrai do acórdão impugnado, não obstante o valor
contratual ser baixo, o termo do referido contrato não foi substituído
por instrumentos considerados de menor formalismo, como a cartacontrato,
a nota de empenho de despesa, a autorização de compra ou a
ordem de execução de serviço.
3. Nesse contexto, verifica-se que é nulo o contrato celebrado
verbalmente nos termos do art. 60, parágrafo único, da Lei 8666/93.
4. Recurso Especial provido.18
Não é outro o posicionamento do Egrégio Tribunal Mineiro e do
Ínclito Tribunal Paulista, mutatis mutandis, in verbis:
DIREITO ADMINISTRATIVO - COBRANÇA DE SERVIÇOS FEITOS PARA
O MUNICIPIO - EXECUÇÃO DE OBRAS SEM LICITAÇÃO - CONTRATO
VERBAL - IMPOSSIBILIDADE - OFENSA AO PARAGRAFO ÚNICO DO
ART. 60 DA LEI 8666/93 - IMPOSSIBILIDADE JURIDICA DA COBRANÇA -
REMESSA PROVIDA - SENTENÇA REFORMADA. 1 - Nos termos da Lei
Federal nº 8666/93 a aquisição de bens, realização de obras e serviços,
18 REsp 1288581/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
25/09/2012, DJe 02/02/2015.
23
devem sempre ser precedida do processo licitatório. 2 - Em
específicos, previstos no seu art. 24, há dispensa de licitação de obras
e serviços, que atingem até 10% do valor previsto no inciso I, alínea
""a"" do art. 23 da lei 8.666/93, ou seja obras e serviços que atingem no
máximo R$ 15.000,00, sendo que no caso presente o valor supera
àquele que se admite a dispensa de licitação. 3 - Ainda que fosse
dispensável a licitação, não é possível contrato verbal com a
administração pública, nos termos do parágrafo único do art. 60 da lei
8.666/93. 4 - A ausência de contrato escrito, invalida a cobrança contra o
MUNICIPIO, por impossibilidade jurídica do pedido. 5 - Remessa provida. 6
- Sentença reformada.19
DIREITO ADMINISTRATIVO E CIVIL - CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
DE DIREITO PRIVADO - LOCAÇÃO - CONTRATO VERBAL -
INEXISTÊNCIA DE PROVAS SOBRE O CONTRATO E VALORES -
APLICAÇÃO DO ARTIGO 60 DA LEI 8.666/93 - CONTRATO NULO -
NEGATIVA EM INFORMAR O NOME DO AGENTE RESPONSÁVEL -
INAPLICABILIDADE DE APLICAÇÃO DO ART. 59, PARÁGRAFO ÚNICO,
DA LEI 8.666/93. Diversamente dos contratos celebrados por
particulares, os contratos públicos de direito privado devem atender às
exigências legais, como meio de segurança jurídico-contratual da
própria administração. A Lei 8.666/93 trata dos contratos firmados com
o ente público e proíbe expressamente acordos avençados
verbalmente. O contrato verbal de locação, para propiciar o
pagamento, com apuração de responsabilidades, conforme prevê o
parágrafo único do art. 59 da Lei 8666/93, deve ser devidamente
comprovado, bem como o seu valor, não bastando mera declaração de
uso, que pode ser, inclusive, decorrente de comodato. A usurpação nos
autos, após a isto instada a pessoa que se diz contratada, do nome do
agente público responsável pelo pretendido contrato verbal, impede, por
outro lado, a aplicação do parágrafo único do referido art. 59, da referida lei,
por onerar os cofres públicos sem propiciar o ressarcimento por quem de
direito, afastando, inclusive, a presunção de boa-fé e veracidade.20
APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
– DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO - Réu que, na condição de
então Chefe do Poder Executivo municipal, determinou as compras
pela Municipalidade, de forma verbal e sem a abertura de prévio
procedimento licitatório ou justificativa de dispensa deste, tendo sido
contratada como fornecedora sociedade corré originalmente de titularidade
de seu genitor, mas que, à época das contratações, em razão da morte
deste em 07/05/2004, passara à titularidade do espólio do falecido –
Ilegalidade na aquisição direta dos materiais de construção pela
Administração municipal, à míngua de procedimento de justificação -
Violação ao artigo 26 da Lei nº 8.666/93 - Forma verbal adotada para os
contratos administrativos que resulta na nulidade destes, destituindoos
de qualquer efeito jurídico – Inteligência do artigo 60, parágrafo
único, da Lei nº 8.666/93 – Conduta que se adequa à capitulação
encartada no artigo 10, caput e inciso VIII, da Lei nº 8.429/92 – Corréus
que vulneraram, de forma consciente e voluntária, as normas da Lei de
Licitações e Contratos Administrativos, colocando os seus interesses
19 TJMG - Reexame Necessário-Cv 1.0324.02.004592-2/001, Relator(a): Des.(a) Fernando
Bráulio, 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 20/04/2006, publicação da súmula em
20/09/2006.
20 TJMG - Apelação Cível 1.0430.06.000561-7/001, Relator(a): Des.(a) Vanessa Verdolim
Hudson Andrade, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 21/08/2007, publicação da súmula
em 12/09/2007.
24
particulares à frente do interesse público – Existência de prejuízo ao
erário existente - Tendo os contratos sido firmados em afronta a
diversas regras da Lei de Licitações e Contratos Administrativos,
encontram-se maculados de nulidade, não produzindo, por
consequência, qualquer efeito jurídico - Dicção conjugada dos artigos
59, caput, e 60, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93 – Constatadas a
nulidade e a lesividade das contratações, a tolherem o
desencadeamento de efeitos jurídicos, os valores despendidos com as
aquisições devem ser integralmente ressarcidos aos cofres públicos, a
fim de que se recomponha o patrimônio público municipal ao status
quo ante - Procedência do pedido principal – Penas fixadas de maneira
proporcional e adequada à natureza e à gravidade dos atos ímprobos
praticados – Sentença mantida - Recurso dos corréus desprovidos.21
Portanto, in casu, levando em consideração que a natureza dos
serviços poderia culminar na inviabilidade da licitação, como defendem os réus,
nada mais justo que existisse um contrato contendo os termos do ato que o
autorizou e a respectiva proposta, conforme artigo 54, inciso II, da Lei n.
8.666/93, que assim estipula, in verbis:
Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas
suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes,
supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições
de direito privado.
§ 2º Os contratos decorrentes de dispensa ou de inexigibilidade de
licitação devem atender aos termos do ato que os autorizou e da
respectiva proposta.
De mais a mais, ainda que fosse prescindível a entabulação de
um contrato, para que fosse inviável a licitação, por dispensa ou inexigibilidade,
dantes, deveriam ser observadas expressas formalidades, nos estritos termos
do artigo 26, da Lei n. 8.666/93, in verbis:
Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2º e 4º do art. 17 e no inciso III e
seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25,
necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do
parágrafo único do art. 8º desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3
(três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na
imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a
eficácia dos atos.
Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de
retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com
os seguintes elementos:
I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique
a dispensa, quando for o caso;
21 TJSP - Relator(a): Marcos Pimentel Tamassia; Comarca: Porangaba; Órgão julgador: 1ª
Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 27/09/2016; Data de registro: 29/09/2016.
25
II - razão da escolha do fornecedor ou executante;
III - justificativa do preço.
IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os
bens serão alocados
A exigência à escorreita observância do procedimento
administrativo formal, como cediço, é imprescindível, sob pena de ilegalidade,
como bem salienta o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto
Barroso, in verbis:
Os procedimentos e contratos lavrados mediante inexigibilidade de licitação
devem observar, no que couber, as exigências formais e de publicidade
contidas na Lei n° 8.666/93, especialmente as que decorrem dos arts. 26 e
60-64. A necessidade de motivação expressa quanto ao ponto potencializa a
verificação de eventuais irregularidades por parte dos órgãos de controle e
até de agentes da própria sociedade.22
É de se depreender, pois, que se privilegia, com isso, os
princípios da publicidade, legalidade e eficiência, previstos no caput do artigo
37, da Carta Política, bem como os subprincípios da transparência, lealdade,
segurança jurídica e governança.
Determina a Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, em seu rol de direitos e garantais fundamentais, artigo 5º, inciso II, que
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei.
Assegura-se, com isso, o princípio da legalidade, em que nas
vestes da seara administrativa revela que à Administração Pública só é
permitido fazer o que se encontra autorizado em lei. Neste sentido é o escólio
de Dirley da Cunha Júnior, in verbis:
Sabe-se que, no âmbito das relações privadas, vige a ideia de que tudo que
não está proibido em lei está permitido. Nas relações públicas, contudo, o
princípio da legalidade envolve a ideia de que a Administração Pública só
pode atuar quando autorizada ou permitida pela lei. A norma deve autorizar
o agir e o não agir dos sujeitos da Administração Pública, pois ela é
integralmente subserviente à lei.23
22 Trecho extraído do voto do Ministro Luís Roberto Barroso no julgamento do Inq 3074, de
sua relatoria, pela Primeira Turma, julgado em 26/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-
193 DIVULG 02-10-2014 PUBLIC 03-10-2014.
23 Da Cunha Júnior, Dirley / Curso de direito administrativo. - 14ª edição, revisada, ampliada e
atualizada – Salvador: Editora JusPodivm, 2015; p. 37.
26
Portanto, prevendo a lei que deve a Administração Pública, ao
formular a inviabilidade de licitação, empreender determinado procedimento
administrativo formal, o mesmo se torna, pois, um imperativo. Com isso,
salvaguarda-se, sem resquício de divergências, o princípio da legalidade, da
publicidade e o da segurança jurídica.
O princípio da publicidade busca dar transparência aos atos da
Administração Pública perante todos os cidadãos, permitindo, com isso, o
controle social da atuação do Estado, bem como pelos órgãos públicos de
monitoramento. É ele o corolário da governança gerencial, descurando-se do
modelo patrimonialista pretérito, que dava peremptório berço à corrupção.
As características da governança gerencial são a transparência, a
prestação de contas, a participação popular, o controle social, a competição
administrada, a eficiência, a eficácia e a efetividade.
O princípio da publicidade, porquanto, nas lições de Gilmar
Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, está ligado ao direito de
informação dos cidadãos e ao dever de transparência do Estado, em conexão
direta com o princípio democrático, e pode ser considerado, inicialmente, como
apreensível em suas vertentes: (1) na perspectiva do direito à informação (e de
acesso à informação), como garantia de participação e controle social dos
cidadãos (a partir das disposições relacionadas no art. 5º, CF/88), bem como
(2) na perspectiva da atuação da Administração Púbica em sentido amplo (a
partir dos princípios determinados no art. 37, caput, e artigos seguintes da
CF/88)24.
A nossa Magna Carta, aliás, ao privilegiar o princípio da
informação, prescreveu, em seu artigo 5º, inciso XXXIII, que todos têm direito a
receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de
interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de
responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado.
24 Mendes, Gilmar Ferreira; Branco, Paulo Gustavo Gonet / Curso de direito constitucional –
10ª edição, revista e atualizada – São Paulo: Saraiva, 2015; p. 861/862.
27
Veja-se, pois, que a Administração Pública jamais poderia ter
entabulado contrato verbal com os réus Carolina Roberta Motta Ribeiro,
Roberto Xavier Ribeiro e Juscelino Amaral da Silva – ME, conforme sustentam
os mesmos, atitude que vai não só contra as disposições normativas
constitucionais e infraconstitucionais, como também ao dever de transparência,
lealdade, publicidade, segurança, governança e eficiência.
Portanto, mesmo que fosse dispensável a confecção de um
contrato, dada a escolha da inviabilidade de competição, necessário seria a
formulação de um procedimento formal, nos termos do artigo 26, bem como a
faculdade, para substituir o contrato, de entabular uma carta-contrato, uma nota
de empenho, uma autorização de compra ou uma ordem de execução de
serviço, como meio de dar transparência aos atos da Administração,
possibilitando, com isso, o controle social.
Tal mister, em tempos modernos, é imprescindível, principalmente
diante o maniqueísmo vil propiciado pela corrupção e pelo vilipêndio dos
princípios públicos, jamais podendo a Administração realizar atos, tais como a
contratação de serviços, “à escondida”, sobressaindo o contrário, pois, no
solapamento incomensurável da moralidade (vale dizer: não vivemos no onírico
mundo de Pindorama).
Em face o princípio da simetria, a Constituição do Estado de
Minas Gerais também traz como imprescindível a publicidade dos atos
administrativos, o que somente se complementa pelo meio formal. Neste
sentido, colha-se:
Art. 13 – A atividade de administração pública dos Poderes do Estado e a de
entidade descentralizada se sujeitarão aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e razoabilidade.
Art. 15 – Lei estadual disciplinará o procedimento de licitação, obrigatória
para a contratação de obra, serviço, compra, alienação, concessão e
permissão, em todas as modalidades, para a administração pública direta,
autárquica e fundacional, bem como para as empresas públicas e
sociedades de economia mista.
§ 1º – Na licitação a cargo do Estado ou de entidade de administração
indireta, observar-se-ão, entre outros, sob pena de nulidade, os princípios
de isonomia, publicidade, probidade administrativa, vinculação ao
instrumento convocatório e julgamento objetivo.
Art. 17 – A publicidade de ato, programa, projeto, obra, serviço e campanha
de órgão público, por qualquer veículo de comunicação, somente pode ter
28
caráter informativo, educativo ou de orientação social, e dela não constarão
nome, símbolo ou imagem que caracterizem a promoção pessoal de
autoridade, servidor público ou partido político.
Parágrafo único – Os Poderes do Estado e do Município, incluídos os
órgãos que os compõem, publicarão, trimestralmente, o montante das
despesas com publicidade pagas, ou contratadas naquele período com
cada agência ou veículo de comunicação.
Nesta mesma senda é a Lei Orgânica do Município de Alto Rio
Doce, vigente à época dos fatos, in verbis:
Artigo 83: A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes
do Município obedecerá aos princípio de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, razoalidade e, também o seguinte:
XXI. ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços,
compras e alienação serão contratados mediante processo de licitação
pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com
cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento mantidas as
condições efetivas da proposta, nos termos da lei exigindo-se a qualificação
técnica-econômica indispensável à garantia do cumprimento das
obrigações.
§ 1º: A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas
dos órgãos públicos, deverá ter caráter educativo, informativo ou de
orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens
que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
Artigo 90: A publicação das leis e atos municipais far-se-á em órgão da
imprensa local ou regional ou por afixação na sede da Prefeitura ou Câmara
Municipal conforme o caso.
§ 2º: Nenhum ato produzirá efeito antes de sua publicação;
Conforme ensina Uadi Lammêgo Bulos, a lei orgânica é o mais
alto diploma normativo do Município. Quando os vereadores a elaboram estão
obrigados a respeitar os princípios estabelecidos nas Constituições da
República e do respectivo Estado-membro, sob pena de fazer uma lei
inconstitucional25.
