Autos nº: 0024.14.213.797-5

 

Autores: Ivan Braga Campos, Lívia de Paiva Pacheco e Rosalina Batista Braga

 

Requeridos: FIFA - WORLD CUP BRASIL ASSESSORIA LTDA. e COMITÊ ORGANIZADOR BRASILEIRO LTDA. – COL/2014 FIFA WORLD CUP BRASIL

 

Espécie: Ação de indenização por danos morais

 

SENTENÇA

 

I – RELATÓRIO

 

Vistos e examinados.

 

Trata-se de ação de indenização por danos morais movida por Ivan Braga Campos, Lívia de Paiva Pacheco e Rosalina Batista Braga em face de FIFA - WORLD CUP BRASIL ASSESSORIA LTDA. e COMITÊ ORGANIZADOR BRASILEIRO LTDA. – COL/2014 FIFA WORLD CUP BRASIL, já qualificados nos autos, requerendo a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais.

 

Para tanto, aduziram que foram impedidos, pelos organizadores do evento, de entrar no estádio “Mineirão”, no dia 22/06/2013, para assistirem ao jogo de futebol entre Japão e México, tendo em vista estarem vestidos com camisas que possuíam os dizeres: “QUEREMOS SUS PADRÃO FIFA”, “QUEREMOS ESCOLAS PADRÃO FIFA” e “QUEREMOS METRÔ PADRÃO FIFA”.

 

Asseveraram que foram escoltados pelos policiais militares até o posto de atendimento da polícia civil, onde foram orientados a vestirem as camisas pelo lado avesso para terem o direito de entrar no estádio, pois “as regras naquele local eram ditadas pela FIFA e não pela legislação brasileira”.

 

Alegaram que se sentiram constrangidos pela situação que repercutiu nos jornais, emissoras de TV, rádio e redes sociais, assemelhando-os a manifestantes, subversivos e pessoas violentas.

 

Dessa forma, pugnaram pela procedência do pedido, condenando os requeridos a pagarem indenização por dano moral.

 

Inicial veio instruída de documentos às fls. 10/48.

 

Aditamento da inicial às fls. 53/54 para alterar o polo passivo, fazendo-se constar como réus FIFA- WORLD CUP BRASIL ASSESSORIA LTDA. e COMITÊ ORGANIZADOR BRASILEIRO LTDA. – COL/2014 FIFA WORLD CUP BRASIL.

 

Decisão de fls. 61 deferiu o aditamento da inicial.

 

Citada, a primeira requerida apresentou contestação (fls. 72/91), alegando, em apertada síntese, que a Carta Magna Brasileira assegura, apenas, o uso do espaço público para manifestações de pensamento; que o estatuto da entidade ré, FIFA, impede que ela pratique atividades políticas, religiosas ou ligadas a quaisquer outras distintas do esporte; que o estádio, bem público de uso especial, encontrava-se cedido à ré, FIFA, por força de contrato; que a obstaculização à entrada dos autores no estádio estava baseada na Lei da Copa; que não houve ofensa à honra dos autores, pois os mesmos não foram impedidos de entrar, sendo que logo que substituíram as camisas tiveram franqueadas as entradas.

 

Continuando, apresentou precedente da justiça de Minas Gerais em caso análogo, cujo o pedido foi julgado improcedente e firmou suas razões de defesa sobre a alegação de que o Código de Conduta no Estádio, estabelecido pela ré, FIFA, respeita os parâmetros legais do art. 28 da Lei Geral da Copa.

 

Por fim, pugnou pela improcedência dos pedidos dos autores; alternativamente, que seja a indenização arbitrada de modo a evitar o enriquecimento ilícito dos autores. Juntou documentos de fls. 92/148.

 

Citada, a segunda requerida apresentou contestação (fls. 149/159), alegando, em apertada síntese, que não ocorreu violação às garantias constitucionais dos autores pela aplicação da Lei Geral da Copa e do Código de Conduta do Torcedor. Informou que, ao realizar a compra dos ingressos, os autores tiveram ciência das regras de conduta que deveriam obedecer, bem como se obrigaram a cumpri-las. Afirmou que os autores moravam próximo ao estádio e poderiam trocar de blusa facilmente, não ocorrendo qualquer ofensa à honra, à dignidade e à imagem dos autores. Ao final, pugnou pela improcedência total dos pedidos. Juntou documentos às fls. 160/212.

