Autos n°: 0024.13.209.835-1
Autor: Ricardo Rodrigues dos Santos
Ré: Habitare Construtora e Incorporadora LTDA
SENTENÇA
Vistos, etc.
Relatório
Ricardo Rodrigues dos Santos propôs a presente ação ordinária c/c danos morais e materiais, com pedido liminar, em face de Habitare Construtora e Incorporadora Ltda., qualificados na inicial, alegando que em setembro de 2009 adquiriu da ré o apartamento 304, do bloco 02, e respectiva fração ideal de terreno do Edifício Alto dos Manacás, pelo valor total de R$243.226,00 (duzentos e quarenta e três mil, duzentos e vinte e seis reais), sendo que o valor de R$181.525,55 (cento e oitenta e um mil, quinhentos e vinte e cinco reais e cinquenta e cinco centavos) somente seriam pagos após a entrega do imóvel, que ocorreria em 30 de março de 2013, o que não ocorreu.
Ressaltou que tinha o sonho de, assim que ficasse pronto, alugar o imóvel para auferir uma maior renda, o que lhe ajudaria a custear o pagamento das prestações e, quiçá, se casar e constituir uma família.
Afirmou que, cumprindo a sua parte no contrato, vem pagando a totalidade dos valores contratualmente previstos, inclusive de forma antecipada, ficando aguardando a conclusão e entrega do imóvel.
Disse que, conforme contrato de promessa de compra e venda, no caso de atraso na conclusão das obras e entrega do imóvel, a construtora ré pagará ao autor uma multa correspondente a 0,5% sobre os valores resgatados pelo autor (cláusula décima sexta, parágrafo segundo).
Asseverou ser abusiva e nula a prorrogação de 120 dias prevista no contrato, sem qualquer justificativa.
Dissertou sobre os danos materiais (lucros cessantes) e morais que alega ter sofrido.
Diante do exposto, requereu, liminarmente, a) a antecipação de tutela para determinar que a ré efetue o pagamento, em dinheiro, do valor correspondente ao aluguel de um imóvel similar àquele adquirido pelo autor, utilizando-se como referência a média de valores indicada pelas corretoras, fixando multa diária para o caso de descumprimento; b) a antecipação de tutela para determinar que a ré fixe uma data específica para a entrega do imóvel; c) o congelamento do saldo devedor a partir de 21/05/2013, bem como autorização para depósito judicial no montante de R$850,01, devidamente corrigidos pelo INPC, quantia esta estipulada pelo contrato referente às parcelas antes da entrega das chaves, sendo vedada à ré a inclusão do nome do autor em qualquer cadastro de restrição ao crédito; d) seja feito o sequestro da fração ideal do imóvel objeto do contrato, para que assim lhe seja garantido o direito futuro à propriedade do bem, ou caso entenda ser impossível o sequestro da fração ideal do imóvel, pela indivisibilidade do mesmo, requer seja-lhe feita a penhora integral, sendo tal procedimento devidamente confirmado pelo STJ.
No mérito, requereu a) sejam confirmados os pedidos liminares de letras “a” e “b” e deferidos também no mérito, julgando procedentes os pedidos para a.1) condenar a construtora ré ao pagamento do valor dos aluguéis desde o dia 30/03/2013 até efetiva entrega do imóvel; a.2) condenar a ré ao pagamento da multa contratual estabelecida na cláusula penal a partir de 30/03/2013 devidamente acrescida de juros e atualização monetária, valor este que corresponde ao percentual de 0,5% ao mês sobre o valor do imóvel corrigido monetariamente, até a data de entrega do imóvel – na eventualidade, requer a aplicação a partir do término do prazo de prorrogação; a.3) condenar a ré ao pagamento de indenização a título de danos morais.
Pleiteou pela concessão dos benefícios da justiça gratuita.
Com a inicial vieram os documentos de fls. 32/69.
Deferida a justiça gratuita à fl. 72. Na mesma oportunidade, o autor foi intimado para emendar a inicial, o que fez à fl. 73.