Vale mencionar, então, que a própria Lei Orgânica do Município
de Alto Rio Doce, ao tratar dos atos administrativos, constituiu como obrigatório
para a execução de serviços municipais, a confecção de contrato. Neste
sentido, in verbis:
Artigo 93: Os atos administrativos de competência do Prefeito devem ser
expedidos com obediência às seguintes normas:
III. contrato nos seguintes casos:
b) execução de obras e serviços municipais, nos termos da lei.
25 Bulos, Uadi Lammêgo / Curso de direito constitucional. - 8. ed. rev. e atual.11. de acordo
com a Emenda Constitucional n. 76/2013 - São Paulo: Saraiva, 2014; p. 942.
29
Portanto, a ausência de contrato e o desrespeito à formalidade do
procedimento insculpido nos artigos 26 e 62, da Lei n. 8.666/93, constitui
flagrante ilegalidade, sendo peremptoriamente inadmissível que qualquer dos
entes da Administração Pública dispensem procedimento licitatório (para
apurar, inclusive, a viabilidade de dispensar ou inexigi-lo), formando um pacto
verbal, de onde não se pode extrair sequer de quanto foi o repasse da verba
municipal e estadual para a prestação dos serviços, bem como impedindo, com
isso, por outro lado, que os contratantes prestassem conta relativa ao empenho
da referida verba, à realização dos serviços iminentemente prestados e do
destino do lucro auferido.
Ademais, a sua ausência, além de evidenciar flagrante
ilegalidade, torna extremamente duvidosa e, portanto, imoral, a conduta de
ambas as partes, eis que não se pode aferir quanto foi gasto pelo Município, se
aquilo que foi gasto teve reciprocidade na prestação dos serviços e,
principalmente, se os lucros hauridos com a venda de ingressos e alimentos
foram convertidos em favor do Ente.
O artigo 54, da Lei n. 8.666/93, prevê que os contratos
administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos
preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da
teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.
Neste diapasão, consigna o artigo 421, do Código Civil Brasileiro,
que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função
social do contrato.
Referida função social pode ser interna ou externa, conforme
preveem os enunciados 23 e 360, do Conselho Federal de Justiça, in verbis:
I Jornada de Direito Civil - Enunciado 23
A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não
elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance
desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse
individual relativo à dignidade da pessoa humana.
IV Jornada de Direito Civil - Enunciado 360
O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna
entre as partes contratantes.
30
A função social do contrato, então, deve ser observada para
colimar a finalidade coletiva e relativizar a autonomia privada e a força
obrigatória das convenções (pacto sunt servanda).
Na sua parte interna ela deve, de per si, proteger os vulneráveis
dentro da relação contratual, vedar qualquer onerosidade excessiva ou o
desequilíbrio contratual e proteger a dignidade humana e os direitos da
personalidade. Lado outro, na sua função externa, deve ela salvaguardar os
respectivos direitos difusos e coletivos derivados da avença.
O Código Civil Brasileiro prevê, ainda, em seu artigo 422, que os
contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão, como em sua
execução, os princípios da probidade e boa-fé.
Tutela-se, aqui, o princípio da boa-fé objetiva, segundo o qual as
partes devem agir com cooperação e lealdade recíprocas, sendo este um
princípio geral de direito, uma regra, pois, de conduta social.
A boa-fé objetiva, contudo, representa, mais do que nunca, a
solidariedade social no campo das relações privadas, objetivo de ordem
constitucional assegurado no artigo 3º, inciso I26, de nossa Magna Carta.
Do ponto de vista dogmático possui tríplice função, quais sejam:
(I) cânone interpretativo dos negócios jurídicos; (II) embrionária de deveres
anexos ou acessórios à prestação principal; e (III) restritiva do exercício de
direitos.
Pode-se dizer, porquanto, que a sua primeira função é
estritamente hermenêutica, nos termos do artigo 11327, do Código Civil
Brasileiro, e a sua segunda função é criadora de deveres laterais à prestação
principal, como o dever de informação, de segurança, de sigilo, de
colaboração, dentre outros.
Por fim, a sua terceira função consiste na restrição de direitos em
contrariedade com o recíproco dever de lealdade e confiança que deve
imperar, insofismavelmente, nas relações contratuais privadas.
26 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
27 Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do
lugar de sua celebração.
31
É exatamente ai, neste quejando, que entra a tutela da confiança,
subprincípio que consiste na repercussão externa dos atos individuais sobre os
diversos centros de interesses, atribuindo-lhes eficácia obrigacional
independentemente da vontade ou da intenção do sujeito que os praticou,
como parte da mais ampla solidariedade social.
Daí que é dado, então, dizer que as partes não podem se valer de
comportamentos incoerentes, sendo estritamente vedado (aonde a lei não diga
o contrário) a prática de comportamentos contraditórios, em augusto
acatamento à boa-fé objetiva e a tutela da confiança, residindo, pois, no
brocardo nemo potest venire contra factum proprium.
A vedação a qualquer tipo de comportamento contraditório, dentro
da seara administrativa, também tem fundamento no princípio da moralidade,
que exige da Administração e também de seus agentes, que atuam em nome
da primeira, que o façam em conformidade com princípios éticos e aceitáveis
socialmente, de acordo com a conduta do homem médio. Há a necessidade de
estrita observância de padrões constitucionais, legais, éticos, de boa-fé,
lealdade, de adoção de condutas que assegurem a boa administração e a
disciplina interna da Administração Pública.
O que se espera, portanto, da conduta do administrador, é a
aplicação restrita do que dispõe a lei, sendo que o contrário resulta, portanto,
em atos contraditórios, que vilipendiam a boa-fé emanada.
Sobre a tutela de confiança e o nemo potest venire contra factum
proprium disserta Anderson Schreiber, in verbis:
A tutela da confiança atribui ao venire um conteúdo substancial, no sentido
de que deixa de se tratar de uma proibição à incoerência por si só, para se
tornar um princípio de proibição à ruptura da confiança, por meio da
incoerência. A incompatibilidade ou contradição de comportamentos em si
deixa de ser vista como o objeto da repressão para passar a ser tão
somente o instrumento pelo qual se atenta contra aquilo que
verdadeiramente se protege: a legítima confiança depositada por outrem,
em consonância com a boa-fé, na manutenção do comportamento inicial.28
A proibição ao comportamento contraditório (venire contra factum
proprium) possui, então, como função central, a tutela da confiança, e, para a
28 Schreiber, Anderson / A proibição de comportamento contraditório: tutela da confiança e
venire contra factum proprium – 4. Ed. revista e atualizada – São Paulo: Atlas, 2016; p. 66.
32
sua conflagração, se sustenta nos seguintes pressupostos, conforme ensina
Anderson Schreiber, in verbis:
(i) um factum proprium, isto é, uma conduta social; (ii) a legítima confiança
de outrem na conservação do sentido objetivo desta conduta; (iii) um
comportamento contraditório com este objetivo (e, por isto mesmo, violador
da confiança); e, finalmente, (iv) um dano ou, no mínimo, um potencial de
dano a partir da contradição.29
In casu, o então Prefeito, durante a “Festa do Peão Boiadeiro”,
realizada nos anos de 2006 e 2007, sustentado nas Lei Municipais n. 447/2006
e 465/2007, abriu processo de licitação para a prestação de serviços, conforme
manda a Lei n. 8.666/93, tendo concluído, então, que poderia ser a mesma
inexigível, nos termos do artigo 25, da referida lei, tendo assim empreendido e
entabulado contrato junto a empresa Pedro Amesteli Eventos Ltda, originando
um factum proprium.
Tal factum proprium, transvestido na conflagração de
procedimento formal e confecção de um contrato, gerou legítima confiança na
conservação de seu sentido objetivo, para todos os cidadãos (não só entre as
partes), resultando na tutela da confiança.
Contudo, o próprio alcaide, nos anos de 2006, 2007 e 2008, para
a mesma “Festa do Peão Boiadeiro”, dispensou a elaboração de procedimento
de licitação, donde poderia resultar em nova inexigibilidade, e se olvidou
quanto a confecção de um contrato solene para, através de um suposto “pacto
verbal”, contratar os serviços de Carolina Roberta Motta Ribeiro, Roberto
Xavier Ribeiro e Juscelino da Silva Amaral – ME (este somente em 2008), em
um ato patentemente contraditório e incoerente, que gerou incomensuráveis
prejuízos ao Erário Municipal.
Nota-se que o comportamento do então Prefeito encontra íntima
vedação no nemo potest venire contra factum proprium, tendo a sua conduta,
ao contratar verbalmente os réus, vilipendiado a tutela da confiança, a boa-fé
objetiva, a função social dos contratos e a solidariedade social, isso tudo sem
contar que solapou, em muito, os ditames legais e os princípios da publicidade,
29 Schreiber, Anderson / A proibição de comportamento contraditório: tutela da confiança e
venire contra factum proprium – 4. Ed. revista e atualizada – São Paulo: Atlas, 2016; p. 86.
33
transparência, lealdade, legalidade, governança, segurança jurídica e
eficiência.
Sobre a boa-fé objetiva esperada da conduta do administrador,
colham-se os seguintes julgados, mutatis mutandis, in verbis:
CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES POR DOIS MANDATOS ELETIVOS
SEM A REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO - EXCEPCIONAL
INTERESSE PÚBLICO NÃO DEMONSTRADO - VIOLAÇÃO DO ART. 37,
'CAPUT', INCISOS II E IX, DA CF - OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA
MORALIDADE E IMPESSOALIDADE - CONDUTA QUE SE AFASTA DE
MERA GESTÃO INEFICAZ - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
CARACTERIZADA - SENTENÇA REFORMADA. Os atos do agente
político devem ser orientados pelo princípio da boa-fé objetiva, através
de um comportamento leal e honesto, de acordo com um modelo
objetivo de conduta aceitável na sociedad e, sob pena de restar
caracterizado ato de improbidade administrativa. A realização de
diversas contratações temporárias nos 8 (oito) anos em que o Prefeito
esteve à frente do Poder Executivo Municipal, com sucessivas e
imotivadas renovações do vínculo precário entre servidores e
administração pública, não constitui mera gestão ineficaz do gestor
público, restando evidenciada clara ofensa ao disposto no artigo 37,
incisos II e IX da Constituição Federal, bem como aos princípios da
moralidade, da impessoalidade, e da boa-fé objetiva, situação que
torna imperioso o reconhecimento de ato de improbidade nos termos
do artigo 11 da Lei 8.429/92.30
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONCURSO PÚBLICO - HOMOLOGAÇÃO -
CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DA FILHA DE ADVERSÁRIO POLÍTICO
PARA OCUPAR CARGO PÚBLICO COM OBJETIVO DE APAZIGUAR A
OPOSIÇÃO - OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
- IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONFIGURADA. O s atos do agente
político devem ser orientados pelo princípio da boa-fé objetiva, uma
vez que 'qualquer ação ou omissão que viole os deveres de
honestidade e imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições'
(art. 11, 'caput', da Lei nº 8.429/92) é suficiente para atrair a incidência
das penalidades estabelecidas no artigo 12, III, da lei de regência. O ato
praticado por Prefeito, consubstanciado na conduta consciente de contratar
servidora - filha de adversário político - a fim de apaziguar a oposição,
quando já existente candidato aprovado em concurso público devidamente
homologado, caracteriza ato de improbidade administrativa, máxime por
ensejar ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade,
moralidade e da eficiência, que devem nortear os atos do homem público.31
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA -
CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS - EXERCÍCIO DO
CARGO DE PROCURADOR DA FAZENDA MUNICIPAL - REMUNERAÇÃO
DA CONTRATADA EM VALOR SUPERIOR A DO CARGO - LESÃO AO
ERÁRIO - CONDUTA TIPIFICADA NOS ARTIGOS 10 E 11 DA LEI Nº
30 TJMG - Apelação Cível 1.0672.06.200836-8/001, Relator(a): Des.(a) Edilson Fernandes, 6ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 20/10/2009, publicação da súmula em 11/12/2009.
31 TJMG - Apelação Cível 1.0479.06.114483-4/001, Relator(a): Des.(a) Edilson Fernandes,
6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 30/11/2010, publicação da súmula em 14/01/2011.
34
8.429/92 - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONFIGURADA -
PENALIDADES PREVISTAS NO ARTIGO 12, INCISO II E III - DOSIMETRIA
- RAZOABILIDADE E ADEQUAÇÃO. 1. A ilegalidade na contratação de
escritório advocatício para a realização das funções de Procurador da
Fazenda Municipal não pode ser tido como mera irregularidade, tendo em
vista que o advogado réu, na qualidade de representante do escritório,
recebeu remuneração superior àquela prevista para o cargo de Procurador
da Fazenda, o que resultou em dano ao erário. 2. Os fatos devidamente
comprovados nos autos evidenciam que a conduta praticada pelos réus
subsume-se com o ato ímprobo previsto nos artigos 10, caput e 11, caput e
inciso I, todos da Lei nº 8.429/92. 3. O elemento subjetivo da conduta do
administrador deve ser apurado pela demonstração de ausência de
boa-fé objetiva no cumprimento dos deveres de honestidade,
imparcialidade, legalidade e lealdade, inerentes ao exercício da
administração do patrimônio público. 4. Ao cominar a sanção por prática
de ato de improbidade administrativa, deve o Julgador analisar a lesividade
e a reprovabilidade da conduta dos réus, o elemento volitivo e a consecução
do interesse público, de modo a adequar a pena ao caso concreto, sempre
com caráter inibitório de futuras práticas lesivas ao erário e ao princípio da
moralidade administrativa.32
Porquanto, essa quebra de confiança gerada pela conduta do
administrador, que reside na prática de um ato contraditório, lesivo, que fere a
moralidade, acarreta a ineficácia do próprio ato, gerando ao agente provocador,
de per si, a obrigação de reparar os danos decorrentes deste comportamento.
Neste sentido orienta a melhor doutrina, in verbis:
O principal efeito do instituto sub analise é a inibição do exercício de
poderes jurídicos ou direitos, em contradição com o comportamento anterior.
É o que se convencionou chamar de proibição do comportamento
contraditório (nemo potest venire contra factum proprium). E se o agente
descumpre essa proibição? Nesse caso, a conduta posterior considerar-seá
ineficaz e o agente poderá ser obrigado a reparar os danos decorrentes
desse comportamento contraditório.33
Ademais, é cediço, pois, que todos os atos administrativos, regra
geral, devem respeitar também o princípio da solenidade, conforme ensina
Fernanda Marinela, in verbis:
O princípio aplicável a cada ato depende do regime a ser adotado. Tem-se
que, para o ato regido pelo direito privado, aplica-se o princípio da liberdade
32 TJMG - Apelação Cível 1.0342.11.008190-4/003, Relator(a): Des.(a) Edilson Fernandes, 6ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/03/2016, publicação da súmula em 15/03/2016.