 

Impugnação à contestação de fls. 214/232.

 

Oportunizada vista para especificação de provas, os requerentes manifestaram às fls. 234, a primeira ré às fls. 235/238 e a segunda às fls. 239/243.

 

Decisão saneadora às fls. 243v.

 

Em seguida, vieram os autos conclusos para a sentença.

 

É o relatório. Passo a decidir.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

Verifico que não há nulidades a serem sanadas e preliminares não foram arguidas pelas partes.

 

Presentes, pois, as condições da ação e os pressupostos processuais, passo ao exame do mérito.

 

Trata-se de ação de indenização proposta pelos requerentes, pleiteando a condenação das requeridas em pagamento de indenização pelos danos morais sofridos, em razão de terem sido impedidos de entrar no estádio “Mineirão”, durante o evento da Copa do Mundo de 2014, trajando blusas com dizeres, supostamente, ofensivos.

 

Cinge-se a lide, portanto, à verificação de lesão ao direito fundamental da livre manifestação dos autores, capaz de ensejar a responsabilidade civil das rés.

 

Restou incontroverso a relação jurídica existente entre as partes, haja vista os ingressos juntados aos autos às fls. 20/25.

 

 

 

É fato, também, incontroverso a obstaculização dos autores no momento em que tentavam ingressar no estádio “Mineirão” para assistir a partida entre Japão e México, durante o evento da Copa do Mundo de 2014.

 

A Copa do Mundo de Futebol é um dos maiores eventos mundiais. Isso não é segredo para ninguém. Até mesmo porque, os países que a sediam estabelecem em parceria com o comitê organizador toda uma logística, anos antes do próprio evento, que envolve desde a infraestrutura física dos locais que vão sediar os jogos, segurança pública, aspectos econômicos, etc, até questões jurídicas.

 

Tanto assim, que foi editada a Lei 12.663 de 5 de junho de 2012, que dispõe, entre outras, das medidas relativas à “Copa do Mundo Fifa 2014”, durante os anos que antecederam o evento e durante a sua realização, e que ainda tem reflexos mesmo após o fim do evento.

 

Assim, havendo legislação específica nesse sentido, todo o evento e aqueles que o promovem ou dele participem devem se orientar segundo tal regramento, uma vez que elaborado em conformidade com o ordenamento jurídico vigente no país.

 

Portanto, estabelecida essa premissa, passemos ao caso concreto.

 

Os requeridos, em sua defesa, arguiram precedente da Justiça Federal de Minas Gerais que julgou improcedente o pedido do autor em caso análogo à testilha trazida a lume nestes autos.

 

Permissa venia, hei por bem afastar tal argumentação citando o eminente ministro de nossa corte maior, Luiz Fux, ao explicar que a jurisprudência que os juízes das instâncias inferiores não podem contrariar, ou devem seguir, de acordo com o Novo Código de Processo Civil, é aquela que está solidificada pelos tribunais superiores:

A jurisprudência, para ter força, precisa ser estável, de forma a não gerar insegurança. Então, a jurisprudência que vai informar todo o sistema jurídico e que vai ter essa posição hierárquica é aquela pacífica, estável, dominante, que está sumulada ou foi decidida num caso com repercussão geral ou é oriunda do incidente de resolução de demandas repetitivas ou de recursos repetitivos, não é a jurisprudência aplicada por membro isolado através de decisões monocráticas. Essa não serve para a finalidade do Novo CPC”.

 

Assim considerado, entendo que uma decisão isolada, não pode ter o condão de vincular outras decisões, ainda que em casos análogos, merecendo cada caso ser apreciado, segundo as novas diretrizes do CPC/15, de forma coparticipativa, buscando uma decisão que fora construída devidamente, observando-se as peculiaridades do caso e as provas constituídas.