Às fls. 75/77, deferiu-se parcialmente a antecipação dos efeitos da tutela, para autorizar o autor a efetuar o depósito do valor integral das prestações contratadas vincendas, observadas as datas de pagamento constantes do contrato, e comprovado o depósito nestes termos, determinar a expedição de ofício diretamente aos órgãos restritivos de crédito para a não inclusão do nome da parte autora no cadastro de inadimplentes, em razão do débito discutido nos autos; ou, na hipótese de já ter ocorrido a inclusão, que se proceda à exclusão do nome da parte autora do referido cadastro, até ulterior decisão. Caso a parte autora pretenda efetuar o depósito judicial tão somente da parte que entende devida, isto é, da parte incontroversa, deve ficar ciente de que o depósito nestas condições somente impedirá a incidência dos encargos moratórios sobre a quantia depositada, sem o condão de autorizar a expedição dos ofícios aos órgãos restritivos de crédito.
O autor se manifestou à fl. 79, requerendo a juntada de comprovante de depósito judicial do valor integral das prestações contratadas (fl. 80). Consequentemente, expediu-se ofício de fl. 83.
Em face da decisão acima, o autor interpôs perante o Eg. TJMG agravo de instrumento, conforme fls. 88/89. Contudo, manteve-se a decisão agravada (fl. 95).
Depósito das prestações contratadas às fls. 93 e 131.
A requerida apresentou contestação de fls. 135/159, alegando que a escassez de mão de obra, alta no preço dos insumos e aumento significativo dos prazos de entrega pelos fornecedores, entre outros fatores, tiveram como consequência drástica a alteração nas condições que determinaram o cronograma das obras e a estimativa de finalização considerada quando do contrato firmado. Com relação ao contrato firmado entre as partes, disse que conta com um prazo de carência de 120 dias para a entrega da unidade, razão pela qual o prazo termina em 23/09/2013. Afirmou que as fortes chuvas ocorridas em Belo Horizonte ocasionaram a paralisação dos trabalhos no canteiro de obras por grandes períodos. Relatou que o contrato foi objeto de análise do Ministério Público Estadual, havendo sido firmado Termo de Ajustamento de Conduta, sendo entendido pela sua legalidade. Salientou que, na hipótese de atraso na entrega do imóvel, as partes pré-fixaram as perdas e danos no percentual de 0,5% sobre o valor pago, mensalmente, até que a entrega das chaves se concretize, não havendo que se falar em indenização suplementar. Impugnou os pedidos formulados pelo autor na inicial, bem como os pedidos de antecipação de tutela. Juntou documentos de fls. 160/211.
Depósito do autor às fls. 214/215.
O Eg. TJMG proferiu acórdão de fls. 218/228, dando provimento ao agravo de instrumento interposto pelo autor, determinando a expedição de ofício para que o Cartório do 3º Ofício de Registro de Imóveis de Belo Horizonte procedesse à anotação da existência da ação principal nos registros dos imóveis incorporados para a construção do edifício.
O autor se manifestou às fls. 264/267, relatando que no dia 29 de agosto de 2013 foi realizada reunião onde foi dito expressamente pelo Presidente da ré que esta não tinha condições de construir os imóveis e não demonstrava interesse, pelo fato de a obra custar cerca de R$20.000.000,00 (vinte milhões de reais). Diante disso, requereu o imediato cancelamento dos depósitos judiciais até então realizados e o levantamento das quantias depositadas; bem como penhora para garantir a futura restituição do valor já pago pelo autor e a execução de multa e aluguéis.
Juntou os documentos de fls. 268/273.
Às fls. 275, foi autorizado que o autor cessasse os depósitos judiciais das parcelas, mantendo a decisão no que se refere ao impedimento de a ré incluir o nome do autor nos cadastros de proteção ao crédito. Quanto aos demais pedidos formulados na petição anterior, tendo em vista que o documento apresentado pelo autor não está assinado pela ré, determinou-se sua intimação.
O autor e a ré apresentaram embargos de declaração de fls. 285/288 e 290/295, respectivamente, sendo intimadas as partes para se manifestarem, tendo em vista a possibilidade dos efeitos infringentes.