33 Andrade, Adriano; Masson, Cleber; Andrade, Landolfo / Interesses difusos e coletivos
esquematizado – 3. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
MÉTODO, 2013; p. 506, epub.
35
de formas, enquanto, para os atos regidos pelo direito público, a regra é o
princípio da solenidade, o que se justifica com o interesse público que ele
representa.
Os atos administrativos, em decorrência de seu regime público e,
consequentemente, do princípio da solenidade, deverão ser formalizados
por escrito, independentemente de qualquer previsão específica.34
A exigência à solenidade, como já dito, impera em virtude do
controle social e dos órgãos da administração, como, exempli gratia, o Tribunal
de Contas deste Estado, que exige, para exame da legalidade, o
encaminhamento dos documentos que fundamentaram a contratação direta,
nos termos da súmula 34, que assim dispõe, in verbis:
SÚMULA 34 Os contratos referentes a obras, compras e serviços sujeitos
à licitação, encaminhados ao Tribunal de Contas para o exame de sua
legalidade, devem estar instruídos com a documentação integral e
comprobatória da observância do procedimento licitatório ou, na hipótese
de dispensa ou inexigibilidade, com a documentação que fundamentou
a contratação direta.
Nos termos do artigo 70, parágrafo único, da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, p restará contas qualquer pessoa
física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie
ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União
responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.
Neste mesmo sentido dita o artigo 93, do Decreto-Lei n. 200/67,
in verbis:
Art. 93. Quem quer que utilize dinheiros públicos terá de justificar seu bom e
regular emprêgo na conformidade das leis, regulamentos e normas
emanadas das autoridades administrativas competentes.
Portanto, caberia ao alcaide e, também, nesta pegada, aos réus,
a entabulação de um processo para que, mediante ele, pudessem prestar
contas quanto ao dinheiro público empregado.
Os réus ainda informam que receberam verba através da Lei
Estadual n. 17.615/08, o que tornaria lícita a contratação.
34 Marinela, Fernanda / Direito administrativo – 9. ed. -São paulo: Saraiva, 2015; 421, epub.
36
Prima facie, ainda que se admitisse tal absurdo, não há qualquer
nota de empenho o evidenciando. Da mesma forma, não há qualquer prova
quanto ao efetivo repasse de verba pelo Estado.
Porquanto, nos termos da súmula n. 93, do próprio Tribunal de
Constas do Estado, as despesas públicas que não se fizerem acompanhar
de nota de empenho, de nota fiscal quitada ou documento equivalente
são irregulares e poderão ensejar a responsabilização do gestor.
Ademais, como o dinheiro autorizado pelas Lei n.447/2006 e
465/2007 já se encontrava empregado ao contrato de inexigibilidade de
licitação avençado entre o Município e a empresa Pedro Amesteli Eventos Ltda,
era necessário, ainda, que existisse uma lei em sentido estrito autorizando o
crédito e, portanto, o gasto, para a contratação dos serviços dos réus Carolina
Roberta Motta Ribeiro e Roberto Xavier Ribeiro.
Assim dispõe a Lei Orgânica do Município de Alto Rio Doce, em
vigor na época dos fatos, in verbis:
Artigo 123: Nenhuma despesa será ordenada ou satisfeita sem que
exista recurso disponível e crédito votado pela Câmara Municipal, salvo
a que correr por conta de crédito extraordinário.
Artigo 135: § 3º: A abertura de crédito extraordinário somente será admitida
para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de
calamidade pública.
Portanto, era estritamente necessário a observância de ato
normativo autorizando a despesa (instituindo o crédito), o que, in casu, data
vênia, não ocorreu.
Porquanto, preconiza a Lei n. 4.320/64, in verbis:
Art. 60. É vedada a realização de despesa sem prévio empenho.
§ 1º Em casos especiais previstos na legislação específica será dispensada
a emissão da nota de empenho.
§ 2º Será feito por estimativa o empenho da despesa cujo montante não se
possa determinar.
§ 3º É permitido o empenho global de despesas contratuais e outras,
sujeitas a parcelamento.
Art. 61. Para cada empenho será extraído um documento denominado
"nota de empenho" que indicará o nome do credor, a representação e a
importância da despesa bem como a dedução desta do saldo da
dotação própria.
Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado
37
após sua regular liquidação.
Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito
adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos
comprobatórios do respectivo crédito.
§ 1° Essa verificação tem por fim apurar:
I - a origem e o objeto do que se deve pagar;
II - a importância exata a pagar;
III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.
§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços
prestados terá por base:
I - o contrato, ajuste ou acôrdo respectivo;
II - a nota de empenho;
III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do
serviço.
Art. 64. A ordem de pagamento é o despacho exarado por autoridade
competente, determinando que a despesa seja paga.
Parágrafo único. A ordem de pagamento só poderá ser exarada em
documentos processados pelos serviços de contabilidade.
Art. 68. O regime de adiantamento é aplicável aos casos de despesas
expressamente definidos em lei e consiste na entrega de numerário a
servidor, sempre precedida de empenho na dotação própria para o fim
de realizar despesas, que não possam subordinar-se ao processo
normal de aplicação.
Art. 69. Não se fará adiantamento a servidor em alcance nem a responsável
por dois adiantamentos.
Ainda, do ato, inexistindo lei autorizando o crédito, e ainda que
houvesse, não se denotou qualquer justificativa que comprovasse a real
necessidade e interesse público na formação da despesa, o que era
imprescindível, ainda mais por já existir outra empresa contratada para a
prestação dos serviços durante a “Festa do Peão Boiadeiro” nos anos de 2006
e 2007.
Para ilustrar, colham-se os seguintes arestos emanados pelo
Tribunal de Contas da União, in verbis:
O ato de ordenar despesas não é meramente formal. Cabe ao ordenador de
despesas analisar se o processo contém todas as informações necessárias
para autorizar a realização do pagamento.35
Quem quer que utilize dinheiros públicos terá de justificar seu bom e regular
emprego na conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das
autoridades administrativas, pois incumbe ao gestor a comprovação da
correta aplicação dos recursos públicos que lhe são confiados.36
35 TCU – acórdão 2597/2013, Relator Aroldo Cedraz, Plenário.
36 TCU – acórdão 3087/2009, Relator Augusto Nardes, Primeira Câmara.
38
Diametralmente, a suposta alegação de repasse do crédito pela
Lei Estadual n. 17.615/08 é teratológica, não só por inexistir lei em sentido
estrito autorizando a liberação do crédito e a despesa, como também por ser
ela de 2008, tendo entrado em vigor em 05/07/2008, em momento posterior,
pois, às festas de 2006 e 2007.
Ainda, do relatório de investimentos financeiros em bens e
atividades culturais emitido pela Prefeitura de Alto Rio Doce, acostado à f. 652,
dos autos, consta o investimento de R$ 11.000,00 (onze mil reais) à Carol Mota
Produções e Eventos para a “Festa do Peão Boiadeiro” no ano de 2007, bem
como à f. 673, também dos autos, consta alvará de “licença para localização e
funcionamento” durante a festa de 2008, à mesma empresa (Carol Mota
Produções e Eventos Ltda).
Os panfletos de publicidade dos eventos, da mesma forma,
apontam como organizadora a empresa “Karol Motta Promoções e Eventos” (ff.
676, 683 e 713).
Todavia, referida pessoa jurídica, como confessado pelos próprios
réus, nunca existiu. O que de fato ocorreu foi a inscrição de Carolina como
empresária individual na Junta Comercial.
Os réus defendem que a pessoa contratada era Carolina Roberta
Motta Ribeiro, sempre como pessoa física, o que de fato se depreende da
documentação encartada aos autos.
Isso, aliás, é o que se extrai dos documentos de ff. 118 e 672, dos
autos, que demonstram que, a Inscrição de Carolina na Junta Comercial, como
empresária individual, contudo, omente a partir de 30/09/2008, em momento,
portanto, posterior às festas de 2006, 2007 e 2008, como sustentado pelo
autor.
Das provas dos autos ainda sobressai, através de documentos
emanados pela própria Prefeitura, que nunca existiu qualquer processo ou
contrato junto aos réus Carolina Roberta Motta Ribeiro, Roberto Xavier Ribeiro
e Juscelino da Silva Amaral – ME, bem como com a “empresa” Carol Motta
Produções e Eventos Ltda (que diga-se de passagem nunca existiu, embora
39
houvesse alvará expedido em tal nome), não havendo, ainda, qualquer receita
advinda da cobrança de ingresso e venda de alimentos e bebidas durante as
respectivas festividades (ff. 116/117).
Os réus defendem, contudo, que não houve qualquer prejuízo à
municipalidade oriunda da prestação dos serviços, eis que o dinheiro obtido
através da cobrança de ingresso foi convertido no pagamento de seguranças,
na promoção da infraestrutura e na contratação dos shows.
Entretanto, além de ilegal, não há como mensurar respectivo
argumento, eis que não se sabe quanto foi arrecadado através da cobrança
dos ingressos e nem quanto foi gasto pela prestação dos serviços.
Os réus, nesta toada, ainda se contradizem, eis que alegam
terem recebido recursos do “Estado” para tal mister, ocasião em que não
poderiam, de maneira alguma, reverter o lucro da cobrança ao pagamento dos
serviços, sendo tal ativo, pois, do Ente.
Os demandados argumentam, ainda, que não tiveram qualquer
participação a respeito da exploração da venda bebida e comida durante os
eventos, contudo, através das provas testemunhais, encontram-se duas
premissas de ilegalidade.
A primeira reside no fato de ter Carolina efetuado um leilão para
cobrar de comerciantes pela exploração de barracas no parque, conforme o
depoimento de Roberto Xavier Ribeiro, in verbis:
(…) que era filha do depoente que cedia espaço para os comerciantes de
bebidas e alimentação; que ela cobrava os comerciantes pelo espaço
fornecido, tendo sido realizado um leilão; que o leilão foi organizado pela
filha do depoente e não pela prefeitura; que o depoente não sabe se o
dinheiro do leilão ficou com sua filha, esclarecendo que, se ficou, foi para
custear as despesas.37
A segunda se encontra no fato de ter a própria Carolina, através
de sua fictícia empresa, explorado a respectiva venda, in verbis:
(…) quem coordenava o espaço no local de exposição para a venda de
alimentos e bebidas era a Carol Eventos (…).38
37 Trecho extraído à f. 486, dos autos n. 0021.11.000597-8.
38 Trecho extraído do depoimento do réu Wilson Teixeira Gonçalves Filho, acostado à f. 485,
dos autos n. 0021.11.000597-8.
40
(…) que a receita de vendas de bebidas e alimentos era revertida para o
pagamento das despesas com o evento (…).39
(…) que as barracas eram administradas por “Carol”; que inclusive trabalhou
como chapeiro na barraca de “Carol”.40
De qualquer forma, como se vê, a ré explorou ou as barracas ou
os comerciantes, de modo que de qualquer um deles obteve lucro.
Ainda, existem informações de que para o ingresso, além de
determinado valor pecuniário, eram colhidos alimentos não perecíeis para
entidades carentes.
Não se pode descurar que, de fato, tenha existido respectiva
doação, mas a prova dos autos, ainda assim, demonstra que o dinheiro da
cobrança de ingressos e exploração da venda de bebidas e alimentos, em bem
pertencente ao Município, se converteu em favor dos réus, eis que, além de o
próprio município informar que nunca existiu qualquer ativo advindo destas
cobranças, os próprios réus confessaram terem os revertido, bem como ainda
resta comprovado, inclusive, através do depoimento do próprio Prefeito e da ré
Carolina, que houve investimento financeiro por parte do ente para a realização
do evento.
O réu Wilson Teixeira Gonçalves Filho, em seu depoimento
prestado à f. 485, dos autos n. 0021.11.000597-8, asseriu ter feito licitação para
estruturação física do parque nos anos de 2006 e 2007 e que, em 2008, fez o
repasse direito à empresa Juscelino da Silva Amaral – ME, sem licitação, por
existir lei autorizativa. Confessou que a organização dos eventos durante os
anos de 2006, 2007 e 2008 ficou a cargo de “Carol Eventos”, a qual cobrou
ingressos e explorou a venda de bebidas e alimentos, tendo ficado com os
lucros, os quais, ainda, reputou inexpressivos ante a grandiosidade da festa.
O réu Roberto Xavier Ribeiro, por sua vez, em seu depoimento
prestado à f. 486, dos autos n. 0021.11.000597-8, asseverou que sua filha,
através da empresa Karol Motta Promoções e Eventos, é quem, de fato,
39 Trecho extraído do depoimento da ré Carolina Roberta Motta Ribeiro, à f. 487, dos autos n.
0021.11.000597-8.
40 Trecho extraído do depoimento da testemunha Carlos Alberto Fortuna Dias, estraído à f.
631, dos autos n. 0021.11.000597-8.
41
organizou os eventos durante os anos de 2006, 2007 e 2008, tendo ajudado
apenas no emprego de recursos financeiros. Afirmou que a sua filha, Carolina
Roberta Motta Ribeiro, cobrou ingressos e ficou com os lucros para custeio das
despesas. Asseverou, por fim, que sua filha não ficou com dinheiro advindo da
exploração de bebidas e alimentos, eis que efetuou leilão e cobrou pela cessão
do espaço para demais comerciantes, não sabendo dizer se ela ficou com este
ativo.
Carolina Roberta Motta Ribeiro, por seu turno, em depoimento
prestado à f. 487, dos autos n. 0021.11.000597-8, confessou que foi a sua
empresa, “Karol Motta Promoções e Eventos”, quem organizou a “Festa do
Peão Boiadeiro” nos anos de 2006 a 2008. Propalou, ainda, que o lucro
advindo da cobrança de ingresso e exploração de bebidas e alimentos foram
convertidos para o pagamento das despesas, bem como afirmou que o
Município ajudou financeiramente e ativamente para o pagamento dos gastos.
Por fim, informou que recolheu impostos e que seus familiares ajudaram na
organização das festividades.
A testemunha Paulo Roberto Couto Damasceno, funcionário
público, perquirido à f. 623, dos autos n. 0021.11.000597-8, afirmou que não
houve a entrada de ativos no Ente referentes à cobrança de ingressos e a
venda de bebidas e alimentos, bem como que não existiu o recolhimento de
imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS) para a prestação de
referidos serviços, o que era obrigatório, acreditando, na sua concepção, que
respectivo mister foi olvidado em razão de não existir a empresa Carol Eventos.
Portanto, é fato que os réus se valeram de uma empresa fictícia
para prestar serviços ao município, sem que existisse lei aprovando, licitação
autorizando e contrato prevendo, em completa e insofismável burla a
legalidade.
Ainda, é solar que já existia uma empresa especializada
prestando serviços para festividades de 2006 e 2007, Pedro Amesteli Eventos
Ltda, de modo que não se encontra sequer justificada a prestação de referidos
serviços.