 

As rés, ainda em defesa, invocam o art. 28 da Lei Geral da Copa (Lei 12.663/12):

Art. 28. São condições para o acesso e permanência de qualquer pessoa nos Locais Oficiais de Competição, entre outras:

I - estar na posse de Ingresso ou documento de credenciamento, devidamente emitido pela FIFA ou pessoa ou entidade por ela indicada;

II - não portar objeto que possibilite a prática de atos de violência;

III - consentir na revista pessoal de prevenção e segurança;

IV - não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, de caráter racista, xenófobo ou que estimulem outras formas de discriminação;

V - não entoar xingamentos ou cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos;

VI - não arremessar objetos, de qualquer natureza, no interior do recinto esportivo;

VII - não portar ou utilizar fogos de artifício ou quaisquer outros engenhos pirotécnicos ou produtores de efeitos análogos, inclusive instrumentos dotados de raios laser ou semelhantes, ou que os possam emitir, exceto equipe autorizada pela FIFA, pessoa ou entidade por ela indicada para fins artísticos;

VIII - não incitar e não praticar atos de violência, qualquer que seja a sua natureza;

IX - não invadir e não incitar a invasão, de qualquer forma, da área restrita aos competidores, Representantes de Imprensa, autoridades ou equipes técnicas; e

X - não utilizar bandeiras, inclusive com mastro de bambu ou similares, para outros fins que não o da manifestação festiva e amigável.

§ 1o É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana.

§ 2o O não cumprimento de condição estabelecida neste artigo implicará a impossibilidade de ingresso da pessoa no Local Oficial de Competição ou o seu afastamento imediato do recinto, sem prejuízo de outras sanções administrativas, civis ou penais.

 

Argumentam a constitucionalidade do artigo citado, a qual não merece maiores elucubrações, tendo em vista decisão exarada pelo STF que julgou improcedente a ADI 5136.

 

As rés invocam, ainda, como forma de demonstrar a culpa dos autores, o item 4.1 do Código de Conduta no Estádio, elaborado pelas rés (fls.140/145 e 207/212).

 

Entretanto, entendo que as rés, obstaculizando a entrada dos autores no estádio, quando estes usam camisas com os dizeres “Queremos SUS padrão FIFA”, “Queremos escolas padrão FIFA” e “Queremos metrô padrão FIFA”, extrapolaram os limites estabelecidos pelo art.28 da Lei 12.663/12.

 

Isso porque, o item 4.1, alínea g, do Código de Conduta no Estádio, invocado como argumento de defesa, fere o disposto no §1º do art. 28 da referida lei.

 

As rés, quando da elaboração e aplicação do referido código de conduta, não poderiam deixar de observar e excluir o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana.

 

Como bem observado pela defesa, o referido dispositivo legal foi apreciado pelo STF, que decidiu pela sua constitucionalidade, razão pela qual sua observância é imperiosa.

 

Nesse sentido, como interpretar as ações dos autores, vestidos com as tais camisetas, diversamente de uma expressão em defesa da dignidade da pessoa humana? Em especial, do povo brasileiro.

 

Desta feita, há que se apontar uma relação entre o direito à saúde, educação e transporte de qualidade à dignidade da pessoa humana, uma vez que consistem em aspectos necessários à concretização do cidadão, à formação de sua personalidade e à sua promoção.

 

Portanto, a obstaculização dos autores, pelas rés, à entrada no estádio, por estarem vestidos com camisetas com os dizeres “Queremos SUS padrão FIFA”, “Queremos escolas padrão FIFA” e “Queremos metrô padrão FIFA”, se mostraram desarrazoadas e ilegais, afrontando diretamente o §1º do art.28 da Lei 12.663/12.

 

 

Em relação a isso, os autores buscam indenização pelos danos morais em razão da responsabilidade civil das rés pela prática de ato ilícito.

 

A ideia de responsabilidade civil está relacionada à noção de não prejudicar outro. Nesse caso, a responsabilidade pode ser definida como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano causado a outrem em razão de sua ação ou omissão.

 

Nas palavras de Rui Stoco:

A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana” (STOCO, 2007, p.114).

