Autos nº: 0024.14.288.904-7

 

Autora: Clara Renata Almeida de Abreu

 

Ré: Boate Swingers Lounge

 

Espécie: Ação de indenização por danos morais

 

SENTENÇA

 

I – RELATÓRIO

 

Vistos e examinados.

 

Trata-se de ação indenizatória proposta por Clara Renata Almeida de Abreu em face da Boate Swingers Lounge, em que a autora pleiteou a condenação da requerida ao pagamento de indenização por danos morais, em virtude do cancelamento de sua festa de aniversário.

 

Para tanto, a requerente alegou ter entrado em contato com o promotor de eventos da ré, em 12/09/2014, objetivando a comemoração do seu aniversário na data de 20/09/2014, na boate requerida. Na ocasião, foi informada de que havia a possibilidade de realização do evento e de que a lista de convidados poderia ser enviada até o dia 20/09/2014.

 

Diante da confirmação por parte do promotor de eventos, a autora divulgou a festa para seus amigos na rede social facebook, e, na data de 18/09/2014, enviou a lista de convidados para o promotor de eventos, valendo-se dessa mesma rede social. Duas horas depois, ele respondeu que a disponibilidade para comemoração de aniversários havia se esgotado, o que ocasionou o cancelamento da festa da requerente.

 

Segundo a autora, a comemoração de seu aniversário na boate ré foi negada pelo fato de ela ser negra. Isso porque a negativa ocorreu somente após a apresentação de sua aparência para o promotor de eventos, por meio das fotos da rede social facebook. Além disso, como forma de confirmar essa tese, uma convidada da requerente, de cor branca, entrou em contato com outro promotor de eventos da ré na data de 19/09/2014, objetivando uma suposta comemoração de aniversário no dia seguinte, tendo obtido resposta afirmativa.

 

Diante do exposto, a autora postulou a condenação da ré ao pagamento de danos morais, seja em virtude da conduta discriminatória perpetrada pelo promotor de eventos, seja em razão da falha na prestação de serviços, consistente no cancelamento de uma comemoração já agendada. Por fim, requereu a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.

 

A petição inicial veio acompanhada da procuração (fl. 07) e de documentos (fls. 08-40).

 

Foi deferido o requerimento de justiça gratuita (fl. 42).

 

Na contestação de fls. 47-56, a requerida alegou, em síntese: que não houve falha na prestação de serviços, uma vez que o combinado entre a autora e o promotor de eventos da ré em 12/09/2014 consistiu em uma pré-reserva condicionada à posterior confirmação, e que o referido funcionário informou à autora com a devida antecedência sobre a impossibilidade da realização da comemoração, em virtude da lotação do espaço; que a autora não logrou êxito em demonstrar a discriminação racial perpetrada, tendo, inclusive, admitido que já frequentou a boate ré em outras ocasiões; que, em caso de eventual condenação à indenização por danos morais, devem ser observadas a proporcionalidade e a razoabilidade, e que o ajuizamento da presente ação configura litigância de má-fé.

 

Impugnação à contestação às fls. 88-89.

 

Especificações de provas às fls. 91 (autora) e 93-94 (ré).

 

Ata da audiência de instrução e julgamento às fls. 113 e 115-118.

 

Alegações finais às fls. 123-125 (autora) e 127-132 (ré).

 

Em seguida, vieram os autos conclusos para sentença (fl. 133).

 

É o relatório. Passo a decidir.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

Verifico que não há nulidades a sanar e nem preliminares pendentes de análise. Presentes, pois, as condições da ação e os pressupostos processuais, passo ao exame do mérito.

 

Trata-se de ação indenizatória em que a autora pleiteou a condenação da requerida ao pagamento de indenização por danos morais, em virtude do cancelamento de sua festa de aniversário.

 

Inicialmente, cumpre observar que se aplica o Código de Defesa do Consumidor (CDC) ao presente feito, porquanto as partes se enquadram nos conceitos de consumidor e de fornecedor estabelecidos pelos arts. 2º e 3º desse diploma legal.