42
Os réus defendem, ainda, que foi concedido o espaço para a
organização do evento, pelo Município, de modo que foi legítima a exploração,
sendo a prestação dos serviços por parte das empresas Pedro Amesteli
Eventos Ltda e Juscelino da Silva Amaral- ME advindos de mero patrocínio
público a evento particular.
Prima facie, é de se salientar que os próprios réus, Wilson e
Carolina, em seus depoimentos, contradizendo suas defesas técnicas (destes
autos), asseveraram que houve a prestação de serviços na modalidade
“organização e coordenação”, sendo que parte do pagamento pelos serviços
prestados adveio da conversão do lucro oriundo da exploração dos ingressos e
da venda de bebidas e alimentos, pondo a cargo o suposto patrocínio e
autorização para uso do bem.
Contudo, estando mediante bem público de uso especial (artigo
99, inciso II41, do Código Civil Brasileiro), exige-se, a contento, título jurídico
individual, que poderia ser a autorização, a permissão ou a concessão.
Tal tipo de uso, além de ser oneroso, é estritamente formal, só
sendo possível através de autorização por instrumento próprio. Sobre o tema,
valho-me das lições de José dos Santos Carvalho Filho, in verbis:
Uso especial é a forma de utilização de bens públicos em que o indivíduo se
sujeita a regras específicas e consentimento estatal, ou se submete à
incidência da obrigação de pagar pelo uso. O sentido do uso especial é
rigorosamente o inverso do significado do uso comum. Enquanto este é
indiscriminado e gratuito, aquele não apresenta essas características.
Pela conceituação, verificamos que uma das formas de uso especial de
bens públicos é a do uso remunerado , aquela em que o administrado
sofre algum tipo de ônus, sendo o mais comum o pagamento de certa
importância para possibilitar o uso. Esse tipo de uso tem previsão até
mesmo no Código Civil, em cujo art. 103 se lê: “ O uso comum dos
bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for
estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração
pertencem.”42
Quatro são as características do uso especial privativo dos bens públicos.
A primeira é a privatividade do uso. Significa que aquele que recebeu o
consentimento estatal tem direito a usar sozinho o bem, afastando possíveis
interessados. Se o uso é privativo, não admite a concorrência de outras
pessoas.
41 Art. 99. São bens públicos: II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos
destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou
municipal, inclusive os de suas autarquias;
42 Carvalho Filho, José dos Santos / Manual de direito administrativo. – 30. Ed. ver., atual. e
ampl. – São Paulo: Atlas, 2016; p. 1451/1452, epub.
43
Outra característica é a instrumentalidade formal . O uso não existe
senão através de título jurídico formal, através do qual a Administração
exprime seu consentimento. É nesse título que estarão fixadas as
condições de uso, condições essas a que o administrado deve se
submeter estritamente.
A terceira é a precariedade do uso. Dizer-se que o uso é precário tem o
significado de admitir posição de relevância para a Administração, de modo
que, sobrevindo interesse público, possa ser revogado o instrumento
jurídico que legitimou o uso. Essa revogação, como regra, não rende ensejo
a qualquer indenização, mas pode ocorrer que seja devida pela
Administração em casos especiais, como, por exemplo, a hipótese em que
uma autorização de uso tenha sido conferida por tempo certo, e a
Administração resolva revogá-la antes do termo final.
Finalmente, esses instrumentos sujeitam-se a regime de direito público ,
no sentido de que a Administração possui em seu favor alguns princípios
administrativos que levam em consideração o interesse público, como é o
caso da revogação, acima mencionada.43
Da mesma forma leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro, in verbis:
Uso privativo, que alguns denominam de uso especial, é o que a
Administração Pública confere, mediante título jurídico individual, a
pessoa ou grupo de pessoas determinadas, para que exerçam, com
exclusividade, sobre parcela de bem público.
Pode ser outorgado a pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas,
pois nada impede que um ente público consinta que outro se utilize
privativamente do bem público integrado em seu patrimônio.44
In casu, malgrado, não há nenhum ato autorizando, permitindo ou
concedendo o uso do bem público (não existe, portanto, título jurídico formal),
sendo ilícita a exploração de ingressos e a venda de bebidas e alimentos. Além
do mais, levando em consideração que os réus auferiram lucro mediante a
exploração do bem, da mesma forma, não há qualquer prova de que foram
onerados pelo Ente.
Que o bem usado é público, porquanto, é fato incontroverso, eis
que ambos os réus não contestaram a sua propriedade pelo Município, se
detendo apenas em aduzir que era lícita a mera autorização informal.
De mais a mais, como cediço, os títulos se subdividem em três,
pelo que poderiam se dar mediante autorização, permissão ou concessão.
A autorização é um ato administrativo unilateral e discricionário,
pelo qual a Administração consente, a título precário, que um determinado
43 Idem; p. 1457/1458, epub.
44 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella / Direito administrativo – 27 ed. - São Paulo: Atlas, 2014; p.
765.
44
particular se utilize do bem público com exclusividade, no seu estrito interesse
privado (do utente).
Veja-se, pois, que a autorização não seria o meio adequado, in
casu, eis que o uso do parque para realização da “Festa do Peão Boiadeiro”
visou o interesse público, levando em consideração que respectivo evento é
previsto pela Lei Municipal n. 390/04. Ademais, a Lei Orgânica do Município de
Alto Rio Doce, em seu artigo 104, prevê expressamente que os únicos meios
de um particular se utilizar de determinado bem público são através da
permissão ou concessão.
A permissão, por sua vez, é um ato administrativo unilateral,
discricionário e precário, pelo qual a Administração Pública faculta a utilização
privativa de bem público para o exclusivo fim de interesse público.
Já a concessão, por outro lado, é o ato pelo qual a Administração
faculta ao particular a utilização privativa do bem para que o exerça conforme a
sua destinação, sendo preferida em relação a permissão, caso a utilização
objetive o exercício de atividade de utilidade pública de maior vulto.
Nesta esteira, é solar, indubitavelmente, que se deveria utilizar,
para o uso do bem público, a permissão ou a concessão, os quais, além de
exigiram o título jurídico formal, só se aperfeiçoam através de licitação, nos
estritos termos do artigo 2º, da 8.666/93.
Ademais, a Lei Orgânica do Município de Alto Rio Doce, em vigor
na época dos fatos, prevê expressamente que o uso de bem público especial
só se dará mediante concessão ou permissão, dependendo de lei e
concorrência, para a concessão, ou decreto, através da permissão, in verbis:
Artigo 104: O uso de bens municipais, por terceiros só poderá ser feito
mediante concessão ou permissão a título precário e por tempo
determinado conforme o interesse público o exigir.
§ 1º: A concessão de uso de bens públicos de uso especial e dominical
dependerá de lei e concorrência e será feita mediante contrato sob
pena de nulidade do ato, ressalvada a hipótese do ato do parágrafo 1º do
artigo 101 desta Lei Orgânica.
§ 2º: A concessão administrativa de uso de bens públicos de uso comum
somente poderá ser outorgada para fins escolares, da assistência social ou
Turística, com autorização legislativa.
§ 3º: A permissão de uso que poderá incidir sobre qualquer bem
público será feito a título precário por ato unilateral do Prefeito através
de decreto.
45
Nota-se que a concessão, regra geral, apenas se perfaz através
de lei e concorrência, necessitando, portanto, de licitação. Contudo, encontra
exceção no artigo 101, § 1º, da LOM, que prescreve que a concorrência poderá
ser dispensada, por lei quando, o uso se destinar a concessionária de serviço
público, a entidades assistenciais, ou quando houver relevante interesse
público, devidamente justificado.
Todavia, in casu, não existe qualquer lei eximindo a administração
de licitar, mediante concorrência, o uso do referido bem, bem como justificando
o relevante interesse público.
Portanto, inexistindo lei autorizando a concessão ou decreto
prevendo a permissão do bem público, bem como inexistindo o título jurídico
formal e a famigerada licitação, há patente ilegalidade no ato.
Ainda, no que toca ao suposto patrocínio público a evento
privado, conforme sustentado pelos réus, como cediço, seria obrigatório, para o
caso de obrigações recíprocas, a formulação de um contrato, nos termos do
artigo 2º, parágrafo único, da Lei n. 8.666/93, ou um convênio, no caso de
colaboração mútua para a consecução de objetivos de interesse em comum,
na forma do artigo 116, do mesmo Diploma.
Ao que tudo parece, no presente caso, visou-se o interesse em
comum (fomento à cultura), pelo que deveria ter sido lavrado convênio entre o
Ente e os réus Carolina e Roberto, para, posteriormente, na contratação dos
demais serviços, compras e obras, empenhar-se licitação, na forma do Decreto
n. 5.504/05.
Contudo, in casu, além de os réus não demonstrarem o interesse
público na formulação do patrocínio, o que era imprescindível (axioma da
supremacia do interesse público sobre o privado), não houve a elaboração de
qualquer contrato ou convênio para tal, bem como, para o ano de 2008, de
licitação para contratação dos serviços pagos com dinheiro público.
A exigência à formalidade, aqui, é imprescindível, pois visa dar
publicidade e justificativa aos objetivos institucionais e atos do Ente, a relação
custo-benefício do repasse a ser concedido, os retornos ou benefícios a serem
46
obtidos, a viabilidade econômica e financeira e a avaliação dos resultados a
serem contraídos, bem como, inexoravelmente, dá suporte à prestação de
contas.
Neste sentido é a jurisprudência do Tribunal de Contas da União,
in verbis:
REPRESENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVAS PARA A
CONCESSÃO DE PATROCÍNIO E DE ANÁLISE POSTERIOR SOBRE OS
RESULTADOS AUFERIDOS PELA ENTIDADE. AUDIÊNCIA. MULTA.
DETERMINAÇÕES. 1. As concessões de patrocínios por órgãos e
entidades da Administração Pública Federal devem ser precedidas das
devidas justificativas, especialmente os ganhos de mídia que poderão
advir com esse tipo de repasse de recursos públicos a terceiros. 2. Na
prestação de contas a ser apresentada pelo patrocinado devem
constar os documentos comprobatórios que evidenciem o destino
dado ao montante recebido às custas do erário, em consonância com a
avaliação sistemática dos resultados obtidos, na forma do art. 3º,
inciso VI, do Decreto nº 4.799/2003. 3. Cabe ao órgão ou entidade da
Administração Pública Federal que avaliar globalmente os resultados
de sua política de patrocínio, por meio de pesquisas que ponderem o
retorno e a aceitação do público em relação aos patrocínios
concedidos. 4. Somente é legítima a intermediação de agências de
publicidade e propaganda nos repasses alusivos a ações de patrocínio por
parte de órgãos e entidades da Administração Pública Federal quando
houver a necessidade de prestação de consultoria especializada por tais
agências.45
Portanto, para a existência de um convênio, como cediço,
deveriam ter sido observadas as exigências contidas no artigo 116, da Lei n.
8.666/93, que assim dispõe, in verbis:
Art. 116. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos
convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados
por órgãos e entidades da Administração.
§ 1º A celebração de convênio, acordo ou ajuste pelos órgãos ou entidades
da Administração Pública depende de prévia aprovação de competente
plano de trabalho proposto pela organização interessada, o qual deverá
conter, no mínimo, as seguintes informações:
I - identificação do objeto a ser executado;
II - metas a serem atingidas;
III - etapas ou fases de execução;
IV - plano de aplicação dos recursos financeiros;
V - cronograma de desembolso;
VI - previsão de início e fim da execução do objeto, bem assim da conclusão
das etapas ou fases programadas;
VII - se o ajuste compreender obra ou serviço de engenharia, comprovação
de que os recursos próprios para complementar a execução do objeto estão
45 Tribunal de Contas da União – ACÓRDÃO 2277/2006 – PLENÁRIO, julgado em 29/11/2006,
Relator Ubiratan Aguiar.
47
devidamente assegurados, salvo se o custo total do empreendimento recair
sobre a entidade ou órgão descentralizador.
§ 2º Assinado o convênio, a entidade ou órgão repassador dará ciência do
mesmo à Assembléia Legislativa ou à Câmara Municipal respectiva.
§ 3º As parcelas do convênio serão liberadas em estrita conformidade com o
plano de aplicação aprovado, exceto nos casos a seguir, em que as
mesmas ficarão retidas até o saneamento das impropriedades ocorrentes:
I - quando não tiver havido comprovação da boa e regular aplicação da
parcela anteriormente recebida, na forma da legislação aplicável, inclusive
mediante procedimentos de fiscalização local, realizados periodicamente
pela entidade ou órgão descentralizador dos recursos ou pelo órgão
competente do sistema de controle interno da Administração Pública;
II - quando verificado desvio de finalidade na aplicação dos recursos,
atrasos não justificados no cumprimento das etapas ou fases programadas,
práticas atentatórias aos princípios fundamentais de Administração Pública
nas contratações e demais atos praticados na execução do convênio, ou o
inadimplemento do executor com relação a outras cláusulas conveniais
básicas;
III - quando o executor deixar de adotar as medidas saneadoras apontadas
pelo partícipe repassador dos recursos ou por integrantes do respectivo
sistema de controle interno.
§ 4º Os saldos de convênio, enquanto não utilizados, serão
obrigatoriamente aplicados em cadernetas de poupança de instituição
financeira oficial se a previsão de seu uso for igual ou superior a um mês, ou
em fundo de aplicação financeira de curto prazo ou operação de mercado
aberto lastreada em títulos da dívida pública, quando a utilização dos
mesmos verificar-se em prazos menores que um mês.
§ 5º As receitas financeiras auferidas na forma do parágrafo anterior serão
obrigatoriamente computadas a crédito do convênio e aplicadas,
exclusivamente, no objeto de sua finalidade, devendo constar de
demonstrativo específico que integrará as prestações de contas do ajuste.
§ 6º Quando da conclusão, denúncia, rescisão ou extinção do convênio,
acordo ou ajuste, os saldos financeiros remanescentes, inclusive os
provenientes das receitas obtidas das aplicações financeiras realizadas,
serão devolvidos à entidade ou órgão repassador dos recursos, no prazo
improrrogável de 30 (trinta) dias do evento, sob pena da imediata
instauração de tomada de contas especial do responsável, providenciada
pela autoridade competente do órgão ou entidade titular dos recursos.
A inobservância de tais procedimentos, tal como já explanado no
corpo deste decisum, geram ilegalidades que afetam diretamente os princípios
da Administração, impossibilitando e inviabilizando a prestação de contas e
proporcionando a corrupção e o desvio de poder.
Ademais, fere-se cabalmente o princípio da impessoalidade, pois
se pretere e impossibilita a objetivação do interesse público, quer por sequer se
encontrar evidenciado ou quer por ser amplamente olvidado, para se primar
pela discricionariedade invisível-usurpadora, subjetividade e interesse pessoal
do agente político que pratica o ato (bem como aqueles que dele participam).
