Autos nº 0267.14.001956-8

 

 

 

DECISÃO

 

 

 

Vistos etc.

 

 

O reeducando BRUNO FERNANDES DAS DORES DE SOUZA apresentou, através de Defensor Constituído, pedidos de saídas para trabalho externo, porque tem contrato de trabalho junto ao Montes Claros Futebol Clube e necessita de autorização judicial para iniciar seus treinamentos físico e com bola, que cumpriu um sexto da pena em regime fechado, sua esposa tem endereço certo na Comarca de Montes Claros/MG e o Clube disponibilizará profissional competente para treiná-lo na cidade de Francisco Sá e revisão na contagem da pena, pois encontra-se cumprindo pena desde 2010 e não desde 2012 (ff. 649/650).

O Ministério Público manifestou-se pelo não conhecimento do pedido de trabalho externo, pois houve preclusão da oportunidade para questionamento da decisão de ff. 633/634, que indeferiu o trabalho externo do reeducando, eis que a defesa não interpôs recurso cabível, que não há circunstâncias diversas daquelas presentes no momento da decisão e com relação ao pedido de retificação de cálculo de pena deve ser indeferido, porque o reeducando foi preso em 09/07/2010, contudo, parte do período em que ficou recluso foi utilizado para o cumprimento da pena referente ao crime de cárcere privado (Guia de ff. 02/04), que foi extinta conforme acórdão de ff. 233/287, sendo que o reeducando somente começou a cumprir efetivamente a pena de homicídio qualificado a partir da data de 08/04/2012 (ff. 652/653).

Despacho determinando a intimação do reeducando da decisão de ff. 633/634, com a informação de que caso queira poderá interpor recurso (f. 662).

Intimação do reeducando, com a informação de que não deseja recorrer da decisão (f. 664).

Despacho determinando que se oficiasse o Diretor da Penitenciária de Francisco Sá para informar se a Unidade Prisional dispõe de estrutura adequada e suficiente para o fim do art. 36 da LEP (f. 665).

Ofício do Diretor da Penitenciária de Francisco Sá (ff. 671/672).

É o relatório.

 

O reeducando requereu a revisão da sua contagem de pena e autorização para trabalho externo.

Quanto ao pedido de revisão da sua contagem, alega que estaria cumprindo pena desde 2010.

O Ministério manifestou-se pelo indeferimento.

O reeducando foi preso temporariamente no dia 09/07/2010 em Minas Gerais e o Juízo da Vara de Execuções Criminais de Contagem solicitou o envio da Guia de Execução Definitiva ou Provisória (f. 121).

Com o encaminhamento da Guia de Execução da Comarca de Rio de Janeiro, o reeducando começou a cumprir sua pena na Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem.

O Juízo da Vara de Execuções Criminais de Contagem deferiu a progressão de regime prisional, saídas temporárias e livramento condicional (ff. 140/142). O reeducando não foi posto em liberdade devido a impedimento (f. 148).

À f. 296 consta decisão, conforme o acórdão do TJRJ de ff. 229/292, determinou a baixa da Guia de Execução, pois houve a extinção da pena privativa de liberdade.

O acórdão de ff. 229/288 promoveu a readequação da pena imposta e declarou extinta a punibilidade ante o cumprimento da pena.

Sendo assim, o reeducando cumpria pena em virtude de condenação criminal na cidade do Rio de Janeiro/RJ e confirmada pelo TJRJ, durante o tempo em que esteve preso temporária e provisoriamente em Minas Gerais, não tendo como considerá-la como pena cumprida para a condenação em Minas Gerais.

Portanto, não merece prosperar o pedido de revisão da contagem da sua pena e, consequentemente, indefiro o pedido.

Quanto ao pedido de autorização para o trabalho externo, este merece uma análise mais detalhada.

A Lei de Execuções Penais estabelece, em seus arts. 28 a 30 e 36 e 37, o trabalho prisional, que é aquele que “não constitui uma agravação da pena, nem deve ser doloroso e mortificante, mas um mecanismo de complemento do processo de reinserção social para prover a readaptação do preso, prepará-lo para uma profissão, inculcar-lhe hábitos de trabalho e evitar a ociosidade”.1

Trata-se do segundo pedido de trabalho externo feito pelo reeducando. O primeiro feito perante o Juízo da Comarca de Contagem e o pedido foi indeferido, conforme decisão de ff. 633/634 e o reeducando foi intimado desta decisão (f. 664) e não interpôs recurso cabível.

O indeferimento do pedido de trabalho externo teve três fundamentos a saber: a) não havia condições para o cumprimento em Contagem do contrato noticiado pela defesa, porque o contratado/reeducando não estava residindo na Comarca de Montes Claros/MG, o que inviabiliza o deslocamento diário até o local de trabalho; b) no Complexo Penitenciário Nelson Hungria não há execução sistemática de trabalho externo, motivo pelo qual o deferimento para o ora requerente caracterizaria medida isolada e de privilégio; e, c) a admissão do trabalho externo em Unidade de Segurança Máxima vai contra os protocolos de segurança da própria Penitenciária.