 

Nesse contexto, a responsabilidade civil fundamenta-se na “aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado (..)”, conforme nos ensina Maria Helena Diniz (2003, pag.34).

 

No que pertine ao dano moral, este surge quando há a lesão de bem imaterial integrante da personalidade do indivíduo, tal como a liberdade, a honra, a integridade da esfera íntima, causando sofrimento, dor física e ou psicológica à vítima, e está afeto a um bem que não tem caráter econômico, não é mensurável e não pode retornar ao estado anterior.

 

Assim, o artigo 927 do Código Civil estabelece que: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

 

No caso em tela, observa-se que a responsabilidade é subjetiva, ou seja, é preciso demonstrar quatro elementos essenciais: a conduta (ou ato ilícito, conforme artigo 186 do Código Civil), o dano, o nexo de causalidade entre a conduta e o dano e a culpa.

 

A culpa se caracteriza quando o agente causador do dano não tinha a intenção de causá-lo, mas por negligência, imperícia ou imprudência o causou, surgindo o dever de reparar.

 

Nesse sentido, a obstaculização dos autores à entrada no estádio, amplamente divulgados na imprensa local e nacional, inclusive com imagens do fato, sendo eles escoltados pela polícia militar, teve o condão de afetá-los em suas esferas mais íntimas. O nexo de causalidade também está presente, considerando que sem a conduta ilegal dos agentes das rés, em não permitir o acesso dos autores ao estádio, aqueles não sofreria abalos de ordem psicológicas. No que concerne a culpa, vislumbro que houve negligência das rés em elaborar documento destoante da legislação específica, que foi motivo determinante para a ação imprudente de seus agentes.

 

Ademais, as rés não demonstraram nos autos quais seriam os transtornos que as atitudes dos autores, vestidos com tais camisas, poderiam desencadear no sentido de prejudicar a integridade e segurança da partida ou da competição.

 

Os fatos trazidos a baila pelas rés, com o fito de demonstrar que tais atitudes dos autores poderiam desencadear atos de violência, não guardam similaridades com o caso em comento. Os autores não ostentavam camisas de cunho partidário. A “Tragédia de Port Said” ocorrida em estádio internacional, e trazida como ilustração pelas rés, ocorreu em evento onde se encontravam torcidas rivais, que não foi o caso da partida entre Japão e México.

 

Portanto, no caso em tela vislumbro ser razoável a pretensão dos autores, porquanto sofreram lesões com o incidente, causando-lhes frustrações, quebra de expectativa, descontentamentos e exposição midiática indesejada.

 

Assim, razão assiste aos autores quanto à indenização pelos danos morais.

 

É mister sobrelevar, nessa perspectiva, que a indenização por danos morais é pautada, precipuamente, pelos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, sem se descurar de sopesar a tríplice funcionalidade do instituto, vale dizer, pedagógica, punitiva e compensatória. Ressalta-se, igualmente, que deve guardar perfeita correspondência com a gravidade objetiva do fato e de seu efeito lesivo, bem como com as condições sociais e econômicas das partes. Destarte, devem ser observados, ainda, a jurisprudência, bem como as funcionalidades que balizam sua aplicabilidade.

 

III – DISPOSITIVO

 

Diante de todo exposto, nos termos do artigo 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para condenar as rés, FIFA - WORLD CUP BRASIL ASSESSORIA LTDA. e COMITÊ ORGANIZADOR BRASILEIRO LTDA. – COL/2014 FIFA WORLD CUP BRASIL, solidariamente, ao pagamento do valor de R$30.000,00 (trinta mil reais), para cada um dos autores, Ivan Braga Campos, Lívia de Paiva Pacheco e Rosalina Batista Braga, a título de indenização por dano moral, devidamente atualizada pelos índices da CGJ do TJMG, acrescida de juros de mora de 1% ao mês, a partir da sentença.

 

Condeno as rés, ainda, ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor da condenação, conforme ditames do art. 85, §2°, do NCPC.

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Belo Horizonte, 27 de abril de 2018.

 

 

 

 

Joaquim Morais Júnior

Juiz de Direito (em cooperação)