48
Porquanto, ainda que se admitisse referida tese (patrocínio
público a evento particular), a mesma, ante o niilismo de qualquer formalidade
e tergiversação quanto aos procedimentos pertinentes aos contratos
administrativos ou, principalmente, aos convênios, bem como pela inexistência
do efetivo interesse público que sustentasse o repasse da verba (eis que não
há qualquer justificativa administrativa neste sentido), a tal título, é ilegal.
No que toca a “Festa do Peão Boiadeiro” empreendida no ano de
2008, da mesma forma que as demais, não houve licitação ou contrato para a
prestação de serviços, os quais, desempenhados pelas pessoas de Carolina
Roberta Motta Ribeiro e Roberto Xavier Ribeiro, foram pagos à empresa
Juscelino da Silva Amaral – ME, conforme nota de empenho acostada às ff.
102/106, dos autos.
De referido evento, ainda, sobressai a sua relativa prestação, eis
que por motivo de força maior só houve um dia de festa.
O autor afirma que mesmo sendo todos os shows devidamente
adimplidos, em que pese não terem acontecido, os réus se valeram,
particularmente, da dupla “Fred e Paulinho”, para um evento privado, pago,
pois, com dinheiro público.
Causa espécie o fato de nenhum dos réus ter infirmado propalada
assertiva, se retendo apenas em dizer, ora que foi acordado que os cachês
para os mesmos shows a serem prestados no ano posterior seriam rebaixados
à metade (Carolina Roberta Motta Ribeiro e Roberto Xavier Ribeiro) e ora que
os mesmos shows seriam prestados no próximo ano de forma gratuita (Wilson
Teixeira Gonçalves Filho).
A primeira parte da dicotomia já reside na contradição elencada
pelos réus, eis que não se decidiram se seria cobrado metade ou nada. A
segunda se açambarca em não terem combatido e, assim sendo, muito menos
demonstrado que o referido show privado não foi financiado com dinheiro
público.
Ora, os próprios réus afirmaram que houve o pagamento pelo
Município do show da dupla sertaneja “Fred e Paulinho”, o qual não ocorreu na
49
festividade por motivo de força maior, conquanto, paralelamente, ocorreu de
modo privado, não existindo, a este respeito, contrário senso, prova do seu
pagamento pelos réus, o que lhes incumbia.
O autor ainda alega que a Lei Municipal n. 482/08, autorizando a
verba paga à empresa Juscelino da Silva Amaral – ME, pela prestação de
serviços na “Festa do Peão Boiadeiro” daquele ano, só teve vigência após a
própria realização dos serviços.
De fato, a nota de empenho foi emitida antes da vigência da Lei
Municipal n. 482/08, em que pese a liquidação apenas ter se dado em data
posterior.
Os réus, por sua vez, defendem que referida lei retroagiu à
realização do evento, convalidando a despesa.
Neste diapasão, verifico que a lei realmente retroagiu até a data
de realização do evento e a emissão do empenho, malgrado, data vênia, a meu
ver, é ilícita a referida convalidação.
Ditam os artigos 55, da Lei n. 9.784/99, e 66, da Lei Estadual n.
14.184/02, que somente podem ser convalidados pela Administração os atos
que apresentem defeitos sanáveis, bem como os quais, da sua convalidação,
não haja prejuízo ao interesse público, in verbis:
Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao
interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem
defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração.
Art. 66 - Na hipótese de a decisão não acarretar lesão do interesse público
nem prejuízo para terceiros, os atos que apresentarem defeito sanável
serão convalidados pela Administração.
Neste sentido já decidiu o Egrégio Tribunal Mineiro, in verbis:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - RESSARCIMENTO DE
DANOS AO ERÁRIO - VEREADOR - DIÁRIAS DE VIAGEM - PAGAMENTO
PREVISTO EM RESOLUÇÃO - ILEGALIDADE - LEI ORGÂNICA DO
MUNICÍPIO DE ALFENAS - EXIGÊNCIA DE LEI EM SENTIDO ESTRITO -
DEVOLUÇÃO DOS VALORES - CONVALIDAÇÃO POR LEI MUNICIPAL
POSTERIOR - IMPOSSIBILIDADE - VÍCIOS INSANÁVEIS - SENTENÇA
MANTIDA.
Uma vez comprovada a ilegalidade dos pagamentos de diárias de
50
viagem fundamentados em Resolução da Câmara Municipal de
Alfenas, com evidente lesão ao erário municipal, já que a Lei Orgânica
do Município exige lei em sentido estrito para regulamentação desta
matéria, além da irregularidade da convalidação daqueles atos
normativos, torna-se imperiosa a procedência da ação, condenando-se
o réu/apelado, na qualidade de vereador daquele Município, a ressarcir
ao patrimônio público municipal o valor constante da inicial.46
Porquanto, in casu, tenho por insanável acurado vício, eis que
houve a prestação de serviços e a emissão da nota de empenho a uma
empresa que, até onde se sabe, pode sequer tê-los prestado, eis que
confessadamente o foram pelas pessoas de Carolina Roberta Motta Ribeiro e
Roberto Xavier Ribeiro, sem licitação para ambos, bem como a formulação de
processo e contrato.
Desta forma, é ilegal a respectiva convalidação.
Portanto, de todo o exposto, tenho que a vinculação existente
entre o Município e os réus Carolina Roberta Motta Ribeiro, Roberto Xavier
Ribeiro e Juscelino da Silva Amaral – ME, para a organização e exploração da
“Festa do Peão Boiadeiro” durante os anos de 2006, 2007 e 2008, na íntegra,
padece do vício da nulidade.
Em casos análogos já decidiu o Superior Tribunal de Justiça,
mutatis mutandis, in verbis:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA.
CHEQUE PRESCRITO. CONTRATO VERBAL DE PRESTAÇÃO DE
SERVIÇO. TRANSPORTE. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO E PRÉVIO
EMPENHO. ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 59, § 4º, DA LEI 4.320/64,
59 E 60, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.666/93. OCORRÊNCIA.
OBRIGATORIEDADE DA LICITAÇÃO. PRINCÍPIO DE ORDEM
CONSTITUCIONAL (CF/88, ART. 37, XXI). FINALIDADE (LEI 8.666/93,
ART. 3º). FORMALIZAÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS.
REGRA GERAL: CONTRATO ESCRITO (LEI 8.666/93, ART. 60,
PARÁGRAFO ÚNICO). INOBSERVÂNCIA DA FORMA LEGAL. EFEITOS.
NULIDADE. EFICÁCIA RETROATIVA (LEI 8.666/93, ART. 59,
PARÁGRAFO ÚNICO). APLICAÇÃO DAS NORMAS DE DIREITO
FINANCEIRO. PROVIMENTO.
1. Da análise do acórdão recorrido, verifica-se que não há dúvidas
quanto à existência do contrato verbal de prestação de serviços
celebrado entre o Município de Morretes/PR e a Viação Estrela de Ouro
Ltda, bem como do cheque emitido e não-pago pela municipalidade a
título de contraprestação pelo arrendamento de três ônibus
efetivamente utilizados no transporte coletivo. Nesse contexto, a
46 TJMG - Apelação Cível 1.0016.12.002343-3/002, Relator(a): Des.(a) Geraldo Augusto, 1ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/10/2012, publicação da súmula em 31/10/2012.
51
questão controvertida consiste em saber se, à luz das normas e
princípios que norteiam a atuação da Administração Pública, é válido e
eficaz o contrato administrativo verbal de prestação de serviço
firmado.
2. No ordenamento jurídico em vigor, a contratação de obras, serviços,
compras e alienações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal, dos Municípios e entidades da administração
pública indireta, está subordinada ao princípio constitucional da
obrigatoriedade da licitação pública, no escopo de assegurar a
igualdade de condições a todos os concorrentes e a seleção da
proposta mais vantajosa (CF/88, art. 37, XXI; Lei 8.666/93, arts. 1º, 2º e
3º).
3. Além disso, a Lei 8.666/93, na seção que trata da formalização dos
contratos administrativos, prevê, no seu art. 60, parágrafo único, a
regra geral de que o contrato será formalizado por escrito, qualificando
como nulo e ineficaz o contrato verbal celebrado com o Poder Público,
ressalvadas as pequenas compras de pronto pagamento, exceção que
não alcança o caso concreto.
4. Por outro lado, o contrato em exame não atende às normas de
Direito Financeiro previstas na Lei 4.320/64, especificamente a
exigência de prévio empenho para realização de despesa pública (art.
60) e a emissão da 'nota de empenho' que indicará o nome do credor, a
importância da despesa e a dedução desta do saldo da dotação própria
(art. 61). A inobservância dessa forma legal gera a nulidade do ato (art.
59, § 4º).
5. Por todas essas razões, o contrato administrativo verbal de
prestação de serviços de transporte não-precedido de licitação e
prévio empenho é nulo, pois vai de encontro às regras e princípios
constitucionais, notadamente a legalidade, a moralidade, a
impessoalidade, a publicidade, além de macular a finalidade da
licitação, deixando de concretizar, em última análise, o interesse
público.
6. No regime jurídico dos contratos administrativos nulos, a declaração
de nulidade opera eficácia ex tunc, ou seja, retroativamente, não
exonerando, porém, a Administração do dever de indenizar o
contratado (Lei 8.666/93, art. 59, parágrafo único), o que, todavia, deve
ser buscado na via judicial adequada.
7. Recurso especial provido.47
ADMINISTRATIVO. CONTRATO VERBAL. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO.
AÇÃO DE COBRANÇA JULGADA IMPROCEDENTE. BOA-FÉ AFASTADA
PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ART. 60, PARÁGRAFO
ÚNICO, DA LEI DE LICITAÇÕES.
I - Consta do acórdão recorrido inexistir boa-fé na atitude da empresa
agravante, de contratar com o serviço público sem licitação e por meio de
contrato verbal. Eis o trecho nele transcrito: "(...) não há elementos que
autorizem o conhecimento da boa-fé da Autora, uma vez que estava ciente
de que as contratações deveriam ser precedidas de licitação, pelo que se
dessume da prova testemunhal, ou pelo menos de justificativa prévia e
escrita de dispensa ou possibilidade de licitação, em face do disposto no
art. 26 da Lei de Licitações". (fls. 506).
II - Assim sendo, na esteira da jurisprudência desta colenda Corte, ante
a única interpretação possível do disposto no artigo 60, parágrafo
único, da Lei de Licitações, "é nulo o contrato administrativo verbal" e,
ainda que assim não fosse, é nulo "pois vai de encontro às regras e
47 REsp 545.471/PR, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
23/08/2005, DJ 19/09/2005, p. 187.
52
princípios constitucionais, notadamente a legalidade, a moralidade, a
impessoalidade, a publicidade, além de macular a finalidade da
licitação, deixando de concretizar, em última análise, o interesse
público". A propósito, confira-se, dentre outros: REsp 545471/PR,
Primeira Turma, DJ de 19.09.2005.
III - Outrossim, é de se relevar não ser cognoscível o recurso especial,
relativamente à matéria contida no art. 59, parágrafo único, da Lei n.
8666/93, haja vista não ter sido objeto de julgamento pelo acórdão a quo,
inexistindo, portanto, o prequestionamento.
IV - Agravo regimental improvido.48
Feitas estas considerações, necessárias algumas ponderações
sobre a improbidade administrativa.
Diz o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal:
Art. 5º (…) - XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito;
Conforme dispõe o artigo 1º, da Lei n. 8.429/92, os atos de
improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a
administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de
empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação
ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por
cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos.
Etimologicamente a palavra improbidade, do latim improbitate,
significa imoralidade, desonestidade. No feliz conceito de Daniel Amorim
Assumpção Neves e Rafael Carvalho Rezende Oliveira, o termo pode ser
compreendido como o ato ilícito, praticado por agente político ou terceiro,
geralmente de forma dolosa, contra as entidades públicas e privadas, gestoras
de recursos públicos, capaz de acarretar enriquecimento ilícito, lesão ao erário
ou violação aos princípios que regem a Administração Pública49.
O artigo 4º, da Lei n. 8.429/92, em acatamento ao artigo 37,
caput, da Constituição Federal de 1988, reza que os agentes públicos de
qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos
48 AgRg no REsp 915.697/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 03/05/2007, DJ 24/05/2007, p. 338.
49 Neves, Daniel Amorim Assumpção; Oliveira, Rafael Carvalho Rezende / Manual de
improbidade administrativa – 2.a ed. rev., atual e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: MÉTODO, 2014; p. 20.
53
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos
assuntos que lhe são afetos.
Porquanto, nos termos dos artigos 5º e 6º, da Lei n. 8.429/92,
ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou
culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano,
e, no caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente público ou terceiro
beneficiário os bens ou valores acrescidos ao seu patrimônio.
O § 4º, do artigo 37, da Carta Política, conclama que os atos de
improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a
perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao
erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal
cabível.
Destarte, para aferir a legalidade do ato utiliza-se algumas balizas
da Lei nº 4.717/65, que assim prescreve, in verbis:
Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas
no artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma;
c) ilegalidade do objeto;
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão
as seguintes normas:
a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas
atribuições legais do agente que o praticou;
b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta
ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade
do ato;
c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em
violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou
de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou
juridicamente inadequada ao resultado obtido;
e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato
visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na
regra de competência.
Art. 3º Os atos lesivos ao patrimônio das pessoas de direito público ou
privado, ou das entidades mencionadas no art. 1º, cujos vícios não se
compreendam nas especificações do artigo anterior, serão anuláveis,
segundo as prescrições legais, enquanto compatíveis com a natureza deles.
