Numeração única: 3851451-17.2013.8.13.0024
Autor: Daniel Borja Pinto
Ré: Igreja Batista Renovada Monte Moria
COMARCA DE BELO HORIZONTE / MG
I – RELATÓRIO
Daniel Borja Pinto ajuizou a presente AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS em face de Igreja Batista Renovada Monte Moria, qualificados.
Alega, em síntese, que em 28/04/2010 celebrou com a ré contrato de promessa de compra e venda, cujo objeto era 50% de um terreno com suas benfeitorias e acessões, conforme ato de leilão e arrematação do processo nº 1995.001.078186-2.
Afirma que ficou avençado o pagamento de R$505.000,00, sendo R$200.000,00 no ato da assinatura, R$180.000,00 por meio de doze parcelas finais da arrematação do imóvel em leilão, e R$125.000,00 após a assinatura da escritura pública de compra e venda imobiliária, a ser confeccionada em cartório de notas.
Aduz que ainda ficou convencionado que a utilização do imóvel seria de 50% para o autor e de 50% para a ré, além de que a ré se comprometeu a entregar ao autor toda a documentação necessária à confecção da escritura pública de compra e venda, em tempo hábil.
Informa que em 05/09/2013 notificou a ré, a fim de que lhe entregasse a documentação necessária, bem como para que prestasse contas das receitas e despesas referentes ao estacionamento, lava-jato, aluguel do prédio e do salão de festas, marcenaria e outros serviços explorados no imóvel, porém a ré não se manifestou.
Destaca que, anteriormente à notificação, devido à sua insistência, recebeu prestação de contas relativa apenas à exploração do estacionamento pelos mensalistas, excluídos os diaristas, horistas e pernoitistas, no período de maio de 2010 a setembro de 2013.
Ao final, pede que a ré apresente contas das receitas e despesas referentes ao estacionamento, lava-jato, aluguel do prédio e do salão de festas, marcenaria e outros serviços explorados no imóvel.
Com a inicial vieram os documentos de f. 05/313.
Citada, a ré apresentou a contestação de f. 318/322, acompanhada dos documentos de f. 323/327.
Preliminarmente, sustenta a ausência de interesse de agir do autor e a inadequação do procedimento eleito.
No mérito, alega que o autor cumpriu apenas com parte do avençado no contrato de promessa de compra e venda, de modo que a ré teve de socorrer-se de seus membros para saldar o débito, inclusive mediante empréstimos com juros elevados e danos morais.
Ressalta a nulidade do negócio jurídico, uma vez que o estatuto da ré rege que qualquer negociação de venda deve ter aprovação de seus membros por meio de assembleia.
Afirma que cumpriu integralmente com o avençado na arrematação do imóvel.
Aduz que inexiste obrigação de prestar contas na condição de administradora de bens ou interesses da Igreja Batista Renovada Monte Moria, sobretudo ao autor.
Informa que a intenção das partes era a celebração de contrato de parceria para aquisição do imóvel, porém como o autor não cumpriu sua parte, o contrato não foi efetivado, tendo a ré adquirido sozinha o imóvel.
Sustenta que, apesar de o contrato prever a utilização do imóvel no percentual de 50% para cada uma das partes, essa disposição não prevalece, em razão da nulidade do negócio jurídico.
Ao final, pugna pela improcedência do pedido.
Impugnação às f. 331/342.
Na fase de especificação de provas, a ré requereu o depoimento pessoal do autor, a oitiva de testemunhas a realização de perícia, ao passo que o autor pugnou pela produção de prova pericial apenas.
Despacho saneador às f. 393/393v, em que foram afastadas as preliminares e deferidas algumas das provas requeridas (depoimento pessoal do autor e oitiva de testemunhas).
Memoriais da ré às f. 403/407.
É o relatório. DECIDO.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação. O processo encontra-se regular e não há nulidades a sanar de ofício. Superada as preliminares (f. 393/393v), passo ao exame do mérito.
A ação de prestação de contas é o meio processual adequado para se esclarecer situações resultantes, no geral, da administração de bens alheios. O objetivo é liquidar o aspecto econômico da relação jurídica estabelecida entre as partes para que se possa apurar a existência ou não de um saldo e a condenação daquele que deva pagá-lo.
Especificamente no caso de ação de exigir contas, em primeiro lugar, cabe aferir se há ou não o dever de prestar contas por parte do réu e, uma vez reconhecida a existência dessa obrigação de fazer, o réu é condenado a exibir. Cumprida essa obrigação, passa-se à segunda fase que é o julgamento das contas prestadas e a fixação de eventual saldo final em favor de uma das partes. Se não cumprida a obrigação reconhecida na sentença proferida na primeira fase, passa a ser do autor a faculdade de elaborar as contas.