 

Entretanto, não é o caso de aplicar a inversão do ônus da prova, uma vez que está ausente o requisito da hipossuficiência técnica da consumidora - isto é, a dificuldade dessa na produção de provas -, exigido pelo art. 6º, VIII, do CDC. Assim é que a autora logrou êxito em provar a falha na prestação de serviços por parte da ré, ensejadora de danos morais, consoante será demonstrado.

 

Pois bem, a análise das provas acostadas aos autos pela parte autora demonstra que ela entrou em contato com o promotor de eventos da ré em 12/09/2014, objetivando a comemoração do seu aniversário na boate requerida em 20/09/2014 (conforme conversa de whatsapp de fl. 11-18), e que, nessa ocasião, recebeu permissão incondicionada para a realização da festa.

 

De fato, tendo o promotor de eventos da ré dito à autora que ela poderia lhe enviar a lista de convidados no próprio dia da comemoração (20/09/2014), e já ciente de que a requerente havia manifestado o desejo de enviar, desde logo, o convite para seus amigos (fl. 12), infere-se que ele autorizou a realização do aniversário de maneira definitiva e sem condicioná-la à posterior análise da lista de convidados, tomando como suficiente a comunicação da autora no sentido de que sua lista abrangia “mais ou menos 45 pessoas” (fl. 11).

 

A definitividade da autorização é confirmada pelo fato de o promotor de eventos ter enviado à requerente, no dia 12/09/2014, um banner virtual contendo a logomarca da boate ré e a data e a hora da festa (fl. 13), para que ela o repassasse aos seus amigos a título de convite (fls. 29, 115-115v, e 116-116v), e pelo fato de ele ter perguntado, no dia 15/09/2014, se a autora estava animada para a comemoração que se daria no final de semana (fls. 18-19), e ainda lamentado a impossibilidade de estar presente na festa e de conhecê-la pessoalmente (fls. 19-20).

 

Destarte, por entender que o comportamento do promotor de eventos foi incompatível com o que deveria ter sido adotado em caso de pré-reserva condicionada à confirmação posterior, reputo o cancelamento da festa sob o argumento de esgotamento da “disponibilidade para aniversários” (fl. 24), como flagrante abuso, configurando um defeito na prestação de serviços por parte da ré (art. 14 do CDC).

 

Na oportunidade, vale mencionar que as cláusulas contratuais previstas no endereço eletrônico da ré, no sentido de que a boate tem capacidade para 850 (oitocentos e cinquenta) pessoas, e de que “a casa garantirá somente a entrada de 1/3 de clientes não cadastrados, estando a entrada sujeita a disponibilidade e ausência de reservas anteriores” (fl. 65), em nada auxiliam a parte requerida. Isso porque, embora a autora se enquadre na cláusula pelo fato de não possuir cadastro vip, é certo que sua entrada e a de seus convidados foi inequivocamente assegurada de forma prévia pelo promotor de eventos, como já ressaltado.

 

Além disso, é certo que a única reserva para o dia 20/09/2014 feita anteriormente à da requerente foi aquela de fl. 67, cuja lista previa 93 (noventa e três) convidados, número esse muito inferior a 1/3 (um terço) de 850 (oitocentos e cinquenta) pessoas.

 

Portanto, são inequívocos: o defeito na prestação de serviços por parte da ré (art. 14 do CDC) - consistente no cancelamento arbitrário da festa de aniversário da autora -, os transtornos causados à autora, que passou pelo constrangimento de avisar a seus convidados sobre o cancelamento da comemoração, faltando apenas dois dias para o evento, bem como o nexo causal entre esses dois elementos da responsabilização civil consumerista. Também vale mencionar, por oportuno, que a requerida não comprovou a presença de qualquer das excludentes previstas no art. 14, §3º, do CDC.

 

Diante disso, assiste razão à requerente quanto ao pedido de indenização por danos morais, valendo mencionar que esses surgem quando há lesão de um bem imaterial integrante da personalidade do indivíduo, tal como a liberdade, a dignidade, a honra e a integridade da esfera íntima, causando sofrimento e dor física ou psicológica à vítima.