Art 4º - São também nulos os seguintes atos ou contratos, praticados ou
celebrados por quaisquer das pessoas ou entidades referidas no artigo 1º:
54
III - A empreitada, a tarefa e a concessão do serviço público, quando:
a) o respectivo contrato houver sido celebrado sem prévia concorrência
pública ou administrativa, sem que essa condição seja estabelecida em lei,
regulamento ou norma geral;
No caso presente, pelo que se depreende do acervo provatório e
das considerações já expostas na fundamentação desta decisão, tem-se que o
Município de Alto Rio Doce, na pessoa de seu então Prefeito, Wilson Teixeira
Gonçalves Filho, contratou diretamente, sem licitação ou formalidade, os
serviços dos réus Carolina Roberta Motta Ribeiro, Roberto Xavier Ribeiro e
Juscelino da Silva Amaral – ME (este apenas em 2008), (a) em
desconformidade com os artigos 37, inciso XXI, e 175, da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, artigos 2º, 24, 25, 26, 62, 60,
parágrafo único e 54, § 2º, da Lei n. 8.666/93, artigo 15, da Constituição do
Estado de Minas Gerais, súmula 24, do Tribunal de Contas do Estado, e artigos
83, inciso XXI, e 93, inciso III, alínea “b”, da Lei Orgânica do Município de Alto
Rio Doce, ao não licitar a prestação de serviços para a organização da “Festa
do Peão Boiadeiro” durante os anos de 2006, 2007 e 2008, aos réus, sequer se
valendo das hipóteses de inviabilidade, formalizando, pois, um “pacto verbal”,
em completo desrespeito às formalidades e solenidades obrigatórias, exigidas
por lei; (b) em desconformidade com os princípios da publicidade (arts. 83, §
2º, da Leio Orgânica do Município de Alto Rio Doce, e 3º, da Lei n. 8.666/93),
legalidade (art. 5º, inciso II, da CF/88), moralidade e eficiência, ambos previstos
no caput dos artigos 37, da Carta Política, 13, da Constituição do Estado de
Minas Gerais, e 83, da Lei Orgânica do Município de Alto Rio Doce, bem como
os subprincípios da transparência, lealdade, segurança jurídica, governança,
informação (art. 5º, inciso XXXIII, CF/88) e solenidade; (c) em desconformidade
com os artigos 54, da Lei n. 8.666/93, 113, 421 e 422, do Código Civil
Brasileiro, e 3º, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, ao contratar por inexigibilidade de licitação a empresa Pedro Amesteli
Eventos Ltda para prestação de serviços durante a “Festa do Peão Boiadeiro”
nos anos de 2006 e 2007, e, durante os mesmos eventos, bem como no ano
de 2008, não o fazer para contratar os serviços de uma empresa fictícia, “Carol
Motta Promoções e Eventos Ltda”, transvestida nas pessoas de Carolina
55
Roberta Motta Ribeiro e Roberto Xavier Ribeiro, bem como, em 2008, contratar
a empresa Juscelino da Silva Amaral – ME, ambas de forma verbal, sem
qualquer formalidade ou solenidade, encontrando vedação no brocardo nemo
potest vernire contra factum proprium e vilipendiando, com isso, nesta senda,
os princípios da boa-fé objetiva, tutela da confiança, moralidade, função social
dos contratos e solidariedade; (d) sem qualquer justificativa, fundamentação,
formalidade (artigo 26, lei n. 8.666/93) ou embasamento legal, principalmente
no que toca o uso do bem público, haja vista que para a permissão,
autorização ou cessão seria necessário a lavra de instrumento solene,
formalizando-se um título jurídico, o qual, por seu turno, deveria ter sido
onerado pelo Ente, bem como deveria ser precedido de lei, para concessão, ou
decreto, para permissão, nos termos do artigo 104, da Lei Orgânica do
Município de Alto Rio Doce, formalizando-se licitação na modalidade
concorrência; (e) em desconformidade com os artigos 76, parágrafo único, da
Constituição Federal de 1988, 93, do Decreto-Lei n. 200/67 e 60 e seguintes,
da Lei n. 4.320/64, bem como ao arrepio da súmula 93, do Tribunal de Contas
do Estado, ao não prestar contas e, com isso, sequer emitir empenho quanto
ao dinheiro supostamente investido, sendo impossível, ainda, haurir o lucro
adquirido com a cobrança de ingresso e venda de bebidas e alimentos; (f) em
desconformidade com os artigos 123, da Lei Orgânica do Município de Alto Rio
Doce, e 5º, inciso II, da Magna Carta, por inexistir lei em sentido estrito
autorizando crédito e, com isso, os gastos com a prestação dos serviços, eis
que as Lei Municipais n. 447/06, 465/07 e 482/08 previam o crédito que foi
pago às empresas Pedro Amesteli Eventos Ltda, em 2006 e 2007, e,
duvidosamente, à empresa Juscelino da Silva Amaral – ME, em 2008, haja
vista que não se sabe se os serviços foram efetivamente prestados, vez que os
responsáveis por tal mister foram Carolina Roberta Motta Ribeiro e Roberto
Xavier Ribeiro, nos termos do arcabouço probatório; (g) em desconformidade
com os artigos 55, da Lei n. 9.784/99, e 66, da Lei Estadual n. 14.184/08, no
que toca a convalidação dos gastos não autorizados com a festividade do ano
de 2008, eis que o crédito somente foi criado extemporaneamente (Lei
Municipal n. 482/08), retroagindo-se, o que é sobejamente ilegal, eis que
56
aquele que verdadeiramente recebeu pela prestação dos serviços nunca
esteve autorizada a tal mister, solapando-se, portanto, em muito, o interesse da
coletividade; (h) em desconformidade com os artigos 2º, parágrafo único, ou
116, da Lei n. 8.666/93, caso se admitisse a existência de patrocínio público a
evento privado, eis que se dispensou qualquer formalidade e, ainda, prestação
de contas; e (i) em completa ilegalidade e imoralidade, ao se valerem
privativamente do show da dupla sertaneja “Fred e Paulinho”, mediante
dinheiro público.
Portanto, restou evidenciado que a celebração dos vínculos
constituiu vício de forma dos atos administrativos, haja vista a inobservância
de formalidades legais à celebração dos contratos, posto que a Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, a Lei Orgânica do Município de Alto
Rio Doce e as supracitadas leis infraconstitucionais não autorizam nos moldes
em que celebrada (verbalmente), sem qualquer procedimento em sentido
estrito ou lato.
Os atos também padecem do vício da ilegalidade do objeto,
ante a patente violação ao comando constitucional, infraconstitucional e,
também, municipal, incidindo-se na inobservância dos artigos 3º, inciso I, 5º,
incisos II e XXXIII, 37, caput e inciso XXI, 70, parágrafo único, e 175, da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; artigos 13 e 15, da
Constituição do Estado de Minas Gerais; artigos 83, caput e inciso XXI, 93,
inciso III, alínea “b”, 104 e 123, da Lei Orgânica do Município de Alto Rio Doce;
artigos 2º, 3º, 24, 25, 26, 54, caput e § 2º, 60, parágrafo único, 62 e 116, da Lei
n. 8.666/93; artigos 113, 421 e 422, do Código Civil Brasileiro; artigo 93, do
Decreto-Lei n. 200/67; artigos 60 e seguintes, da Lei n. 4.320/64; artigo 55, da
Lei n. 9.784/99; e artigo 66, da Lei Estadual n. 14.184/08; bem como das
súmulas 34 e 93, do Tribunal de Contas do Estado.
Os atos detêm ainda o vício da inexistência de motivos, haja
vista não ter sido justificada ou fundamentada situação apta a autorizar a
contratação dos serviços, o que se tornou mais grave por já existir empresa
contratada, via inexigibilidade (Pedro Amesteli Eventos Ltda) de licitação, para
a realização dos referidos serviços.
57
Por fim, os atos estão eivados do vício de desvio de finalidade,
vez que a celebração dos contratos visou fim diverso daquele previsto explícita
e implicitamente na regra de competência do gestor municipal, eis que as
contratações somente poderiam se dar mediante licitação, até mesmo por
inviabilidade, constituindo a ausência da obediência a um procedimento formal,
inclusive em caso de uso privado do bem público (inexistindo também a
oneração), e a inobservância da prestação de contas, com a inclusão, nesta
testilha, da impossibilidade de aferir o quanto foi gasto e o quanto foi auferido
com os eventos, em um ato sobejamente imoral, colaborando com a prática de
institutos patrimonialistas, que subsidiam a intransparência e culminam na
corrupção.
Conforme assevera Hely Lopes Meirelles, o ato administrativo –
vinculado ou discricionário – deve ser praticado sempre com observância
formal e ideológica da lei. Exato na forma e inexato no sentido, nos motivos ou
nos fins, haverá sempre ilegalidade, por violação da lei ou por desvio de poder.
O poder discricionário da Administração não vai ao ponto de encobrir
arbitrariedade, capricho, má-fé, ou imoralidade administrativa, por ação ou
omissão do agente do Poder50.
Porquanto, também evidencio desvio de finalidade na emissão de
crédito à empresa Juscelino da Silva Amaral – ME sem que existisse lei em
sentido estrito autorizando, o que somente se fez a posteriori, por
convalidação, o que, in casu, se tornou ilícito.
Ainda, evidencio desvio de finalidade na permissão de show
privado com dinheiro público, eis que confessadamente a dupla “Fred e
Paulinho” foi paga com dinheiro público para se apresentar na “Festa do Peão
Boiadeiro” no ano de 2008, o que restou inviável por motivo de força maior,
conquanto, no mesmo dia e hora, se apresentaram aos réus, sem existir prova
quanto ao pagamento de qualquer cachê (para o respectivo serviço privado).
Ora, os réus se valeram dos serviços que foram pagos com dinheiro público.
Pergunto-me: para onde foi o benefício em prol da coletividade? Há, pois, claro
50 Pietro, Maria Zanella Di; Sundfeld, Carlos Ari – organizadores / Fundamentos e princípios
do direito Administrativo (Coleção doutrinas essenciais: direito administrativo; v. 1). - São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012; Texto: Os poderes do administrador público; por
Hely Lopes Meirelles; p. 345.
58
desvio de finalidade.
Porquanto, antes de haurir com minudência os atos ímprobos
praticados pelos réus, torna-se imperativo salientar que, ao autor, só é cabível
a narrativa dos fatos, sendo certo que o magistrado conhece a lei (iura novit
curia), incumbindo-lhe, exclusivamente, enquadrar a conduta nos tipos da Lei
n. 8.429/92.
Neste desiderato, ao brandir detido dos autos, examinando, tenho
que os réus, ao frustrarem o procedimento licitatório, bem como as
formalidades que lhe são inerentes (inclusive em caso de inviabilidade); a
elaboração de contratos formais; a lavra de título jurídico formal para uso do
bem com a sua respectiva oneração; a inexistência de lei e concorrência para a
concessão ou de decreto para a permissão; a negativa de prestação de contas
e dispensa quanto aos lucros oriundos das festas, deixando que terceiros se
enriquecessem; a emissão de verba pública, em 2008, para empresa sem que
houvesse lei prevendo; caso se admitisse o patrocínio a evento particular, a
não elaboração de contratou ou convênio, com a respectiva prestação de
contas, publicidade e transparência; e o uso de show privado pago com
dinheiro público; incutiram suas condutas em atos de improbidade que causam
prejuízo ao erário, nos termos do artigo 10, incisos I, II, VIII, IX, XI e XII, da Lei
n 8.429/92 que assim dispõe, in verbis:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao
erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda
patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos
bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e
notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao
patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas,
verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades
mencionadas no art. 1º desta lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada
utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo
patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a
observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à
espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo
para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou
dispensá-los indevidamente;
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em
lei ou regulamento;
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas
59
pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça
ilicitamente;
Ainda, os réus, ao agirem assim, tergiversaram ao cumprimento
da lei, negaram publicidade a atos administrativos, deixando de prestar contas
quando deveriam fazê-la, e vilipendiaram os princípios da honestidade,
legalidade e lealdade, incidindo suas condutas em atos que atentaram contra
os princípios da Administração Público, ex vi do artigo 11, caput e incisos I, IV
e VI, da Lei n. 8.429/92, que assim prevê, in verbis:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os
princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que
viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade
às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso
daquele previsto, na regra de competência;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
Os atos ilícitos dos réus são notórios, eis que foram contratados
serviços públicos sem licitação ou qualquer formalidade, sem justificativa e em
contraditoriedade, eis que já existia empresa contratada para a prestação de
serviços (Pedro Amesteli Eventos Ltda) durante as festas do Peão de 2006 e
2007, bem como houve “autorização” verbal para uso do bem público, na
modalidade exploração, o que é vedado pela Lei Orgânica Municipal, sem
qualquer oneração, título formal, lei ou decreto prevendo as modalidades que
eram lícitas, concessão ou permissão, tudo isso em completo vilipêndio à
transparência, governança, legalidade, boa-fé objetiva, tutela da confiança,
eficiência e publicidade, privilegiando a incidência de institutos patrimonialistas,
eis que por assim agirem não existiu prestação de contas, tendo os réus
Carolina Roberta Motta Ribeiro e Roberto Xavier Ribeiro locupletado dinheiro
público.
O que se agrava, ainda mais, é o fato de Roberto Xavier Ribeiro
ser, atualmente, Vice-Prefeito da urbe, cujo atual Prefeito é o réu Wilson
Teixeira, o que atesta o vínculo entre tais pessoais e demonstra a inclinação do
alcaide da época e dos dias de hoje, Wilson Teixeira Gonçalves Filho, de
60
beneficiá-lo, mediante a inobservância de procedimentos e formalidades,
prestação de contas e publicidade, com o repasse de verba pública e uso de
bem público em completa ilegalidade, ignóbil, pois, acarretando prejuízo ao
Erário para benefício ou satisfação pessoal, seu e de outrem, em completa
pessoalidade e, portanto, imoralidade, eis que se sobrepujou o interesse
privado sobre o público.
Da mesma forma, houve emissão de empenho ao réu Juscelino
da Silva Amaral, sem que houvesse licitação, formalidade ou contratado para a
prestação de seus serviços, bem como, e ai principalmente, a previsibilidade
de referido crédito por lei, o que somente foi feito a posteriori, ilicitamente.
Ainda, houve a aquiescência da prestação de show privado com
dinheiro público, eis que os réus, ao não negarem a sua ocorrência, não
lograram em demonstrar o pagamento feito pela modalidade particular.
Com a burla, feriu-se diretamente os princípios da legalidade,
imparcialidade e honestidade.
Probidade, como cediço, é um subprincípio da moralidade, pelo
que se pode dizer, sem prejuízo de dúvidas, que a improbidade exige, para
sua configuração, ofensa à moralidade e, no mesmo enlace, a presença de
desonestidade na conduta do agente provocador.
Porquanto, in casu, a conduta dos réus foi sobejamente
desonesta, eis que sabiam da ilicitude da contratação na forma direta e verbal,
sem qualquer formalidade, e, mesmo assim, optaram por empreendê-la, sem
que houvesse, ainda, do ato, qualquer justificativa ou fundamentação.
Portanto, a conduta dos réus revelam intenso animus dolandi,
prima facie, por ser o conhecimento das leis, como cediço, inescusável, nos
termos do artigo 3º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, não
podendo os réus e, principalmente, o alcaide, dele tergiversar, incumbindo-lhes
o seu estrito cumprimento.
Para a conflagração de seu dolo, então, in casu, aplica-se a teoria
da cegueira deliberada ou das instruções do avestruz, oriunda do direito norteamericano,
de onde o agente consciente e intencionalmente finge ignorância
61
sobre o conhecimento da lei para “não enxergar” a prática do ilícito, aqui
consubstanciado pela organização e realização da “Festa do Peão Boiadeiro”
durante os anos de 2006, 2007 e 2008, visando auferir algum tipo de benefício.
Tal comportamento, como ensina Alexander Mazza, é similar ao
do avestruz, ave que enfia a cabeça embaixo da terra, supõe-se, para não ver
o que ocorre ao redor51.