Em resumo, prestar contas significa que, aquele que tem o controle gerencial ou financeiro de certa atividade e que tem outrem como parceiro ou consumidor do mesmo empreendimento, deve justificar rendimentos ou prejuízos, para que o aquele que não controla ou administra os bens saiba da real situação do patrimônio investido ou o que está pagando a título da operação contratada. Senão vejamos:
“Prestar contas significa fazer alguém a outrem, pormenorizadamente, parcela por parcela, a exposição dos componentes de débito e crédito resultantes de determinada relação jurídica, concluindo pela apuração aritmética do saldo credor ou devedor, ou de sua inexistência” (Adroaldo Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil de 1973, p. 305, vol. VIII, tomo III).
Pelo que se constata dos autos, as partes celebraram o contrato de f. 06/08, cuja cláusula 3.2 estabelece que “a utilização e exploração do imóvel a partir d desta data será 50% de DANIEL BORJA PINTO e os outros 50% da IGREJA BATISTA MORTE MORIA. Todas as receitas e despesas referentes a estacionamento, lava-jato e outros que podem firmar será dividido entre as partes até a quitação total do imóvel e a divisão do mesmo”.
A existência desse contrato é fato incontroverso, todavia insurge-se a ré quanto à sua validade. No que se refere à alegação de nulidade do negócio jurídico, dispõe o art. 166 do Código Civil:
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
Não se vislumbra no contrato celebrado pelas partes nenhum dos vícios apontados pela lei como ensejadores de nulidade do negócio jurídico. As partes são capazes, o objeto é juridicamente possível e observou-se a forma determinada por lei. Ademais, não houve violação a norma imperativa e o motivo que levou as partes a firmarem o contrato não é ilícito.
A questão atinente à não aprovação pela assembleia da igreja é questão interna corporis, que não pode prejudicar o autor, cabendo apenas aos membros da assembleia eventual questionamento quanto ao negócio perante seu representante legal. Ademais, o contrato foi assinado por membros responsáveis pela administração da ré, aos quais incumbe sua regular representação.
É de se ressaltar, por fim, que não pode a ré se beneficiar de sua própria torpeza quanto à não observância de suas normas administrativas internas. Ora, a ré, ao celebrar o contrato sem observar as próprias disposições, violando-as, não pode agora invocar essas mesmas normas em seu favor, atentando contra o princípio da boa-fé objetiva. Dispõe o art. 422 do Código Civil:
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Nesse contexto, a ré, sabedora de que estava patentemente afrontando as suas disposições estatutárias, ainda assim optou por celebrar o contrato com o autor, que, inclusive, agiu de boa-fé, não havendo nenhum motivo para que suspeitasse de eventual irregularidade quando da contratação.
Destarte, não há que se falar em nulidade do negócio jurídico, cujas disposições prevalecem integralmente.
Quanto ao objeto da compra e venda, o imóvel encontra-se descrito na cláusula 2.1 do contrato (f. 06). Pactuou-se o preço de R$505.000,00, sendo que R$200.000,00 seriam pagos no ato da assinatura, R$180.000,00 seriam pagos em através de 12 parcelas finais da arrematação do imóvel em leilão, representadas pelas prestações de nº 19 a 30, e R$125.000,00 após a assinatura da escritura de compra e venda imobiliária, a ser confeccionada em cartório de notas (f. 06/07).
Certo é que, conforme reconhecido na sentença proferida nos autos em apenso, o autor cumpriu integralmente sua obrigação de pagar, pelo menos no que até então lhe era exigível, posto que os R$125.000,00 restantes apenas são devidos após a assinatura da escritura de compra e venda imobiliária, a ser confeccionada em cartório de notas, sendo que, para tanto, deve a ré fornecer ao autor os documentos necessários.
Assim, tendo em vista o contrato celebrado entre as partes, por meio do qual ficou estabelecido que todas as receitas e despesas referentes a estacionamento, lava-jato e outros serviços que possam vir a ser explorados no local, serão divididas entre autor e ré até a quitação total e divisão do imóvel, é de se reconhecer que o autor tem o direito de exigir contas.
Portanto, deve a ré prestar ao autor as contas referentes ao estacionamento, lava-jato, aluguel do prédio e do salão de festas, marcenaria e outros serviços explorados no imóvel objeto do contrato de promessa de compra e venda de f. 06/08.
III – DISPOSITIVO
Diante do exposto, e o que mais que consta dos autos, JULGO PROCEDENTE o pedido autoral, para determinar à ré que preste ao autor as contas relativas ao estacionamento, lava-jato, aluguel do prédio e do salão de festas, marcenaria e outros serviços explorados no imóvel, conforme cláusula 3.2 do contrato de f. 07. Essas contas deverão ser prestadas no prazo de 48 horas, sob pena de não ser lícito à ré impugnar as contas que o autor vier a prestar, consoante disposto no art. 915, § 2º, do Código de Processo Civil.
Condeno a ré ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em R$1.500,00 (mil e quinhentos mil reais), nos termos do art. 20, §4º, do CPC.
P.R.I.
Belo Horizonte, 16 de fevereiro de 2016.
MOEMA MIRANDA GONÇALVES
Juíza de Direito
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