Na audiência de conciliação designada para o dia 22 de janeiro de 2014, não se logrou êxito na tentativa de conciliação, em face da ausência da requerida.
O autor impugnou a contestação às fls. 329/355.
Às fls. 365/365-v, chamou-se o feito à ordem para analisar os embargos de declaração, bem como o pedido de levantamento das quantias depositadas. Os embargos de declaração foram rejeitados, porque improcedentes. O pedido de penhora formulado pelo autor à fl. 288 foi indeferido, porque não se trata de feito executivo. Foi deferido o pedido de levantamento da quantia depositada nos autos, independentemente do pedido de rescisão contratual, visto que todas as provas carreadas aos autos indicam que o imóvel adquirido pela parte autora corre sério risco de sequer vir a ser edificado pela parte ré.
O autor se manifestou à fl. 368, requerendo a produção de prova testemunhal, que foi indeferida à fl. 369.
Alegações finais do autor às fls. 372/379; da ré às fls. 381/384, juntando documentos de fls. 385/387, sobre os quais o autor se manifestou à fl. 393/394.
É o relato. DECIDO.
Fundamentação
O processo comporta julgamento de pronto, não havendo necessidade de produção de outras provas.
À fl. 295, a requerida requereu a extinção do feito ao fundamento de que a petição inicial é inepta.
Todavia, não há que se falar em inépcia se a inicial preenche todos os requisitos elencados nos artigos 282 e 283 do Código de Processo Civil, necessários ao regular processamento do feito, permitindo a compreensão da causa de pedir e do pedido, possibilitando a defesa da parte contrária.
Posto isso, rejeito a preliminar.
Não havendo mais preliminares a serem apreciadas, bem como nenhuma questão processual pendente, passo a analisar o mérito.
Inicialmente, insta ressaltar que a relação entabulada entre as partes é de consumo, estando autor e construtora ré enquadrados no conceito de consumidor e fornecedor, respectivamente, insculpido nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor.
Desta forma, uma vez que se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do fornecedor é objetiva. Todavia, o Código de Defesa do Consumidor não autoriza a alteração dos contratos livremente pactuados entre as partes, a não ser que exista clara desvantagem para o consumidor, conforme preceitua o art. 51, IV, do referido diploma. O princípio do pacta sunt servanda será relativizado somente se evidenciada a desvantagem para o consumidor, a fim de se restabelecer o equilíbrio das obrigações contratuais, tornando o pacto exequível para ambos todos os contratantes.
Compulsando os autos, verifica-se que as partes firmaram, no dia 18 de setembro de 2009, um contrato de promessa de compra e venda do imóvel descrito na inicial (fls. 39/47), constando na sua cláusula 4 que a data estimada para término das obras era 30 de março de 2013.
Contudo, a cláusula quinta do contrato prevê que a requerida conta com um prazo de carência de 120 dias úteis, de forma que deve se considerar como data de entrega do imóvel o dia 17 de setembro de 2013.
Neste ponto, frisa-se que referida cláusula de tolerância de prazo não se revela abusiva ou ilegal, a despeito do entendimento da parte autora, mostrando-se um prazo necessário para assegurar à construtora a possibilidade de cumprimento contratual mesmo com intempéries e eventual dificuldade na conclusão de etapas da obra, não havendo que se falar, assim, em sua nulidade.
Assim, já decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
EMENTA: INDENIZAÇÃO - ATRASO NA ENTREGA DA OBRA - CLÁUSULA DE PRORROGAÇÃO DE PRAZO - MULTA POR DESCUMPRIMENTO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS - LUCROS CESSANTES - DANO MORAL. É cabível a estipulação do prazo de tolerância de 180 dias para entrega de obra, por ser prática padrão nos contratos de construção, que estabelece de forma determinada e prévia a possibilidade em caso de algum imprevisto. (...) (TJMG - Apelação Cível 1.0024.13.308409-5/001, Relator(a): Des.(a) Evangelina Castilho Duarte , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 25/11/2015, publicação da súmula em 18/12/2015).
EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO ORDINÁRIA - CONSTRUTORA - CDC - CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - ATRASO NA ENTREGA - CLÁUSULA QUE PREVÊ PRORROGAÇÃO DO PRAZO - LEGALIDADE - MULTA MORATÓRIA - DANO MATERIAL - PREJUÍZO - COMPROVAÇÃO - DANO MORAL - OCORRÊNCIA. - A relação entabulada pelas partes é de consumo, estando autor e réu enquadrados no conceito de consumidor e fornecedor, respectivamente, insculpido nos arts. 2º e 3º, do CDC. - Inexiste óbice à cláusula que prevê a possibilidade de prorrogação do prazo de entrega da obra por 120 (cento e vinte) dias úteis, vez que o mercado construtor está sujeito a eventuais atrasos. – (...) (TJMG - Apelação Cível 1.0024.13.051072-0/001, Relator(a): Des.(a) Mariângela Meyer , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/08/2015, publicação da súmula em 02/09/2015).
Dessa forma, deve prevalecer como data de entrega das chaves, como dito, o dia 17 de setembro de 2013.
Cumpre destacar, neste ponto, que a requerida não fez prova que a alegada escassez de mão de obra, alta no preço dos insumos, aumento dos prazos de entrega pelos fornecedores, entre outras alegações, foram responsáveis pelo atraso na entrega da unidade à parte autora no prazo prometido.
Ademais, os fatos invocados pela requerida, a meu ver, estão ligados ao risco natural da atividade econômica desenvolvida pela construtora ré.
Em razão disso, não há que se falar em força maior capaz de afastar a configuração da mora e, via de consequência, a excluir a responsabilidade civil.
Neste sentido, colhe-se entendimento deste Tribunal:
APELAÇÃO CÍVEL - COMPRA E VENDA - IMÓVEL - CONSTRUTORA - ATRASO ELEVADO - PRAZO DE TOLERÂNCIA - LEGALIDADE - LUCROS CESSANTES - CLÁUSULA PENAL PREVISTA APENAS EM DESFAVOR DO CONSUMIDOR - INVERSÃO - DANOS MORAIS - CRITÉRIOS. Não há abusividade na estipulação de prazo de tolerância para entrega do imóvel. O atraso na entrega do imóvel em virtude da ausência de mão de obra no mercado e impontualidade de fornecedores não configura força maior ou caso fortuito a eximir a responsabilidade da construtora, pois se trata de fortuito interno. (...). (TJMG, Apelação Cível 1.0024.12.321707-7/001, Relator(a): Des.(a) Estevão Lucchesi , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/03/2015, publicação da súmula em 24/03/2015).
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA - CONSTRUTORA - ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL - RECURSO DESERTO - NÃO CONHECIMENTO - MULTA MORATÓRIA - EQUILÍBRIO DO CONTRATO - DECISÃO ULTRA PETITA - DECOTE DO EXCESSO - Não estando a parte amparada pelo benefício da gratuidade judiciária, incumbe-lhe providenciar o preparo no momento da interposição do recurso, nos exatos termos do artigo 511 do Código de Processo Civil, sob pena de deserção. - Fatores externos como escassez de mão-de-obra, por exemplo, não possuem relação com caso fortuito, pois se tratam de riscos do empreendimento, não podendo, assim, a empreendedora dividir esses riscos com o promitente comprador.- Comprovada a mora por parte da Construtora, sem qualquer justificativa plausível, resta configurada sua conduta ilícita. (...) (TJMG - Apelação Cível 1.0024.12.207831-4/001, Relator(a): Des.(a) Alexandre Santiago , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/09/0015, publicação da súmula em 23/09/2015).
Demais disso, ainda analisando os documentos contidos nos autos e as alegações das partes, verifica-se que o autor efetuou o pagamento das parcelas à requerida até o mês de abril de 2013 (inclusive), estando adimplente com a construtora até a propositura desta ação (fls. 61/63).