Respectiva teoria, muito utilizada na apuração de crimes de
lavagem de dinheiro, vem recebendo grande aceitação pela jurisprudência do
Ínclito Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, servindo como premissa
base para aferir o dolo na prática de atos ímprobos. Para tanto, in verbis:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA Ofensa aos Princípios da Administração Pública,
devidamente confirmada pelas provas produzidas Criação indevida de
cargos comissionados que já havia sido declarada inconstitucional pelo
Órgão Especial, como também em relação a anterior condenação do ex-
Prefeito por ato de improbidade, porém, num desrespeito à Constituição
Federal (art. 37, II) e as decisões judiciais, houve a contratação direta das
mesmas pessoas físicas, agora por intermédio de contratação de EMIs
(microempreendedores individuais), em relação aos cargos que deveriam
ser providos por concurso público Reincidência do ex-Prefeito na mesma
prática ímproba, por intermédio de subterfúgios - Aplicação da Teoria da
Cegueira Deliberada - Ato de improbidade administrativa devidamente
comprovado Procedência parcial da ação mantida, porém em maior
extensão, agora com a condenação do corréu AMADO, que não pode
se escusar de cumprir a Constituição Federal e as decisões judiciais
anteriormente exaradas pelo Poder Judiciário, conforme considerado
pelo art. 3º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
Dosimetria das penalidades formuladas individual e proporcionalmente, sem
qualquer abuso, inclusive a multa civil, que não pode ser reputada como
inconstitucional Apelação do Ministério Público provida em parte, e não
provida a do corréu OSMAR.52
AÇÃO CIVIL PÚBLICA Licitação (Carta-Convite) Empresas vencedoras
beneficiadas por manobras fraudulentas, cujo direcionamento da licitação
restou comprovado Prejuízo ao erário não identificado, nem
superfaturamento em relação aos equipamentos adquiridos (ar
condicionado) e ao serviço de instalação - Aplicação da Teoria da
Cegueira Deliberada - Ato de improbidade administrativa devidamente
comprovado, porém com ofensa aos princípios da Administração
Público, nos termos do art. 11, da Lei nº 8.429/92 - Procedência da
ação mantida por outro fundamento, com subsunção a infração
administrativa menos grave da que condenados os corréus pelo Juízo 'a
quo' Reforma parcial da r. sentença Dosimetria das penalidades fixadas
com base no art. 12, III, da Lei nº 8.429/92 - Apelações dos réus providas
em parte.53
51 Mazza, Alexandre / Manual de direito administrativo. – 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2016; p.
933, epub.
52 TJSP - Relator(a): Rebouças de Carvalho; Comarca: Cunha; Órgão julgador: 9ª Câmara de
Direito Público; Data do julgamento: 18/03/2015; Data de registro: 18/03/2015
53 TJSP - Relator(a): Rebouças de Carvalho; Comarca: Urupês; Órgão julgador: 9ª Câmara de
62
Em segundo lugar, o dolo dos réus fica evidenciado pela dispensa
de qualquer formalidade, entabulando-se vínculos verbais, seja para prestação
dos serviços ou para uso do bem público, não existindo, deles, qualquer meio
de se efetuar prestação de contas, principalmente por terem, os réus, cobrado
ingressos e explorado a venda de bebidas e alimentos, de modo que ou o
município onerava a concessão ou permissão ou deles deveria ter recebido o
ativo, o que, in casu, não ocorreu, revelando-se as ações em institutos
patrimonialistas, às “sombras” da legalidade e transparência, dando azo e
berço, pois, à corrupção.
De qualquer forma, conforme já fundamentado no corpo desta
decisão, a responsabilidade dos réus, aqui, se dá na esfera objetiva, nos
termos dos artigos 54, da Lei n. 8666/93, e 422, do Código Civil Brasileiro.
Em caso análogo já decidiu o Egrégio Tribunal Mineiro, in verbis:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA -
PRESCRIÇÃO - TÉRMINO DO ÚLTIMO MANDATO - INOBSEVÂNCIA DO
PROCEDIMENTO DE LICITAÇÃO - HIPÓTESE DE INEXIGIBILIDADE
NÃO CONFIGURADA - CONDUTA TIPIFICADA NOS ARTIGOS 10 E 11
DA LEI Nº 8.429/92 - LESÃO AO ERÁRIO - PROVA -
PRESCINDIBILIDADE - PRECEDENTE DO STJ - IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA CONFIGURADA - DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA - ABUSO DE PERSONALIDADE -
APLICAÇÃO - PENALIDADES PREVISTAS NO ARTIGO 12, INCISO II E III
- DOSIMETRIA - RAZOABILIDADE E ADEQUAÇÃO - JUROS DE MORA -
CITAÇÃO. 1. A contagem do prazo prescricional do artigo 23, I, da Lei nº
8.429/92 inicia-se no dia seguinte ao término do último mandato do agente
político, quando ocorre a cessação do vínculo estabelecido com
Administração Pública. 2. A Constituição da República instituiu a
obrigatoriedade de licitação, que assegure igualdade de condições a
todos os concorrentes. 3. É inaplicável o instituto da inexigibilidade de
licitação, quando não verificada a singularidade dos serviços
prestados. 4. De acordo com o entendimento recente do colendo STJ,
o dano ao erário é presumido quando há a inobservância do devido
procedimento licitatório, uma vez que a Administração Pública é
impedida de selecionar as propostas mais vantajosas ao interesse
público (AgRg no REsp 1378477/SC; REsp 817.921/SP). 5. O elemento
subjetivo da conduta do administrador deve ser apurado pela
demonstração de ausência de boa-fé objetiva no cumprimento dos
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade,
inerentes ao exercício da administração do patrimônio público. 6.
Aplicável a desconsideração da personalidade jurídica na hipótese tendo em
vista a configuração do abuso da personalidade da empresa ré para fraudar
a lei de licitações. 7. Ao cominar a sanção por prática de ato de improbidade
administrativa, deve o Julgador analisar a lesividade e a reprovabilidade da
Direito Público; Data do julgamento: 29/04/2015; Data de registro: 30/04/2015.
63
conduta dos réus, o elemento volitivo e a consecução do interesse público,
de modo a adequar a pena ao caso concreto, sempre com caráter inibitório
de futuras práticas lesivas ao erário e ao princípio da moralidade
administrativa. 8. Os juros de mora a serem aplicados sobre a quantia a ser
ressarcida tem seu termo inicial a partir da citação.54
Já o dano, por sua vez, se faz indubitável, eis que houve perda
patrimonial com a contratação de serviços sem competição, retirando do ente
a opção de avaliar e contratar a proposta mais vantajosa, vilipendiando-se,
assim, o princípio constitucional da economicidade, previsto no artigo 70, da
Constituição Federal de 1988, e ensejando, com isso, lesividade que dispensa
a efetiva prova do dano, se configurando in re ipsa. Colha-se:
(…) No mais, é de se assentar que o prejuízo ao erário, na espécie
(fracionamento de objeto licitado, com ilegalidade da dispensa de
procedimento licitatório), que geraria a lesividade apta a ensejar a nulidade
e o ressarcimento ao erário, é in re ipsa, na medida em que o Poder Público
deixa de, por condutas de administradores, contratar a melhor proposta (no
caso, em razão do fracionamento e conseqüente não-realização da
licitação, houve verdadeiro direcionamento da contratação).55
Em paridade é a jurisprudência do Egrégio Tribunal Mineiro, in
verbis:
APELAÇÃO CÍVEL - ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - ARTIGO
10, DA LEI 8.429/92 - PATROCÍNIO DE FESTIVAL MUSICAL - AUSÊNCIA
DE PRÉVIO PROCEDIMENTO DE SELEÇÃO - CONTRATAÇÃO DIRETA -
ARTISTAS CONSAGRADOS PELA OPINIÃO PÚBLICA - INEXISTÊNCIA
DE CONTRATO DE EXCLUSIVIDADE - IRREGULARIDADE DA
CONTRATAÇÃO - DANO IN RE IPSA - SANÇÕES -
PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE.
- A contratação direta fundada no artigo 25, III, da Lei nº 8.666/90 é
excepcional, devendo ficar cabalmente comprovada a inviabilidade de
competição. Note-se, ainda, que a exceção legal reclama que o profissional
seja consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública e que a
sua contratação seja feita diretamente ou por meio de empresário exclusivo.
- O contrato de exclusividade entre o empresário e o artista não se confunde
com a simples autorização ou contrato que confere exclusividade à empresa
intermediária.
- Inexistindo vínculo de exclusividade entre a empresa requerida e os
profissionais artísticos contratados, irregular a contratação por
inexigibilidade de licitação, pela falta de observância dos requisitos legais.
- Nos termos do artigo 10, II e XI, da Lei nº 8.429/92, constitui ato de
improbidade que causa lesão ao erário permitir ou concorrer para que
pessoa jurídica utilize verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial
54 TJMG - Apelação Cível 1.0625.09.097717-8/004, Relator(a): Des.(a) Edilson Fernandes, 6ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/02/2016, publicação da súmula em 16/02/2016.
55 Trecho extraído do REsp 1280321/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
SEGUNDA TURMA, julgado em 06/03/2012, DJe 09/03/2012.
64
de empresa municipal, sem a observância das formalidades legais ou
regulamentares aplicáveis à espécie; bem como a liberação de verba
pública sem a estrita observância das normas pertinentes.
- Para que se caracterize o ato de improbidade que importe prejuízo ao
erário, previsto no artigo 10, da Lei nº 8.429/92, indispensável a prova
do efetivo prejuízo. O col. STJ, todavia, tem se posicionado no sentido
de que, em casos nos quais há frustração de procedimento licitatório,
o dano é in re ipsa.
- A pessoa jurídica de direito privado pode figurar como beneficiária,
partícipe, cúmplice ou coautora do ato de impr obidade, principalmente
porque também a ela se estende o dever de probidade administrativa.56
De qualquer forma, o prejuízo patrimonial, em que pese
parcialmente incalculável, nesta fase processual, é patente, eis que os réus se
locupletaram do valor cobrado a título de ingresso e pela venda de bebidas e
alimentos, bem como Juscelino da Silva Amaral – ME foi pago pelo Município
sem que houvesse lei prevendo o crédito, isto tudo sem se falar no gozo de
show privado com dinheiro público, o que, em ambos os casos, gerou
degradante vilipêndio ao Erário.
In casu, por ser incalculável e intangível o prejuízo sofrido pelo
Erário, eis que não se sabe quanto foi repassado pelo Ente, seja o Município
ou o Estado, eis que os réus confessam que houve investimento público, como
também os valores locupletados pela exploração das festividades, tudo isso
ocasionado em virtude da ilegalidade e dispensa à escorreita formalidade
exigida, tornando impossível o controle interno e externo, passo a trabalhar
com os valores confessados pelos réus, como forma de dar paridade e não
causar injustiça.
Levando em consideração que supostamente houve a
“conversão” do dinheiro adquirido com a cobrança de ingressos e exploração
da venda de bebidas e alimentos na prestação dos serviços, ai incluído
infraestrutura e contratação de shows e funcionários, que teria gerado,
portanto, o gasto de R$ 72.695,27 (setenta e dois mil e seiscentos e noventa e
cinco reais e vinte e sete centavos) no ano de 2006; R$ 100.616,27 (cem mil e
seiscentos e dezesseis reais e vinte e sete centavos) no ano de 2007; e R$
96.696,18 (noventa e seis mil reais e seiscentos e noventa e oito reais e
dezoito centavos) no ano de 2008, conforme confessado pelos réus em suas
56 TJMG - Apelação Cível 1.0024.10.166591-7/001, Relator(a): Des.(a) Wilson Benevides, 7ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/08/2016, publicação da súmula em 23/08/2016.
65
peças de resistência, verifico que eles, no mínimo, locupletaram referido valor.
Ainda, levando em consideração que o réu, Juscelino da Silva
Amaral – ME, recebeu R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) de formal ilegal,
eis que não houve licitação para prestação de serviços no ano de 2008, tendo
recebido dinheiro público sem que existisse, ainda, lei em sentido estrito
autorizando referido crédito, resta claro que referido pagamento causou
prejuízo ao Erário.
Ademais, não é só o prejuízo patrimonial que se leva em conta,
sendo certo que o moral também deve ser observado. Porquanto, in casu,
tenho que valores constitucionais foram cabalmente vilipendiados, como a
moralidade, impessoalidade, segurança jurídica, eficiência, publicidade,
informação, legalidade, solenidade, lealdade, solidariedade, tutela da
confiança, governança e boa-fé objetiva, de modo que o prejuízo imaterial
também restou consignado.
Neste azimute já decidiu o Egrégio Tribunal Mineiro, mutatis
mutandis, in verbis:
APELAÇÃO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - EX-PREFEITO - NEGÓCIO
SIMULADO POR INTERPOSTA PESSOA - DESRESPEITO AO CARÁTER
COMPETITIVO DO PROCESSO LICITATÓRIO - AFRONTA AOS
PRINCÍPIOS REGENTES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA -
IMPROBIDADE CONFIGURADA - PARTICIPAÇÃO - AUSÊNCIA DE
SUPORTE COMPROBATÓRIO - PENALIDADES - PROPORCIONALIDADE
ENTRE O DANO CAUSADO E O BENEFÍCIO OBTIDO - ADEQUAÇÃO
DAS PENAS - CONDENAÇÃO À PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA
EVENTUALMENTE OCUPADA QUANDO OCORRER O TRÂNSITO EM
JULGADO - NECESSIDADE - SENTENÇA PARCIALMENTE MODIFICADA.
1. A Lei de Improbidade Administrativa visa não só punir o agente público
que lesa o erário público ou incorre em enriquecimento ilícito, mas também
aquele que atenta contra os princípios que regem a Administração Pública,
estampados no art. 37 da Constituição da República e no art. 11 da Lei
8.429/92.
2. Do art. 3º da Lei de Improbidade Administrativa, verifica-se que, para
responsabilização do indivíduo que não é agente público, deve-se provar
sua atuação, de forma direta ou indireta, bem como o dolo ou a má-fé. Não
restando demonstrado nos autos, de forma cabal, a participação de
determinado réu, impõe-se sua absolvição.
3. Na aplicação da(s) pena(s) por ato de improbidade administrativa,
deve-se entender a expressão "extensão do dano causado" como o
dano causado não só ao erário, mas também ao patrimônio moral da
Administração Pública e da sociedade como um todo. Ademais, há de
se aplicar o princípio da proporcionalidade, equacionando o dano
causado à Administração com o benefício obtido pelo agente.
4. Quanto à sanção de perda da função pública, deve-se ter em mente que
66
é indiferente o fato de o réu não ocupar atualmente qualquer função pública.
Isto porque se deve atentar não para o momento presente, mas sim para o
momento em que ocorrer o trânsito em julgado da decisão, uma vez que,
tanto a sanção de perda de função pública, quanto a de suspensão de
direitos políticos, só se efetivam com o trânsito em julgado da decisão
condenatória (art. 20 da Lei 8.429/92).57
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DOAÇÃO DE TERRENO PÚBLICO
SEM OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS LEGAIS. PREJUÍZO MATERIAL E
MORAL CAUSADOS AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. RECURSO NÃOPROVIDO.