A situação do reeducando não modificou em nada desde a primeira decisão.

Não existem condições para que o reeducando possa cumprir o contrato de trabalho em Comarca diversa da que se encontra recolhido, pois precisaria deslocar-se diariamente até o local de trabalho.

A Penitenciária de Francisco Sá não possui condições de cumprir o pedido, pois como informou o Diretor da Unidade Prisional:

 

Esta Unidade Prisional realiza custódia de presos de alta periculosidade, o que nos impõe um emprego de um efetivo maior em todas as atividades realizadas, sejam elas internas ou externas. A exemplo, toda escolta externa de presos são realizadas por 02 (duas) equipes de escoltas, dispostas em 02 (duas) viaturas, totalizando 08 (oito) Agentes Prisionais.

(...)

O atendimento da demanda apresentada, afetaria a segurança interna e externa desta Unidade Prisional, uma vez que seria necessário disponibilizarmos efetivo para cumprimento da escolta diariamente e, ainda, manutenção da guarda durante o decorrer do dia. Disporíamos, também, de viaturas para realização do transporte, sendo que esta Unidade possui apenas 04 (veículos) para atendimentos de todas as demandas, incluindo demandas judiciais para todo o Estado, pois 90% da nossa população carcerária não pertencem a esta região. (ff. 671/672)

 

Na Penitenciária de Francisco Sá não há execução de trabalho externo e o deferimento do pedido viola o protocolo de segurança da Unidade, conforme informado pelo Diretor da Penitenciária, além de caracterizar medida isolada e de privilégio.

O e. Tribunal de Justiça de Minas Gerais já se manifestou da seguinte maneira.

 

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. TRABALHO EXTERNO. OBRAS PÚBLICAS. REGIME FECHADO. ART. 36 DA LEP. CAUTELAS CONTRA A FUGA E EM FAVOR DA DISCIPLINA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
Não se afigurando possível tomar cautelas contra fuga e indisciplina determinadas no art. 36 da LEP, em razão de reduzido número de agentes penitenciários, não há como conceder o benefício do trabalho externo ao apenado que se encontra em regime fechado.

(Agravo em Execução Penal  1.0071.12.003700-8/001, Relator(a): Des.(a) Matheus Chaves Jardim , 2ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 22/08/2013, publicação da súmula em 02/09/2013) (Grifei)

 

Além disso, nos autos não consta o contrato de trabalho, cópia da carteira de trabalho assinada e nem o estatuto comercial da contratada. Não existe portanto comprovação da contratação e nem da empresa contratante.

O requerente alega, ainda que, teria cumprido 1/6 (um sexto) da pena e sua esposa tem endereço fixo na Comarca de Montes Claros/MG.

O fato da sua esposa residir em Montes Claros/MG não tem nenhuma relevância para a decisão, visto que o pedido é para trabalho externo.

E mais, diferentemente do alegado, o reeducando não atingiu um dos requisitos objetivos do art. 37, pois não cumpriu pelo menos 1/6 (um sexto) da sua pena.

Além disso, o trabalho externo nos moldes pleiteados violaria a Lei Federal nº 7.210/84 e conforme dito pela Defesa, “(...) há vedação ao Juiz de conceder a preso condenado direito que não os que a lei prevê (...)” (f. 622).

Primeiro porque o trabalho que deseja realizar é incompatível com o cumprimento de pena em regime fechado. Segundo porque um atleta de futebol profissional tem o dever legal de exercer em especial as seguintes atividades: a) participar dos jogos, treinos, estágios e outras sessões preparatórias de competições com a aplicação e dedicação correspondentes às suas condições psicofísicas e técnicas; b) preservar as condições físicas que lhes permitam participar das competições desportivas, submetendo-se aos exames médicos e tratamentos clínicos necessários à prática desportiva; e, c) exercitar a atividade desportiva profissional de acordo com as regras da respectiva modalidade desportiva e as normas que regem a disciplina e a ética desportivas (art. 35, inciso I a III da Lei Federal nº 9.615/98).

Além disso, é da sabedoria popular que um atleta profissional do futebol deverá participar, ainda, de treinamentos físicos e técnicos exigidos pelo Clube; participar de todos os jogos oficiais e amistosos, quando escalado, dentro e fora do país; concentrar para os jogos; submeter a tratamentos de lesões e realizar viagens, quase que semanais, entre outras.

Terceiro porque o deferimento do pedido causaria uma desestrutura considerável na Penitenciária de Francisco Sá que teria de dispor de veículos e Agente Penitenciários, diariamente, para manter as cautelas contra fuga e em favor da disciplina, exigidas pelo art. 36, in fine, da Lei Federal nº 7.210/84.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a vigilância é exercício do poder disciplinar do Estado:

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESO NO REGIME FECHADO. TRABALHO EXTERNO. INDEFERIMENTO. INDISPONIBILIDADE DE ESCOLTA POLICIAL. NECESSIDADE DE MEDIDAS CONTRA FUGA. EXERCÍCIO DA FISCALIZAÇÃO. PODER DISCIPLINAR. PRECEDENTE.