E, após ser deferida parcialmente a antecipação de tutela para autorizar que o autor depositasse o valor integral das parcelas (fl. 77), este efetuou depósito das prestações vencidas em maio a setembro de 2013.
A requerida, lado outro, encontra-se em mora com sua obrigação de entregar o apartamento na data estipulada contratualmente, uma vez que, conforme consta nestes autos, sequer iniciou a construção do edifício (fls. 58/59 e 356/358).
Em ata da reunião da comissão dos edifícios Alto dos Manacás (fls. 268/273), consta informação do presidente da companhia de que a construtora não tem recursos suficientes para executar as obras. Todavia, referido documento não contém assinatura, tendo a requerida afirmado, à fl. 294, que os edifícios serão construídos.
Em razão da paralisação das obras pela requerida, foi deferido, à fl. 365, o pedido de levantamento das quantias depositadas, mesmo não havendo pedido de rescisão contratual.
Frisa-se, neste ponto, que não possui razão a requerida ao afirmar, em sede de alegações finais, que a mora do autor é anterior à sua. A uma, porque o autor procedeu ao depósito judicial das parcelas, conforme dito acima, sendo posteriormente autorizado o seu levantamento (tendo em vista o descumprimento contratual da requerida). A duas porque, quando da propositura desta ação, a construtora não havia nem mesmo iniciado a construção do edifício, fato este que não foi desconstituído pela ré.
Feitas tais considerações, passo a analisar os pedidos formulados pelo autor na inicial.
Requereu o autor a condenação da construtora ré ao pagamento de aluguéis desde o dia 30/03/2013 até a efetiva entrega do imóvel.
Primeiramente, cumpre ressaltar que a responsabilidade da requerida pelo atraso na entrega do imóvel se inicia em 17/09/2013, data em que termina o prazo de tolerância de 120 dias úteis, que não é abusivo nem ilegal.
Noutro norte, é sabido que, para que ocorra o direito aos lucros cessantes (aluguéis que o autor deixou de auferir durante a mora da construtora), deve-se comprovar haver, com certeza, algo a ganhar, caso contrário o pedido deve ser julgado improcedente.
Neste sentido:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. LUCROS CESSANTES. DANOS MORAIS. ANÁLISE DO CASO CONCRETO. CABIMENTO. São incabíveis os lucros cessantes quando não existente prova concreta de que o imóvel estaria alugado no período do atraso das obras e qual o valor do prejuízo, sendo este ônus do autor, nos termos do art. 333, I do CPC. Não cabe pleitear lucros cessantes ao fundamento de que correspondentes aos aluguéis que se deixou de auferir com a locação do imóvel comprado e não entregue, se a própria parte autora alega que adquiriu o imóvel para seu uso próprio. A indenização por danos morais em casos de atraso na entrega do imóvel por parte do construtor nem sempre é devida, impondo-se a análise do caso concreto e suas circunstâncias, tais como tempo de atraso, dificuldades financeiras causadas por este fato e outros transtornos diretamente ligados ao atraso. (TJMG - Apelação Cível 1.0188.11.012130-1/001, Relator(a): Des.(a) Pedro Bernardes , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/11/2015, publicação da súmula em 04/12/2015).
No caso em questão, o autor não logrou êxito em demonstrar que, com o atraso na entrega do imóvel, deixou de lucrar com a sua locação, sendo que sequer há demonstração nos autos de que o imóvel seria locado.
Diante disso, não merece procedência o pedido do autor neste ponto.
Lado outro, possui razão o autor quando pede a condenação da ré ao pagamento da multa contratual.
Isso porque o contrato de compra e venda firmado entre as partes prevê, na sua cláusula décima sexta, parágrafo segundo (fl. 45), que “o descumprimento parcial do contrato pela promitente vendedora, caracterizado por atraso no término da obra, ensejará ao promissário comprador indenização correspondente a 0,5% (meio por cento) sobre os valores por este resgatados, a título de indenização e aluguel mensal, calculados pro rata die após o término de carência estipulado no caput da cláusula quinta, cominação ora estabelecida em comum acordo pelas partes como única e suficiente para ressarcimento dos prejuízos decorrentes do eventual atraso”.