A doação de terreno público a particular e, posteriormente, sua
transferência a terceiro, sem observância das formalidades legais e sem
atendimento ao interesse público, resulta em ofensa aos princípios da
Administração Pública. O prejuízo decorrente de uma doação irregular de
bem da municipalidade lesa o patrimônio público na esfera material e moral.
Material, porque o município ficou privado, longo tempo, de um imóvel, que
poderia ser utilizado nas mais diversas formas e necessidades públicas,
enquanto particulares se valiam da ilícita contratação. E moral, porquanto
princípios retores da Administração Pública, tais como moralidade,
finalidade impessoalidade e boa-fé objetiva, foram maculados.58
Nos termos do artigo 21, inciso I, da Lei n. 8.429/92, a aplicação
das sanções previstas independem da efetiva ocorrência de dano ao
patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento.
De qualquer forma, como já demonstrado, o dano ao patrimônio
público se encontra sobejamente demonstrado, tanto o material quanto o
moral, ocasião em que passo à análise das penas.
Conforme dispõe parágrafo único do artigo 12, da Lei n. 8.429/92,
na fixação das sanções o juiz levará em conta a extensão do dano causado,
assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente, devendo atentar sempre
para os princípios constitucionais da individualização da pena, da
proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, sem retirar das sanções,
contudo, seu caráter punitivo e pedagógico.
Para os atos de improbidade que causem prejuízo e que atentam
contra os princípios da administração pública, o artigo 12, incisos II e III, da Lei
n. 8.429/92, consigna as seguintes sanções, in verbis:
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas
57 TJMG - Apelação Cível 1.0271.02.015125-1/001, Relator(a): Des.(a) Elpídio Donizetti, 8ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/07/2012, publicação da súmula em 17/07/2012.
58 TJMG - Apelação Cível 1.0647.00.012083-0/001, Relator(a): Des.(a) Maria Elza, 5ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/03/2005, publicação da súmula em 01/04/2005.
67
previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de
improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas
isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens
ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta
circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de
cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do
dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de
cinco anos;
II - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda
da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos,
pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração
percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja
sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
As penas cominadas na Lei n. 8.429/92 demonstram efetivamente
o próprio grau de gravidade dos atos ímprobos, sendo alto os que causam
enriquecimento ilícito, médio os que causam prejuízo ao erário e baixo os que
afetam os princípios da administração pública.
In casu, levando em consideração que os réus incutiram suas
condutas em atos de baixa e média gravidade, como cediço, deve ser aplicada
sempre a sanção cominada ao ato mais grave, ponderando-se através dele o
ilícito praticado com o grau de lesividade suportado.
Como visto, o caput do artigo 12, da Lei n. 8429, permite
aplicação das penas isolada ou cumulativamente, a depender da gravidade do
fato.
No presente caso sub judice, levando em consideração a
gravidade do fato, que foi de elevada monta patrimonial (R$ 295.007,54 – fora
o que não se encontra declarado nestes autos) e imaterial, eis que se feriram
os castos princípios da moralidade, impessoalidade, segurança jurídica,
eficiência, publicidade, informação, legalidade, solenidade, lealdade,
solidariedade, tutela da confiança, governança e boa-fé objetiva, agindo os
réus com dolo, conquanto, somando-se o fato de que o ressarcimento dos
prejuízos já está sendo determinado na Ação Popular em apenso, lhes aplico
as sanções, solidariamente, de multa civil no valor do prejuízo causado,
proibição de contratarem com o Poder Público ou receberem benefícios ou
68
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de
cinco anos, a suspensão dos direitos políticos, por cinco anos, e,
individualmente a Wilson Teixeira Gonçalves Filho, Roberto Xavier Ribeiro,
Carolina Roberta Motta Ribeiro e Juscelino Amaral, a perda da função pública.
A proibição de contratarem com o Poder Público se dá em razão
do vilipêndio a legalidade e publicidade para a prática de serviços e o uso do
bem público, o que torna o ato atentatório à coletividade, eis que indica a
inclinação dos réus em servirem aos órgãos públicos de qualquer maneira,
visando o malbaratamento e o prejuízo do Erário em benefício próprio.
Já a perda da função pública dos réus Wilson Teixeira Gonçalves
Filho e Roberto Xavier Ribeiro, se qualificam pela capacidade de ambos em
burlar a lei, mesmo com a ciência da ilicitude de seus atos, como, in casu.
Neste diapasão, levando em consideração que os agentes são o atual Prefeito
e Vice-Prefeito daquela urbe e que, portanto, poderão continuar praticando atos
desta monta, nada mais justo do que resguardar a coletividade e colocá-los
afastados do desempenho de tais atividades, sob pena de a manutenção
redundar em atos lesivos ainda maiores, ocasião em que, por inércia do Poder
Judiciário, os danos poderão se fazer irreparáveis à vista de inexistirem
elementos assépticos para a gravidade da lesão.
Ora, o agente (Wilson) agiu de uma forma para a contratação da
empresa Pedro Amesteli Eventos Ltda e, nos mesmos anos, bem como em
2008, agiu de outra para confabular um pacto verbal com uma empresa
fantasma (inexistente), representada na figura de Carolina Roberta Motta
Ribeiro e Roberto Xavier Ribeiro, sem qualquer formalidade e prestação de
contas, deixando que os outros demandados auferissem e se locupletassem do
dinheiro público, bem como efetuando pagamento a pessoa sem que existisse
lei autorizando o crédito (Juscelino da Silva Amaral – ME), revelando as suas
condutas, enquanto agente político, altamente nocivas ao interesse da
coletividade.
69
A perda da função pública, como cediço, é um consectário lógico
da própria suspensão dos direitos políticos59. Ademais, no que toca à ré
Carolina Roberta Motta Ribeiro e Juscelino Amaral, se justifica perante a sua
capacidade em burlar a lei e ser conivente com atividades ilícitas, sendo, em
razão do princípio da razoabilidade, amplamente proporcional, ainda mais que
a perda não se atém exclusivamente à função pública, mas sim a emprego ou
cargo (até mesmo comissionado) que possa ela eventualmente exercer.
Sobre a perda da função pública, já decidiu o Superior Tribunal de
Justiça, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA
INDIVIDUAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ATO COATOR: ATO
ADMINISTRATIVO QUE DECLARA A PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA EM
OBSERVÂNCIA A SENTENÇA JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO
QUE CONDENOU SERVIDOR PÚBLICO À PERDA DA FUNÇÃO
PÚBLICA EM RAZÃO DA PRATICA DE ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. ARTS. 10 E 12, II, DA LEI 8.429/1992. PERDA DO
CARGO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. SEGURANÇA
DENEGADA.
1. Pretende o impetrante, ex-Artífice do Quadro de Pessoal do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, a concessão da
segurança para anular a Portaria Ministerial 93, de 30/12/2014, (DOU de
02/01/2015), que declarou a perda da função pública por ele exercida, tendo
em vista as conclusões do PAD 54000.001036/2014-43, sob o pretexto de
que à condenação à pena de perda da função pública, por força de
sentença em sede de Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa, não
pode ensejar a sua demissão, com o rompimento do vínculo com a
Administração, por se tratarem de penalidades distintas, ainda mais diante
da sua inocência, sendo que sequer teriam ocorrido os atos de improbidade
a que fora acusado.
2. Preliminar processual de ilegitimidade passiva do Exmo. Sr.
Superintendente Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária - INCRA no Estado de Pernambuco acolhida. Preliminares de
ilegitimidade passiva do Exmo. Sr. Ministro de Estado do Desenvolvimento
Agrário e de inadequação da via eleita rejeitadas.
3. A pena de perda de função pública prevista na Lei 8.429/1992
objetiva afastar da atividade pública aqueles agentes que se
desvirtuam da legalidade, demonstrando caráter incompatível com o
exercício de função pública, ainda mais quando o conceito de função
pública abrange o conjunto de atribuições que os agentes públicos,
em sentido lato, realizam para atender aos objetivos da Administração
Pública.
4. "A perda da função pública resulta na desinvestidura do titular de
cargo efetivo pelo instituto da demissão no caso de falta grave, ou pela
59 Neste sentido é escólio de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, in verbis: “Nada
obstante, a perda do mandado eletivo, ainda que não estivesse encartada no gênero “perda
da função pública”, seria consequência inevitável da sanção de suspensão dos direitos
políticos, o que demonstra a coerência sistêmica da interpretação sugerida.” (Garcia,
Emerson; Alves, Rogério Pacheco / Improbidade administrativa – 6. ed. - Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2011 ; p. 553).
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exoneração quando o cargo for comissionado. [...] O alcance da
decisão da perda de função pública poderá atingir o titular do cargo
comissionado e o seu cargo efetivo no serviço público, mesmo que o
ato objeto da improbidade tenha sido no exercício daquele" (FILHO,
Aluízio Bezerra. Atos de Improbidade Administrativa: Lei 8.429/92
anotada e comentada. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2014, p. 348/349).
5. Para efeitos da Lei de Improbidade Administrativa, o conceito de
função pública alcança conteúdo abrangente, compreendendo todas
as espécies de vínculos jurídicos entre os agentes públicos, no
sentido lato, e a Administração, a incluir o servidor que ostenta vínculo
estatutário com a Administração Pública, de modo que a pena de perda
de função pública prevista na Lei 8.429/1992 não se limita à
exoneração de eventual cargo em comissão ou destituição de eventual
função comissionada, alcançando o próprio cargo efetivo.
6. "O art. 12 da Lei n. 8.429/1992, quanto à sanção de perda da função
pública, refere-se à extinção do vínculo jurídico entre o agente ímprobo
e a Administração Pública, de tal sorte que, se o caso de improbidade
se referir a servidor público, ele perderá o direito de ocupar o cargo
público, o qual lhe proporcionava desempenhar a função pública
correlata, que não mais poderá exercer". (REsp 1069603/RO, Rel.
Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em
11/11/2014, DJe 21/11/2014).
7. "A sanção relativa à perda de função pública prevista no art. 12 da
Lei 8.429/92 tem sentido lato, que abrange também a perda de cargo
público, se for o caso, já que é aplicável a 'qualquer agente público,
servidor ou não' (art. 1º), reputando-se como tal '(...) todo aquele que
exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,
nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de
investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas
entidades mencionadas no artigo anterior' (art. 2º)" (REsp 926.772/MA,
Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em
28/04/2009, DJe 11/05/2009).
8. Segurança denegada.60
RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE. ART. 9º
DA LEI N. 8.429/1992. ATOS ÍMPROBOS CONFIGURADOS. PRESENÇA
DE DOLO E MÁ-FÉ. GRAVIDADE DOS FATOS. RESSARCIMENTO AO
ERÁRIO. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. IMPEDIMENTO
PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA. RECURSOS ESPECIAIS
PARCIALMENTE CONHECIDOS E, NESSA EXTENSÃO, IMPROVIDOS.61
Nas duras palavras do Ministro Celso de Mello, nenhum dos
Poderes da República pode submeter a Constituição a seus próprios
desígnios, ou a manipulações hermenêuticas, ou, ainda, a avaliações
discricionárias fundadas em razões de conveniência política ou pragmatismo
institucional, eis que a relação de qualquer dos Três Poderes com a
Constituição há de ser, necessariamente, uma relação de incondicional
60 MS 21.757/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado
em 09/12/2015, DJe 17/12/2015.
61 REsp 1249019/GO, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA TURMA, julgado em
15/03/2012, DJe 22/03/2012.
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respeito, sob pena de juízes, legisladores e administradores converterem o
alto significado do Estado Democrático de Direito em uma palavra vã e em um
sonho frustrado pela prática autoritária do poder62.
Como diuturnamente lembrado pelo Ministro Marco Aurélio
Mendes de Farias Mello, do Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 2º,
da Carta Política, são Poderes da República o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário, e não o contrário.
Conforme já amplamente demonstrado, o desvio de moralidade
do ato administrativo gera a quebra da confiança e da boa-fé, da expectativa
leal gerada ao homem médio, abusando o agente público do poder de
discricionariedade a ele inerente para praticar atos contrários ou não previstos
em lei. Nas palavras de Hely Lopes Meirelles, abusar do poder é empregá-lo
contra ou sem autorização da lei, em desconformidade com a moral da
instituição e do cargo, ou para fins outros que não são os reclamados pelo
interesse geral da comunidade administrada63.
Isso posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os
pedidos iniciais e CONDENO os réus Wilson Teixeira Gonçalves Filho, Roberto
Xavier Ribeiro, Carolina Roberta Motta Ribeiro e Juscelino da Silva Amaral -
ME por improbidade administrativa, nos termos dos artigos 10, incisos I, II, VIII,
IX, XI e XII, e 11, caput e incisos I, IV e VI, da Lei n. 8.429/92, incorrendo
ambos nas penas do artigo 12, incisos II e III, da mesma Lei, pelo que lhes fixo,
solidariamente, as sanções de multa civil no valor do prejuízo causado (R$
295.007,54), acrescidos de juros de 1% ao mês e correção monetária pelo
índice da Corregedoria-Geral de Justiça, a contar de cada evento, paga ao
Município de Alto Rio Doce, nos termos do artigo 18, da Lei n. 8.429/92, a
proibição de contratarem com o Poder Público ou receberem benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de
62 Trecho extraído do voto proferido pelo Ministro Celso de Mello, no julgamento da Medida
Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 347 / DF, em
09/09/2015; p. 16.
63 Pietro, Maria Zanella Di; Sundfeld, Carlos Ari – organizadores / Fundamentos e princípios
do direito Administrativo (Coleção doutrinas essenciais: direito administrativo; v. 1). - São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012; Texto: Os poderes do administrador público; por
Hely Lopes Meirelles; p. 344.
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cinco anos, a suspensão dos direitos políticos por cinco anos, e,
individualmente aos réus Wilson Teixeira Gonçalves Filho, Roberto Xavier
Ribeiro, Carolina Roberta Motta Ribeiro e Juscelinoda Silva Amaral, a perda da
função pública a que estiverem ocupando quando do trânsito em julgado desta
sentença ou acórdão que venha confirmar a condenação.
Nos termos do artigo 85, § 2º, do CPC, condeno os réus,
solidariamente, ao pagamento das custas, sem honorários haja vista que o
Ministério Público assumiu a titularidade da ação.
Transitado em julgado, notifique-se a Justiça Eleitoral da Comarca
quanto a suspensão dos direitos políticos.
P.R.I., transitada em julgado, pagas as custas e nada sendo
requerido, autos ao arquivo, com baixa na distribuição.
De Barbacena para Alto Rio Doce, 03 de março de 2017.
ALEXANDRE VERNEQUE SOARES
Juiz de Direito
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