1. A permissão para trabalho externo, aos reeducandos do regime fechado de cumprimento de pena, está subordinada à capacidade e à disponibilidade de vigilância do Poder Público, considerada a possibilidade de fuga, e, ainda, à fiscalização estatal, no exercício do poder disciplinar sobre os apenados em cumprimento de pena. Precedentes.

2. Hipótese em que foi negado o trabalho externo à reeducando do regime fechado de cumprimento de pena, em razão da indisponibilidade de escolta policial para o devido acompanhamento.

Acórdão mantido.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp 492.982/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe 25/06/2014) (Grifei)

 

O e. Tribunal de Justiça de Minas Gerais entende da mesma forma:

 

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL - REEDUCANDO EM REGIME FECHADO - TRABALHO EXTERNO - OBRAS PÚBLICAS - ART. 36, DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS - CAUTELAS CONTRA A FUGA E EM FAVOR DA DISCIPLINA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A autorização de trabalho externo para presos que cumprem pena em regime fechado apenas é permitida em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da administração direta ou indireta, desde que tomadas as devidas cautelas contra a fuga e em favor da disciplina. 2. Não se afigurando possível tomar cautelas contra fuga e indisciplina determinadas no art. 36, da Lei de Execuções Penais, não há como conceder o benefício do trabalho externo ao apenado que se encontra em regime fechado.

(Agravo em Execução Penal  1.0051.12.001968-5/001, Relator(a): Des.(a) Rubens Gabriel Soares , 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 28/01/2014, publicação da súmula em 03/02/2014) (Grifei)

 

O art. 36 da Lei Federal nº 7.210/84 disciplina que:

 

Art. 36. O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.

§ 1º O limite máximo do número de presos será de 10% (dez por cento) do total de empregados na obra.

§ 2º Caberá ao órgão da administração, à entidade ou à empresa empreiteira a remuneração desse trabalho.

§ 3º A prestação de trabalho à entidade privada depende do consentimento expresso do preso.

 

Sendo assim, o trabalho externo para o reeducando em cumprimento de pena no regime fechado somente ocorrerá em serviço ou obras públicas, realizadas por órgãos da Administração Direito ou Indireta de qualquer Ente Federativo ou em entidade privada.

O doutrinador Júlio Fabbrini Mirabete, em sua obra clássica, assim se pronuncia.

 

Segundo o art. 36, caput, da lei de Execução Penal, e art. 34, §3º, do Código Penal, ao preso que estiver cumprindo a pena em regime fechado somente poderá ser atribuído trabalho externo em serviços ou obras públicas realizadas por órgãos da administração direta ou indireta ou entidades privadas, tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.

Entende-se como serviço público todo aquele que é instituído, mantido e executado pelo Estado, por meio de suas instituições e de seus órgãos, com o objetivo de atender a seus próprios interesses e de satisfazer às necessidades coletivas. Obras públicas são as que se realizam por iniciativa dos Poderes Públicos, em benefício da coletividade, ou seja, todas as construções ou todas as coisas feitas por iniciativa das autoridades públicas para uso público ou como um serviço público. Não estão incluídos no dispositivo em questão os serviços de interesse público, que se distinguem dos serviços públicos porque, embora com caráter de utilidade coletiva, são objeto de concessão outorgada a empresas ou instituições particulares que os exploram sob vigilância do próprio Estado, com fim meramente lucrativo, como, por exemplo, o serviço de transportes coletivos. Nesses serviços, somente é possível o trabalho dos presos que se encontrem em regime semiaberto.

(...)

O trabalho externo do condenado que cumpre pena em regime fechado é efetuado sob vigilância direta da Administração, ou seja, é necessária a escolta como cautela contra a fuga e em favor da disciplina. (Grifei) 2

 

A pretensão do reeducando não se enquadra no dispositivo legal, pois supondo (não há qualquer documentação nos autos que indique a natureza jurídica do Montes Claros Futebol Clube) que a empresa contratante seja uma empresa privada, ela deveria ter que firmar um contrato administrativo com o Estado para ofertar serviços para reeducandos recolhidos na Penitenciária, que poderia incluir o requerente, mas a escolha é discricionária da Unidade Prisional, obedecendo a aptidão, disciplina e responsabilidade.

Por todo o exposto, fundamentado na legislação, jurisprudência e doutrina, INDEFIRO os pedidos de revisão da contagem de pena e autorização para trabalho externo.

Considerando o teor do documento de f. 674, intime-se o reeducando, também, para constituir novo Procurador.

Oficie-se o Diretor da Penitenciária de Francisco Sá para informar o desejo do reeducando em trabalhar.

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P. R. I.

 

Francisco Sá, 28 de outubro de 2014.

 

 

Famblo Santos Costa

Juiz de Direito Substituto

 

 

 

1 MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Execução Penal. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 81.



2 MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Execução Penal. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 96.