Sendo evidente o atraso na entrega do imóvel, deve a requerida ser condenada ao pagamento da referida indenização, calculada a partir da data em que incorreu em mora, ou seja, 18/09/2013.
Quanto ao pedido de indenização a título de danos morais, é sabido que estes surgem em decorrência de uma conduta ilícita, que venha a causar sentimento negativo em qualquer pessoa de comportamento e senso comuns.
Para a sua ocorrência, há que se observar a presença de alguns pressupostos, quais sejam: a existência do dano, o nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o resultado lesivo, e o elemento subjetivo, caracterizado pela existência de culpa ou dolo do agente, derivada de ato omissivo ou comissivo voluntário.
Neste caso, restou demonstrado o inadimplemento contratual por parte da requerida, que já se encontra em atraso com relação à entrega do imóvel ao autor há mais de 2 (dois) anos.
De toda forma, não obstante a existência de posicionamento jurisprudencial em contrário, entendo que o inadimplemento contratual quanto à compra de um imóvel residencial é passível de gerar indenização de dano moral, especialmente, neste caso, tendo em vista a decepção do autor ao constatar que, na data estimada para entrega da obra, esta sequer havia sido iniciada.
Desta forma, presentes os requisitos da responsabilidade civil, cumpre deferir o pedido de dano moral.
Nesse sentido:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL - APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - INADIMPLÊNCIA DO COMPRADOR - NÃO VERIFICAÇÃO - CULPA EXCLUSIVA DA REQUERIDA - DANOS MORAIS - CARACTERIZAÇÃO - QUANTUM INDENIZATÓRIO - OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE -SENTENÇA REFORMADA PARCIALMENTE. (…) - A ausência de entrega de um imóvel residencial em tempo hábil por certo que gera uma justa expectativa de uso pelo adquirente, situação passível de gerar indenização a título de dano moral. - A fixação da indenização por danos morais pauta-se pela aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. (…)” (TJMG, Apelação Cível n° 1.0027.13.002871-8/001, rel. Des. Wanderley Paiva, julgamento em: 22/07/0015) (g.n.)
Quanto ao valor da indenização por dano moral, examinando as circunstâncias específicas deste caso, entendo suficiente a fixação no valor de R$15.000,00 (quinze mil reais).
Desse modo, por tudo mais que dos autos consta, o acolhimento parcial dos pedidos iniciais é medida que se impõe.
Dispositivo
Diante do exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo autor, para condenar a ré ao pagamento da multa contratual estabelecida na cláusula décima sexta, parágrafo segundo, no valor de 0,5% (meio por cento) sobre os valores resgatados pelo autor, por mês de atraso na entrega do imóvel, a contar de 18 de setembro de 2013 até a efetiva entrega das chaves, cujo valor deverá ser acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação e correção monetária pelos índices da Corregedoria de Justiça a partir desta decisão; bem como para condenar a ré ao pagamento de indenização a título de danos morais no valor de R$15.000,00 (quinze mil reais), com correção monetária pelos índices da Corregedoria de Justiça a partir da publicação desta decisão e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação, nos termos da fundamentação supra.
Fixo honorários advocatícios de sucumbência em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação. Havendo sucumbência recíproca, distribuo proporcionalmente entre as partes as verbas de sucumbência. Assim, condeno a parte autora ao pagamento de 30% (trinta por cento) das custas/despesas processuais e honorários advocatícios e condeno a parte ré ao pagamento de 70% (setenta por cento) das custas/despesas processuais e honorários advocatícios, deferindo-se a compensação de honorários advocatícios de sucumbência, com base no artigo 21 do CPC e da súmula 306 do STJ. Suspendo a exigibilidade de tais verbas com relação ao autor, porque amparado pela gratuidade da justiça.
P. R. I.
Belo Horizonte, 21 de janeiro de 2016.
CLÁUDIA APARECIDA COIMBRA ALVES
JUÍZA DE DIREITO