 

No que se refere ao quantum indenizatório, é preciso levar em consideração as condições das partes, as circunstâncias em que ocorreu o evento danoso, o grau de culpa do ofensor e a intensidade do sofrimento do ofendido. Deve-se considerar também o caráter repressivo-pedagógico da reparação, para propiciar à vítima uma compensação pela dor e sofrimento vivenciados, mas sem que se caracterize enriquecimento ilícito.

 

Sobre o tema, vale citar o magistério de Maria Helena Diniz:

Na reparação do dano moral, o magistrado deverá apelar para o que lhe parecer equitativo ou justo, agindo sempre com um prudente arbítrio, ouvindo as razões das partes, verificando os elementos probatórios, fixando moderadamente uma indenização. O valor do dano moral deve ser estabelecido com base em parâmetros razoáveis, não podendo ensejar uma fonte de enriquecimento nem mesmo ser irrisório ou simbólico. A reparação deve ser justa e digna. Portanto, ao fixar o quantum da indenização, o juiz não procederá a seu bel prazer, mas como um homem de responsabilidade, examinando as circunstâncias de cada caso, decidindo com fundamento e moderação.” (Revista Jurídica Consulex, n. 3, de 31/03/97)

 

No caso em pauta, é preciso considerar a frustração, a quebra de expectativa e o descontentamento gerados à requerente pelo cancelamento arbitrário de sua festa de aniversário, o constrangimento pelo qual ela passou ao ter que avisar seus amigos, já convidados, de que a festa não mais ocorreria, bem como o fato de o cancelamento ter se dado com apenas dois dias de antecedência, impossibilitando o reagendamento da comemoração em outro estabelecimento (fls. 116-116v).

 

Nesse ponto, vale mencionar que a conduta racista por parte da ré e de seu promotor de eventos não restou devidamente comprovada, motivo pelo qual essa circunstância não deve ser sopesada na fixação do quantum indenizatório.

 

Com efeito, embora a requerente tenha alegado que a comemoração de seu aniversário na boate ré foi negada pelo fato de ela ser negra, entendo que esse fato é bastante duvidoso, não sendo possível aferir o real motivo do cancelamento do evento. Isso porque, no dia 12/09/2014, isto é, na data do primeiro contato da autora com o promotor de eventos da parte ré, esse já a havia adicionado na rede social facebook (fl. 15), e, portanto, já tinha ciência de que ela era negra, e ainda sim aceitou a realização do evento. Também não se pode olvidar de que a boate em questão costuma aceitar a frequência de pessoas negras, como provado às fls. 71-78 e 117.

 

Vale mencionar, por oportuno, que o simples fato de uma convidada da requerente, de cor branca, ter conseguido, em 19/09/2014, a confirmação para a realização de um evento na boate ré no dia seguinte (fls. 115-115v), por si só não conduz à conclusão de comportamento discriminatório por parte da requerida, pois essa convidada acionou um promotor de eventos distinto daquele que atendeu a autora, sendo possível que esse funcionário tenha sido mais diligente na averiguação das condições de realização de eventos na boate ré no dia 20/09/2014.

 

Destarte, pelos motivos expostos acima, é de rigor a procedência do pedido indenizatório formulado na peça inicial. Justamente por isso, não merece prosperar o pleito de condenação da autora por litigância de má-fé.

 

III – DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, resolvendo-se, assim, o mérito, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil de 2015, para condenar a requerida a pagar à autora o valor de R$20.000,00 (vinte mil reais) a título de danos morais, corrigido monetariamente pela tabela da CJMG e acrescido de juros de mora de 1% do mês, ambos a contar da data do arbitramento.

 Condeno a ré ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da condenação, atento ao disposto no art. 85, §2º, do Novo Código de Processo Civil.

 

Publicar.

Registrar.

Intimar.

Certificar.

 

Belo Horizonte, 04 de abril de 2018.

 

 

 

Joaquim Morais Júnior

Juiz de Direito (em cooperação)